Caducidade e Anulação: breve histórico de dois institutos previstos na Lei Geral de Concessões

30/10/2022 às 23:41
Leia nesta página:

A noção de serviço público perpassa por diversos estágios evolucionais ao longo dos séculos. Em antecedentes mais remotos, já se tinha notícia, em território romano, de determinados serviços disponibilizados à população para fins de garantir a segurança, saneamento e saúde[1]; com a queda do Império Romano e subsequente surgimento do regime feudal, em que pese houvesse uma relação de subordinação entre vassalos e suseranos, tinha-se as chamadas banalidades feudais, que consistiam em instrumentos, de propriedade do senhor feudal, públicos e de uso obrigatório, destinados a satisfazer determinadas necessidades coletivas[2]; já no Estado Absolutista (ora denominado de Patrimonial), a principal fonte de sustentação dos regimes advinha da exploração de atividade produtiva pelo Estado, não muito distinta de uma exploração privada.[3]

Mais hodiernamente (em termos específicos, a segunda metade do século XX), destacou-se a preocupação de, por um lado, incluir camadas menos favorecidas da população, e de outro, observar os avanços tecnológicos e informacionais e contemplar conceitos como responsabilidade fiscal[4]. No Brasil, em face a um contexto de elevado déficit público[5], esse fenômeno se acentuou a partir da década de oitenta, com a venda de empresas exploradoras de atividades econômicas e delegação de serviços públicos[6], aqui compreendidos como comodidades e utilidades fruíveis direta e indiretamente pelos particulares em setores de titularidade estatal (SUNDFELD, 2013, p. 82). Com efeito, a Constituição de 1988 inaugurou um resgate ao instituto da concessão, o qual já havia sido incluído em constituições anteriores, mas agora com suas peculiaridades.

O art. 175 da CF/88 concede ao Poder Público, na forma de lei, prestar serviços públicos na forma de concessão, mediante certame licitatório. Obrigatoriamente, tal lei deveria incluir, in verbum:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado (BRASIL, 1988)

. É nessa toada que, em 1995, foi editada a Lei n° 8.987, ora conhecida como Lei Geral de Concessões. Fato inédito este, já que não houvera, até então, marco regulatório geral, somente leis amplas para setores específicos como foi o caso do Decreto n° 101 de 1835.

Em face da ausência de um arcabouço legal próprio para a matéria, a doutrina administrativista exerceu papel notável na consolidação e desenvolvimento dos conceitos legais previstos na Lei Geral de Concessões. Celso Antônio Bandeira de Mello, por exemplo, foi convidado pelo então senador Fernando Henrique Cardoso para revisar o projeto de lei.[7]

Em linhas gerais, o instituto da concessão pode ser definido como:

Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. (MELLO, 2012, p.717-718)

Findada a concessão, os bens, sejam eles transferidos no momento da concessão ou adquiridos durante, reverterão ao poder público, dispensando indenização salvo nos casos em que, conforme instrumento contratual, não tenham sido amortizados.

Cumpre registrar que o Estado, no regime de concessão, mantém a titularidade do serviço, salvaguardando fortes poderes para definir os rumos de sua prestação[8]. Essas prerrogativas traduzem-se nas chamadas cláusulas exorbitantes, as quais não seriam comuns em contatos entre particulares, mas que, nos contratos administrativos, conferem prerrogativas desiguais a uma das partes (a Administração Pública), como a possibilidade de alterar os termos da prestação, encanamento, controle das tarifas cobradas, etc.[9]

Como já fora dito anteriormente, a matéria encontra respaldo constitucional no art. 175 da Carta Magna, enquanto que a Lei Geral de Concessões é o principal marco infraconstitucional; sem prejuízo, pode haver outras leis excepcionais elaborados pelos entes para um serviço específico a ser prestado.[10]

A respeito da natureza jurídica das concessões de serviços púbicos, existem diversas correntes doutrinárias. Aragão (2017, p. 429) sustenta ser um contrato de direito administrativo sui generis, uma vez que nem todos os seus termos constam prontamente do próprio contrato, havendo remissões a leis e outros regulamentos.

A exemplo de outros atos jurídicos, a concessão opera-se por um determinado lapso temporal até o momento que se extingue. O art. 35 da Lei 8.987/1995 traz as hipóteses de extinção, qual sejam:

Art. 35. Extingue-se a concessão por:

I - advento do termo contratual;

II - encampação;

III - caducidade;

IV - rescisão;

V - anulação; e

VI - falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual.

§ 1º Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.

§ 2º Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários.

§ 3º A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.

§ 4º Nos casos previstos nos incisos I e II deste artigo, o poder concedente, antecipando-se à extinção da concessão, procederá aos levantamentos e avaliações necessários à determinação dos montantes da indenização que será devida à concessionária, na forma dos arts. 36 e 37 desta Lei. (BRASIL, 1995)

Para fins deste presente, serão priorizadas duas delas: a caducidade e a anulação.

A caducidade é modalidade de extinção da concessão por violação do concessionário a seus deveres contratuais. O emprego do vocábulo nesta ocasião traz significado distinto daquele normalmente atribuído na Teoria Geral do Direito. Nesse sentido, a caducidade é o instituto que gera a extinção dos direitos (sentido amplo) e suas respectivas pretensões (sentido estrito) pela incapacidade do autor em atuar no tempo legalmente previsto. Como relembra Francisco do Amaral, "o tempo é fator de limitação do exercício dos direitos"[11].

Possui caráter sancionatório[12], ainda que não seja este o principal, e sim assegurar a prestação correta adequada dos serviços públicos o que não pode ser verificada em situação de descumprimento dos preceitos legais[13].

Assevera Marçal Justen Filho (2003, p. 591) que a caducidade abrange as hipóteses de não-observância dos deveres legais, o inadimplemento propriamente dito da obrigação e também o desaparecimento de qualquer um dos requisitos de habilitação. Alerta o respeitado autor (p. 593) que o poder concedente detém a faculdade de adotar a sanção cabível para cada caso, devendo seguir adotar o princípio da proporcionalidade para escolher.

Estabelece o art. 38 da Lei de Concessões:

Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes.

§ 1º A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:

I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço;

II - a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão;

III - a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior;

IV - a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido;

V - a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos;

VI - a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e

VII - a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

§ 2º A declaração da caducidade da concessão deverá ser precedida da verificação da inadimplência da concessionária em processo administrativo, assegurado o direito de ampla defesa.

§ 3º Não será instaurado processo administrativo de inadimplência antes de comunicados à concessionária, detalhadamente, os descumprimentos contratuais referidos no § 1º deste artigo, dando-lhe um prazo para corrigir as falhas e transgressões apontadas e para o enquadramento, nos termos contratuais.

§ 4º Instaurado o processo administrativo e comprovada a inadimplência, a caducidade será declarada por decreto do poder concedente, independentemente de indenização prévia, calculada no decurso do processo.

§ 5º A indenização de que trata o parágrafo anterior, será devida na forma do art. 36 desta Lei e do contrato, descontado o valor das multas contratuais e dos danos causados pela concessionária. (BRASIL, 1995)

Ademais, cumpre registrar que as hipóteses elencadas no §1º do art. 38 da Lei de Concessões não são exaustivas, tendo em vista que o próprio contrato pode prever instâncias em que a caducidade também se faz cabível.[14]

Pela inteligência do dispositivo, mostra-se imperativo a deflagração prévia de processo administrativo, que por sua vez, deve ser precedido de sindicância. Apuradas possíveis irregularidades, deverá o prestador ser notificado para corrigi-las. Inclusive, é direito do concessionário o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. A ausência destes elementos importa em ilegalidade da decretação de caducidade. Com efeito, a jurisprudência é uníssona neste quesito:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA EM CARÁTER ANTECEDENTE. DECRETO MUNICIPAL Nº 8.260/2018, QUE DECLAROU A CADUCIDADE DA CONCESSÃO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE URBANO MUNICIPAL DE SANTANA DO LIVRAMENTO, EM FACE DA INEXECUÇÃO PARCIAL DO CONTRATO POR PARTE DA CONCESSIONÁRIA. SUSPENSÃO DO DECRETO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO § 3º, ART. 38 DA LEI 8987/95. As concessões de serviços públicos de transporte coletivo de passageiros, diante da inexecução total ou parcial do serviço concedido, podem ser rescindidas pela Administração Pública a qualquer momento. Todavia, para tanto, devem se submeter ao devido processo legal, expressamente assegurado no artigo 5º, inciso LV, da CF, bem como aos princípios que regem a Administração Pública, impondo-se a instauração do contraditório e da ampla defesa, mediante regular procedimento administrativo, a fim de se apurar os fatos e, se necessário, cassar a concessão concedida, desde que de forma fundamentada, nos termos do artigo 93, inciso X, da Constituição Federal e dos artigos 2º e 50 da Lei nº 9.784/99. In casu, verifica-se a inobservância, pela Administração Pública, do disposto no § 3º, art. 38 da Lei 8987/95, tendo sido sonegado à concessionária o direito ao contraditório e ampla defesa quanto às irregularidades que lhe foram imputadas. Decreto de caducidade nº 8.260/2018 que fica suspenso. AGRAVO PROVIDO.[15]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA.INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. DECRETO RESCISÓRIO N. 210/2015 QUE DECLAROU A CADUCIDADE DA CONCESSÃO ONEROSA DE DIREITO DE USO E EXPLORAÇÃO COMERCIAL DO TERMINAL RODOVIÁRIO DO MUNICÍPIO DE APUCARANA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO QUE NÃO OBEDECEU AO DISPOSTO NO PARÁGRAFO 3º DO ART. 38 DA LEI FEDERAL 8.987/95 (LEI DE CONCESSOES). NOTIFICAÇÃO PARA A APRESENTAÇÃO DE DEFESA, SEM, TODAVIA, CONCEDER PRAZO PARA A CORREÇÃO DAS FALHAS APRESENTADAS. CONTROLE DE LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. PRESENÇA DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA EM FAVOR DA AGRAVANTE/AUTORA DA DEMANDA. EFEITO ATIVO RECURSAL MANTIDO. AGRAVO PROVIDO. [16]

Adicionalmente, na perspectiva dos instrumentos de defesa do concessionário ante uma possível caducidade, poderá servir-se de mandado de segurança, ação civil de rito sumário especial (com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil) destinada a assegurar direito líquido e certo em face de atos de autoridade[17]. Em especial, pode-se utilizar de uma ação dessa natureza para proteger o direito dos concessionários ao processo administrativo justo e legal (art. 5º, LIV, LV e LXXVIII):

Mandado de Segurança Nulidade do Decreto Municipal nº 6.875/2017 que declarou a caducidade da concessão do serviço público de exploração e administração do estacionamento público rotativo no Município de Leme A extinção do contrato, nos casos de caducidade, não é automática e deve ser precedida da verificação da inadimplência da concessionária em regular processo administrativo, observada a ampla defesa Violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa configurada Reexame necessário e recurso não provido.[18]

Decretada a caducidade, o serviço deverá ser retomado pelo Poder Público. Vez que esta forma de extinção não supõe confisco de bens, o concessionário faz jus a indenização posterior pelo apossamento de bens reversíveis pelo poder concedente. Também será devida para os bens que ainda não tenham sido amortizados ao momento da extinção.[19]

É uma situação emergencial, em que o Estado não pode aguardar uma avaliação e desembaraço dos bens para retomar a prestação de serviço público. Não significa, contudo, que o concessionário deverá aguardar para reaver seus investimentos. Mediante processo administrativo, serão apurados os valores devidos e, dentro do possível, adimplidos o mais rápido possível no justo preço dos bens. Poderá ser feita, também, o pagamento mediante compensação com créditos do Estado para abatimento de eventuais multas e perdas e danos. Quando não cláusula penal, far-se-á através de processo administrativo com ampla defesa e contraditório. Não há se falar, todavia, em indenização de lucros cessantes e danos emergentes, visto que a extinção do contrato é imputada ao ex-concessionário.[20]

Na ausência de comportamento ilícito por parte do concedente, tampouco se vislumbra percebimento de danos morais:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CONCESSÃO PERPÉTUA DE SEPULTURA - OBRIGAÇÃO DE CONSTRUIR OS BALDRAMES E COBERTURA DA SEPULTURA - CADUCIDADE DA CONCESSÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - AUSENTE ATO ILÍCITO - AUSENTE COMPROVAÇÃO DOS DANOS 1. O descumprimento das normas do Código de Posturas do Município de Uberaba, relativas à obrigação de construir os baldrames e coberta da sepultura, implica na caducidade da concessão perpétua de sepultura. 2. Ausente qualquer ato ilícito por parte do Município e não comprovado qualquer lesão aos valores íntimos e anímicos do indivíduo, não haverá indenização por danos morais. 3. Não há dever de indenizar pelos danos materiais quando não houverem provas dos supostos gastos com a construção e manutenção do túmulo.[21]

Por sua vez, a anulação é o instituto pelo qual se desfaz a concessão, seja por ato do poder concedente ou do judiciário, por vício em sua constituição - isto é, antes da formalização da concessão. Em algum momento, houve violação a algum preceito legal, deixou-se de praticar ato indispensável ou então restou caracterizado desvio de poder. A outorga jamais deveria ter sido praticada, eis que algum requisito de validade não se verificava, mas o foi inobstante.[22]

Existem diversas correntes doutrinárias para classificar os vícios dos atos administrativos. Para fins didáticos, ater-se-á àquela trazida por Marçal Justen Filho, e que realmente importam para fins de anulação da concessão. Podem ocorrer vícios: no decorrer do processo licitatório, especialmente nas etapas iniciais; após o certame, na contratação, hipótese em que alguns vícios são insuficientes para ocasionar a anulação; quando se contrata com o licitante que não foi o adjudicado do objeto licitado; e, por fim, vícios no instrumento contratual[23].

É relevante realçar o interesse público na prestação regular dos serviços concedidos para fins de anulação de concessão. Com efeito, a interrupção de um serviço público deve ser medida de ultima ratio, devendo ser ponderado o princípio da legalidade com outros igualmente importantes, como o interesse público, e se possível, sanear vícios a posteriori, dispensando a anulação[24]. É assim que o Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre o tema recentemente:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICITAÇÃO. CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DAS ATIVIDADES INERENTES AOS CEMITÉRIOS. EXIGÊNCIA EDITALÍCIA. CAPITAL SOCIAL MÍNIMO ESCRITURADO. ART. 55, VI E XIII DA LEI N. 8.666/93. SANEAMENTO POSTERIOR. NULIDADE DO CONTRATO NÃO DECRETADA. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. 1. Os princípios que norteiam os atos da Administração Pública, quando em confronto, indicam deva prevalecer aquele que mais se coaduna com o da razoabilidade. 2. No balanceamento dos interesses em jogo, entre anular o contrato firmado para a prestação de serviços de recuperação e modernização das instalações físicas, construção de ossuários, cinzários, crematório e adoção de medidas administrativas e operacionais, para a ampliação da vida útil dos 06 (seis) cemitérios pertencentes ao Governo do Distrito Federal, ou admitir o saneamento de uma irregularidade contratual, para possibilitar a continuidade dos referidos serviços, in casu, essenciais à população, a última opção conspira em prol do interesse público. 3. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios objetivando a decretação de nulidade do contrato celebrado com a empresa vencedora da Licitação realizada pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP para a Concessão de Serviços Públicos precedido de Obra Pública sobre imóvel do Distrito Federal nº 01/2002 (administração dos cemitérios do DF), ao argumento de que a inobservância do capital social mínimo exigido do edital de licitação, não configura mera irregularidade, ao revés, constitui vício grave capaz de nulificar o Contrato Administrativo, mercê de violar o disposto no art. 55, incisos VI e XIII, da Lei 8.666/93. 4. O princípio da legalidade convive com os cânones da segurança jurídica e do interesse público, por isso que a eventual colidência de princípios não implica dizer que um deles restará anulado pelo outro, mas, ao revés, que um deles será privilegiado em detrimento do outro, à luz das especificidades do caso concreto, mantendo-se, ambos, íntegros em sua validade. 5. Outrossim, convém ressaltar que a eventual paralisação na execução do contrato de que trata a presente demanda, relacionados à prestação de serviços realizada pelos 06 (seis) cemitérios pertencentes ao Governo do Distrito Federal, coadjuvado pela impossibilidade de o ente público assumir, de forma direta, a prestação dos referidos serviços, em razão da desmobilização da infraestrutura estatal, após a conclusão do procedimento licitatório in foco, poderá ensejar a descontinuidade dos serviços prestados pela empresa licitante, em completa afronta ao princípio da continuidade dos serviços públicos essenciais. 6. In casu, merece destaque as situações fáticas assentadas pelo Tribunal a quo, insindicáveis nesta Corte, assim sintetizadas: (a) o procedimento licitatório, realizado pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP, teve como vencedor o Consórcio DCB, formado pelas empresas Dinâmica - Administração, Serviços e Obras Ltda.; Contil - Construção e Incorporação de Imóveis Ltda; e Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda, o qual, antes da assinatura do contrato administrativo, valendo-se de permissivo legal, constituiu a empresa denominada Campo da Esperança Serviços Ltda; (b) o Consórcio DCB, vencedor do procedimento licitatório sub examine, comprovou todos os requisitos para participação no certame, inclusive, a exigência do capital mínimo, de R$ 1.438.868,00 (um milhão, quatrocentos e trinta e oito mil, oitocentos e sessenta e oito reais); (c) a empresa Campo da Esperança Serviços Ltda, criada para substituir o consórcio vencedor do certame, inobstante obrigada ao cumprimento das exigências editalícias nos mesmos moldes do vencedor, mormente no que se refere ao valor do capital mínimo, foi constituída, inicialmente, com capital de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o qual foi majorado para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), mediante alteração dos seus atos constitutivos, e, posteriormente, ampliado para R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), em razão do cumprimento da decisão proferida pelo Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, com supedâneo no art. 798 do CPC, consoante se verifica da verifica da decisão de fls. às fls. 334/344. 7. Deveras, o Ministério Público Federal, na qualidade de custos legis, destacou que: "o princípio da continuidade dos serviços públicos admite o saneamento de uma irregularidade contratual, no intuito de atingir o interesse público. Correta a decisão do Tribunal a quo que entendeu possível a correção posterior de uma exigência prevista no edital de licitação (capital social mínimo de empresa) para preservar o bem comum dos administrados". (fl. 662) 8. Recurso Especial desprovido.[25]

Não havendo possibilidade de saneamento, ocorrerá a anulação. Assim, fará jus o concessionário a indenização exatamente nos termos da extinção por encampação, recebendo lucros cessantes, sendo tarefa do poder público garantir a percepção das receitas que poderia ter auferido na vigência do contrato, e danos emergentes referentes a contratos civis e trabalhistas. Diferente do que ocorre na caducidade - haja visto que aquela é imputada ao concessionário -, a indenização deverá ser feita previamente[26].

Referências bibliográficas

ALÉM, Ana; GIAMBIAGI, Fábio. Finanças Públicas: teoria e prática no Brasil. 5. ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. 539 p.

AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. rev., atual. e aum. de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 659 p.

ANDRADE, Rogério Emílio de. O preço na ordem ético-jurídica. Campinas: Edicamp, 2013.

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 4. ed. ver. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2017. 619 p.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. rev. ampl. e atual. até a EC 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2008.

GUGLIEMI, Gilles J; KOUBI, Geneviève. Droit du service public. Paris: Montchrestien, 2000.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 13.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. 1423 p.

_____________________. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. 654 p.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo Marques. Concessões. 1. ed. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2016. 422 p.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança: ação popular, ação civil pública, mandado de injunção. 31. ed. atualizada e complementada de acordo com as emendas constitucionais, a legislação vigente e a mais recente jurisprudência do STF e do STJ por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes com a colaboração de Rodrigo Garcia da Fonseca. São Paulo: Malheiros, 2008. 869 p.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27. ed São Paulo: Malheiros, 2010. 1119 p.

MESTRE, J. L. Introduction historique au droit administrative français. Paris: Presses Universitaires de France PUF, 1989.

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: RT, 2000.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 5. ed São Paulo: Malheiros, 2010. 189 p.

Sobre o autor
Lucca Westfahl de Siqueira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos