Hermenêutica Constitucional da Competência Territorial no Processo do Trabalho

14/11/2022 às 14:38
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 RESUMO: Este trabalho monográfico investigou a hermenêutica constitucional da regra geral de competência em razão do lugar no Processo do Trabalho, instituída pelo caput do artigo 651 da Consolidação das Leis do Trabalho no local da prestação dos serviços. Inicialmente, buscou-se analisar a teoria da norma jurídica para compreender os mecanismos utilizados na resolução de eventuais colisões e estabelecer a natureza jurídica da regra em análise. Concluiu-se que o conflito entre regras é solucionado por meio de uma cláusula de exceção, ao passo que o embate entre princípios se resolve através da técnica de ponderação de interesses. Em seguida, passou-se ao estudo dos princípios que estão densificados na regra geral, a saber: devido processo legal, juiz natural, proteção do hipossuficiente e acesso à ordem jurídica. Realizada a discussão, concluiu-se que a interpretação literal da regra de competência relativa não observa a evolução da sociedade, de modo a manter a ordem jurídica em sintonia com a ordem social. Ademais, verificou-se que a jurisprudência brasileira enfrenta três barreiras para fixação da competência territorial no foro do domicílio do trabalhador: ausência de previsão legal expressa, limitações à aplicação analógica da regra inserida nos demais parágrafos do artigo 651 da CLT e os princípios do devido processo legal, juiz natural e segurança das relações jurídicas, que estão também densificados na regra geral. Entendeu-se que a regra geral pode ser afastada por meio do sopesamento de princípios constitucionais, através da análise da adequação da medida, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, de modo a permitir o acesso do trabalhador ao Poder Judiciário.

 Palavras Chave: Competência Territorial no processo do trabalho; princípio da proteção do trabalhador; Princípio do acesso à Justiça. Ponderação de interesses.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

This monograph investigated constitutional hermeneutics of the jurisdiction rule based on the place on labor process, established by the Article 651 caput of the Consolidação das Leis do Trabalho in the place of supply of services. Initially, we sought to examine the theory of the rule of law to understand the mechanisms used to solve possible collisions and establish the juridic nature of the legal rule under review. It was concluded that the conflict between the rule's different interpretations is solved through an exception clause, while the clash of principles is solved through the weighing of interests. Then comes the study of the principles that are condensed in the rule, namely: due process, natural judge, protection of the lacking and access to justice. Held the discussion, it was concluded that the literal interpretation of the rule relative competence doesn't observe the social evolution in order to keep the law in line with the social order. Moreover, it was found that the Brazilian jurisprudence faces three barriers to fix the territorial jurisdiction in the domicile of the worker: the absence of express legal provision, limitations on the analogy of the rules inserted on the other paragraphs of Article 651 of the Labor Code and the principle of due process of law, natural judge and security of legal relations, which are also condensed on the rule itself. It was understood that the general rule may be averted by the balancing of constitutional principles, through the analysis of the appropriateness of the measure, necessity and proportionality in the strict sense, in order to allow worker access to the Judiciary.

 

Keywords: Territorial Jurisdiction in the labor process; principle of worker protection; principle of access to justice; Balance of interests.

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................................10

 

2 DA ANTINOMIA ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS: CRITÉRIOS PARA RESOLUÇÃO.....................................................................................................................12

2.1 Dos princípios e das regras: uma delimitação epistemológica......................................12

2.2 Do conflito entre regras e da colisão entre princípios: mecanismos de solução..........15

2.2.1 Do conflito entre regras: invalidades e cláusulas de exceção.........................................16

2.2.2 Da colisão entre princípios: a ponderação de interesses................................................17

2.3 Da colisão entre princípios e regras: o dogma da superioridade axiológica...................21

2.4 Da natureza jurídica do artigo 651, caput, da CLT........................................................23

 

3 DOS PRINCÍPIOS E REGRAS EM CONFLITO NO PROCESSO DO TRABALHO............................................................................................................................26

3.1 Da competência estabelecida pelo art. 651, caput, da CLT e seu processamento........26

3.2 Do princípio da proteção do hipossuficiente...................................................................31

3.2.1 Regra in dubio pro operario............................................................................................32

3.2.2 Regra da norma mais favorável.......................................................................................34

3.2.3 Regra da condição mais benéfica....................................................................................35

3.2.4 Da aplicabilidade do princípio de proteção do hipossuficiente no processo do trabalho.....................................................................................................................................36

3.3 Do princípio de acesso à ordem jurídica.........................................................................40

3.3.1 Das três ondas de acesso à justiça...................................................................................43

3.3.2 Princípio do acesso à justiça no processo trabalhista.....................................................45

3.4 Do princípio do juiz natural e a fixação da competência em razão do lugar...............47

3.5 Do devido processo legal e a determinação de competência territorial.......................50

 

4 NOVA PERSPECTIVA HERMENÊUTICA DO ARTIGO 651, CAPUT, DA CLT........53

4.1 Dos entendimentos jurisprudenciais acerca da exceção de incompetência em razão do lugar no Processo do Trabalho..........................................................................................54

4.1.1 Da interpretação literal do caput do artigo 651 da CLT.................................................54

4.1.2 Da aplicação analógica dos parágrafos do artigo 651 da CLT......................................56

4.1.3 Da fixação da competência no juízo do domicílio do obreiro.........................................59

4.2 Interpretação do artigo 651, caput, da CLT à luz da evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil...................................................................................................................59

4.3 Das principais objeções ao reconhecimento da competência territorial no foro do domicílio do obreiro................................................................................................................66

4.3.1 Da ausência de previsão manifesta na Consolidação das Leis do Trabalho...................66

4.3.2 Da inviabilidade da aplicação analógica dos parágrafos do artigo 651 da CLT...........68

4.3.3 Da violação do princípio do juiz natural e imparcialidade do julgador.........................70

4.3.4 Da violação do devido processo legal e segurança das relações jurídicas.....................74

4.4 Interpretação constitucional do caput do artigo 651 da CLT........................................77

 

5. CONCLUSÃO.....................................................................................................................84

 

6 REFERÊNCIAS...............................................................................................................89

 

 

 

 

 

 

 

 

 


1 INTRODUÇÃO

 

A presente pesquisa tem o objetivo de investigar a possibilidade de afastamento episódico da regra geral de competência territorial traçada pelo caput do art. 651 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para que a ação seja proposta no foro do domicílio do obreiro ou naquele em que o acesso do trabalhador ao Poder Judiciário seja facilitado. Partiu-se do pressuposto de que, diante das mudanças ocorridas nas últimas décadas no plano das relações sociais, a aplicação da literalidade da regra pode significar, em muitos casos, verdadeiro atentado aos direitos fundamentais trabalhistas.

Antes de adentrar na questão principal do tema, buscou-se investigar a natureza jurídica da regra insculpida no caput do art. 651 da CLT, para compreender as consequências que dela poderão ser extraídas. Em particular, à luz da hermenêutica histórico-teleológica, concebeu-se a aludida regra como densificadora de princípios constitucionais, porque materializa, no plano da legislação ordinária, os mandamentos nucleares do devido processo legal, naturalidade do juízo, proteção do hipossuficiente e acesso à justiça.

De notar, conforme esposado no primeiro capítulo, que os princípios e as regras integram o gênero norma jurídica, como aponta a doutrina neoconstitucionalista mais abalizada. Buscou-se, então, entender o conceito dos elementos integrantes da norma e os mecanismos para solucionar eventuais colisões no relacionamento entre os mesmos.

No segundo capítulo, analisou-se cada princípio constitucional densificado na norma do  caput do art. 651 da CLT e que condiciona a sua aplicabilidade. Neste diapasão, o princípio da proteção do hipossuficiente ou tuitivo, exemplo maior do dirigismo contratual, manifesta-se nas máximas in dubio pro operario, aplicação da norma mais favorável e prevalência da condição mais benéfica. De igual maneira, o princípio do acesso à justiça deve assegurar a efetiva possibilidade de provocar a atuação do Poder Judiciário e receber dele uma prestação célere, adequada e eficaz, o que somente é viável se houver reunião das condições fáticas indispensáveis e, dentre estas, insere-se a acessibilidade geográfica do foro competente para julgar a demanda proposta.

Em seguida, estudou-se o princípio do juiz natural, que está embasado na dúplice exigência constitucional de pré-constituição do órgão judiciário para conhecimento da causa e delimitação prévia das regras de competência pela legislação em vigor, de modo que a parte litigante não possa escolher o magistrado que julgará a demanda. De igual maneira, o caput do art. 651 da CLT densifica também o devido processo legal, sob o viés do contraditório e da ampla defesa, com todos os recursos inerentes, como condição de procedibilidade para restrição dos direitos de outrem.

O último capítulo investiga, especificamente, a possibilidade de afastamento episódico da regra geral de competência territorial para prorrogação no foro do domicílio do obreiro ou em localidade que facilite o acesso à justiça e produção dos meios de prova, quando o foro da prestação dos serviços não coincidir com o atual domicílio.

Inicialmente, construiu-se um panorama do entendimento jurisprudencial das principais cortes trabalhistas brasileiras sobre a matéria, no qual se constatou que, diante do problema apresentado, as decisões adotadas são variadas em fundamento, seja para aplicar a literalidade da regra ou para afastar sua incidência em nome de um princípio específico.

Ainda, sob o viés histórico, constatou-se que a criação de uma modalidade híbrida de competência, no foro da prestação dos serviços, almejou atender aos anseios políticos da década de 1940, principalmente numa época em que os meios de transporte e comunicação eram rudimentares, de modo que o deslocamento das pessoas no território nacional era limitado.

Em seguida, diante da quase inexistência de doutrina sobre a matéria objeto deste trabalho, rebateram-se as principais objeções jurisprudenciais ao reconhecimento da possibilidade de fixação da competência territorial no foro do domicílio do trabalhador, a saber: a ausência de previsão legal expressa, as limitações à aplicação analógica da regra inserida nos demais parágrafos do artigo 651 da CLT e os princípios do devido processo legal, juiz natural e segurança das relações jurídicas, que estão densificados na regra geral.

Por derradeiro, impende destacar que a metodologia utilizada foram as pesquisas bibliográfica e jurisprudencial, envolvendo, pois, a busca de livros, monografias,  artigos publicados em revistas especializadas, jornais e revistas, bem como decisões e acórdãos proferidos pelas principais cortes trabalhistas do país, na tentativa de investigar os fundamentos da decisão interlocutória que acolhe ou não a exceção de incompetência oposta pelo demandado, quando a reclamação trabalhista é ajuizada em local distinto daquele em que ocorreu a prestação dos serviços pelo empregado.

 

2 DA ANTINOMIA ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS: CRITÉRIOS PARA RESOLUÇÃO

 

 

A norma que estabelece a competência em razão do lugar na Consolidação das Leis do Trabalho (art. 651, caput, CLT) é tida, atualmente, por muitos especialistas em Direito[1], como autorizadora de violência aos direitos fundamentais trabalhistas, quando interpretada e aplicada de forma cartesiana, em desfavor do obreiro não residente na mesma localidade em que prestou serviços à empresa, em caso de ajuizamento de ação trabalhista.

Em verdade, diz-se que exigir do empregado despedido o deslocamento para a cidade em que prestou serviços, em muitos casos, poderá constituir verdadeira afronta ao princípio da proteção do hipossuficiente e acesso à ordem jurídica. Sem embargo, argumenta-se, por outra parte, que a relativização da regra de competência territorial violaria o devido processo legal, além de macular o princípio constitucional do juiz natural.

No caso sub examine, observa-se o conflito entre direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, o que demanda um estudo para fins de sistematização dos entendimentos jurídicos suscitados, que permitirá construir um arcabouço argumentativo capaz de apontar os direcionamentos para solver esta querela jurisprudencial.

Neste capítulo preambular, então, será feito um estudo sistemático acerca dos princípios e regras jurídicas, bem como principais métodos filosóficos para resolução das antinomias entre normas, na tentativa de entender a natureza do preceito insculpido no art. 651, caput, da CLT, bem como as consequências jurídicas que dele poderão ser extraídas.

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2.1 Dos princípios e das regras: uma delimitação epistemológica

 

 

Conhecer a natureza de determinado instituto jurídico é tarefa imprescindível para que o intérprete possa estabelecer o respectivo enquadramento no arcabouço epistemológico da Ciência do Direito, traçando, por conseguinte, os limites relacionais com as demais vertentes do saber jurídico. Segundo Miguel Reale[2], uma das tarefas essenciais da epistemologia é classificar o objeto das ciências jurídicas, não só para determinar a natureza de cada uma delas, mas também para tornar claras as implicações no relacionamento entre as mesmas.

A discussão acerca dos marcos distintivos entre princípios e regras é um problema que há muito aflige especialistas em disciplinas propedêuticas jurídicas. Considerando que o conhecimento é um elemento aproximativo, temporário e refutável, o objetivo maior deste capítulo introdutório não é esgotar ou analisar exaustivamente a questão, mas sistematizar os postulados já consagrados na doutrina mais abalizada para que, de posse de tais informações, no instante oportuno, seja possível desdobrar a temática objeto deste trabalho. Assim, muito longe de expor conclusões definitivas, almeja-se descrever os pressupostos gerais que circundam o problema, para que sirvam como supedâneo para futuras discussões.

Paulo Bonavides[3] assinala que a juridicização dos princípios atravessou três fases distintas. A primeira etapa, segundo o autor, é a fase jusnaturalista, na qual os princípios compunham uma esfera abstrata, porém desprovida de qualquer coercibilidade, servindo apenas como parâmetro ético-valorativo das ideias que inspiram os ditames da justiça. Por outra parte, assevera que a etapa subsequente corresponde ao ingresso dos princípios na legislação ordinária, especialmente cível, como fonte normativa subsidiária, na tentativa de manter incólume o postulado da completude do ordenamento jurídico. Destarte, seguindo esta corrente de intelecção histórica proposta pelo autor, verifica-se que o estágio terceiro e contemporâneo coincide com a era do Pós-Positivismo, na qual os princípios adquiriram natureza constitucional, convertendo-se em verdadeiros pedestais axiológicos em que se assenta o ordenamento jurídico.

Antes de oferecer qualquer distinção conceitual, vale destacar que os princípios e as regras são espécies do gênero norma jurídica. Por conseguinte, ambos têm força normativa, desde que positivados. As regras descrevem em sua estrutura lógica uma hipótese fática e uma consequência jurídica, nas quais incidirão o mecanismo da subsunção, ao passo que os princípios prescrevem diretrizes normativas abstratas, produzindo verdadeiros mandados de otimização[4] que, em última análise, como ressalta Luciano Martinez[5], visam à potencialização da própria justiça. Assim, a regra tem natureza descritiva, ao passo que o princípio possui a prescritibilidade axiológica como qualidade fundamental.

Na doutrina nacional, verifica-se que Celso Antônio Bandeira de Mello[6] traçou um conceito interdisciplinar de princípio, amplamente citado no âmbito jurídico, definindo esta espécie de norma como mandamento nuclear do sistema normativo, verdadeiro alicerce dele, disposição basilar que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, de maneira a estabelecer a lógica e a racionalidade do sistema, dando-lhe sentido harmônico.

Assim, na acepção jurídica, os princípios são proposições normativas fundamentais, gerais ou setoriais que, revelando os valores basilares do sistema normativo, orientam na elaboração das leis e auxiliam na atividade de interpretação e integração[7] do Direito.

Os princípios não objetivam regular situações específicas, mas sim estender seu império normativo sobre todo o sistema jurídico. Em verdade, essa meta é alcançada na medida em que eles vão perdendo a densidade semântica e ascendendo, assim, a uma posição no ordenamento jurídico que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que a norma instituidora de regras, como leciona Celso Ribeiro Bastos[8]. Portanto, resta patente que aquilo que o princípio perde em carga normativa adquire, por outro lado, como força valorativa.

De outro modo, as regras seguem o parâmetro hermenêutico do tudo ou nada, segundo a dicção de Ronald Dworkin[9], como será analisado no tópico a seguir. Em verdade, toda regra traduz relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações: ocorrendo a hipótese prevista em lei, a regra deverá incidir, em homenagem ao mecanismo clássico da subsunção.

Em face do exposto, verifica-se que as normas jurídicas, como um gênero no qual se inserem as regras e os princípios, existem para regular situações da vida humana, estabelecendo a normatização da realidade fática em que se inserem. Não obstante, os princípios possuem um grau de maior generalidade e abstração, com eficácia irradiante por todo o sistema normativo, orientando sua interpretação e aplicação, ao passo que as regras são específicas e concretas, prescrevendo uma conduta em determinadas circunstâncias.

Um sistema jurídico não pode ser constituído unicamente por regras ou apenas por princípios, sob pena de ser demasiadamente rígido ou flexível, respectivamente. Isto porque as regras têm o condão de limitar, em nome da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais, determinados conceitos fechados que não podem ser afrontados. Por outra parte, os princípios são conceitos abertos que servem para a compreensão e interpretação abrangente do direito. Desta sorte, no modelo normativo pós-positivista, o ideal é a interação entre regras e princípios, como forma de materializar a aplicação equânime das normas jurídicas no processo de subjetivação do direito objetivo.

 

 

2.2 Do conflito entre regras e da colisão entre princípios: mecanismos de solução

 

 

Em virtude da natureza descritiva de conduta das regras e do caráter valorativo e finalístico dos princípios, resta patente que eventual conflito entre regras ou entre princípios deverá ser resolvido por meio de uma técnica hermenêutica peculiar a cada caso.

Como será analisado nos tópicos seguintes, o conflito entre regras é solvido pelo critério hierárquico, cronológico ou da especialidade, ao passo que a colisão entre princípios é decidida basicamente pela técnica da ponderação de interesses, por meio da qual, no caso concreto, avalia-se a prevalência episódica de um princípio com relação a outro com ele cotejado.

Ressalte-se, ainda, que malgrado haja uma gama de renomados pensadores que intentam solucionar a problematicidade aqui apontada, Robert Alexy e, em certa medida, Ronald Dworkin, foram eleitos para fundamentar as principais discussões de índole filosófica deste estudo.

2.2.1 Do conflito entre regras: invalidades e cláusulas de exceção

 

 

Há conflito entre duas regras jurídicas quando existe incompatibilidade lógica entre o que é fixado pela primeira e o que estabelece como padrão de conduta a segunda. Verifica-se, melhor dizendo, a presença de dois mandamentos normativos, tipificando igual conduta, com soluções jurídicas aparentemente antagônicas.

Segundo Robert Alexy, um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida[10]. Em verdade, significa dizer que, nessa espécie de antinomia normativa, a nota característica reside no fato de não se admitir aplicação simultânea de duas regras com consequências jurídicas contraditórias entre si.

Logo em seguida, acrescenta Alexy: a constatação de que pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida quando uma cláusula de exceção não é possível em um conflito entre regras nada diz sobre qual das regras deverá ser tratada dessa forma[11]. Então, em havendo conflito entre regras jurídicas, haverá uma cláusula de exceção que restrinja a aplicabilidade de apenas uma delas. Se isto não for possível, segundo o jurista germânico, uma das regras deverá ser necessariamente declarada inválida.

O conflito entre regras é resolvido no âmbito da validade, tendo em vista que, se uma regra vale e é aplicável ao caso concreto, por conseguinte, serão válidas também suas consequências jurídicas, pois se encontram inseridas no arcabouço normativo.

Desse modo, as antinomias entre regras podem ser solvidas, a princípio, mediante utilização de uma cláusula de exceção, fundada nos critérios cronológico, pelo qual a regra posterior derroga a regra anterior (Lex porterior derogat legi priori); hierárquico, através do qual a regra hierarquicamente superior afasta a inferior (Lex superior derogat legi inferiori) ou da especificidade, quando a regra dotada de especialidade prevalecerá sobre a instituidora de parâmetros ou diretrizes gerais (Lex specialis derogat legi generali).

Como leciona Robert Alexy[12], se, no caso concreto, a aplicação de duas regras juridicamente válidas conduz a juízos concretos de "dever ser" reciprocamente contraditórios, restando impossível a resolução do conflito pela aplicação de uma cláusula de exceção, mesmo assim o sistema admite apenas a aplicação de uma das regras, devendo ser invalidada a outra, com a consequente expurgação do sistema normativo, como mecanismo de preservação da unidade do ordenamento jurídico.

Cumpre destacar, porque oportuno, que Ronald Dworkin segue uma linha de intelecção semelhante, no sentido de que as regras se aplicam à maneira do tudo ou nada. Por conseguinte, dados os fatos que uma regra estipula, então, ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão[13].

O jusfilósofo norte-americano entende que as regras jurídicas podem ser funcionalmente importantes ou desprovidas de importância.

Nesse sentido, uma regra jurídica pode ser mais importante do que outra porque desempenha um papel maior ou mais importante na regulação do comportamento, de tal modo que se duas regras estão em conflito, uma suplanta a outra em virtude de sua importância maior.[14]

 

De acordo com o pensamento dworkiniano, se duas regras entrarem em conflito, uma delas deve ser declarada inválida. A decisão de averiguar qual delas está em desconformidade com o ordenamento geralmente é tomada com base nos critérios da hierarquia, antiguidade ou especialidade normativa. Assevera o autor que o sistema jurídico pós-positivista deve também preferir a regra que é sustentada pelos princípios mais relevantes[15], adotando um critério que vai além das diretrizes instituídas pelo modelo positivista clássico, como será examinado no tópico a seguir.

 

 

2.2.2 Da colisão entre princípios: a ponderação de interesses

 

 

Questão amplamente discutida nos últimos anos, e que tem sido objeto de várias indagações por parte da doutrina especializada, é a colisão entre princípios constitucionais. Observe-se que, para dirimir tal litígio, devem ser considerados os bens e valores em conflito, oferecendo tratamento de prevalência esporádica a um deles, em casos especiais. Diferentemente do conflito entre regras, não existe pressuposição da superioridade normativa de um princípio em relação a outro com ele cotejado, mas apenas uma situação de destaque episódico em virtude das circunstâncias fáticas que autorizam o discrímen.

Dirley da Cunha Júnior[16] ratifica que todas as normas-princípios e normas-regras se encontram no mesmo plano normativo, não havendo razão para se falar em qualquer hierarquia normativa. Contudo, no que se refere à superioridade valorativa, assinala ser inquestionável a existência de uma hierarquia axiológica entre os princípios constitucionais. Em seguida, assevera:

Com efeito, há princípios com distintas cargas valorativas; uns sem densidade semântica, mas com intensa força valorativa; outros, com densidade normativa, mas com pouca carga valorativa. Os primeiros projetam-se sobre todo o sistema de normas, exigindo que sejam observados os valores que eles consagram. Os segundos atuam em domínios normativos específicos, fazendo efetivos e concretos exatamente aqueles valores.[17]

 

Antes de adentrar ao conteúdo da colisão entre princípios constitucionais, algumas observações doutrinárias merecem ser feitas: os princípios podem ser explícitos ou implícitos, respectivamente, quando, sem prejuízo de sua natureza, forem formulados de forma consignada na literalidade da norma jurídica ou permaneçam ocultos sob a materialidade dos elementos. Ademais, o fato de um princípio recôndito vir a se tornar explícito não faz com que se transmude automaticamente em uma regra[18].

Leciona Ronald Dworkin que às vezes, regras ou princípios podem desempenhar papeis bastante semelhantes e a diferença entre eles reduz-se quase a uma questão de forma[19]. Assim, em havendo conflito entre regras densificadoras de princípios, mostra-se viável a aplicação do mecanismo da ponderação de interesses, ao invés de proceder por meio dos critérios tradicionais de resolução das antinomias aparente entre regras, porque a regra, neste caso, é um mero veículo de materialização dos princípios constitucionais.

A ponderação de interesses consiste na técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvam princípios, conflitos estes insolúveis pelas regras de hermenêutica tradicional. Como todo princípio tem igual hierarquia normativa, a técnica de ponderação consiste no estabelecimento da predominância relativa de um princípio em face de outro, sob determinadas circunstâncias fáticas, em razão da carga axiológica que trazem consigo, a partir de critérios e pressupostos delineados pelo sistema jurídico.

Em se tratando da solução teórica para a colisão de princípios jurídicos, dentre muitas, duas escolas se destacam: a corrente juspolítica liberal e não utilitarista norte-americana, encabeçada por Ronald Dworkin, e a doutrina dogmática pós-positivista germânica, liderada por Robert Alexy.

A grandeza da contribuição teórica formulada por Ronald Dworkin consistiu em promover a junção da teoria do direito com a filosofia, na tentativa de reaproximar o direito positivo do direito natural. Nesse contexto, é inaugurada uma etapa histórica na evolução do pensamento jurídico ocidental denominado neopositivismo. Em verdade, afirma-se que a teoria desenvolvida por Dworkin esteve à frente de seu tempo, considerando que, não obstante tenha origem no positivismo clássico e esteja inserida no pensamento liberal, proponha um postulado normativo baseado na comunhão entre direito e justiça[20].

Dworkin adverte que os princípios devem ser aplicados conforme seu valor, ao contrário do que ocorre com as regras, que obedecem ao paradigma do tudo ou nada, na hipótese de interferência mútua. O jusfilósofo assevera que, no que concerne à colisão entre princípios, a solução há de ser orientada no peso ou força de cada um deles que esteja em litígio. Em realidade, a opção do hermeneuta em aplicar um ou outro princípio em determinado caso concreto significa, unicamente, a superação episódica do princípio constitucional naquele evento específico. Diante de nova situação fática, o intérprete poderá adotar outro posicionamento com relação aos mesmos princípios, através de uma necessária adaptação do nível de importância que anteriormente lhes foi atribuída[21].

O conflito de regras se opera no plano de validade, ao passo que a colisão entre princípios se dá na esfera dos valores. No entanto, conquanto não se possa ter a mensuração exata do peso axiológico de um princípio em comparação a outro de igual patamar normativo, tal avaliação deve ser empreendida pelo magistrado como condição sine qua non para que haja uma resposta estatal condizente com os ditames de equidade.

De outra parte, Robert Alexy afirma que o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são mandados de otimização, ao passo que as regras têm o caráter de mandados definitivos[22]. Esta diferenciação, todavia, é meramente teórica, tendo em vista que a distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre espécies de normas[23].

A concepção dogmática pós-positivista introduzida por Robert Alexy, embasada no pensamento de Ronald Dworkin, representou avanço significativo na conceituação das entidades em que a norma jurídica se desmembra e na representação sistematizada da figura do ordenamento jurídico, na medida em que elasteceu o conceito de princípios, não os restringindo à esfera dos direitos individuais. Ademais, com a doutrina alemã, os direitos fundamentais se incorporaram à concepção teórica de ordenamento jurídico, com a natureza de princípios, dando azo à possibilidade de ponderação de interesses entre eles[24].

Aduz ainda Alexy:

Entre os princípios relevantes para decisões de direitos fundamentais não se encontram somente princípios que se refiram a direitos individuais, isto é, que conferem direitos fundamentais prima facie, mas também aqueles que têm como objeto interesses coletivos e que podem ser utilizados, sobretudo como razões contrárias a direitos fundamentais prima facie, embora possam ser também utilizados como razões favoráveis a eles. O conjunto básico dos princípios que conferem direitos fundamentais prima facie é facilmente determinável[25].

 

Nota-se que os princípios em colisão não se excluem em abstrato, mas apenas se mitigam no caso concreto. Nessa esteira de raciocínio, Robert Alexy cria a denominada Lei de Colisão, destinada a resolver eventual embate através da ponderação de precedências e pesos dos princípios conflitantes. Assim, propõe a utilização do critério da proporcionalidade, sendo que na ponderação dos princípios serão atravessadas necessariamente as fases de análise da adequação da medida, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A etapa de estudo da adequação avaliará as possibilidades fáticas que envolvem o litígio entre direitos fundamentais, verificando se há algum desvio de finalidade. Em seguida, o estágio da necessidade perquirirá se o meio escolhido era o único possível e existente para que fosse solucionado o problema, bem como se o caminho empregado foi mais benéfico à coletividade humana. Por fim, na fase da proporcionalidade em sentido estrito, analisar-se-á a relação custo-benefício entre a eleição de um princípio em detrimento de outro, bem como a dimensão da intervenção no direito fundamental relativizado[26].

Quanto às às etapas a serem percorridas na lei de colisão (proporcionalidade em sentido estrito, adequação e necessidade), assevera que a máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de os princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas, mas a análise da necessidade e adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização, em face das possibilidades fáticas[27].

 

 

2.3 Da colisão entre princípios e regras: o dogma da superioridade axiológica

 

 

Os princípios, sejam implícitos ou explícitos, são normas jurídicas dotadas de coercibilidade, diferenciando-se das regras na medida em que eles são normas dotadas de ampla carga valorativa, enquanto as regras jurídicas são normas descritivas de situações fáticas concretas, dispostas a materializar os valores veiculados pelos princípios. Antes de apontar os mecanismos de solução em caso de colisão entre princípios e regras, faz-se imprescindível entender a localização dos princípios no ordenamento jurídico.

De acordo com Celso Ribeiro Bastos, os princípios desempenham uma função transcendental no texto da Constituição, dando-lhe a feição de unidade, embora o autor acredite que os princípios não possam, per si, gerar direitos subjetivos[28].

Em seguida, ratificando o caráter normativo dos princípios, assevera o constitucionalista que os princípios são de maior nível de abstração que as regras, permeando todo o texto constitucional, emprestando-lhe significação única, além de traçar os vetores e rumos em função dos quais as demais normas devem ser interpretadas. Desse modo, os princípios seriam as vigas mestras do texto constitucional, que vão se concretizando não somente a partir de outras normas da Constituição, mas também por meio da legislação ordinária que desdobrará os mandamentos nucleares do sistema[29].

Também vale ser ressaltado que Celso Ribeiro Bastos classifica a norma principiológica em duas espécies fundamentais: princípios gerais do direito e princípios constitucionais. Os princípios gerais do direito seriam normas de incidência obrigatória em qualquer ramo do ordenamento jurídico, ao passo que os princípios constitucionais só seriam invocados conforme a área em que se esteja atuando. Portanto, segundo o autor, os princípios retromencionados se diferenciariam conforme a amplitude da incidência[30].

Divergindo da proposta classificatória bipartida de princípios, Paulo Bonavides assevera que

Em verdade, os princípios gerais, elevados à categoria de princípios constitucionais, desatam, por inteiro, o nó problemático da eficácia dos chamados princípios supralegais, terminologia que tende a cair em desuso, arcaísmo vocabular de teor ambíguo, enfim, locução desprovida já de sentido, salvo na linguagem jusnaturalista[31].

 

Com a devida vênia ao pensamento de Celso Ribeiro Bastos, a linha de intelecção traçada por Paulo Bonavides merece guarida. Além de a expressão princípios gerais do direito se encontrar em desuso na doutrina mais abalizada e estar assentado o entendimento teórico de que os princípios, implícitos e explícitos, têm o texto constitucional como nascedouro, como é consabido, toda norma que defina direitos e garantias fundamentais, seja norma-regra ou norma-princípio, independentemente do diploma legal em que estiver inserida, é norma materialmente constitucional[32], não existindo razão, destarte, para raciocinar que tais princípios não teriam sede na Constituição da República.

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, ao comparar o valor axiológico da norma-regra com o da norma-princípio, pontifica que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma: a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos[33].

Paulo Bonavides acrescenta:

A importância vital que os princípios assumem para os ordenamentos jurídicos se torna cada vez mais evidente, sobretudo se lhes examinarmos a função e a presença no corpo das constituições contemporâneas, onde aparecem como os pontos axiológicos de mais alto destaque e prestígio com que fundamentar na hermenêutica dos tribunais a legitimidade dos preceitos de ordem constitucional[34].

 

Conclui-se, destarte que, considerando a natureza constitucional dos princípios e sua permeabilidade por todos os ramos do direito, resta indene de dúvidas que, na hipótese de colisão entre um princípio e uma regra, prevalecerá o princípio, devendo a regra ser declarada inconstitucional, como será mais bem analisado nos tópicos posteriores.

 

 

2.4 Da natureza jurídica do artigo 651, caput, da CLT

 

 

A competência territorial instituída pela Consolidação das Leis do Trabalho, também intitulada competência em razão do lugar (ratione loci), é fixada com base na circunscrição geográfica sobre a qual atua o órgão jurisdicional. Nos termos do art. 651, caput, da CLT, a ação trabalhista deve ser ajuizada na localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro. Reza o aludido dispositivo:

 

Art. 651. A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro[35].

 

Surge, então, o questionamento sobre a norma do art. 651, caput, da CLT, se deve ser interpretada como uma regra ou como um princípio jurídico. Segundo Bezerra Leite[36], o objetivo do legislador foi ampliar ao máximo a acessibilidade do obreiro ao Poder Judiciário, facilitando a produção dos meios de prova, geralmente testemunhal, sendo que o parâmetro escolhido foi a localidade em que o contrato estiver sendo efetivamente executado, pouco importando o local da celebração. Ademais, tendo havido labor em vários estabelecimentos em locais distintos, a competência será fixada em razão do derradeiro lugar de execução do contrato.

Não obstante o argumento de facilitação do acesso à justiça pelo empregado, o referido doutrinador entende que deve prevalecer a competência territorial da Vara do Trabalho do local da prestação de serviços, mesmo que não seja a localidade da residência atual do empregado[37].

Discordando deste entendimento, Maria Cecília Máximo Teodoro e Marcelo Pedrosa[38] asseveram que o art. 651 da CLT deve ser interpretado de maneira progressista, histórica, à luz dos princípios da proteção do hipossuficiente, igualdade substancial, acesso à ordem jurídica justa e efetividade da prestação jurisdicional, de modo que o foro da prestação do serviço nem sempre deverá ser a regra no Processo do Trabalho.

Quanto à natureza jurídica do art. 651, caput, da CLT, a primeira interpretação possível é de que seria um modelo puro de regra, definido por Robert Alexy[39] como aquele que considera as normas de direitos fundamentais, por mais que possam ser carentes de integração axiológica, aplicáveis sem qualquer recurso a sopesamentos. Concessa venia, esta não é a ótica mais adequada, considerando que, quando duas formas puras e antagônicas não são aceitáveis, deve-se utilizar um modelo intermediário, que combine regras e princípios, sob pena de inviabilizar todo o procedimento interpretativo, como assevera o jurista germânico[40].

Poder-se-ia, de igual maneira, dizer que a norma celetista em exame é um princípio jurídico puro, mas não haveria perfeito enquadramento na lógica dos princípios estudada alhures, à luz do pensamento de Robert Alexy[41]e Ronald Dworkin[42]. Isto porque, dentre muitos pontos de distinção, a norma de competência territorial celetista não é um mero mandamento de otimização, nem institui apenas diretrizes abstratas que se irradiam por todo o sistema.

Há, no art. 651, caput, CLT, uma regra que materializa inúmeros princípios de matriz constitucional. No entanto, Robert Alexy assevera que uma regra não é superada simplesmente porque se atribui, no caso concreto, um peso maior ao princípio que deslegitima a sua aplicação, devendo ser superados, também, os princípios que sustentam sua aplicabilidade[43].

Em verdade, a distinção teórica entre princípios e regras não é absoluta, de modo que existem princípios que foram acoplados em uma regra jurídica e regras, gerais e abstratas, que instituem diretrizes principiológicas. O autor, inclusive, leciona que, quando os princípios passam a se relacionar com os limites do mundo fático e normativo, surge um sistema diferenciado de regras, no qual se verifica um preceito com alto grau de generalidade, embora não seja tecnicamente um princípio[44]. Aduz ainda que, quando, por meio de uma norma de direito fundamental, é fixada uma determinação relativa às exigências de princípios colidentes, então haverá estabelecimento não somente de um princípio, mas também de uma regra[45].

É verdade que toda regra deve contemplar um princípio, bem como um princípio deve ser dotado de certo grau de regramento e força normativa. Entrementes, os conceitos não são estanques, considerando que as espécies normativas integram um gênero comum.

Assim, é forçoso convir que a norma definidora da competência em razão do local, insculpida no art. 651, caput, da CLT, é uma regra densificadora de princípios, porque materializa, no plano da legislação ordinária, uma série de mandamentos de índole principiológica constitucional. A priori, a norma trabalhista fixa a competência em razão do local da prestação do serviço, definindo os meandros do devido processo legal e o juiz natural, que terá competência para apreciar causas decorrentes da prestação de serviços. Por outra parte, a eleição deste foro específico tem o escopo de facilitar o acesso do trabalhador ao Poder Judiciário, em virtude de sua vulnerabilidade ser ontologicamente presumida.

Essa situação não poderá ser resolvida com a declaração de invalidade de um dos princípios, nem tampouco com a introdução de uma cláusula de exceção. A colisão entre direitos fundamentais é solvida por meio da técnica de ponderação de interesses, com fulcro nas circunstâncias do caso concreto.

 

 

3 DOS PRINCÍPIOS E REGRAS EM CONFLITO NO PROCESSO DO TRABALHO

 

 

Como foi dito alhures, o art. 651, caput, da CLT, estabelece a regramento geral da competência em razão do lugar (ratione loci) na Justiça do Trabalho, aduzindo que a competência das Varas do Trabalho é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado em outro local ou no estrangeiro.

Por se tratar de dispositivo instituidor de regra densificadora de princípios constitucionais, quando o obreiro desempregado não mais reside na localidade da prestação dos serviços e almeja demandar a empresa na qual trabalhou, pode-se constatar a existência de vários princípios aparentemente em colisão, a saber: o devido processo legal, o juiz natural, a proteção do hipossuficiente e o acesso à ordem jurídica.

Nos próximos tópicos, então, far-se-á investigação acerca dos princípios colidentes no processo de interpretação do caput do artigo retromencionado, na tentativa de apontar as diretrizes a serem consideradas na ponderação de interesses realizada pelo magistrado, quando arguida exceção de incompetência territorial, visando à remessa dos autos ao juízo da localidade de prestação dos serviços.

 

 

3.1 Da competência estabelecida pelo art. 651, caput, da CLT e seu processamento

 

 

Ab initio, é importante destacar que o presente trabalho acadêmico tem por recorte metodológico a norma do caput do artigo 651 da CLT[46], que estabelece o regramento geral da competência em razão do lugar na Justiça do Trabalho.

À guisa de informação complementar, assinale-se que o parágrafo primeiro do mesmo artigo pontifica que quando for parte agente ou viajante comercial, a competência será da Vara da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Vara da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima.

Sobre o autor
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Mais informações

Monografia apresentada em 2013 ao Programa de Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof(a). Rosangela Rodrigues D. de Lacerda

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