Teoria do Domínio do Fato: breves lições por Luís Greco

27/10/2022 às 22:45
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O interesse no Brasil acerca da teoria do domínio do fato restou evidenciado com a famosa Ação Penal 470/MG, a qual ficou conhecida por Processo do Mensalão.

Luís Greco, brilhante penalista brasileiro, e que foi orientando de Claus Roxin, faz uma importante advertência, que há um mau hábito de não se citar a obra de quem se refere, o que pode levar, por vezes, a uma falta de seriedade com as pesquisas jurídicas, culminando assim, em doutrina de ouvir dizer, e que a internet, entre outras finalidades, ostenta a de servir de meio para compra de livros.

Indigna-se ainda, eminente doutrinador, com o modo que restou aplicada a teoria do domínio do fato na Ação Penal 470/MG, e que o Peru teria obtido êxito no emprego perfeito da teoria em caso de repercussão, e que se sentia envergonhado e constrangido por nossa Suprema Corte não ter atingido a mesma competência, e que doutrinadores do quilate de Damásio de Jesus cometeu erros escandalosos ao lecionar a respeito do domínio do fato.

Pois bem, a teoria do domínio do fato não é uma teoria que tange a provas. Essa teoria serve para uma distinção entre autor e partícipe, mas não fundamenta a responsabilidade penal onde ela não existe, ou seja, a responsabilidade será a título de autor ou de partícipe.

Surgiu em 1939 com Weltzel (antes, Hegler e Lobe), mas foi apresentada pela doutrina de uma forma que pode ser aplicada, por Roxin.

Surgiu no contexto do nacional-socialismo, pois a jurisprudência alemã condenava o executor (que pratica o fato de própria mão) como partícipe, bem como quem emitia a ordem era considerado como partícipe dentro de um aparato organizado de poder (teoria subjetiva da participação, animus auctoris e animus socii)

A pena do homicídio qualificado na Alemanha é prisão perpétua, sendo que até 1949 era pena de morte.

Roxin distingue três formas de autoria (domina o fato):

1) pratica o delito com as próprias mãos. Não difere da teoria restritiva objetiva-formal, ou seja, o que pratica o núcleo (verbo) do tipo.

2) autoria mediata:

Comum - quando utiliza terceiro como instrumento (inimputável, erro e coação). O que denominava domínio da vontade.

Especial, quando há um aparato de poder.

3) autoria conjunta ou coautoria (domínio funcional do fato). Divisão de tarefas em que dentro de um plano comum várias pessoas dão uma contribuição relevante para a prática de um tipo penal.

Ao lado desses 3 sistemas, há uma quarta forma de se explicar autoria: o domínio do fato não é a única maneira de se fundamentar a autoria, havendo ainda a autoria em delitos que não se sustentam na teoria do domínio do fato, como a violação de dever (inclusive omissivos impróprios), delitos próprios (exemplo, peculato), culposos e omissivos próprios. Portanto, não é uma teoria para explicar a autoria de uma forma integral.

Domínio do fato é uma ratio. Portanto, tem que ser explicada em todos os seus termos.

No Código Penal o art. 29, à primeira vista, tem-se que a teoria é monista. Assim, a teoria do domínio do fato não vai permitir a punição que o art. 29 do CP já não possibilitaria.

Prova indiciária não serviria para condenar em processos medievais, como o da Carolina (Código Alemão) de 1532, como no art. 22 que trazia essa regra, mas desde o século XIX se sabe que não existe diferença entre prova indiciária e não indiciária.

O Código da Carolina distinguia provas naturais e artificiais, estas eram as indiciárias, e aquelas baseadas na confissão ou o testemunho de duas pessoas (oculares). Mas o certo é que ou a prova convence ou é insuficiente para que o juiz motive o seu convencimento. Então, mais do que isso não existe.

O mandante e o autor intelectual não são autores segundo a teoria do domínio do fato. Quem dá início a uma decisão de que o outro pratique um fato é mero partícipe (instigador ou indutor).

O mandante (autor) é quem está na cabeça de um aparato de poder e tem a sua disposição esse aparato organizado do poder, como Hitler, Bin Laden, ou quem tem uma posição intermediária, mas ainda elevada na hierarquia num aparato organizado de poder.

Tal erro também está presente no projeto de Código Penal, pois menciona o domínio do fato ao lado de: "realiza os elementos do tipo", ignorando assim que o juiz não vai subsumir nada acerca do domínio do fato (que é uma ratio, um tellos).

Seria a mesma coisa que se dissesse "homicídio é matar alguém destruindo o bem jurídico vida". O segundo erro é colocar o mandante como autor e reportar à teoria do domínio do fato como fundamento. O terceiro erro é de aspecto terminológico, utilizando "domínio final do fato" ou "funcional do fato" (Luís Fux, por exemplo, empregou em uma frase só essas impropriedades terminológicas).

Domínio final só os finalistas utilizam, e funcional tem a ver apenas com a coautoria. O quarto erro é dizer que a teoria foi criada para dar conta da criminalidade econômica. Na verdade, tem mesmo sido aplicada nessa área, mas é alvo de críticas, inclusive na Alemanha.

O mandante segundo a teoria do domínio do fato, até poderá ser considerado autor, desde que se esteja em um contexto de organizações crimininosas, e de tal modo que a pessoa que emite a ordem tem plena segurança de que esta será cumprida, não importa por quem.

Necessário, portanto, que essas organizações apresentem as seguintes características:

1 - Organização estruturada de modo hierárquico;

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2 - Que a organização esteja dissociada do direito, ou seja, que esteja fora da ordem jurídica, pois se ainda tiver algum contato com a ordem jurídica, necessitando tomar providências adicionais de se colocar fora do ordenamento jurídico. Exemplo al quaeda, PCC, grupos terroristas, Estado criminosos etc.

3 - Fungibilidade dos executores concretos (pode ser substituído).

Requisitos adicionais:

1 - Ordem direta.

2 - Dolo.

O STF não aplicou a teoria do domínio do fato na Ação Penal 470/MG, o que o STF no fundo fez foi aplicar a teoria do Estatuto Penal Internacional, art. 28, que é command responsabilty (responsabilidade do comandante). Alguém que ocupe uma posição de comando, e se um subordinado comete um delito, e esse superior sabia, ou soube depois e não fez nada irá responder pelo delito (responsabilidade retroativa).

[1] Palestra disponível no youtube: https://youtu.be/aGqQqd8w6xQ.

Sobre o autor
João Romano da Silva Junior

Professor de Direito Penal e Processo Penal. Graduado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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