PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

03/11/2022 às 15:36

Resumo:

• O Princípio da Motivação das Decisões Judiciais é essencial para trazer segurança ao devido processo legal.


• Este princípio está expressamente elencado na Constituição Federal e no Novo Código de Processo Civil, reforçando a importância da fundamentação das decisões.


• A motivação das decisões judiciais é fundamental não só para garantir a imparcialidade do juiz, mas também para promover transparência e justiça na sociedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O Princípio da Motivação das Decisões Judiciais é um dos vários princípios que regem o Direito Processual. Em suma, esse princípio diz respeito ao dever de fundamentar as decisões judiciais de modo a trazer segurança ao devido processo legal. Esse princípio previsto não só no Código de Processo Civil, mas, sobretudo, na Constituição Federal é de grande importância. Portanto, esse trabalho cuidará de revelar a grande importância que esse princípio tem em nosso ordenamento jurídico sob a ótica do magistrado, dos demais componentes de uma lide e da sociedade como um todo.

Palavras-chave: Princípios do processo; decisões judiciais; motivação das sentenças.

INTRODUÇÃO

O Princípio da Motivação ou da Fundamentação das Decisões Judiciais está expressamente elencado na Constituição Federal de 1988, no art. 93, in verbis:

  1. todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
  2. as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;

Com isso, podemos concluir em simples palavras que toda decisão judicial deve ser fundamentada sob pena de nulidade.

Uma observação interessante a ser feita é o fato de que a própria Constituição Federal que não deveria conter uma norma sancionadora, pois cabe a ela afirmar direitos e impor deveres, trouxe em seu texto a cominação de pena de nulidade mediante a inobservância do Princípio da Motivação[1].

O Código de Processo Civil de 1973 mencionava esse princípio nos artigos 165 e 458:

Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no artigo 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem. (grifo nosso)

Destaque-se no artigo supracitado que as decisões serão fundamentadas, mesmo que de modo conciso, quanto não forem necessários os demais requisitos constantes no artigo 458 que são: o relatório e o dispositivo. A possibilidade de fundamentação breve está relacionada às decisões interlocutórias. Necessitam de fundamentação porque apresentam cunho decisório[2].

O Novo Código de Processo Civil manteve o princípio da motivação no artigo 489:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. (grifo nosso)

E o Novo CPC ainda reforçou o princípio, pois trouxe diversos avanços e exigências quanto à fundamentação das decisões judiciais.

Vejamos o § 1º, do artigo 489, do Novo CPC:

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Portanto, a fundamentação não pode se restringir apenas à indicação do dispositivo legal. Além disso, não pode utilizar conceitos jurídicos indeterminados, bem como, deve demonstrar a identificação ou distinção quando utilizado precedentes, súmulas e jurisprudências.

PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS COMO GARANTIA FUNDAMENTAL

De maneira lógica podemos ainda inferir que esse princípio deve ser tratado como cláusula pétrea. Isso ocorre porque a Constituição dispõe no inciso LIV do art. 5º que: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, e concluindo que o Devido processo legal é irradiado por outros princípios, como o Princípio da Motivação das Decisões Judiciais, deduzimos que se trata de cláusula pétrea disposta no artigo 60, § 4º, IV, que trata da impossibilidade de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.

Indubitavelmente, podemos ver desde já a grande importância que esse princípio tem, juntamente com os demais princípios do Processo.

IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO

Anteriormente já foi referido que esse princípio visa à segurança jurídica do Processo. Obviamente, assegurar o bom funcionamento do Processo já seria o suficiente para corroborar a importância de tal princípio, até porque o Processo é um instrumento utilizado para a solução de litígios e cuja finalidade é a de promover a pacificação social. Essa definição do Processo está relacionada sob um ponto de vista político[3]. Esse enfoque político segue a linha mais moderna, como expõe também Dinamarco:

Mais modernamente, foi sendo salientada a função política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual recurso, mas quisquis de populo, com a finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões[4].

Porém, dentro dessa segurança jurídica há também outras razões de grande relevância.

Na visão do magistrado, que é quem possui o dever de fundamentar suas decisões, entendemos que ele tem o papel mais importante sendo o garantidor do bom funcionamento do Processo. É ele quem deverá alegar as razões que o fizeram a decidir de tal modo, buscando assim convencer as partes que sua decisão foi a mais acertada.

Nelson Nery Jr. aduz que: fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira[5].

Semelhante é o conceito de Gilmar Mendes, porém utilizando a expressão motivar e não fundamentar: [...] motivar significa dar as razões pelas quais determinada decisão há de ser adotada, expor as suas justificações e motivos fático-jurídicos determinantes[6].

Mas, em fundamentar e fundamentar de maneira adequada há uma grande diferença. A primeira seria meramente um pretexto fundamentado na observação do processo, porém sem conteúdo substancial (sem amparo legal), e a segunda seria a fundamentação em observação ao ordenamento jurídico (com amparo legal). Portanto, a exteriorização por parte do juiz deverá ser clara e com rigorosa observação às normas, princípios etc.

Do outro lado estão as partes, os operadores do Direito não envolvidos, e a sociedade. Para as partes é necessária a fundamentação, pois é uma resposta àquilo ao que foi peticionado. Aos operadores do Direito não envolvidos a fundamentação funcionará como uma sinalização positiva ou não para eventos futuros aos quais estejam envolvidos, assim como também para a sociedade que poderá ver na prática a atuação do Poder Judiciário de modo a compreender um pouco melhor seu funcionamento, mas principalmente presenciar transparência e justiça.

A necessidade de fundamentação serve também para um processo de controle, como aduz Gilmar Mendes:

A garantia da proteção judicial efetiva impõe que tais decisões possam ser submetidas a um processo de controle, inclusive a eventual impugnação.

Daí a necessidade de que as decisões judiciais sejam devidamente motivadas[7].

Pedimos data venia para fazer menção às palavras que merecem destaque, ainda que extensas, de Luigi Ferrajoli, citado por Gilmar Mendes[8]:

[...] compreende-se, após tudo quanto foi dito até aqui, o valor fundamental desse princípio. Ele exprime e ao mesmo tempo garante a natureza cognitiva em vez da natureza potestativa do juízo, vinculando-o, em direito, à estrita legalidade, e, de fato, à prova das hipóteses acusatórias. É por força da motivação que as decisões judiciárias resultam apoiadas, e, portanto, legitimadas, por asserções, enquanto tais verificáveis e falsificáveis ainda que de forma aproximada; que a validade das sentenças resulta condicionada à verdade, ainda que relativa, de seus argumentos; que, por fim, o poder jurisdicional não é o 'poder desumano' puramente potestativo da justiça de cádi, mas é fundado no 'saber', ainda que só opinativo e provável, mas exatamente por isso refutável e controlável tanto pelo imputado e sua defesa como pela sociedade. Precisamente, a motivação permite a fundação e o controle das decisões seja de direito, por violação de lei ou defeito de interpretação ou subsunção, seja de fato, por defeito ou insuficiência de provas ou por explicação inadequada no nexo entre convencimento e provas [...].

[...] Ao mesmo tempo, enquanto assegura o controle da legalidade e do nexo entre convencimento e provas, a motivação carrega também o valor endoprocessual de garantia de defesa e o valor extraprocessual de garantia de publicidade. E pode ser, portanto, considerado o principal parâmetro tanto da legitimação interna ou jurídica quanto da externa ou democrática da função judiciária.

ESTRUTURA DA MOTIVAÇÃO

Segundo o professor Michelle Taruffo[9], são três os requisitos: a racionalidade da fundamentação - razionalità, a inteireza da motivação completezza e a controllabilità.

Quanto à racionalidade da fundamentação, significaria um discurso que apresenta as razões; quanto à inteireza da motivação, seria a justificação e quanto à controllabilità, está relacionada à publicidade (acesso às decisões) e acessibilidade (no caso da linguagem de modo que todos devessem entender e não só os operadores do Direito).

Gilmar Mendes discorre brevemente sobre a racionalidade: A racionalidade e, dessa forma, a legitimidade da decisão perante os jurisdicionados decorrem da adequada fundamentação por meio das razões apropriadas[10].

Quanto à publicidade, que é outro princípio fundamental e que está intimamente ligado ao princípio da motivação das decisões judiciais, significa, segundo Wambier e Talamini, que: [...] todos os atos realizados no processo são públicos, inclusive as audiências[11].

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Ainda sobre o Princípio da Publicidade e expondo a sua importância juntamente com o Princípio da Motivação, a presença das pessoas nas audiências representa um instrumento de fiscalização sobre o trabalho dos operadores do Direito[12].

Infelizmente, no Brasil a acessibilidade praticamente não existe. A linguagem técnica ainda é excludente das maiorias, pois, é de difícil compreensão. O próprio professor Wambier[13] em palestra já destacou que a linguagem jurídica, em outras palavras, segrega as classes.

CONCLUSÃO

Deveras, é de grande importância tal princípio, já que visa à segurança jurídica de todos àqueles que recorrem ao Estado para a solução de litígios. O próprio legislador considerando tal princípio de extrema importância deixou de lado a técnica jurídica e cominou uma pena para a inobservância do Princípio da Motivação, ou seja, a falta da fundamentação gera nulidade.

Porém, mesmo a Constituição trazendo expressamente tal princípio e sua relevância, há muitos casos de magistrados que não observam essa garantia fundamental que é um dever dentro de sua função. Aqui tocamos novamente no ponto entre decisão fundamentada e decisão infundada, e até mesmo decisões mal fundamentadas. É comum, a utilização por parte dos juízes de expressões como, v.g., um indeferimento por falta de amparo legal, ou em uma decisão concessiva ou denegatória de liminar a utilização da locução presentes os pressupostos legais, concedo a liminar, ou, ausentes os pressupostos legais, denego a liminar. Mas quais seriam os pressupostos para a concessão ou denegação? Como poderá existir o Devido Processo Legal apoiado em tantos princípios como o Contraditório e a Ampla Defesa se as partes precisarão adivinhar o que o Sumo Magistrado quis dizer em sua fundamentação?

Mais do que a observação de todos os princípios inerentes ao Processo, ainda falta quebrar algumas amarras tradicionalistas. A acessibilidade a todos deveria ser uma realidade. Uma linguagem adequada a todas as classes parece ser imprescindível para um melhor andamento da sociedade.

As decisões, sentenças e acórdãos possuem função de dar resposta às partes e também de sinalizar aos demais o que e como estão acontecendo os trabalhos no Poder Judiciário. Portanto, não somente a observância de todos os princípios do Processo, incluindo o Princípio da Motivação, deveriam ser respeitados por aqueles que são parte integrante e fundamental no processo de busca pelo aperfeiçoamento da sociedade.

REFERÊNCIAS

DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antônio C. de Araújo; GRINOVER, Ada P.

Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Malheiros, 2001, vol. I.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo G. Bonet.

Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

NERY JR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. 10. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora RT, 2010.

TARUFFO, Michele. Il significato constituzionale dellobbligo di motivazione. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord). Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988,

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora RT, 2011, vol. I.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Aula Inaugural UEPG 2012.

Sobre o autor
Luciano Knoepke

Advogado OAB/PR nº 91.580. Pós-graduando em Advocacia Cível pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP-RS). Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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