Ivana Gisele Maia Araujo
Advogada. Pós Graduada em Direito Público e em Direito Privado - EMERJ. Pós Graduada em Direito do Consumidor - PUCRIO. Especialista em Ciências Criminais e Segurança Pública UERJ(andamento). <http://lattes.cnpq.br/4144414812729577>.
Resumo o crescimento acelerado da violência urbana propicia o uso frequente do discurso baseado no movimento lei e ordem e a consequente tolerância zero. Aliado ao sentimento de medo e insegurança social, a defesa da lei e da ordem começa a dar uma nova ótica às políticas públicas tão defasadas pela interpretação distorcida dos direitos humanos e do garantismo penal. Com o objetivo de igualmente assegurar direitos fundamentais, a teoria lei e ordem pode ser importada do direito norte americano na tentativa de garantia do direito à segurança pública e do direito à vida do cidadão. Defende-se a criação da taxa de polícia a propiciar aumento na arrecadação de recursos público, com vistas a melhoria da estrutura policial. A essência do trabalho é demonstrar a viabilidade da aplicação dos preceitos lei e ordem através do aparelhamento das instituições persecutórias aliado às políticas públicas, a fim de possibilitar a redução da criminalidade no Brasil.
Abstract the accelerated growth of urban violence favors the frequent use of discourse based on the law and order movement and the consequent zero tolerance. Allied to the feeling of fear and social insecurity, the defense of law and order begins to give a new perspective to public policies so outdated by the distorted interpretation of human rights and criminal guaranteeism. In order to equally ensure fundamental rights, the theory of law and order can be imported from North American law in an attempt to guarantee the right to public security and the right to life of the citizen. The creation of the police fee is defended to provide an increase in the collection of public resources, with a view to improving the police structure. The essence of the work is to demonstrate the feasibility of applying the precepts of law and order through the rigging of persecutory institutions allied to public policies, in order to enable the reduction of crime in Brazil.
Palavras-chave Direito Penal. Direitos e garantias fundamentais. Movimento lei e ordem. Tolerância zero. Segurança pública. Taxa de polícia.
Keywords Criminal Law. Fundamental rights and guarantees. Law and order movement. Zero tolerance. Public security. Police fee.
Sumário Introdução. 1. O surgimento e a adoção do movimento lei e ordem nos Estados Unidos como um modelo a ser seguido pelo Brasil. 2. Como o crescimento da violência urbana acalenta políticas criminais fundamentadas no discurso lei e ordem. 3. A possibilidade de efetivação da política tolerância zero no combate a criminalidade: uma realidade que esbarra na falta de política pública adequada e na ineficiente gestão orçamentária. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A proposta desta pesquisa é refletir sobre a possibilidade de se reduzir os índices de criminalidade, utilizando no ordenamento jurídico pátrio, as premissas norteadoras do movimento lei e ordem e da política de tolerância zero, tendo em vista as situações extremadas de violência vividas nos dias de hoje e perda do poder coercitivo da norma penal frente ao cidadão.
A temática escolhida comporta grande controvérsia no âmbito doutrinário, pois os críticos de teorias baseadas na lei e ordem argumentam que haveria um retrocesso aos direitos fundamentais e inchaço no sistema carcerário ao se punir os delitos menores com mais rigor e não evitaria a desordem e nem a efetividade do ius puniendi, já que o direito penal deve ser visto como ultima ratio
Entretanto seus defensores atentam para a necessária mudança da forma como a política criminal é gerida pelo poder público. É necessário ressaltar que a ineficácia do Estado na persecução penal é consequência da má gestão orçamentária e de políticas públicas baseadas em um garantismo penal deturpado, em que o delinquente aparenta ter alguns direitos resguardados de uma forma mais eficaz que a própria vítima.
No primeiro capítulo, pretende-se analisar o surgimento do denominado movimento lei e ordem, que se deu nos Estados Unidos, bem como a evolução histórica no ordenamento jurídico em que foi inserido à época. Além do mais, há a necessidade de demonstração do modo escolhido para a operacionalização da nova sistemática de controle da criminalidade.
O segundo capítulo conta com a observância da maneira como os discursos políticos lastreados no movimento lei e ordem crescem em consonância ao aumento da violência urbana. Há uma análise dos preceitos constitucionais que são assegurados quando a lei e a ordem são aplicadas de forma mais rígida, na tentativa de frear a disparada da criminalidade.
No terceiro capítulo são traçados os limitadores da aplicação da tolerância zero, quais sejam: a falta de seriedade nas políticas públicas das últimas décadas e a ineficiência na gestão do orçamento público. Ao final, é apresentada a possibilidade de se viabilizar a redução dos atuais índices de violência urbana: a criação da taxa de polícia.
O trabalho possui o objetivo de demonstrar que a adoção de preceitos teóricos usados pelo movimento lei e ordem não são violadores de direitos fundamentais, como parte da doutrina defende, ao contrário, focam em duas vertentes sensíveis à população: a garantia da segurança, considerada um direito constitucional de 2ª geração, bem como a retomada da função estatal precípua, qual seja, o ius puniendi, reduzindo a sensação de impunidade e de ineficiência do Poder Judiciário.
A proposta é encaminhar a pesquisa pelo método hipotético-dedutivo, já que se pretende estabelecer através de pensamentos considerados válidos e eficazes a confirmação da tese a ser defendida.
Para tanto, a abordagem do objeto desta pesquisa jurídica será qualitativa, pois o pesquisador pretende se valer de bibliografia referendada no âmbito jurídico, bem como a utilização da legislação, doutrina nacional e comparada, para sustentar os argumentos que melhor se coadunam com a sua tese.
1. O SURGIMENTO E A ADOÇÃO DO MOVIMENTO LEI E ORDEM NOS ESTADOS UNIDOS COMO UM MODELO A SER SEGUIDO PELO BRASIL
Em primeiro lugar, deve ser destacado que o movimento lei e ordem surge na força contra majoritária que se inseria a sociedade pós Segunda Guerra Mundial e nasce como uma esperança de frear os crescentes índices de criminalidade das grandes metrópoles, aumentando a atuação policial na reprimenda dos delitos praticados.
Nos Estados Unidos, em meados da década de 70, advém a necessidade de repressão máxima e com ela, a elaboração de variadas leis repressivas. Por consequência, a sociedade se ramifica em dois grupos: aquele composto por pessoas do bem, as quais merecem a proteção das leis; e os delinquentes, considerados inimigos da sociedade e do Estado, que devem ser punidos de forma que não haja reincidências criminosas.
Como consectário do movimento lei e ordem, em meados dos anos 80, surge a teoria da tolerância zero, simbolizada na política criminal adotada nos anos 90, pelo então prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, que transforma a capital do crime em uma das cidades mais seguras dos Estados Unidos.
A teoria da tolerância zero é baseada em um viés mais conservador do estudo da criminologia e traduz uma forma inédita de administrar a vida em sociedade e a conturbada relação polícia/cidadão.
Nesse sentido, a repressão confere espaço à permanente vigilância do Estado, permitindo-o punir de forma concreta os infratores da lei, bem como propicia que a burocracia em demasia ceda espaço às novas responsabilidades e funções das autoridades distritais e seus policiais.
Sobre a tolerância zero, Benoni Belli[1] explica que:
O programa Tolerância Zero se baseia, em grande medida, na chamada teoria das "janelas quebradas" ("Broken Windows"), divulgada pelo famoso artigo homônimo de autoria de James Q. Wilson em parceria com George Kelling e publicado em 1982 na revista norte-americana Atlantic Montly. O argumento principal dessa "teoria" é o de que uma pequena infração, quando tolerada, pode levar a um clima de anomia que gerará as condições propícias para que crimes mais graves vicejem. A metáfora das janelas quebradas funcionaria assim: se as janelas quebradas em um edifício não são consertadas, as pessoas que gostam de quebrar janelas assumirão que ninguém se importa com seus atos de incivilidade e continuarão a quebrar janelas.
O resultado seria um sentimento geral de decadência e desamparo em que a desordem social encontraria terreno fértil para enraizar-se e gerar seus frutos maléficos. Ou seja, a violência urbana e os crimes graves seriam o último elo de uma cadeia em que pequenas infrações levam a formas mais acerbas de delinqüência. As pequenas desordens do cotidiano das grandes cidades seriam o embrião de patologias mais graves sob a leniência ou condescendência dos órgãos de segurança do Estado, os quais, preocupados em resolver os crimes violentos, sobretudo homicídios, roubos e estupros, perderiam de vista a dimensão preventiva da luta contra as ofensas que afetam a "qualidade de vida".
Em decorrência da teoria da tolerância zero, Ivo Aragão[2] destaca a necessidade de se coadunar o estudo à teoria da vidraça quebrada Broken Windows Theory[3] que preconizava o dito popular: quem rouba um ovo, rouba um boi, mensurando que a punição de qualquer conduta, mesmo com reduzido grau de ofensividade ao bem jurídico, possui finalidade de apresentar exemplos à sociedade e ampliar sensação de autoridade do Estado[4].
Percebe-se que a teoria das janelas quebradas emergia na sociedade como uma espécie de solução milagrosa no combate à criminalidade, pois os delitos menos gravosos, agora severamente punidos, gerariam no cidadão a sensação de maior segurança e de confiança no Estado, que conseguia garantir a aplicação da lei e da ordem.
Em sua obra, Tiago Ivo Odon[5] explica que a implementação do programa tolerância zero contou com (a) um Departamento de Polícia de Nova York completamente reestruturado, através de serviços descentralizados, fim da exacerbada hierarquia entre os agentes, demissão de policiais graduados e assunção direta de responsabilidade pelos comissionários de bairro, que passaram a contar com remuneração e promoção proporcionais aos resultados obtidos na batalha à criminalidade, (b) um aumento dos recursos humanos e financeiros, onde o número de policiais passou de 27.000 em 1993 para 41.000 em 2001 e (c) um sistema informatizado para coleta e compartilhamento de dados, permitindo acompanhar de forma mais precisa os índices de crimes cometidos.
Loïc Wacquant[6] destaca que entre os anos de 1993 e 1998, o número de detenções em Nova York aumentou 40%, sendo elas referentes às detenções por delitos de reduzido potencial ofensivo[7]. Dessa forma, a fim de reforçar os índices exemplares da teoria, foram utilizados dados estatísticos ao longo de sua divulgação, que demonstraram a queda significativa dos índices criminais referentes aos pequenos delitos.
Com o passar dos anos, as notícias de sucesso com a adoção do programa tolerância zero nos Estados Unidos foram se difundindo, o que despertou imensa curiosidade nos gestores públicos. Como consequência, operacionalizaram-se algumas mudanças legislativas e no modo de condução da gestão relativa à política criminal até então adotada.
Em relação ao apresentado, vislumbra-se possibilidade de sucesso na adoção de determinados preceitos da teoria da tolerância zero no Brasil, tendo em vista a crescente e desordenada violência social. Haveria plausibilidade na sua aplicação, como tentativa de se resgatar o real significado de autoridade pública que a polícia (em quaisquer de suas espécies) perdeu com a deturpação de valores morais do cidadão, que não se sujeita a qualquer tipo de disciplina que viabilize a paz social.
Percebe-se a ausência de solução efetiva ao caos já instalado no cotidiano da grande parte das cidades brasileiras, refletido nas crescentes taxas de crimes gravíssimos a exemplo do estupro, homicídio e latrocínio. Dessa forma, poderiam ser experimentados nas futuras políticas criminais os preceitos levantados pela tolerância zero, com objetivo de reestruturar a polícia e tentar instaurar uma ordem mínima, que, atualmente, aparenta estar à beira de desaparecer.
Portanto, defende-se a viabilidade jurídica para a adoção, no sistema brasileiro, de preceitos advindos do movimento lei e ordem, pois há a necessidade de se resguardar direito fundamentais do cidadão, tais como o direito à vida, direito à liberdade de locomoção e o direito à segurança pública.
2. COMO O CRESCIMENTO DA VIOLÊNCIA URBANA ACALENTA POLÍTICAS CRIMINAIS FUNDAMENTADAS NO DISCURSO LEI E ORDEM
A sociedade brasileira tem convivido nos últimos anos com a alta taxa de criminalidade urbana, geradora de um visível sentimento de medo e insegurança, fazendo emergir discursos de combate à criminalidade, lastreados no movimento tolerância zero.
Nas últimas décadas o direito brasileiro vem sendo modificado com adoção de uma legislação mais rigorosa, ou seja, o endurecimento da pena em abstrato (lex gravior) cominada aos crimes já tipificados e a criminalização de novas condutas.
Impende ressaltar que não adianta um ordenamento jurídico com variadas leis repressivas se não forem cumpridas de forma efetiva, ou seja, os mecanismos investigativos da polícia e o processo penal precisam desempenhar de forma eficaz suas funções primordiais.
Mesmo em sociedades remotas, que contavam à época com a Lei de Talião baseada na ideia do olho por olho, dente por dente o processo penal sempre objetivou garantir a efetiva punição e servir de exemplo aos infratores/criminosos, evitando assim, a prática de mais crimes.
Com evolução do homem e o surgimento do Direito, foi possível garantir o convívio social de uma forma mais ordenada. Com o passar das décadas, as grandes revoluções sociais emergiam para garantir direitos às classes minoritárias e reprimidas pelo Estado, e em contrapartida, vieram os deveres impostos ao cidadão.
Seguindo o modelo contratualista de Rousseau, Cesare Beccaria[8] sustentava que o indivíduo que comete crime rompe com o pacto social, passando a defender os direitos de primeira geração, definidos como aqueles individuais ao homem e também a intervenção mínima do Estado.
Segundo doutrina criminal brasileira, capitaneada por Aury Lopes Jr[9], o modelo de tolerância zero é fruto de uma equivocada política norte-americana repressiva, chamada de movimento law and order (movimento da lei e da ordem). Para os críticos da teoria, o law and order prega a supremacia estatal e legal em detrimento ao indivíduo e seus direitos fundamentais.
Diante da análise dos preceitos defendidos pela doutrina garantista brasileira, salienta-se que as políticas criminais precisam ser mais eficazes no combate a criminalidade, pois alguns princípios constitucionais do Estado Democrático Brasileiro estão em perigo, tais como o direito à segurança, direito à livre locomoção e o direito à vida.
Nos Estados Unidos, a redução da criminalidade urbana em Nova York foi alcançada com a adoção da política de tolerância zero, que mesmo muito criticada, surtiu efeitos pretendidos, transformando a cidade em umas das mais seguras do mundo. Destaca-se a visível diferença da Nova York em que não se podia andar com segurança nos metrôs e trens, na região de Times Square, do Central Park e a transformação em um dos pontos turísticos mais visitados do mundo.
As taxas de criminalidade das cidades que adotaram políticas públicas lastreadas nos movimentos lei e ordem, em particular na tolerância zero, foram comprovadamente reduzidas porque, de forma complementar, houve significativo investimento em projetos sociais e estímulo à economia.
Importante destacar que um Estado Democrático somente possui forças de garantir o que preceitua sua Constituição, se realizar investimentos sérios em projetos sociais e na educação. Neste cenário, a garantia à ordem pública, através da segurança, mostra-se como base para todos os demais projetos de governo.
Ausente ou deficitária a segurança pública, temos o retorno do estado de barbárie da Idade Média, o que configuraria um gravíssimo retrocesso da civilização. Esse fato tem ensejado o crescimento de discursos radicais dos candidatos à cargos eletivos, levando a população acreditar, na grande falácia, que o retorno do governo militar é a solução dos problemas brasileiros.
Diante desse grave quadro financeiro, instaurado na administração pública, se torna impossível investir em segurança pública e em projetos sociais, pois não há verba pública disponível para realizar a manutenção dos gastos com as polícias, por exemplo. Sociedades administradas por governantes envolvidos em casos emblemáticos de corrupção padecem da adequada gestão orçamentária, culminando na crise financeira vivida.
Outro ponto importante, associar à população menos favorecida à prática de crimes, é uma absurda falácia e não mais se justifica, tendo em vista as recentes e notórias punições dos ditos crimes do colarinho branco, usualmente, praticados por agentes públicos e por classes abastadas. Importante frisar que são crimes igualmente repulsivos, haja vista o desvio do dinheiro público que obsta o acesso da população à saúde, educação, à segurança, dentre outros direitos fundamentais não efetivados.
Há de se destacar que a principal iniciativa do modelo norte americano, ora em estudo, foi a reconstrução da infraestrutura policial e investigativa, a fim de se apurar a fundo o menor delito, identificando de forma rápida e ágil o seu autor. Acredita-se que a punição dos menores delitos não enseja o crescimento dos crimes praticados, sendo como forma eficiente de segurança à sociedade, o afastamento daquele indivíduo do convívio social através do encarceramento.
Não obstante inúmeras críticas doutrinárias aos modelos de política criminal lastreados nos movimentos lei e ordem, fato notório é que o atual adotado pelo sistema penal brasileiro não funciona, não ressocializa e nem pune de forma eficaz o delinquente.
Em decorrência de tais fatos, surge o denominado Direito Penal de Emergência, que é definido por Fauzi Choukr[10] como a situação que foge dos padrões tradicionais de tratamento pelo sistema repressivo, em que a criminologia contemporânea o coloca, de forma legítima, na escala mais elevada de gravidade criminosa a justificar a adoção de mecanismos excepcionais para controlá-la, embora defendendo um modelo de estado democrático de direito.
Portanto, o endurecimento do tratamento penal ao delinquente pode servir como freio ao aumento crescente da criminalidade, através de uma efetiva punição, sem gerar no pretenso criminoso a sensação do ditado popular o crime sempre compensa.
Portanto, não pode o estado acomodar-se na ausência de recursos públicos e deixar de cumprir suas funções precípuas, pois os direitos fundamentais classificados como de 2ª geração dentre os quais está inserida a segurança pública exige o atuar positivo do estado. Sendo assim, impende a criação de mecanismo arrecadatório para que seja efetivada a segurança pública que todos têm direto, desbancando os famigerados discursos eleitoreiros que nada efetivam.
3. A POSSIBILIDADE DE EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA TOLERÂNCIA ZERO NO COMBATE À CRIMINALIDADE: UMA REALIDADE QUE ESBARRA NA FALTA DE POLÍTICA PÚBLICA ADEQUADA E NA INEFICIENTE GESTÃO ORÇAMENTÁRIA
É sabido que o principal aliado às políticas de endurecimento da reprimenda penal é a assistência social, como o foi no movimento lei e ordem nos Estados Unidos. As políticas públicas precisam deixar o papel simplório e eleitoreiro para buscar uma efetiva abrangência, com vistas a alcançar aquele cidadão excluído e sem qualquer tipo de garantia de direitos fundamentais.
A sistemática da tolerância zero é lastreada no denominado Direito Penal Máximo, que tem a sua metodologia estruturada na ampliação dos tipos penais, aumento das penas de prisão com longa duração, regime de execução mais rígido, redução da maioridade penal e a utilização de determinadas noções referentes ao direito penal do inimigo.
Na contramão a essa política adotada pelos Estados Unidos, o Brasil muito influenciado por teorias baseadas no garantismo penal[11], não consegue ter a coragem necessária para enrijecer o seu sistema punitivo. Isso porque, haveria de ter um fortalecimento das entidades persecutórias, como a polícia judiciária, que possui o papel investigativo.
Não há como adotar um sistema baseado na lei e ordem se não houver uma polícia bem estruturada, abrangendo a infraestrutura de trabalho (carros, armas, salários e gratificações) e a valorização da imagem policial perante a sociedade (através de cursos de capacitação e instrução dos agentes públicos).
O que ocorre bem claramente na sociedade brasileira é a inversão de valores sociais, pois o policial não possui boa imagem e nem respeito perante os cidadãos. O que não deveria acontecer, haja vista ser um agente público estatal legitimado atuar nos momentos de conflito, como expressão personificada do poder de polícia inerente à Administração Pública. Ressalta-se que os frequentes casos de corrupção que assolam todas as instituições e o estado brasileiro em geral refletem o descrédito popular nas instituições públicas.
É preciso observar a necessidade de políticas públicas voltadas à assistência social, com vistas a garantir os direitos basilares das minorias, cumprindo o estado com as funções que o legislador constitucional lhe incumbiu.
O problema de efetivar uma política pública adequada à aplicação da tolerância zero vem à baila quando se está diante de um estado economicamente sem recursos para tal implementação.
As funções da pena são repressiva e retributiva, sendo importante conter as duas características para cumprir o seu objetivo. Não há como ter repressividade com penas brandas e com a despenalização de vários institutos (como o uso de drogas) e nem mesmo como se alcançar a retributividade se o legislador pátrio adota posição de descarcerização dos indivíduos que comentem crimes, mesmo que de ínfimo potencial ofensivo e banalização de princípios penais como o da insignificância e da bagatela.
É nesse contexto que se adota a teoria da tolerância zero, pois em uma sociedade que não há efetiva punição, seja pela benesse legal ou por ausência de infraestrutura punitiva adequada do Estado, propicia-se o alargamento dos índices de criminalidade que assolam toda cidade.
Para efetivação da política pública baseada no movimento lei e ordem, sugere-se uma releitura doutrinária a ser refletida na jurisprudência pátria, a respeito de alguns princípios constitucionais, que são completamente desvirtuados de seu objetivo principal.
Necessário destacar que a segurança pública é um consectário garantidor do direito à vida, do direito à liberdade de circulação, da dignidade da pessoa humana, dentre outros direitos fundamentais que inseridos na Carta Magna e não respeitados em muitos casos.
Inclusive, o art. 145, inciso II da Constituição Federal, dispõe que os entes da Federação podem instituir taxas baseados no exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição[12].
Como exemplo de utilização da referida espécie tributária, com o objetivo de possibilitar a restruturação do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, instituiu-se a taxa de prevenção e extinção de incêndio, criada em conformidade com a Constituição Federal e o artigo 194, II da Constituição do Estado do Rio de Janeiro13 e artigo 77 do Código Tributário Nacional[13].
Com vistas a caracterizar a especificidade e a divisibilidade, a taxa deve se vincular ao próprio serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte em virtude do poder de polícia, que é a hipótese da taxa de incêndio fluminense.
Diante desse quadro, pode ser feita uma analogia ao caso da taxa de incêndio, legitimando a criação de uma taxa de polícia, sem que o poder de tributar da União seja posto em xeque. Observa-se a constitucionalidade da sugerida taxa, pois o serviço de segurança pública tem por destinatário final a coletividade de forma indistinta e a verba arrecada é por inteiro destinada ao serviço que se deseja remunerar, ou seja, é vinculada.
Destaca-se que há similitude na criação de ambas as taxas, porque a segurança pública não está sendo privatizada, como argumentação de tese oposta, mas assegurando devida efetivação de direitos constitucionais de 2ª geração, os quais necessitam da conduta comissiva do estado.
Mister observar que a taxa, como uma espécie de tributo, deve vir ao ordenamento jurídico por lei complementar a ser aplicada a nível federal, dada a forma federativa adotada pelo Brasil. Além do mais, a taxa possui a sua arrecadação vinculada àquele fim a que se destina, o que não permitiria desvios de recursos pelo administrador público, possibilitando melhor aparelhamento das polícias e remuneração do servidor.
Portanto, há perfeita plausibilidade na sua aplicação e adoção no sistema jurídico brasileiro, o que não há, na verdade, é interesse governamental para tanto.
CONCLUSÃO
O presente trabalho constatou, como problemática essencial, o aumento desenfreado da criminalidade na sociedade aliada à ineficácia estatal em punir os delitos praticados e reprimir a incidência de novos crimes, bem como à má gestão dos recursos públicos, que não são utilizados de forma a garantir um diligente aparato policial.
Há grande resistência na doutrina penal à aplicação de normas mais rigorosas no que concerne ao Direito Penal, ignorando por completo a ineficiência do atual sistema punitivo brasileiro: nem previne delitos e nem reinsere o condenado na sociedade quando egresso do sistema prisional.
Em contramão a esse pensamento, o presente trabalho defende-se que a segurança é um direito fundamental classificado como direito de 2ª geração, definidos por José Afonso da Silva como aqueles que exigem uma ação estatal, ou seja, não pode haver inércia na sua prestação, o Estado deve atuar para garanti-la.
Além disso, a paz social deve ser alcançada pelo controle estatal através de uma polícia devidamente qualificada e estruturada. Há também de se permitir que o Poder Judiciário se torne um real garantidor de julgamentos e punições céleres e eficazes, com vistas à despertar na população o sentimento garantidor da justiça.
A adoção de preceitos teóricos usados no movimento lei e ordem e seus consectários não são violadores de direitos fundamentais, ao contrário, focam em duas vertentes sensíveis à população: a sensação de impunidade e na noção que os direitos humanos e o direito à vida são direcionados apenas ao criminoso, nunca à vítima.
Um verdadeiro estado democrático de direito, conforme preceitua a Constituição Federal, visa a garantir o mínimo existencial às minorias, o que não acontece nos dias atuais, pois se prefere sua extinção à sua inclusão gradual no seio social.
Em conjunto a todas essas necessidades eminentes, a primordial para se garantir a segurança pública e o direito à vida, é a instituição da taxa de polícia com vistas a permitir maior infraestrutura das polícias repressivas e investigativa (judiciária).
Em que pese todas as críticas feitas à adoção dos ideais do movimento lei e ordem nos Estados Unidos, inegável o fato que deu certo e hoje, quando comparadas, às décadas de 80 e 90, tem-se Nova York e Los Angeles completamente diferentes das cidades que possuíam índices de criminalidade e desordem urbana nas alturas.
Neste diapasão que se lastreia a defesa feita no presente trabalho, no sentido de haver possibilidade de mudança efetiva da atual fase de extrema violência a qual se vive. Para tornar essa tese real e concreta, há necessidade conjunta de um trabalho social sério aos que dele necessitam aliada a instituição da taxa de polícia, assim como feito no corpo de bombeiros, com a denominada taxa de incêndio.
Ainda, tem-se a necessidade de destacar que para cada direito há um dever correspondente e se o povo pactua com o Estado a garantiada plena segurança em troca da sua plena liberdade, ao lhe conferir o ius punniendi, não há de se imiscuir no momento que a taxa de polícia tiver de ser instituída.
Um dos grandes problemas que o Brasil vive, por uma cultura já arraigada, é a resistência do cidadão em assumir deveres e apenas exigir os direitos, acarretando o desequilíbrio na equação social e comprometendo o resultado final.
Portanto, o trabalho tem perspectivas inovadoras e polêmicas, mas toda a tese desenvolvida encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, mesmo que em contrariedade a toda doutrina garantista, demonstrando também total razoabilidade na sua adoção, em especial em momentos de elevados índices de criminalidade.
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