Compilado sobre o concurso de crimes

27/10/2022 às 23:02

Resumo:


  • O concurso de agentes ocorre quando várias pessoas praticam um crime, enquanto o concurso de crimes (ou penas) surge quando um indivíduo comete múltiplos delitos, seja por ações ou omissões.

  • Existem diferentes sistemas de aplicação de penas para indivíduos que cometem múltiplas infrações, incluindo o cúmulo material, a absorção, a cumulação jurídica e a exasperação de pena.

  • O concurso de crimes divide-se em material, formal (perfeito e imperfeito) e crime continuado, com suas respectivas regras e critérios para aplicação de penas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. Introdução

Quando duas ou mais pessoas praticam um crime surge o concurso de agentes. Quando um sujeito, mediante unidade ou pluralidade de ações ou omissões pratica dois ou mais crimes surge o concurso de crimes ou concurso de penas.

É possível que exista o concurso de agentes e o concurso de crimes simultaneamente.

Concurso de crimes ou concurso de penas?

No direito comparado verifica-se que a questão é tratada na teoria geral do crime.

No Brasil a matéria é tratada nos arts. 69 a 72, 75 e 76, capítulo III do título V, o qual se refere à aplicação da pena. Logo, pertence a teoria da pena.

Em razão disso doutrinadores entendem que o correto seria falar em concurso de penas, e não de crimes.

O CP entendeu mais importante a causa do que o efeito.

2. Sistemas

O indivíduo que pratica mais de uma infração deve ser apenado de forma mais severa. Mas, de que forma se modula a pena? Há pelo menos quatro sistemas:

  1. Sistema do cúmulo material  considera que as penas de várias infrações devem ser somadas. Adotada no concurso material (real), art. 69 caput e no concurso formal imperfeito, art. 70, caput, 2.ª parte.
  2. Sistema da absorção  a pena mais grave absorve a menos grave. Permite que o agente fique impune em face de crimes menos graves. Entende-se que é adotado nos crimes falimentares. Como é uma construção jurisprudencial, há que se aguardar se com a Lei 14.112/20 mantém-se o entendimento seguido na legislação específica anterior (Decreto-Lei 7.66/45 e Lei n.º 11.101/05)
  3. Sistema de cumulação jurídica  leva-se em conta a média ponderada das penas.
  4. Sistema de exasperação de pena  aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de um quantum determinado. Adotado no concurso formal, art. 70 caput, 1.ª parte, e no crime continuado, art. 71 do CP.

3. Espécies de concurso

O concurso de crimes (penas) divide-se em:

  1. Material (art. 69 caput, CP).
  2. Formal perfeito (art. 70, caput, 1.ª parte, CP)
  3. Formal imperfeito (art. 70 caput, 2.ª parte, CP)
  4. Crime continuado (art. 71, CP)

O concurso dá-se entre infrações penais dolosas ou culposas, consumadas e/ou tentadas, comissivas e omissivas.

4. Concurso material

Também denominado de real

Conceito  ocorre quando o agente mediante mais de uma ação ou omissão pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não (art. 69 caput, CP)

O concurso material é a regra, a lógica do instituto, pois o concurso formal e o continuado são institutos que favorecem o agente.

Fórmula: pluralidade de condutas + pluralidade de crimes

Ação e omissão entendida no sentido de conduta (fato), e não de atos. Exemplo, indivíduo subtrai uma dúzia de frutas de um pomar do vizinho. Não praticou doze furtos, mas apenas um (uma conduta com vários atos).

Será concurso, por exemplo, se o indivíduo subtrai as frutas e estupra a dona da casa.

Espécies - o concurso material pode ser:

  1. Homogêneo  quando os crimes são idênticos. Ex.: agente mata A, e em seguida, mata B, testemunha do primeiro fato. Logo, dois homicídios.
  2. Heterogêneo  quando os crimes não são idênticos. Ex.: furto e estupro.

5. Aplicação da pena

As penas privativas de liberdade devem ser somadas.

A duração das penas segue o que dispõe o art. 75 do CP, ou seja, não pode exceder a 40 anos.

No caso de serem penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro a de reclusão. A doutrina entende que tal advertência é inócua.

No caso da imposição de penas restritivas de direitos, as compatíveis entre si devem ser cumpridas simultaneamente, exemplo, uma pena de prestação de serviços à comunidade e uma de limitação de final de semana.

Se forem incompatíveis, devem ser cumpridas sucessivamente, exemplo, duas penas de limitação de fim de semana.

Momento para a soma das penas

Depende:

Unidade processual os crimes são conexos e objetos do mesmo processo, logo as penas serão somadas na sentença condenatória ou acórdão condenatório

Os crimes são objetos de processos diversos, a somas das penas será realizada pelo juiz da execução (art. 66, III, a, LEP).

6. Concurso formal

Também denominado de ideal

Fórmula= unidade de conduta + pluralidade de crimes

Conduta fracionada em atos, desde que no mesmo contexto temporal e espacial

Conceito  ocorre o concurso formal ou ideal quando o agente mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes (art. 70 caput, CP).

Exemplo: com único tiro mata duas pessoas.

Em um acidente de trânsito o indivíduo mata uma pessoa e fere outras. Espécies: o concurso formal pode ser:

  1. Homogêneo  quando os crimes estão descritos pela mesma figura típica, havendo diversidade de sujeitos passivos. Ex.: atropelamento culposo com morte de duas ou mais pessoas
  2. Heterogêneo  quando os crimes estão descritos em normas penai diversas Ex.: atropelamento culposo com morte de uma pessoa e ferimentos em outra (homicídio e lesão corporal).

O concurso formal ainda pode ser:

  1. Perfeito, próprio ou normal  art. 70 caput, 1.ª parte, CP.
  2. Imperfeito, impróprio ou anormal  art. 70 caput, 2.ª parte, CP

 Formal próprio (ideal):

Aplicação de pena  critério da exasperação de pena

Na aplicação das penas privativas de liberdade o CP determina duas regras:

  1. Se as penas são idênticas, aplica-se uma só, aumentada de um sexto até metade. Ex.: dois homicídios culposos de trânsito.
  2. Se as penas não são idênticas, aplica-se a mais grave, aumentada de um sexto até a metade. Ex.: um homicídio culposo de trânsito e uma lesão corporal.

O aumento varia de acordo com o número de crimes cometidos

Número de crimes

Aumento de pena

2

1/6

3

1/5

4

1/4

5

1/3

6

1/2

*O que passar de seis crimes modula-se como circunstâncias judiciais (art. 59, CP)

De acordo com as regras do parágrafo único do art. 70, CP deve-se aplicar o concurso formal material benéfico quando com as regras do concurso formal a pena superar a pena se empregado o concurso material. Ex.: homicídio simples com lesão corporal culposa. Penas mínimas: 6 anos do homicídio e 2 meses da lesão corporal. Pelo concurso formal a pena seria de 7 anos (seis anos mais um sexto), sendo que pelo concurso material, a mesma pena, no mesmo contexto, seria de 6 anos e 2 meses.

 Formal impróprio

Aqui há desígnios autônomos, ou seja, a pluralidade de crimes decorre da vontade do agente (crimes dolosos).

Nesse caso, aplica-se o sistema do cúmulo material Unidade e autonomia de desígnios:

O art. 70, caput, 2.ª parte diz que: as penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos.

Ex.: No filme: O Auto da Compadecida (Ariano Suassuna), o cangaceiro matou o padeiro e a esposa com um só disparo de arma de fogo.

Há unidade de conduta e autonomia de desígnios (querer matar duas pessoas). O concurso continua a ser formal, mas o CP na aplicação da pena manda aplicar o critério do concurso material.

O que são desígnios autônomos:

Para entendê-lo há que diferenciá-lo de unidade de desígnio.

Desígnio  é um programa ou plano de ações ou de omissões, firme, determinado e concreto, que não resulta apenas da coordenação de uma série de ideias substanciais, mas que pressupõe ainda a escolha os meios para conseguir um determinado fim e o prévio conhecimento das condições objetivas e subjetivas nas quais deverá desenvolver-se a atividade criminosa.

Unidade de desígnio  resulta de um complexo de linhas representativas de várias infrações que se harmonizam na identidade do fim, de modo que cada uma perde a sua autonomia para aparecer um fragmento do todo, como se cada crime constituísse fase de execução de um só comportamento delituoso.

Autonomia de desígnios  é a múltipla ideação e determinação da vontade, com diversas individualizações. Assim, os vários eventos não são um só perante a consciência e vontade, embora o sejam externamente.

Logo, ocorre a autonomia de desígnios quando o agente pretende praticar não um só crime, mas vários, tendo consciência e vontade de cada um deles considerados isoladamente. Exemplo: A resolve matar uma gestante para não assumir a paternidade do filho, e então dispara contra esta, ceifando a vida da mulher e também do produto da concepção.

7. Crime continuado

Também denominado de continuidade delitiva

Fórmula: pluralidade de condutas + pluralidade de crimes da mesma espécie + requisitos específicos

Conceito  (art. 71, caput) ocorre crime continuado quando o agente mediante mais de uma ação ou omissão pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, e pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem ser havidos como continuação do primeiro.

Há duas teorias a respeito da conceituação do crime continuado:

  1. Teoria objetiva-subjetiva  o crime continuado exige, para a sua identificação, além de determinados elementos de ordem objetiva, outros de índole subjetiva, que são expressos de modos diferentes: unidade de dolo, unidade de resolução, unidade de desígnio.
  2. Teoria puramente objetiva  dispensa a unidade de ideação e deduz o conceito de condutas continuadas dos elementos exteriores da homogeneidade.

O CP adotou a teoria puramente objetiva, pois é suficiente que os crimes da mesma espécie apresentem semelhança entre seus elementos objetivos de tempo, lugar, maneira de execução etc. (Nélson Hungria e Roberto Lyra).

Há doutrina que entende correta a objetivo-subjetiva (Damásio de Jesus), pois dificilmente o juiz para afastar o concurso material de delitos e reconhecer o nexo de continuidade entre eles deixará de apreciar os elementos subjetivos, fora que se não adotada essa teoria seria difícil diferenciá-la da habitualidade delitiva.

Origem histórica:

Surge na Itália, por volta do século XIV, depois no século XV por Júlio Próspero Farináceo.

A origem teve como propósito mitigar o rigor do concurso material.

Lex Carolina  aquele que praticar o 3.º furto será condenado à pena de morte. Um indivíduo furtou em três momentos diversos, em uma propriedade rural, um animal (uma galinha, uma ovelha e um porco).

Requisitos:

Pluralidade de condutas  mais de uma ação ou omissão

Pluralidade de crimes da mesma espécie  mais de um crime. Mesma espécie.

1ª corrente: não precisam estar no mesmo tipo penal, basta que tenham características comuns, exemplo, furto mediante fraude e estelionato (defensoria)

2.ª corrente: crimes da mesma espécie tem que estar no mesmo tipo penal e ofender os mesmos bens jurídicos, logo, roubo e latrocínio não seriam da mesma espécie.

Elementos conectivos (condições):

Conexão temporal  é o que o Código Penal chama de condição de tempo. Entre um crime e outro (parcelares) não pode ter um intervalo superior a 30 dias.

Conexão espacial  é o que o Código Penal chama de condição de local. Na mesma base territorial (município) ou contíguos.

Conexão modal  é o que o Código Penal chama de condição de maneira de execução. Ex.: um colega de escritório sempre subtrai dinheiro do caixa do amigo por distração deste, se resolver estourar a gaveta não será mais continuado.

Conexão ocasional: são circunstâncias que não estão previstas expressamente, é o que o Código Penal denomina de outras condições semelhantes. É uma exigência que prejudica o agente.

Exige-se unidade de desígnio? 1ª corrente: não, pois não foi prevista (teoria objetiva pura). 2.ª corrente: sim, pois toda a série de crimes é fruto de um prévio planejamento (dolo global). É uma posição (MP) que permite diferenciar o crime continuado de habitualidade criminosa (teoria mista).

Homogeneidade das circunstâncias:

O CP exige semelhança entre as circunstâncias de TEMPOLUGARMANEIRA DE EXECUÇÃO e OUTRAS SEMELHANTES.

A jurisprudência entende que não basta as circunstâncias objetivas, como por exemplo, o mesmo modus operandi e serem próximas no tempo e no espaço, mas que os delitos tenham sido praticados pelo sujeito aproveitando-se das mesmas relações e oportunidades ou com a utilização de ocasiões nascidas da primeira situação.

Ex.: furto do caixa de mercado; do indivíduo que em uma noite furta vários escritórios de um mesmo edifício.

Não se deve confundir com reiteração criminosa, à qual revela maior periculosidade, e por isso, não faz jus ao benefício.

No que se refere à condição de tempo, alguns entendem que não deve ultrapassar o lapso de 30 dias entre o primeiro e o último crime da cadeia.

No que se refere ao fator espacial admite-se, no máximo, municípios contíguos, exemplo, Cuiabá-Várzea Grande.

Natureza jurídica  há três teorias a respeito:

  1. Teoria da unidade real  os vários delitos formam um crime único.
  2. Teoria da ficção jurídica  o legislador presume a existência de um só crime (Francesco Carrara)
  3. Teoria mista  a continuação seria um terceiro crime, negando a unidade ou pluralidade de crimes.

Por medida de política criminal adotou-se a teoria da ficção jurídica.

A presunção de crime único só tem relevância para a aplicação da pena, pois para outros efeitos, como a prescrição, por exemplo, seguem as regras do concurso de crimes, analisando cada crime isoladamente (art. 119, CP).

Súmula 497 do STFquando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.

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Também no caso da suspensão condicional do processo, art. 89 da Lei 9.099/95.

Súmula 723 do STF: não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave como aumento mínimo de 1/6 for superior a 1 ano.

Para efeito de fixação de competência do Juizado Especial Criminal, igualmente, não se considera crime único, logo, se a soma das penas cominadas ultrapassar dois anos não incide o JECRIM.

Aplicação da pena

O crime continuado pode ser:

  1. Simples  mesmas penas
  2. Qualificado  penas diversas (art. 71 caput, CP)

Se as penas são idênticas aplica-se uma só, com o aumento de um sexto a dois terços.

Se as penas são diversas, aplica-se a mais grave, aumentada de um sexto a dois terços.

O aumento varia de acordo com o número de crimes cometidos:

Número de crimes

Aumento de pena

2

1/6

4

1/4

5

1/3

6

1/2

7

2/3

*O que passar de sete crimes modula-se como circunstâncias judiciais (art. 59, CP)

3) Específico (parágrafo único, art. 71, CP)

Crimes dolosos contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça a pessoa.

Súmula 605 do STF, que é anterior à reforma de 1984 vedava a possibilidade.

O aumento é de um sexto até o triplo, embora consta da lei o 1/6, sendo que esse entendimento é consolidado na doutrina e na jurisprudência, entre outros argumentos, por uma questão de lógica e de interpretação sistemática.

8. Crime continuado e conflito de leis no tempo

No caso do crime continuado e conflito de leis no tempo, a lei penal mais gravosa deve ser aplicada a toda a série delitiva, pois o crime continuado é um único delito para fins de aplicação de pena, então deve incidir a lei em vigor por ocasião da conclusão, a qual o agente poderia ter interrompido se quisesse.

Súmula 711 do STF: a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

9. Aplicação da pena de multa

Art. 72, CP

Aplica-se ao concurso material, formal e continuado, até mesmo pela posição topográfica, mas há entendimento doutrinário minoritário de que não se aplica ao crime continuado, uma vez que, se por ficção é crime único, e não teria sentido aplicar uma pena privativa de liberdade e várias penas de multa (posição dominante da jurisprudência).

10. Limite de penas

Art. 75, CP  40 anos

Art. 10, LCP  5 anos

O CP não diz que não podem ser superiores a estes patamares, mas que o cumprimento da pena não pode exceder ao limite legal.

O limite não se aplica ao livramento condicional e a outros institutos como a remição, progressão de regime etc.

Súmula 715 do STF: a pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou o regime mais favorável de execução (compatibilizar com a mudança de 30 para 40 anos, Lei 13.964/19).

O art. 75, § 2.º adotou o critério de Nélson Hungria  nova unificação de pena.

Exemplo: A condenado a 40 anos, cumpriu 30 anos. Em nova condenação de 40 anos, cumprirá somente 30 anos com relação a nova condenação e com pena unificada, pois os 10 anos remanescentes são da condenação/pena anterior. Logo, faltarão 40 anos para o cumprimento da pena unificada, ou seja, 10 anos da condenação anterior, que ainda faltavam, mais 30 da segunda, porque aí já são 40, e não pode ultrapassar desse limite para efeito de cumprimento de pena, sendo que se são houvesse essa regra teria de cumprir efetivamente mais 50 anos de pena a partir da segunda condenação.

11. Erro de tipo acidental

O erro de tipo acidental se contrapõe ao erro de tipo essencial (aquele que recai sobre os elementos constitutivos do crime).

O erro de tipo acidental recai sobre as circunstâncias do crime ou sobre dados irrelevantes do crime.

Circunstâncias: são dados que se agregam às elementares para aumentar ou diminuir a pena.

Obs. 01: O Professor Damásio tem o entendimento de que os erros essenciais recaem sobre os elementos e as circunstâncias, sendo, contudo, uma posição minoritária.

O erro de tipo acidental pode ser de 6 espécies:

Erro sobre a pessoa, erro sobre a coisa/objeto material, erro sobre a qualificadora, erro sobre o nexo causal (aberratio causae), erro na execução (aberratio ictus), resultado diverso do pretendido (aberratio delicti).

Obs. 02: As três últimas espécies são denominadas pela doutrina como Crimes Aberrantes.

11.1. Erro sobre a pessoa: é aquele em que o agente confunde a pessoa que queria atingir com uma pessoa diversa. Neste caso, haverá uma vítima virtual (a pessoa que o agente queria atingir) e uma vítima real (a pessoa efetivamente atingida). Ex.: Um filho brigou com o pai há mais de 20 anos e saiu de casa, nunca mais tendo contato com o genitor. Um dia, vai até a casa do pai decidido a matá-lo e, para tanto, esconde-se atrás de uma árvore, aguarda o homem sair da casa e atira. Posteriormente descobre que, na verdade, matou seu tio, irmão gêmeo de seu pai (exemplo do Masson). A vítima virtual, portanto, não corre perigo.

Art. 20§ 3º, do Código Penal: "§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime".

O dispositivo acima adota a Teoria da equivalência do bem jurídico. Trazendo para o exemplo anterior, o art. 121 do CP (matar alguém) será aplicado, uma vez que o erro acidental não isentará o sobrinho da pena. Contudo, não serão consideradas as condições da vítima real (tio) e sim da vítima virtual (pai). Em outras palavras, o juiz irá considerar ter o agente matado o pai para a dosimetria da pena, ou seja, será aplicada a agravante genérica de crime contra ascendente.

11.2. Erro sobre o objeto (ou coisa): é aquele em que o agente acredita que praticou o crime contra um determinado objeto, mas acaba praticando crime contra coisa diversa. Ex.: O vigia noturno de um shopping toma conhecimento de que há relógio exposto na vitrine de uma loja cujo valor é de duzentos mil reais, decidindo furtá-lo. Contudo, após o furto, acaba descobre que subtraiu para si uma réplica, pois o verdadeiro se encontrava no cofre. Entretanto, para o Direito Penal isto é irrelevante, pois o tipo penal do art. 155 do CP é subtrair para si coisa alheia móvel: tanto o relógio verdadeiro quanto a réplica são coisas alheias móveis pertencentes à joalheria.

Obs.: O Prof. Cléber Masson ressalta a eventual incidência do princípio da insignificância, pois pode ser aplicado no erro sobre a coisa.

11.3. Erro sobre a qualificadora: o agente desconhece a presença de uma qualificadora, de forma que não há dolo quanto à qualificadora. Para o professor Damásio, este erro é essencial. Contudo, para a maioria da doutrina se trata de erro acidental. Ex.: Um medalhista olímpico em salto com vara decide furtar uma casa. Ao chegar, percebe que a casa possui um muro de mais de 2m de altura e, para ultrapassá-lo, se utiliza de sua vara de competição ignorando a qualificadora da escalada. Neste caso, exclui-se a qualificadora da escalada, embora tenha praticado o crime com sua incidência, pois o agente não tinha dolo quanto à ela, respondendo, portanto, por furto simples

11.4. Erro sobre o nexo causal (aberratio causae): o agente erra sobre a causa do crime, sobre a causa do resultado. Ex.: A pretende matar B afogado e, para tanto, o empurra de uma ponte de 5 metros de altura. Contudo, antes de tocar a água, a cabeça de B bate numa pedra, falecendo em razão de um traumatismo crânio-encefálico (Masson). Há erro sobre a causa do crime, pois o agente queria matar a vítima por afogamento e a vítima falece em razão de um traumatismo crânio-encefálico.

Neste caso, o agente responderá normalmente pelo crime, uma vez que possuía dolo de matar a vítima, independentemente da forma como veio a falecer.

11.5. Erro na execução (aberratio ictus): é a modalidade de erro acidental que se verifica quando por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, conforme o disposto no artigo 73 do CP:

Art. 73 do Código Penal: Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código.

No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código

Fórmula: Pessoa x Pessoa

O crime não se altera, continuará respondendo por homicídio.

Ex.: Um filho que querendo matar o próprio pai, trata-o normalmente e o espera do outro lado da rua. Quando o genitor sai pela porta, o filho atira contra ele e acerta uma pessoa que por ali passava. Houve uma falha na execução do crime, uma "má pontaria" do agente. Neste caso também haverá uma vítima virtual (a pessoa que o agente queria atingir) e uma vítima real (a pessoa efetivamente atingida).

Espécies de erro na execução:

a) Unidade simples ou resultado único: o agente atinge somente pessoa diversa daquela que pretendia atingir (ex.: atira para matar o pai e acerta o pedestre). O erro na execução com unidade simples tem o mesmo tratamento que o erro sobre a pessoa (art. 20, § 3º, do CP), motivo pelo qual o agente responde como se tivesse atingido a pessoa desejada.

b) Unidade complexa ou resultado duplo: o agente atinge a pessoa desejada e também pessoa diversa (ex.: atinge o pai e também o pedestre). Neste caso, aplica-se a regra do art. 70 do CP, ou seja, o agente responde pelos dois crimes em concurso formal.

Atenção: Só existe erro na execução com unidade complexa ou resultado duplo quando o segundo crime é culposo. Se o segundo crime for doloso, ainda que o dolo seja eventual, não haverá erro (haverá desígnios autônomos).

11.6. Resultado diverso do pretendido (aberratio delicti ou aberratio criminis): é a modalidade de erro de tipo acidental prevista no art. 74 do CP, que se verifica quando por acidente ou erro na execução do crime sobrevém resultado diverso do pretendido, de forma que o agente pratica um crime diverso do que objetivou.

Atenção: Só se pode falar em resultado diverso do pretendido quando não ficar caracterizado o erro na execução.

Art. 74 do Código Penal: "Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código".

Fórmula: objeto x pessoa pessoa x objeto

Ex.: O agente joga uma pedra com a intenção de quebrar a vidraçaria de uma loja e, por má pontaria, atinge um pedestre que caminhava na calçada, lesionando-o.

O agente queria praticar um determinado crime, mas por erro acaba praticando um crime diverso.

Espécies do resultado diverso do pretendido:

a) Unidade simples ou resultado único: o agente pratica somente o crime diverso do desejado. Ex.: jogar a pedra contra a vidraça visando praticar um crime de dano, acertando o pedestre e causando-lhe lesões corporais. Neste caso, o agente responderá pelo crime praticado na modalidade culposa, se houver (no exemplo responderia por lesão corporal culposa).

Pergunta: E se o agente jogasse a pedra para acertar o pedestre e, por erro na pontaria, acertasse a vidraça da loja, praticando, portanto, o dano?

Como o dano não admite modalidade culposa, o agente responderia por tentativa de lesão corporal (para uma parcela da doutrina não responderia por nada, e o ilícito seria discutido na esfera cível)

b) Como unidade complexa ou resultado duplo: o agente pratica o crime desejado e também o crime diverso. Ex.: o agente atira a pedra contra a vidraçaria e a quebra, mas também atinge o pedestre que por ali passava. Neste caso, responderá pelo dano e pela lesão corporal culposa em concurso formal. Vale também a premissa de que só se aplica esta modalidade de erro quando o resultado do segundo crime é culposo, pois, como visto, se há dolo não há erro.

Sobre o autor
João Romano da Silva Junior

Professor de Direito Penal e Processo Penal. Graduado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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