Processos Éticos no CRM x Crises nas Redes Sociais

03/11/2022 às 17:15
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Atualmente, o processo ético é a menor das injustiças que se pode cometer contra um médico que não errou.

Dias atrás, em um final de semana, encontrei uma médica muito querida que desabafou sobre o desgaste pelo qual passou este ano, ao receber sua primeira sindicância após quase 20 anos de profissão.  

Foi uma conversa interessante, pois quanto mais a médica se queixava da injusta denúncia (de fato, motivada por algo irrelevante) e do quanto aquele fato a abalou, eu não podia deixar de pensar no quanto aquele problema era pequeno, comparado aos que muitos outros médicos vivenciam diariamente.   

Não digo isso com a intenção de diminuir o aborrecimento da médica, ou a importância das sindicâncias e processos éticos. Mas nos últimos anos, as queixas e insatisfações dos pacientes (sejam justas ou não) têm sido externadas por outro meio: as redes sociais. E neste ambiente, os efeitos tem sido devastadores.

As sindicâncias e os processos éticos que correm no âmbito dos CRMs tramitam de forma sigilosa, protegendo a identidade das partes. Nos últimos anos, mais de 50% dos processos éticos em MG terminaram isentando o médico de qualquer responsabilidade. Mas caso tramitassem de forma pública, haveria um grande prejuízo à imagem do profissional, independente de culpa (por isso são sigilosos).

E esta é exatamente a tônica das crises que diariamente ocorrem nas redes sociais, espaço que se tornou a praça pública da era moderna. Neste ambiente, vivemos algo bem próximo dos julgamentos públicos da idade média. Pois diante de qualquer acusação, mesmo sem provas ou até mesmo lógica que a sustente, os apedrejamentos virtuais são violentos e cruéis.

Por este motivo, uma sindicância ou processo ético é a menor das injustiças que pode ser cometida contra um médico, cirurgião dentista ou qualquer outro profissional que não errou. Pois embora traga inúmeros inconvenientes e riscos ao profissional, seu bem mais valioso é preservado: a sua imagem e reputação.

Mas por que os pacientes tem se queixado pelas redes sociais, e não mais os meios tradicionais? A resposta é óbvia. O paciente que procura o conselho profissional, procura a validação técnica de suas queixas, e a punição do médico. Mas a decisão só ocorre após a ampla defesa do profissional. O mesmo ocorre quando a demanda é levada à justiça, onde até uma perícia médica ocorre, com a diferença de que naquele ambiente, o paciente pode ainda ser indenizado. Mas por ambos os meios, somente com a certeza de culpa.

Contudo, nas redes sociais o médico sequer possui a possibilidade de defesa. Pois as críticas feitas pelo paciente, verdadeiras ou não, encontram nas redes sociais uma verdadeira legião de desocupados, praticantes da cultura do cancelamento. À espreita de uma oportunidade para destilar o ódio do bem, destruindo a imagem e reputação da vítima, sem qualquer oportunidade de defesa. Protegidos pelas falsas sensações de anonimato e impunidade, os abutres virtuais descontam todas as suas frustrações na vítima da vez, assassinando em minutos reputações que foram construídas em décadas de trabalho.

Em regra, os pacientes que levam suas queixas às redes sociais são movidos pelo sentimento de vingança. Desejam causar prejuízo, através de um meio muito eficiente. Nestes casos, independente de terem razão em suas queixas, cometem uma série de atos ilícitos e crimes contra a honra, como calúnia, injúria e difamação (art. 138 a 140 do Código Penal). Isso sem falar no crime de perseguição (art. 147-A). Em casos mais graves, o paciente busca tornar o médico seu refém, prometendo cessar a prática ilícita caso receba a vantagem desejada. Situação na qual temos os crimes de denunciação caluniosa (art. 339) e até extorsão (art. 158).

Ao contrário do que muitos pensam, a internet não é uma terra sem lei. Contudo, os anos de experiência gerenciando crises me provaram que a maioria das pessoas não sabe disso, acreditando poderem publicar o que desejar sem responder pelos crimes cometidos, ou terem que indenizar pelos prejuízos causados. 

Vivemos uma época de pessoas emocionalmente frágeis, que sentem necessidade de se posicionar sobre qualquer assunto, independente de terem ou não algum conhecimento, ou dos impactos que podem causar. E através de perfis reais ou falsos, passam os dias destruindo a imagem e reputação alheia por mero prazer, alimentando o vazio que lhes consome a alma em suas frustrações diárias. Muitos internautas até sabem da ilegalidade de seus atos e das responsabilidades envolvidas, mas creem estarem protegidos pelo anonimato (uma ilusão, pois no ambiente digital todos são facilmente identificáveis).

Contudo, isso não diminui o dano causado à imagem e à reputação do profissional da saúde. Pois é uma questão de horas para que a avalanche de críticas nas redes sociais afete a agenda de consultas e cirurgias da vítima, assim como toda a sua vida profissional e pessoal, agravando até mesmo sua saúde e convivência familiar. Danos irreparáveis, independente da identificação e responsabilização dos autores, e de qualquer indenização futuramente imposta pela justiça.

Um dos principais problemas é que a maioria dos profissionais da saúde não trata estes casos adequadamente, e no momento certo. A tendência de muitos é ceder à pressão do paciente. Sobretudo os cirurgiões plásticos e demais profissionais da saúde que trabalham com tratamentos ligados à estética (ainda que terapêuticos). E ceder à pressão é uma péssima saída, que só aumenta a proporção do problema e abre caminho para a perpetuação das práticas, além de processos judiciais e éticos.

Portanto, é essencial que as crises de imagem em redes sociais sejam evitadas. Existem formas eficientes para mitigar os riscos, iniciando pelo alinhamento jurídico do marketing médico. Pacientes com inclinação a este tipo de conduta são identificáveis, e facilmente atraídos por algumas estratégias de marketing. É importante ter atenção redobrada com os pacientes provenientes do marketing em redes sociais, pois estes tendem a se queixar pelo mesmo meio. Manter uma boa relação com os pacientes é essencial, tendo especial atenção às suas queixas, pois antes de chegarem às redes sociais, estas tendem a passar pela clínica. Possuir uma documentação médica consistente é o principal ponto do preventivo, pois esta irá garantir o sucesso das medidas judiciais a serem tomadas, caso necessário.

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Caso ainda assim ocorra uma crise, é importante que seja gerenciada adequadamente, no tempo certo e por um profissional adequado, com conhecimento e experiência no assunto. O combate a esta atuação ilícita e criminosa deve ser rigoroso e imediato. Pois diferente disso, em uma questão de horas, os prejuízos podem ser irreversíveis.

 Renato Assis é advogado, especialista em Direito Médico e Odontológico há 16 anos, e conselheiro jurídico e científico da ANADEM. É fundador e CEO do escritório que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o país

 

Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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