Inquérito policial e sua importância no ordenamento jurídico pátrio

14/11/2022 às 10:31
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Artigo escrito entre 2014/2015 para programa de Pós Graduação Nível de Especialização em Direito Penal e Criminal junto à Universidade Cândido Mendes/RJ. Na época exercia o cargo de Inspetor da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro desde o ano de 2003

INTRODUÇÃO

O inquérito policial é um procedimento de natureza administrativa, pré processual, presidido por delegado de polícia, sendo constituído do conjunto de diligências que visam a apurar infrações penais e individualizar a sua autoria tendo como destinatário o Ministério Público ou o querelante e o Juiz.

Em outra vertente, o inquérito policial tem por escopo de apurar o fato de maneira técnica e imparcial com vistas a evitar que um inocente seja condenado injustamente, evitando assim, precipitadas acusações e juízos açodados.

Sob a pena de Renato Brasileiro de LIMA encontramos a seguinte definição:

Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, o inquérito policial consiste em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de prova e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo[1].

Andre Luiz NICOLITT nos fornece definição parecida:

Desta forma, podemos conceituar o inquérito policial como procedimento administrativo investigatório que busca reunir indícios de autoria e materialidade das infrações penais, com o objetivo de fornecer esses elementos ao Ministério Público ou ao querelante, possibilitando o seguimento da persecução penal através da propositura da ação[2].

O inquérito policial tem extrema importância no ordenamento jurídico ainda nos dias atuais, tendo por objetivo a busca de elementos que serão primordiais na propositura da futura ação penal.

Apesar das críticas que sofre o inquérito policial trata-se de uma ferramenta útil e fundamental para o início da persecução penal.

Apesar de ter entre suas características a dispensabilidade, serve na maioria dos casos para fornecer subsídios para a propositura da ação penal, seja pelo Membro do Ministério Público seja pelo ofendido, nos crimes de ação privada.

Conforme cita BORGES, com tal denominação (inquérito policial), surgiu na legislação pátria pela Lei n. 2.033 de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto-lei n. 4.824, de 28 de novembro de 1871 [3].

A presidência de tal peça está a cargo de um delegado de polícia, investido no cargo após aprovação em concurso público, onde uma das exigências é a graduação em direito, a mesma exigida para o ingresso no Ministério Público, no cargo de promotor, bem como para o ingresso na Magistratura, o que demonstra que este profissional tem capacidade técnica para avaliar, determinar e proceder a busca da verdade possível.

As garantias constitucionais da ampla defesa e contraditório serão vistas, sendo defendida a aplicação destas garantias no curso do inquérito, de forma mitigada, se adequando as características da peça informativa, apesar de uma parcela da doutrina ser contrária a este entendimento, afirmando não ser possível a aplicação de tais princípios pelas características próprias que possui o inquérito policial, qual seja, a inquisitoriedade, o sigilo e a dispensabilidade.

Outro ponto a ser apresentado diz respeito a funcionalidade do inquérito policial demonstrando sua utilidade, desmistificando a ideia de que a existência desta peça, de natureza pré-processual e administrativa compromete a celeridade da instrução penal, o que deveras não ocorre, pois a busca pelos elementos probatórios é feita por um profissional com formação jurídica adequada e conta com uma equipe a seu redor, sem contar com o apoio da perícia técnica a seu dispor a qualquer momento em que seja necessário.

Busca-se com a utilização do inquérito policial a coleta de informações, dados, elementos que sirvam para promover a ação penal, ou caso não seja coletado elementos que indiquem a existência de uma infração penal não há justa causa para a promoção da ação penal e consequentemente evita-se uma onda de processos para ao final não ser considerado o fato ilícito e portanto passível de sanção; tem-se na verdade uma garantia ao investigado, de não ser exposto a um processo criminal sem justa causa, preservando sua imagem, além da uma economia processual ao se evitar a abertura de uma ação penal desnecessária, dispendiosa, afetando a celeridade de outras ações penais em curso na mesma vara, e atendendo ao respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, principalmente este último ponto.

Deve-se abandonar com urgência a concepção tradicional de que o inquérito policial seja apenas unidirecional, servindo apenas à acusação, mas que verdadeiramente é um instrumento de garantia do cidadão.

AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO

Os princípios da ampla defesa e o contraditório estão previstos no artigo 5° da Constituição Federal e consiste no conhecimento pleno das acusações que lhe são formuladas e oportunização de defesa ampla de tais acusações, seja no âmbito penal, administrativo, civil objetivando a busca pelo equilíbrio de forças entre pessoa e Estado, promovendo a dialética entre os componentes da lide, tornando o processo mais justo, e assim aplicando-se o princípio da paridade de armas entre o orgão encarregado da acusação e a defesa.

Muito importante a aplicação de tais princípios que não deve ser vista sob a ótica de uma proteção excessiva ou intenção protelatória de quem usa tais prerrogativas, pois ao garantir tais instrumentos busca-se evitar a injustiça que eventualmente possa ser cometida pelo Estado em face do cidadão, evitando a condenação de um inocente a pagar por algo que não cometeu e assim velando pelo Estado Democrático de Direito.

Preleciona BACELLAR FILHO sobre os dois institutos:

Contraditório

Traduz-se na efetiva participação do acusado na instrução do processo, ativa e crítica, de modo que ele produza suas próprias razões e provas e que possa contestar argumentos e formação probatória que lhe sejam desfavoráveis. O contraditório reflete um diálogo, uma alternância bilateral da manifestação das partes conforme a fase do processo e a decisão final. A eficiência do contraditório depende que seja sopesada a dialética processual[4]

Ampla defesa

É inerente ao exercício da ampla defesa que o indiciado tenha conhecimento do que está sendo acusado, ou qual infração foi por ele supostamente cometida, além de todos os detalhes necessários para a elaboração da defesa. No curso do processo a garantia se concretiza pelo direito à informação, como o acesso aos autos e a extração de cópias e, ao final, pelo conhecimento da fundamentação e motivação da decisão; e pelo direito à reação, como a apresentação de documentos, pela defesa e produção de provas prévias à decisão, está sujeito à interposição de recursos. Em síntese, o direito à ampla defesa impõe à autoridade o dever de observância das normas processuais e de todos os princípios incidentes sobre o processo[5].

Neste contexto, mesmo com as devidas acomodações não há que se vedar a aplicação de tais princípios, que ao invés de atrasar o andamento do inquérito dá a esta ferramenta maior alcance e credibilidade, como verbi gratia a ciência pela defesa do acusado as diligências já documentadas nos autos, exceto as diligências em andament, o acompanhamento da pessoa quando esta presta declaração, acesso as provas periciais já produzidas, requerer diligências, na forma do artigo 14 do Código de Processo Penal, aplicando-se o contraditório de forma e proporcionando o exercício da ampla defesa, de forma mitigada.

Após a edição da Súmula Vinculante 14, já mencionada anteriormente, procurou pacificar a questão garantindo ao defensor o acesso aos autos, posição já permitida pelo próprio Estatuto da Advocacia (Lei 8906/94), mas que Aury LOPES JUNIOR afirma em seu livro que é comum na doutrina a afirmação genérica e infundada de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito policial[6]

Defende o citado autor a aplicabilidade destes dois princípios durante o curso das investigações levadas a cabo pelo inquérito policial.

Aury LOPES JUNIOR discorre que:

O ponto crucial nesta questão é o artigo 5º, LV, da CB, que não pode ser objeto de leitura restritiva. A postura do legislador foi claramente garantista e a confusão terminológica (falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento) não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial, até porque o próprio legislador ordinário cometeu o mesmo erro ao tratar como Do Processo Comum, Do Processo Sumário etc., quando na verdade queria dizer procedimento. Tampouco pode ser alegado que o fato de mencionar acusados, e não indiciados, é um impedimento para sua aplicação na investigação preliminar [7].

Em sentido contrário, Fernando da Costa TOURINHO FILHO afirma:

que não se aplicam as garantias constitucionais afirmando ser o inquérito policial escrito, sigiloso, não contraditório, onde o indiciado é objeto da investigação e não sujeito de direitos[8].

Julio Fabbrini MIRABETE também é adepto da mesma concepção, o autor afirma:

o inquérito não é processo e sim procedimento administrativo, que a investigação policial não se confunde com a instrução criminal e por estas razões, não se aplicam ao inquérito policial os princípios processuais, nem mesmo o do contraditório, por fim, ainda afirma que a Constituição Federal refere-se ao processo judicial quando assegura aos acusados o contraditório e a ampla defesa, mencionando que na fase procedimental administrativa o indiciado não é acusado[9] .

José Frederico MARQUES se posiciona da mesma forma que MIRABETE e TOURINHO FILHO afirmando que:

A investigação policial, ou inquérito tem mesmo que plasmar-se por um procedimento não contraditório, porque ali não existe acusado, mas apenas indiciado[10].

Por todo exposto, entendemos que tais garantias constitucionais podem e devem ser aplicadas no durante o curso do inquérito policial, de forma mitigada, não tendo nenhum óbice a presença do defensor no momento que o acusado presta declaração em sede policial, bem como o acesso deste aos autos do inquérito policial, conforme prevê a Súmula Vinculante 14, editada pelo Supremo Tribunal Federal e artigo 7, inciso XIV da Lei 8906/94.

É possível adequar as características do inquérito policial a aplicação da garantias constitucionais tão importantes para o direito dos cidadãos, lembrando que o inquérito policial deve ser visto também como um instrumento de garantias, servindo não apenas para fornecer elementos para o titular da ação penal, mas servindo também para evitar que ações penais sejam propostas de forma açodada e sem elementos que possam causar dano a pessoa que figura como suposto autor do delito.

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Por fim cabe salientar que o suspeito/acusado com a atual Contituição Federal de 1988 deixou de ser no processo penal apenas um mero objeto de prova passando a ser sujeito de direitos, inclusive nesta fase pré-processual onde situa-se o inquérito policial.

Evidente que nesta fase pré processual temos a aplicação de tais princípios basilares de forma mitigada.

Vale destacar mais uma vez que o inquérito policial não se presta apenas para colher indícios de autoria e materialidade para a propositura da futura ação penal, mas tem como função a de evitar que um inocente seja acusado e condenado injustamente, funcionando como um filtro processual e garantia do acusado, não servindo apenas de um procedimento inquisitório que busca a qualquer preço reunir elementos de convicção para servir de condenação ao réu na futura ação penal, mas de evitar que denúncias infundadas ou feitas por interesses escusos possam resultar na condenção de um inocente, por vezes deixando livre o verdadeiro autor da infração penal.

IMPORTÂNCIA DO INQUÉRITO POLICIAL E NECESSIDADE DE INVESTIMENTOS

Apesar de ser uma peça informativa, e de ser vista por alguns como uma ferramenta ultrapassada, o inquérito policial continua sendo a peça mais utilizada para reunir elementos e assim propiciar o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público e a propositura da ação penal.

Na época da edição do nosso Código de Processo Penal, na década de 40, a manutenção do inquérito policial entre os argumentos foi o da grande extensão territorial de nosso país e com isto a apuração das infrações penais deveriam ser mantidas sob aquele modelo, principalmente em nossos rincões do país onde sequer temos a presença de Vara Criminais e do Ministério Público.

Passados mais de 70 anos, o inquérito policial permanece no ordenamento jurídico e constitui-se de ferramenta extremamente útil e imprescindível.

O que deve ser posto em discussão é a qualidade e quantidade de investimento a ser feito nas polícias judiciárias dos estados membros da Federação, com o fito de melhorar a qualidade do serviço e dispor das ferramentas técnicas mais modernas da atualidade para que possam ser utilizados na investigação das infrações penais, passando principalmente pela valorização do servidor.

O modelo atual de separação entre o órgão julgador, o acusador, e a defesa, adotado na Bíblia Política de 1988, reafirmando a adoção do sistema acusatório visa delimitar e separar as tarefas de cada um dentro do processo penal.

Neste contexto, cumpre à Polícia Judiciária a investigação preliminar de qualidade para que possa de maneira imparcial e sem se vincular ou ser apêndice da acusação ou da defesa esclarecer o fato e apresentar sua conclusão.

Existe o argumento de que as Polícias Civis e Federal estão ligadas ao Poder Executivo e atadas a interesses daquele que ocupa o poder, além da velha discussão sobre o nível de corrupção nas entidades. Ora o fato de existir corrupção não é um privilégio das organizações policiais, senão não teríamos tantas manchetes de jornal citando membros da magistratura, do Ministério Público e do Poder Executivo envoltos em prática de infrações penais, e mais que isto, fatos comprovados após o curso do processo penal, o que de forma alguma serve de orgulho ou escusa aos problemas também encontrados nos orgãos policiais.

No caso do Rio de Janeiro, nos últimos anos houve um fortalecimento nas corregedorias internas, além da existência de uma corregedoria geral para apurar desvios de conduta, o próprio Ministério Público faz o seu papel de controle externo em fiscalizar, atuando sempre em questões relativas a prática de infrações penais cometidas por servidores policiais.

Portanto, existe uma ideia que vem sendo construída de combate à corrupção, principalmente nas polícias, sendo assim, o fato de termos casos de corrupção, não tira a legitimidade do modelo em vigor e a credibilidade das polícias, neste ponto, também podemos destacar com as devidas ressalvas, a atuação da imprensa, como mais um ente fiscalizador, em noticiar e denunciar, sendo a ressalta feita no tocante a determinadas precipitações da mídia em divulgar fatos que após a análise não restam verdadeiros e acabam por macular a imagem da (s) pessoa (s) envolvidas.

Pode ser observado no mundo contemporâneo que existem diversas ferramentas que visam coibir atos desviados de sua finalidade praticados por ocupantes de cargos públicos, seja no âmbito policial, seja nos demais setores da máquina estatal, o que em nada diminui a importância do inquérito policial.

A investigação é conduzida como já mencionado por um delegado de polícia, que é bacharel em direito, assim como o membro do Ministério Público e do magistrado, possuindo formação inerente as funções e tem a seu dispor o suporte técnico científico oferecido pelo trabalho da perícia técnica e do instituto médico legal, sendo o acesso ao cargo de delegado de polícia um dos concursos públicos mais concorridos e mais difíceis do Brasil.

Conforme frase destacada do voto de Ministro Celso de Melo proferida em seu voto no HC 84548/SP, o delegado de Polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da justiça[11].

Não se vislumbra qualquer prejuízo a celeridade processual e qualquer tipo de ineficiência em promover a ação penal pelo fato de ser utilizado o inquérito policial, merecendo destaque no cenário atual e ao contrário do que muitos pensam deve ser fortalecido, com investimento em tecnologia, mas principalmente em capacitar servidores para elaborar o seu mister, não apenas a autoridade policial que detêm a presidência do inquérito, mas os servidores policiais que dão suporte à atuação do delegado de polícia na conclusão da investigação.

Por falar em Polícia Técnica, sua atuação é importante e deve ser fortalecida no contexto da Segurança Pública dos Estados, senão vejamos que muitas perícias realizadas por estes laboriosos órgãos servem como prova no processo penal, e determinadas provas não podem ser repetidas no âmbito do Judiciário, ou seja, após uma primeira análise, os vestígios desaparecem, como por exemplo, no caso hipotético de uma mulher ser vítima de violência doméstica, sendo agredida fisicamente pelo marido; a vítima não procura atendimento médico na rede de saúde, indo diretamente à delegacia de polícia, comunicado o fato à autoridade policial e depois da lavratura do registro, comparece ao Instituto Médico Legal, sendo assim submetida a exame direto de corpo de delito que constata lesões corporais de natureza leve.

Este é apenas um exemplo da importância da perícia técnica e do inquérito policial, afinal tal prova não repetível é colhida no curso da peça informativa.

VÍCIOS DO INQUÉRITO POLICIAL

Questão bastante discutida e relevante diz respeito a eventuais existência de vícios na condução da investigação policial se prejudicaria a propositura da ação penal e uma futura condenação, prevalecendo o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça de que eventuais vícios não contaminam a futura ação penal por dois motivos: O inquérito é dispensável e por ser de natureza pré-processual, devendo as provas serem submetidas a luz da ampla defesa e contraditório no curso do processo criminal.

Acordão do STF que aponta este entendimento acima descrito:

Ementa: Penal e processual penal. Habeas corpus preventivo. Tráfico de entorpecentes e associação para o tráfico (Arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006). Nulidade de prova pericial realizada por perito que testemunhou na ação penal. Questão não suscitada nas alegações finais nem nas razões da apelação, mas inaugurada na inicial do writ impetrado no STJ, que dela não conheceu. 1. O conhecimento de questões não submetidas nem examinadas nas instâncias precedentes traduz supressão de instância e constitui violação das regras constitucionais definidoras da competência do Supremo Tribunal. Precedentes: HC 100595/SP, Relatora Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 22/2/2011, DJ de 9/3/2011; HC 100616/SP, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, Julgamento em 08/02/2011, DJ de 14/3/2011; HC 103835/SP, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, Julgamento em 14/12/2010, DJ de 8/2/2011; e HC 98616/SP, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, Julgamento em 14/12/2010. 2. In casu, paciente foi condenado a 8 (oito) anos de reclusão pela prática dos crimes de tráfico de associação para o tráfico de entorpecentes, sendo certo que a tese ora ventilada - violação do art. 279, inc. II, do CPP, pelo fato de o investigador que testemunhou no inquérito policial e na ação penal ter degravado escutas telefônicas judicialmente autorizadas foi inaugurado somente no habeas corpus que deu ensejo a esta impetração, por isso o conhecimento do writ traduz dupla supressão de instância. 3. É assente na jurisprudência desta Corte que eventuais vícios existentes no inquérito policial, peça meramente informativa, não contaminam a ação penal (RHC 84083, 2ª T, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ DE 28/05/04, e RHC 64318, 2ª T, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, DJ 24/10/86). 4. A materialidade do fato restou determinada à luz não das escutas telefônicas e respectiva degravação, mas antes nas provas testemunhais e nas provas técnicas consistentes dos termos de apreensão e do laudo de constatação. Deveras, o e. STJ, aludindo à ampla cognição fático-probatória do TJ/SC, assentou que a Corte de origem, revisitando os fatos dos autos, entendeu que os elementos probatórios coligidos eram suficientes para a manutenção do decreto condenatório pela prática dos crimes de tráfico e associação para o tráfico de drogas, mesmo após a exclusão da prova emprestada considerada nula. 5. É cediço que, transitada em julgado a sentença sem anterior arguição de nulidade, não cabe dar contornos de revisão criminal ao habeas corpus para reconhecê-la, consoante a jurisprudência desta Corte: HC 95.641/SP, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgamento em 2/6/2009, DJE 1/7/2009; HC 102.597/SP, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, Julgamento em 24/8/2010, DJE 10/9/2010; e HC 96.777/BA, Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, Julgamento em 21/9/2010, DJE 22/10/2010. 6. Ordem denegada e liminar cassada. Relator: Ministro Luiz Fux. Orgão Julgador: 1° Turma. Julgamento: 26/06/2012.

Aqui reside uma questão de fundamental importância: A depender do vício contido no inquérito policial pode sim obstar a futura ação penal, se o vício se deu na coleta de elementos informativos, como por exemplo a oitiva de testemunhas, ou se recai sobre uma prova produzida no curso do inquérito policial, como por exemplo uma interceptação telefônica com a utilização de números fora dos terminais pedidos na representação e que constam na decisão judicial, confirmações de autoria obtidas por meio de tortura, exames periciais realizados de forma contrária aos fatos mediante ocorrência de corrupção ativa e passiva entre outros exemplos.

Nestes casos sim os vícios contidos no inquérito policial vão macular a futura ação penal e assim obstar o prosseguimento da mesma, o que demonstra a importância do caderno investigativo.

FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO DO JUIZ

Além de ter como destinatário o Ministério Público ou querelante, o juiz tem acesso aos autos quando recebe a denúncia ou queixa, que tomou como base os elementos colhidos no curso do inquérito policial e pode usar destes elementos deste que também utilize outros colhidos no curso do processo, conforme consta da redação do artigo 155 do Código de Processo Penal que diz:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Um elemento a mais para reforçar a importância da peça informativa supra mencionada, citando as provas periciais colhidas durante o curso das investigações e que por sua natureza não podem ser repetidas no curso do processo.

O citado artigo mencionado recebe críticas de parte da doutrina devido a expressão exclusivamente, pois mantém aberta a possibilidade do juiz utilizar os elementos do inquérito para fundamentar sua decisão desde que também invoquem algum elemento probatório do processo.

Aury LOPES JUNIOR assim preleciona:

Manteve-se, assim, a autorização legal para que os juízes e tribunais sigam utilizando a versão dissimulada, que anda muito em voga, de condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquérito[12].

A crítica da doutrina deixa rutilante que independente de concordar ou não com a possibilidade de o inquérito policial ser utilizado em cotejo com as provas colhidas durante a instrução penal, além de alguns autores defenderem o desentranhamento do inquérito policial dos autos do processo após o recebimento da denúncia, a importância que tal peça possui, sendo de imprescindível observação da autoridade policial a condução do procedimento administrativo em observância de todos os preceitos legais e principalmente levando em consideração durante cada ato praticado os princípios constitucionais, agindo de forma técnica e imparcial objetivando o esclarecimento do fato.

CONCLUSÃO

O que foi mencionado até o presente momento sobre o inquérito policial visa demonstrar a sua finalidade e funcionalidade no ordenamento jurídico.

Apesar de várias críticas a sua utilização e a tentativa de diminuir sua importância ao relega-lo a mera peça informativa, esta peça é de suma importância devendo ser fortalecida e não combatida.

Durante as pesquisas realizadas para elaboração do presente artigo foi constatado que a doutrina não tem uma grande preocupação em tratar do assunto de forma ampla, encontrando apenas na literatura jurídica um estudo raso sobre o tema, dispensando o maior tempo no detalhamento da ação penal, suas características, a marcha processual, provas etc..

Em outros países há diferenças para o modelo adotado no Brasil, há locais em que existe um juiz que colhe as provas no campo e outro que cuida da instrução, há também defensores que advogam a ideia de o membro do Ministério Público ser o responsável pela apuração dos fatos, no primeiro momento e no segundo momento funcionando como órgão acusador.

Ora tanto em um modelo quanto no outro citado, há a necessidade de um profissional para atuar na colheita de provas e elementos informativos, o que no modelo adotado no Brasil tem um nome e se chama delegado de polícia, responsável pela condução do inquérito policial, sendo certo que este profissional possui a mesma formação jurídica que os dois cargos citados acima.

Não é importante a nosso ver o modelo adotado, mas a qualidade da investigação e referida qualidade tanto almejada está atrelada a investimentos em equipamentos e principalmente pela valorização do servidor policial, não apenas a figura do delegado de polícia, mas todos os agentes que compõem os quadros da Polícia Judiciária.

A pergunta que deve ser feita é o que pode ser feito para fortalecer a Polícia Judiciária (Polícias Civis e Federal) e não querer mudar o modelo para um novo sob os auspícios de que seja melhor, ou de que o modelo atual não serve mais para atender as demandas da sociedade.

A resposta parece clara e urgente: investimentos e autonomia administrativa e financeira.

Na experiência adquirida ao longo de doze anos como inspetor da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro pude constatar de perto as mazelas da sociedade, as deficiências da polícia, o funcionamento das delegacias distritais e o andamento dos inquéritos policiais, com isso, fica evidente a necessidade de melhorar a qualidade das investigações, mas é inegável que ao longo dos anos, houve um avanço na qualidade dos profissionais, no investimento em recursos técnicos que auxiliam na resposta positiva às demandas apresentadas pela coletividade.

Mesmo com todas as críticas que são lançados contra o aparato policial e com todos os defeitos que ainda precisam ser corrigidos, cito a realidade do Rio de Janeiro, onde durante a madrugada, durante o dia e durante a tarde a pessoa que tem uma demanda, seja ela de natureza criminal ou de outro ramo do direito, normalmente procura auxílio na delegacia de polícia mais próxima de sua casa.

Muito comum na realidade das delegacias distritais de as pessoas procurarem ajuda para pleito de pedido de guarda de filho menor, pedido de pensão alimentícia, pedido de reparação civil por danos morais e outras demandas que nada tem a ver com a atividade policial, mesmo assim é o único órgão aberto 24 horas durante 7 dias da semana que possa pelo menos ofertar uma orientação à pessoa, um encaminhamento ao órgão público com atribuição para tal demanda.

Neste diapasão, insere-se o inquérito policial, pois é no balcão de atendimento de uma unidade policial que se inicia o procedimento policial que depois na maioria dos casos serve de base para o início da ação penal.

A pessoa na condição de ofendida tem este primeiro contato com a polícia, existindo um corpo a corpo, no calor dos acontecimentos, a análise da situação no momento em que acaba de acontecer, a realização da perícia imediatamente após o fato ter ocorrido, enfim diversas situações que são colhidas logo após o crime ter ocorrido, a declaração da testemunha logo após o fato, ainda com a mémoria fresca com os fatos que acabaram de suceder-se; todas estas diligências são documentadas e anexados aos autos do inquérito para que posteriormente sirvam de base para a propositura da denúncia pelo parquet.

Situação extremamente comum e que serve para corroborar a visão vem do exemplo do Tribunal do Júri, onde os jurados formam o seu convencimento de acordo com a sua íntima convicção, não necessitando fundamentar sua decisão, neste caso, o conteúdo das investigações são explorados livremente pelas partes, influenciando sobremaneira na formação da convicção dos jurados, apesar de vozes abalizadas na doutrina que defendem a sua exclusão dos autos após a pronúncia.

É cediço que todas estas atividades acima destacadas tem a supervisão do Ministério Público, já que no Estado do Rio de Janeiro, o Ministério Público possui acesso ao sistema Delegacia Legal que interliga todas as delegacias integradas ao sistema, sendo assim, o promotor de justiça pode acompanhar de forma on line as peças que estão sendo geradas naquele momento em qualquer unidade policial, visualizar o seu inteiro teor, solicitar a qualquer tempo a remessa dos autos que compõem o inquérito para sua análise mais detida em seu próprio gabinete, no caso do Rio de Janeiro, na Central de Inquéritos a qual o citado servidor esteja lotado e responsável por aquela área de atuação, exercendo de forma plena as atribuições conferidas pelo legislador constituinte conforme disposto no artigo 129 e seus incisos da Constituição Federal.

Neste contexto, o inquérito policial surge com extrema relevância que transcende a afirmação de que seja apenas uma mera peça de informação, mas como um instrumento eficaz para a elucidação dos fatos, resposta do Estado as pretensões do ofendido, preservação da intimidade do acusado e suporte qualitativo para o surgimento da justa causa para início da ação penal, sendo observado ainda como uma garantia do cidadão e de defesa do Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Felipe Gonçalves Martins

Delegado de Polícia do Estado do Paraná. Ex-Delegado de Polícia do Estado do Acre. Ex-inspetor de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Direito Penal e Criminal pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade Única (MG). Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Única (MG). Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Graduado em Teologia pela Universidade Unicesumar (PR).

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