RESUMO: O presente artigo é um estudo dedutivo e explicativo realizado com a finalidade de validar os estudos já realizados sobre o objeto da pesquisa e identificar as causas e efeitos que geram a obrigação do Estado em indenizar os presos que estão sob sua custódia pelos danos que estes sofreram dentro das penitenciárias. Para tal compreensão foi feita pesquisa doutrinária, jurisprudencial e revisão bibliográfica, para compreender como se estrutura e funciona a responsabilização do sistema penitenciário na manutenção da segurança e integridade física de seus detentos.
O artigo versará sobre a responsabilidade civil do Estado em situações que seu sistema prisional não tenha sido capaz de garantir a devida segurança e proteção à saúde, integridade física e a vida de seus tutelados.
O objetivo do aludido artigo é abordar sobre a crise enfrentada pelo país em seu sistema prisional que tem como principal fator de eclosão, a falta de destinação dos recursos públicos para aplicar melhorias significativas na área.
Palavras-chave: responsabilidade civil, sistema penitenciário, integridade física.
ABSTRACT: The present article is a deductive and explanatory study carried out with the purpose of validating the studies already carried out on the research object and identifying the causes and effects that generate the obligation of the State to indemnify the prisoners who are in its custody for the damages that they suffered inside prisons. For such an understanding, doctrinal and jurisprudential research and a bibliographical review were carried out, to understand how the penitentiary system is structured and held accountable for maintaining the safety and physical integrity of its detainees.
The article will deal with the civil liability of the State in situations where its prison system has not been able to guarantee the proper security and protection of the health, physical integrity and life of its prisoners.
The purpose of the aforementioned article is to address the crisis faced by the country in its prison system, which has as its main outbreak factor, the lack of allocation of public resources to apply significant improvements in the área.
Keywords: civil liability, penitentiary system, physical integrity.
- INTRODUÇÃO
Segundo os preceitos contidos na Constituição Federal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal e demais dispositivos legais que regulam sobre o assunto abordado no presente artigo, bem como, a proteção dos direitos humanos dos detentos durante sua passagem no sistema prisional, dispõem que o cumprimento de sua pena não pode privá-lo de nenhum dos direitos que não sejam objeto da sua condenação.
A previsão mencionada, impõe ao Poder Público e ao Estado, o dever de guarda e observância desses direitos assegurados aos seus tutelados, e seu descumprimento acarreta em sua responsabilização objetiva, como será demonstrado adiante.
O artigo também tem como objetivo, demonstrar a crise enfrentada pelo sistema prisional do Brasil, gerada pela falta de destinação dos recursos para a melhoria dos presídios e fornecimento de condições dignas para a população encarcerada, impulsionados pelo encarceramento em massa.
O método de pesquisa utilizado será o dedutivo, partindo de uma análise de aspectos gerais doutrinários acerca do tema, para um estudo mais específico, com revisões bibliográficas e jurisprudenciais, também será feito uso de dados estatísticos de pesquisas, artigos científicos, artigos de jornais e revistas, relativos ao tema.
Diante de todos esses problemas enfrentados pelos encarcerados e o descaso que o Poder Público tem com essa situação, a propositura de ações para indenização dos detentos que vivem nessas situações precárias são cada vez mais crescentes, e em sua maioria constituem favoráveis aos direitos negligenciados a estes.
Por fim, o objetivo principal da aludida pesquisa é estabelecer o nexo de causalidade entre a omissão do Estado e os danos que acometem os detentos.
2. AS TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ART. 37, §6 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SEUS ELEMENTOS DETERMINANTES
Houve uma fase chamada de teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, a qual pode-se encontrar referências no Código Civil de 1916, em seu artigo 15 estabelecia que
As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.
A aplicação dessa teoria foi reforçada nas constituições de 1934 e 1937, antecessoras à atual vigente, nestas, além de conter a previsão de responsabilização subjetiva do Estado, previa também a responsabilidade subsidiária entre o agente estatal e a Fazenda Pública, como expressa o artigo 171, da Constituição de 1934, “Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos”.
Mesmo sendo um grande avanço frente a fase de irresponsabilidade civil que a antecedia, a teoria subjetivista era incompatível na prática, isso porque, era notória a hipossuficiência do administrado frente ao Estado para comprovar a ocorrência de culpa ou dolo em seus atos.
Em seguida, surge a chamada teoria objetiva da responsabilização civil do Estado, que dispõe sobre a falta de necessidade de comprovação do elemento culposo na ação ou na omissão, do agente ou do poder público, que gera o dano e a necessidade de reparação à vítima, como conceitua José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 305),
Consoante esse dispositivo, não só as pessoas jurídicas de direito público, como as pessoas de direito privado prestadoras de serviço público sujeitam-se ao princípio da responsabilidade objetiva, que se caracteriza, como sabido, pela desnecessidade de investigação sobre o elemento culposo na ação ou omissão.
Podemos notar que, em casos que envolvem entes estatais e seus jurisdicionados, em regra, estes respondem objetivamente pelos danos causados a terceiros, basta que exista a relação causal entre o dano e o comportamento do agente, como artigo 37, § 6º, da CF demonstra, vejamos:
Art. 37, §6º, da CF: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável em casos de dolo ou culpa".
A teoria adotada pelo Brasil foi a do risco administrativo, como explica Tartuce (p. 603, 2017),
Voltando especificamente sobre à responsabilidade do Estado, trata-se de responsabilidade objetiva, não se discutindo sequer se houve culpa do funcionário, agente ou preposto do Poder Público. Na verdade, a culpa do agente serve apenas para fixar o direito de regresso do Estado contra o responsável direto do evento.
Compreende-se que, ao ser chamado para reparar o dano causado por terceiros a outrem, o Estado inicialmente repara este dano, e depois, analisa se houve dolo ou culpa na conduta do agente público, e se houver, entra com uma ação de regresso para recuperar o prejuízo patrimonial sofrido na reparação do dano que cabia ao agente público que cometeu a falta.
Isso porquê, o Estado, na medida que restringe ou até mesmo retira a liberdade do indivíduo, deve em contrapartida garantir que sua integridade física não será violada, tendo, portanto, o dever de vigilância.
O artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, dispõe sobre a obrigação do Estado em proteger os indivíduos, de modo que, a privação de liberdade decretada em sentença, não viole outros direitos que essa não tenha objetivo de atingir em seu teor.
No entendimento firmado em doutrina, Flavio Tartuce (p. 1085, 2022) didaticamente aponta os quatro pressupostos necessários para configurar o dever de indenizar, dentre eles há a conduta humana, que se configura por uma ação ou omissão, via de regra, para a omissão é necessário que haja a confirmação que o dano seria evitado, caso a conduta fosse praticada.
Por isso, quando ocorre qualquer evento danoso aos detentos ou até mesmo morte dentro do estabelecimento prisional, configura como omissão específica do Estado, vez que, este se encontra em posição de garante e tem o dever de agir para evita-los.
Em razão dessa previsão trazida pela própria Constituição Federal do Brasil, o Supremo Tribunal Federal em ementa sobre o tema 592, firmou a tese de que “Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento.”
3. A REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Segundo dados fornecidos pelo SISDEPEN (Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional), o Brasil possui em média 1.424 unidades prisionais. O mesmo instituto, em um levantamento de dados realizado no período de julho a dezembro de 2021, informa que a população encarcerada do país ultrapassa a marca de 670.000 presos em diversos regimes de cumprimento de pena, conforme imagem a seguir:
Gráfico 1 – População total encarcerada e regime de cumprimento de pena
Fonte: SISDEPEN, 2021
Analisando a tabela, podemos compreender que os dados sugerem que houve uma diminuição considerável de 11% desde o ano de 2019 no número de presos sob custódia das penitenciárias, entretanto, a referida baixa não foi capaz de suprimir a superlotação dessas unidades, que operam ultrapassando em torno de 45% sua capacidade máxima.
Em alguns casos o Estado já foi sentenciado a indenizar por conta das condições insalubres que se encontram seus presídios, como no recurso extraordinário 580.252 julgado pelo Supremo Tribunal Federal, abaixo transcrito:
RE 580252, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão Geral. Constitucional. Responsabilidade civil do Estado. Art. 37, § 6º. 2. Violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários. Indenização. Cabimento. O dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados por ato de agentes estatais ou pela inadequação dos serviços públicos decorre diretamente do art. 37, § 6º, da Constituição, disposição normativa autoaplicável. Ocorrendo o dano e estabelecido o nexo causal com a atuação da Administração ou de seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado. 3. "Princípio da reserva do possível". Inaplicabilidade. O Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto permanecerem detidas. É seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir danos que daí decorrerem. 4. A violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não pode ser simplesmente relevada ao argumento de que a indenização não tem alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, que depende da definição e da implantação de políticas públicas específicas, providências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Esse argumento, se admitido, acabaria por justificar a perpetuação da desumana situação que se constata em presídios como o de que trata a presente demanda. 5. A garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica, dos detentos, constitui dever estatal que possui amplo lastro não apenas no ordenamento nacional (Constituição Federal, art. 5º, XLVII, “e”; XLVIII; XLIX; Lei 7.210/84 (LEP), arts. 10; 11; 12; 40; 85; 87; 88; Lei 9.455/97 - crime de tortura; Lei 12.874/13 – Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), como, também, em fontes normativas internacionais adotadas pelo Brasil (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 1966, arts. 2; 7; 10; e 14; Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, arts. 5º; 11; 25; Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas – Resolução 01/08, aprovada em 13 de março de 2008, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Convenção da ONU contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984; e Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros – adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Delinquentes, de 1955). 6. Aplicação analógica do art. 126 da Lei de Execuções Penais. Remição da pena como indenização. Impossibilidade. A reparação dos danos deve ocorrer em pecúnia, não em redução da pena. Maioria. 7. Fixada a tese: “Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento”. 8. Recurso extraordinário provido para restabelecer a condenação do Estado ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao autor, para reparação de danos extrapatrimoniais, nos termos do acórdão proferido no julgamento da apelação.
A superlotação narrada é alvo de diversas críticas e intervenções do Conselho Nacional de Direitos Humanos, isso porque, coloca em risco a saúde e a integridade física dos encarcerados, que convivem em condições insalubres, não têm camas para dormir, e não encontram sequer espaço para se sentar dentro das celas que foram projetadas para acomodar aproximadamente 12 presos e costumam acolher em média 40 detidos ou mais, conforme podemos analisar no gráfico abaixo:
Gráfico 2 – Comparativo da população encarcerada em relação às vagas por ano
Fonte: SISDEPEN, 2021
A situação piora de um estado para o outro, alguns dos detidos relatam que convivem com insetos dentro das celas e em condições sanitárias precárias, e no que diz respeito em questões de tratamento de saúde, esses estabelecimentos prisionais possuem poucas equipes para consultas e tratamentos especializados, resultando na violação reiterada de direitos fundamentais dos detentos, decorrentes da omissão na fiscalização que cabe ao poder público que é responsável pela administração desses presídios.
O período de julho a dezembro de 2021 registrou 961 mortes em todo o Brasil, e suas causas são diversas, dentre essas, 105 foram criminosas, e podem ser atribuídas como responsabilidade do Estado por não ter garantido a segurança e a integridade física desses detentos, e mais 71 mortes por suicídio e 73 mortes por causas desconhecidas, que dependendo da comprovação do nexo causal delas, também poderiam entrar para a conta do Estado, por não cumprir com seu dever de vigilância.
Compreende-se que,
4. ANÁLISE DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO E REPARAÇÃO NO CASO DE MORTE NA PENITENCIÁRIA
Para ilustrar melhor os contornos da responsabilidade civil do Estado em relação aos detentos que estão sob sua custódia, é importante analisar alguns acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, especificamente iremos tratar sobre o acórdão proferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 841.526, relatado pelo Ministro Luiz Fux, vejamos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO.
No caso em análise, o detento faleceu por asfixia mecânica e não foi possível determinar a causa da morte, se foi suicídio ou homicídio.
O Estado do Rio Grande do Sul, local onde o detento cumpria sua pena, apresentou sua apelação alegando que havia indícios da causa da morte ser suicídio, afastando o nexo de causalidade e a aplicabilidade do artigo 37, §6, da Constituição Federal.
Em seu voto, o ministro relator discorre sobre a teoria do risco administrativo adotada pela CF/88 e sobre os entendimentos jurisprudenciais que firmam o entendimento para os casos de condutas omissivas do garantidor, este que não é explicito no dispositivo legal supracitado.
O ministro ainda, reitera sobre o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, de que as omissões estatais também se fundamentam no artigo mencionado, mas, contudo, nesses casos é necessário que seja demonstrado que o dano experimentado pela vítima seja decorrente dessa omissão, quando esta tinha o estrito dever de agir e não o fez, nascendo dessa forma o dever de indenizar, independente da culpa. Nos casos em que não há possibilidade de evitar o dano, o nexo causal é rompido inexistindo o dever do Estado de indenizar.
Após isso, o relator informou que não houve por parte do Estado a comprovação de alguma das excludentes de responsabilidades, motivo que manteve a decisão que determinava que o ente deveria indenizar pela morte do detento, aplicando a tese firmada no tema 592, julgado diversas vezes pelo Supremo Tribunal Federal, “Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento.”
Entende-se pela decisão analisada que, nos casos de omissão por parte do Estado, sua responsabilização se dará, objetivamente, se decorrer da inobservância do seu dever específico que proteger seus tutelados.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a garantia de preservação da integridade física e à moral do preso é uma garantia constitucional, de eficácia plena e deve ser observada pelo Estado enquanto esse se encontra como garantidor dos seus tutelados na aplicação das suas penas.
Pouco se é falado sobre as condições do sistema prisional do Brasil, mesmo sendo de conhecimento público as condições precárias das penitenciárias brasileiras, e a necessidade de um ambiente mais salubre que contribua para aplicar o plano de ressocialização dos detentos previsto na Lei de execução penal, Nucci (2020, p. 45) preceitua que, a união da comunidade, juntamente com o Estado, é fundamental para a promoção efetiva da recuperação social do preso.
Há também a falta de iniciativa do Poder Público em estudar meios de melhoria nas instalações carcerárias para garantir a dignidade dos detentos, como pregoa Gabriel Dantas (2022, p. 77) quando diz que, o Estado Brasileiro não tem grandes resultados na ressocialização dos presos, uma vez que, esses adentram ao cárcere e se tornam verdadeiros profissionais do crime por conta das violências que sofrem pelo próprio Estado, que não dá condições mínimas para gerar arrependimento do mal praticado por eles. Por isso o cárcere no país é um violador dos direitos fundamentais individuais, que acarreta diariamente novas ações judiciais, e, consequentemente, mais indenizações devidas pelo Estado.
Por fim, espera que os fatos trazidos e estudados no presente artigo, possam contribuir para maior elucidação do assunto e para que seja firmado como valor fundamental para todos da sociedade o respeito à dignidade da pessoa humana, independente de seus atos.
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