A estruturação e evolução de uma política pública de acordo com o contexto fático
No contexto do enfrentamento da pandemia de Covid-19 diversas políticas públicas foram adotadas pelos entes federativos em suas respectivas esferas de competência. Algumas medidas voltadas diretamente à questão da saúde pública e outras direcionadas a mitigar os efeitos socioeconômicas proporcionados pela crise sanitária.
Entretanto, antes de adentrar na análise de uma delas, importante tentar estabelecer o que se entende por política pública. Conforme leciona Celina Souza, ao longo da história, diversas definições foram atribuídas ao termo política pública e, dentre elas, na visão da autora, aquela mais conhecida é a de Laswell, segundo o qual, decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz.
Sob essa perspectiva, inicialmente, o programa Renda Básica Temporária, instituído pela Prefeitura de Niterói, foi estipulado da seguinte forma: pagamento de um auxílio no valor de R$ 500,00 com duração inicial de três meses, a cerca de 35 mil famílias que tenham ao menos um integrante na matriculado na rede municipal de educação, não sendo necessário que estejam inscritos no Cadastro Único de Programas Sociais CADÚNICO. (quem ganha o quê).
Dentre os grupos que não podem ser beneficiados estão os servidores públicos, incluindo inativos, empregados públicos, contratado ou pessoa que mantenha qualquer outro vínculo com as Administrações Direta ou Indireta de qualquer ente federativo, pensionista de servidor público e que receba qualquer outro benefício de transferência de renda municipal com o objetivo de reduzir o impacto causado pela crise decorrente da COVID-19. (complementando o item quem ganha).
A razão de fundo dessa política pública de transferência de renda é dar suporte financeiro a fim de subsidiar o acesso à alimentação e a itens de higiene básico às famílias que estejam enfrentando dificuldades econômicas em razão da pandemia. Além de estimular a economia local mantendo o poder de compra dessa parte mais vulnerável da população. (por quê e que diferença faz)
Maria Paula Dallari Bucci, por outro lado, buscando sistematizar os elementos mais importantes da política pública, fixou um quadro de referência com os elementos descritos abaixo, os quais foram complementados de acordo com as informações sobre a política pública em análise neste trabalho:
- Nome oficial do programa de ação: Renda Básica Temporária
- Gestão governamental: gestão em governo PDT (Partido Democrático Trabalhista), com posicionamento centro-esquerda
- Base normativa: Lei n° 3480/2020 e Decreto n° 13.541/2020
- Desenho jurídico-institucional: distribuição aos beneficiários de cartões pré-pagos nos quais são depositados o valor do auxílio, que podem ser utilizados em supermercados, mercados, padarias e farmácias.
- Agentes governamentais: Secretaria da Fazenda
- Agentes não governamentais
- Mecanismos jurídicos de articulação
- Escala e público-alvo: cerca de 35 mil famílias com ao menos um integrante matriculado na rede de ensino municipal
- Dimensão econômico-financeira do programa: durante a duração do programa, estimasse que foi gasto, em média, R$ 797,57 por habitante com o Renda Básica Temporária
- Funcionamento efetivo do programa
- Aspectos críticos do desenho jurídico-institucional
Conforme ressaltado pela autora, o fato das normas que regulam essas políticas, estarem, geralmente, dispostas de forma difusa no ordenamento, não apenas em uma Lei ou em um Decreto Regulamentador, mas também em diversas portarias, instruções ou outras leis e decretos, dificulta a transparência e o acesso pleno da população às informações que compõem o quadro de referência, como se percebe com alguns itens não preenchidos.
Ademais, por ser um programa recente, finalizado no ano de 2021, é difícil obter uma análise do funcionamento real do programa, para além das idealizações dos gestores públicos, uma vez que as informações acessíveis, normalmente, estão restritas àquelas fornecidas pelo próprio governo, que possivelmente não abordarão aspectos críticos de seu funcionamento.
Sob a perspectiva do Modelo do equilíbrio interrompido, segundo o qual, a partir da experiência de implementação e avaliação, é possível fazer mudanças na política instaurada, percebe-se que, diante da manutenção do estado de calamidade pública, o programa, inicialmente previsto para durar por três meses, foi renovado diversas vezes. Tendo havido, inclusive, a remodelação de seus requisitos com a mudança do cenário fático, isto é, partir do início do Plano de Imunização, a Prefeitura passou a exigir que os beneficiários estejam vacinados, pelo menos com a primeira dose, sem que a segunda esteja atrasada.
Considerando que a imunização em massa era requisito essencial para o fim das medidas restritivas e, consequentemente, para que a cidade voltasse a ter a economia girando, permitindo que a população voltasse a ter sua fonte de renda originária, faz todo o sentido que o ente federativo exija a vacinação como requisito para recebimento do benefício. Isto é, uma vez que o maior número de pessoas estiver vacinada, haverá um retorno à atividade socioeconômica, reduzindo o número de pessoas em situação de vulnerabilidade e, portanto, sendo cada vez menos necessário o pagamento do Renda Básica Temporária.
Dessa forma, possível perceber que, ainda que se trate de política pública temporária, como o próprio nome do programa demonstra, com impactos no curto prazo, é uma política com efeitos de longo prazo, que visa reestruturar a sociedade em um contexto pós pandemia.