O psicólogo no processo de reinserção de indivíduos em cárcere

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo trazer uma revisão bibliográfica acerca da prática do Psicólogo no processo de reinserção de indivíduos privados de liberdade. Para realizar essa discussão, estudou-se sobre a história da psicologia jurídica ao longo dos anos, e as dificuldades que o profissional enfrenta devido às condições existentes; bem como as práticas da psicologia no sistema prisional e do trabalho do psicólogo no processo de reinserção social. Quase não se fala das dificuldades que os detentos encontram logo após a sua saída do cárcere como falta de emprego, falta de oportunidade, devido ao preconceito que se encontra presente na sociedade; e se não tem um apoio logo após a sua saída, o indivíduo acaba voltando ao erro e cometendo a reincidência. Poucas instituições, que executam medidas de privação de liberdade, contam com programas de reinserção, em que a principal maneira de acontecer a ressocialização do egresso, preconizada pela legislação, seria através do trabalho. O psicólogo neste contexto tem um papel importante apesar de ter sido identificado durante a pesquisa de revisão bibliográfica que o assunto ainda é pouco estudado, principalmente com pesquisas de campo. Num total de 667 artigos encontrados pelas palavras chaves selecionadas, somente 7 de fato contemplam discussões sobre a atuação do psicólogo no sistema prisional, nem sempre abordando especificamente a questão da ressocialização diretamente. Dentre as problematizações encontradas nas pesquisas temos: crítica ao sistema prisional, Necessidade de um trabalho efetivo dentro deste sistema, Prática do psicólogo no sistema penal e o Processo de ressocialização, a partir destas foi possível identificar a grande importância deste profissional e junto a isso a necessidade de pesquisas mais efetivas sobre o tema.

Palavras-chave: 1. Psicologia Jurídica 2. Reinserção Social 3. Sistema Carcerário

ABSTRACT

The present study aims to bring a bibliographic review about the practice of the Psychologist in the process of reinsertion of individuals deprived of liberty. To carry out this discussion, the history of legal psychology was studied over the years, and the difficulties that the professional faces due to the existing conditions; as well as psychology practices in the prison system and the psychologist's work in the process of social reintegration. There is almost no mention of the difficulties that the detainees encounter soon after their release from prison, such as lack of employment, lack of opportunity, due to the prejudice that is present in society; and if there is no support soon after leaving, the individual ends up returning to the error and committing the recurrence. Few institutions, which carry out measures of deprivation of liberty, have reinsertion programs, in which the main way to make the resocialization of the egress, recommended by the legislation, would be through work. The psychologist in this context has an important role despite having been identified during the literature review research that the subject is still little studied, mainly with field research. In a total of 667 articles found by the selected keywords, only 7 actually contemplate discussions about the role of the psychologist in the prison system, not always specifically addressing the issue of resocialization directly. Among the problematizations found in the research we have: criticism of the prison system, Need for effective work within this system and the Resocialization Process, from these it was possible to identify the great importance of this profession and together with that the need for more effective research on the subject.

Keywords: 1. Legal Psychology 2. Social Reintegration 3. Prison System

  1. INTRODUÇÃO

Os conceitos de crime e castigo estão presentes em nossa sociedade desde os primórdios, sendo eles adaptados no decorrer do tempo (NASCIMENTO, s/data). Pensando nisso, temos a consciência de que sofreram mudanças e novas conceituações, o que torna importante o papel da reintegração do indivíduo em cárcere na sociedade.

Pesquisas que tratam da saúde dos encarcerados ainda são recentes. Em 1995, a Organização Mundial da Saúde (OMS), disponibilizou um guia de saúde nas prisões", o qual define a qualidade dos cuidados dedicados aos indivíduos (CONSTANTINO; ASSIS; PINTO, 2016). E, somente em 2005 o Ministério da Saúde publicou o Plano nacional de saúde no sistema penitenciário o qual caracteriza a população penitenciária, e trás os princípios e diretrizes que o fundamentam, tendo por objetivo reduzir os danos provocados pelas atuais condições de confinamento.

Considerando as propostas, podemos levar em consideração o fundamental papel do psicólogo que, sob uma visão empática, pode proporcionar meios para que o indivíduo possa, de maneira saudável, retornar a sua vida.

O trabalho do psicólogo dentro do sistema prisional é abrangente e indispensável, levando em consideração as altas demandas existentes. É um trabalho que visa não só o bem-estar dessas pessoas, mas também o bem-estar da sociedade como um todo, sendo sua atuação voltada para a garantia dos direitos humanos, priorizando a autonomia do sujeito e procurando fazer com que a Lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/84) Brasil (1984), seja efetuada de fato (NOVO, NASCIMENTO, 2017).

Esse trabalho é realizado por equipes multiprofissionais, na qual o psicólogo está inserido, e, é de grande importância no que se refere a tentativa de mudar os conceitos e preconceitos existentes dentro e fora do sistema prisional. Isso é realizado com foco nas atividades de readaptação dos detentos, pois acham que isolar e excluir indivíduos que cometem crimes é o melhor a se fazer, mas não lembram que um dia esses mesmos indivíduos irão voltar a fazer parte do convívio social a que elas pertencem, dizem os autores Novo e Nascimento (2017).

A história da atuação de psicólogos brasileiros na área da Psicologia Jurídica tem seu início no reconhecimento da profissão, na década de 1960, onde de forma lenta e informal, o direito e a psicologia se aproximaram em razão da preocupação com a conduta humana. Na Psicologia Jurídica há uma predominância das atividades de elaboração de laudos, pareceres e relatórios, pressupondo-se que compete à psicologia uma atividade de natureza avaliativa e de subsídio aos magistrados. Lembrando que o psicólogo, ao concluir o processo da avaliação, pode recomendar soluções para os conflitos apresentados, mas jamais determinar os procedimentos jurídicos que deverão ser tomados, porque essa decisão é exclusiva do juiz (LAGO et al. 2009).

Dessa maneira, o presente artigo apresenta uma revisão bibliográfica sistemática acerca da reinserção dos indivíduos imputáveis na sociedade, trazendo o papel do psicólogo nesse processo e elucidando a atuação do mesmo nos demais andamentos da instituição.

Pode-se justificar a importância dessa temática por sua escassez em conteúdos, onde poucos são os estudos que abordam o tema de maneira a apresentar as metodologias e trabalhos realizados com encarcerados que foquem em seu processo de reintegração como indivíduo da sociedade. Sendo em contrapartida, uma discussão de suma importância se levarmos em consideração as precariedades encontradas nos presídios atualmente e as diversas violações aos direitos humanos, o que se contrapõe a perspectiva da ressocialização. (MONTEIRO; CARDOSO, 2013)

É válido ressaltar que o processo de reintegração não compete somente ao psicólogo, mas sim a um conjunto de esforços em prol dos indivíduos que incluem diversos fatores. Nesse processo, temos o vital papel da sociedade que deve agir contra a estigmatização desses indivíduos, evitando sensacionalismos midiáticos que adotam posturas não humanistas com os egressos. Autores como Garcia (2016) e Greco (2011) apontam que os preconceitos e influências sofridas pela sociedade impedem o retorno ao convívio e atividades sociais necessárias a uma vida com acesso aos direitos como se prevê a nossa constituição.

No presente artigo, a discussão traz uma linha do tempo da psicologia jurídica, o trabalho do psicólogo no contexto prisional, e as práticas do processo de ressocialização. APRESENTAR O OBJETIVO DA PESQUISA . Para o desenvolvimento desse documento a pergunta realizada foi Se a prática do psicólogo contribui para o processo de reinserção social do indivíduo privado de liberdade?, e para responder essa pergunta foi realizada uma pesquisa bibliográfica de revisão sistemática.

2. O HISTÓRICO DA PSICOLOGIA JURÍDICA E SEUS DIFERENTES PAPÉIS AO LONGO DA HISTÓRIA DO SISTEMA PENAL

No presente tópico será apresentada a origem da psicologia jurídica a fim de contextualizar a sua atuação profissional dentro do sistema penal brasileiro, desde suas origens até os dias atuais. Nos tópicos seguintes, serão abordadas a inserção nesse meio, seguido das contribuições que podem vir a ocorrer a fim de garantir a ressocialização do indivíduo imputável.

A origem da psicologia jurídica está atrelada à área da psiquiatria, que teve contribuições desde Hipócrates (460 a.C. - 377 a.C.), considerado pai da medicina, o qual realizava classificações nosológicas das chamadas doenças mentais como a depressão, quadros de delírio, psicoses puerperais, fobias e histerias. Tais doenças descritas naquela época ainda hoje são reconhecidas como parâmetro para se medir a imputabilidade, ou seja o grau de responsabilidade do sujeito, sendo um dos objetos de investigação da psicologia neste campo de atuação (PINHEIRO, 2016).

Considerando a questão histórica é relevante observar como na idade média, as doenças mentais passaram a ser atreladas a questões sobrenaturais, ou seja, eram compreendidas como fenômenos decorrentes de uma razão divina. Neste momento, cabia aos peritos auxiliar os juízes na decisão do veredito da pena, que era realizada a fim de manter a ordem pública (CAIRES, 2003).

Já no início da Idade Moderna, a ciência avaliava a conduta do ser humano a partir das questões biológicas, para determinar, por exemplo, o grau de imputabilidade. Autores como Francis Galton e Césare Lombroso relacionam fatores como formato do crânio ou características físicas aos comportamentos criminosos ou ditos anormais, determinando assim modelos de comportamento humano daquela época. Tais questões mentais e biológicas do ser e suas relações com a criminalidade faziam a conexão entre a psicologia e a psiquiatria no campo jurídico (PINHEIRO, 2016).

Neste contexto, a Psiquiatria Forense se insere de fato como disciplina, com o objetivo de esclarecer questões específicas que se relacionam com a saúde mental e a responsabilidade criminal do indivíduo, aprimorando-se com o decorrer do tempo (CAIRES, 2003).

Destaca-se que ainda no século XIX, a psiquiatria forense assume como função a abordagem de questões sociais, com foco no estabelecimento da ordem no controle urbano, para eliminar a desordem. A psicologia jurídica, começa a se diferenciar da psiquiatria, aplicada [...] como instrumento da individualização ou aferição da influência da subjetividade na prática do ato criminoso e de sua interpretação. (PINHEIRO, 2016, p. 39).

Como exemplo dessa afirmação, surge nessa época a psicologia do testemunho, uma das primeiras aproximações da psicologia com o direito. Como expõe Altoé:

Esta tinha como objetivo verificar, através do estudo experimental dos processos psicológicos, a fidedignidade do relato do sujeito envolvido em um processo jurídico [...] Esta fase inicial foi muito influenciada pelo ideário positivista, importante nesta época, que privilegiava o método científico empregado pelas ciências naturais (2003, p. 112).

Para além dessa verificação, outro ponto de conexão entre a psicologia e a psiquiatria, que se destaca, é o campo das doenças mentais. Essa área de estudo foi aprofundada pelo precursor da psiquiatria, Philippe Pinel, que contribuiu com o surgimento da psicologia clínica e psicopatologia para a perspectiva de tratamento das doenças mentais, diferenciando de outras demandas do sujeito. Essas mudanças ocorreram na Europa no século XVII, contudo, no Brasil, essa influência começou a partir de práticas com os chamados "doentes mentais criminosos", somente no século XX, em que a psicologia jurídica já atuava, mas ainda numa perspectiva médica e não psicológica, associada a psiquiatria (PINHEIRO, 2016).

De maneira gradual, no Brasil, a psicologia jurídica consolidou-se como uma profissão, distinta da psiquiatria, com sua regulamentação pelo decreto 53.464 de 1964, que previa como prática profissional as atividades de perícia e emissão de laudos. (ROVINSKI, 2009) Anteriormente a isto, as práticas da psicologia no campo jurídico ocorriam de maneira informal com trabalhos voluntários, em especial relacionadas a questões criminais para compreensão das possibilidades de reincidência e motivações ao crime (ROVINSKI, 2009; LAGO et. al, 2009).

Essa atuação informal no sistema penal ocorreu desde 1937 quando Waclaw Redecke criou a colônia dos psicopatas, a qual foi posteriormente incorporada pela Universidade do Brasil (ROVINSKI). Contudo, somente com a divulgação da Lei Federal nº 7.210/84 chamada de Lei de Execução Penal, o psicólogo passou a ser reconhecido legalmente pelo serviço penitenciário, sendo incluído na Comissão Técnica de Classificação (LAGO et al 2009 apud FERNANDES, 1998).

A partir dessa lei, as práticas forenses passaram a envolver a realização de uma perícia, sendo o papel do profissional a coleta de dados a partir de testes psicométricos a fim de determinar a idade mental e o exame de personalidade (PINHEIRO, 2016). De acordo com Rovinski (2009) o profissional avalia comportamentos, trata, orienta e acompanha os indivíduos e grupos, além disso, são previstas atividades de educação, pesquisa, coordenação de equipes e realização de tarefas administrativas. Dentro do serviço penitenciário o psicólogo deve respaldar sua atuação na resolução 012/2011 do Conselho Federal de Psicologia, que define que o psicólogo deve priorizar a atuação baseada nos direitos humanos, buscando meios e ferramentas de reinserir o indivíduo na sociedade (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011).

Sob a perspectiva de Foucault (1987), esse mesmo indivíduo pode ser designado como um inimigo comum, possuindo interesse em perseguir, e não se qualificando como cidadão, surgindo como um monstro, um louco, um doente e assim o chamado anormal, necessitando desta forma de um tratamento realizado entre tantas, no meio penitenciário. Dessa forma [...] há o reconhecimento da existência de um sujeito individual e procura-se uma maneira de padronizá-lo segundo uma disciplina, normalizá-lo, colocá-lo ao serviço da ordem social funcional (BRUNINI, 2016 apud FOUCAULT, 2005, pg. 75).

A psicologia jurídica parte dessa análise das chamadas condutas normais e anormais, que para Foucault (1987, p. 223) geram uma necessidade de medir, controlar e corrigir os ditos anormais, de maneira a modificar esses indivíduos a partir de instituições de poder como as prisões. (PINHEIRO, 2016).

O conceito da individualização das penas, propõe que cada um desses indivíduos receba uma sentença que objetiva a reeducação e ressocialização desses indivíduos, de maneira a evitar a reincidência, sendo o principal intermediário dessa prática, o psicólogo. (SANTOS, 2020)

2.1 INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NO SISTEMA PRISIONAL

O psicólogo passou a ser reconhecido legalmente pelo serviço penitenciário com a divulgação da Lei de Execução Penal, Lei Federal nº 7.210/84, ao ser incluído no texto na composição da Comissão Técnica de Classificação (CTC), conforme aponta LAGO (et al, 2009). A função dessa comissão está associada ao princípio de individualização das penas, que tem por objetivo auxiliar o preso a voltar à sociedade, ao final de sua pena, em condições de não cometer novos delitos (NASCIMENTO; BANDEIRA, 2018).

Para colaborar com esse princípio a psicologia associa-se com outros profissionais como assistentes sociais, psiquiatras e chefes da segurança dos presídios dentro das CTC, para avaliar as condições e ações necessárias à individualização da pena (NASCIMENTO; BANDEIRA, 2018).

Desta forma, com a promulgação da Lei de Execução Penal de 1984,

Os casos dos presos que dão entrada na unidade para cumprir sua pena passam pela reunião da CTC (Comissão Técnica de Classificação), em que são analisados os históricos pessoais, criminais, familiares e comportamentais e são feitas sugestões de encaminhamento para intervenções necessárias e disponíveis. Por exemplo: se o preso é analfabeto, encaminha-se para alfabetização; se não tem profissão, para curso profissionalizante; se tem hipótese de transtorno mental, encaminha-se para avaliação psiquiátrica pelo SUS; se tem alguma doença, passará por avaliação médica detalhada; se tem histórico de abuso de drogas, poderá participar de grupo específico com a Psicologia, e assim por diante. (CHAVES, 2010, p. 06)

Nesse processo de classificação, a princípio, segundo Nascimento e Bandeira (2018), os profissionais da Psicologia deveriam realizar avaliações psicológicas no momento do início do cumprimento da pena de liberdade e, em seguida, realizar seu acompanhamento, propondo atividades e inserção em programas educativos, laborais e de saúde, realizar também novas avaliações para auxiliar nas decisões judiciais no momento de progressão de regime condicional. Tais avaliações dizem respeito ao exame criminológico, por meio do qual se espera que o psicólogo avalie a personalidade e os efeitos do tratamento penal sobre a subjetividade dos indivíduos, de modo a avaliar se voltarão a cometer crimes ou não.

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Contudo, em 2003 foi promulgada a Lei no 10.792, que altera o artigo 112 da LEP, descartando a necessidade dos exames criminológicos para a progressão de regime e para o livramento condicional, esta mudança teria sido motivada pelo reconhecimento das possíveis falhas técnicas e do caráter irrefutável das conclusões do exame, conforme aponta Nascimento e Bandeira (2018).

Os mesmos autores afirmam que com essa mudança a atuação do psicólogo no sistema prisional não ficou mais limitada apenas à elaboração de laudos e pareceres, expandiu para questões de ordem subjetiva e à assistência à saúde dos detentos durante a execução penal. Desta forma, com a esperada diminuição do número de exames criminológicos a serem realizados, os profissionais da psicologia estariam liberados para desempenhar outras funções no sistema penitenciário. Dentre elas a atuação na transdisciplinaridade, ações junto aos que cumprem pena privativa de liberdade e seus familiares, à comunidade, aos egressos e até mesmo realizar trabalhos com os funcionários do sistema prisional (NASCIMENTO, NOVO, 2017).

Para essa atuação, de acordo com Nascimento e Novo (2017), os profissionais da psicologia que atuam dentro do sistema prisional podem realizar orientações, avaliações, entrevistas e encaminhamentos aos serviços especializados voltados para a inserção social. Além dos atendimentos psicossociais individuais, podem ser realizados trabalhos em grupos, com palestras, debates entre outros, os temas trabalhados nesses grupos podem ser diversos, a depender das demandas dos participantes.

Ademais destaca-se em 2009 o compromisso deixado descrito pelo Conselho Federal de Psicologia na Resolução 001/2009 em que pese ter sido deixado ao psicólogo do sistema penal [...] o compromisso de melhorar as condições de vida do presídio, bem como transformar a cultura institucional e garantir os direitos das pessoas (CFP, BRASIL, 2009, p. 24)

Tal compromisso somados à ampliação das funções vão de encontro ao aumento das demandas dentro do sistema prisional, a considerar o número expressivo de pessoas presas no Brasil como divulgado pelo censo do sistema de informações penitenciárias de 2017 (Brasil, 2017a). Nesse Cense o Brasil ocupava o 3º lugar no ranking mundial de países com a maior população carcerária, possuindo cerca de 726 mil pessoas privadas de liberdade.

Além disso, as condições das prisões brasileiras em geral são insalubres e completamente inadequadas, fator que faz compreender os altos índices de mortalidade, a hostilidade de se implementar serviços de saúde que sejam eficazes nesse contexto e a dificuldade na questão da reinserção social. Tudo isso necessitando ações profissionais que primam pela ação humanitária e garantia dos direitos humanos, nos pós processo de redemocratização em que a psicologia ganhou força em sua atuação jurídica (NASCIMENTO, BANDEIRA, 2018).

Para Rosa e Nunes (2014) o desafio profissional é ainda maior quando se entrelaça ao aspecto da melhoria das condições de vida institucional, haja visto que a população carcerária apresenta alta demanda a nível psíquico, sucedido das peculiaridades do ambiente prisional, devido às condições sanitárias citadas.

Ou seja,

Às dores inerentes à privação da liberdade somam-se dores físicas provocadas pela falta de ar, de sol, de luz, pela promiscuidade dos alojamentos, pela precariedade das condições sanitárias, pela falta de higiene, pela alimentação muitas vezes deteriorada, o que resulta na propagação de doenças, especialmente doenças transmissíveis que atingem os presos em proporções muito superiores aos índices registrados nas populações em geral (KARAM, 2011, p. 05).

Em meio a esse processo de sofrimento dentro da privação da liberdade que a atuação do psicólogo dentro do sistema penal também tem como papel auxiliar os que estão cumprindo suas penas a perceberem o seu papel como cidadão na sociedade, resgatando neles interesses muitas vezes esquecidos ou desconhecidos. Ou seja, o psicólogo tem a função de despertar no detento a possibilidade de mudança de rumo em sua vida para que sejam inseridos na sociedade de forma a poder fazer a escolha de não mais cometer delitos (NASCIMENTO; NOVO, 2017).

Apesar do exame criminológico não ser mais o foco do trabalho enquanto redução da pena, a proposta do trabalho ainda está na reinserção dos indivíduos e na garantia de condições humanas e de saúde durante o seu processo de privação de liberdade. Nesse aspecto cabe ainda discutir um pouco mais sobre como ocorre de fato a atuação do psicólogo nesse contexto, considerando as reais condições do sistema na atualidade.

2.2 REINSERÇÃO SOCIAL DO EX DETENTO E A CONTRIBUIÇÃO DO PSICÓLOGO DO SISTEMA PRISIONAL

Reintegração, ressocialização, readaptação, reinserção, reeducação social, reabilitação de modo geral, são sinônimos que dizem respeito ao conjunto de atributos que permitem ao indivíduo tornar-se útil a si mesmo, à sua família e a sociedade (FILHO, 2022).

Reinserção do egresso na sociedade como um ser social não é fácil, a sociedade rejeita o ex-detento, seja por medo, insegurança, preconceito ou simples entendimento de que quem faz uma vez, faz duas, três..., mesmo depois de cumprir sua pena na prisão, o detento ainda tem essa pena imposta pela sociedade fora da prisão, o que faz com que dificulte sua ressocialização e infelizmente faça com que ele acabe reincidindo (TEIXEIRA,2017).

Devido às dificuldades de reinserção encontradas as pesquisas estimam que a alta taxa de reincidência seja explicada, ou seja, a proposta da ressocialização prevista para o desenvolvimento dos programas do sistema penal não parece estar tendo êxito, sendo de acordo com Studart (2017) a principal evidência de que existem deficiências no sistema jurídico-social, ou seja, o indivíduo vem a praticar novos delitos em um curto espaço de tempo.

Acredita-se que o sistema de ressocialização, que diz respeito à aplicação de projetos e tratamentos, que são ministrados ainda no período de cárcere, a fim de possibilitar uma integração saudável, contribuam para os números da reincidência. A proposta desse sistema é que as práticas existentes possibilitem ao indivíduo manter uma perspectiva de realização de projetos pessoais desvinculados da criminalidade. No entanto, a precariedade das políticas públicas faz com que a possibilidade de concretização desses projetos diminua cada vez mais (CANDELA, 2015; COELHO, 2012).

Ainda no que se refere às condições das políticas públicas, sabe-se que

Há, portanto, um profundo abismo entre as necessidades individuais dos presos e o despreparo das equipes de trabalhadores do sistema prisional, de modo que a permanência da não assistência a essas pessoas agrava o estado de saúde delas e aumenta o risco da reincidência criminal (Coelho, 2012, p. 133).

Os estudos mostram que a sociedade possui um papel muito importante na ressocialização, tendo em vista as dificuldades que acometem os indivíduos após a saída do cárcere. Garcia (2016) discorre, que a sociedade, frente a criminalidade é influenciada pelo sensacionalismo e preconceito implantado pelas mídias, e adota uma postura nada humanista em prol daqueles que acabaram de sair das prisões.

Ou seja,

O sujeito é colocado em uma prisão e é esquecido momentaneamente, apenas quando está perto de receber sua liberdade é lembrado e aí o que fez neste período, enquanto o tempo apenas passou, ou seja, tempo desperdiçado, de uma vida sem sentido, nada foi produzido nem desenvolvido para melhorar a vida deste sujeito que ali se encontra, não recebeu nenhuma instrução (educação-moral), educação profissionalizante, muito menos foi trabalhado psiquicamente a respeito do crime que o colocou ali nesta prisão (HINTZ, 2017, p. 12)

Uma discussão nesse contexto é a garantia dos direitos humanos mesmo na condição de preso, afinal ele é tão cidadão quanto aquele que nunca cometeu nenhum crime. Segundo a compreensão do direito moderno, a pessoa apreendida perde provisoriamente de alguns direitos, como a liberdade de ir e vir, e deve pagar pelo erro cometido sendo preparado para não voltar a cometer delitos, e retornar a sociedade de maneira saudável. (DEMARCHI, 2008)

Uma maneira defendida para preparar a pessoa presa para retornar a sociedade é através do trabalho.

O direito ao trabalho que é garantido aos detentos pela Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210 / 1984), que garante no art. 28 que o trabalho como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva e, segundo suas diretrizes gerais, o trabalho deverá compor parte do processo ressocializador, ser remunerado e proporcionar remissão da pena. (ROSA, NUNES, 2014, p.129)

A remissão da pena funciona da seguinte forma, a cada três dias trabalhado pelo detento, será diminuído um dia de sua pena, o trabalho só tem a trazer benefícios, pois usa do tempo que o preso tem para fazer o bem para si e até mesmo para o estado, pois ocupa sua mente e não o ocupa para atividades de cunho reprováveis (ex: fuga). Por isso é que se faz necessário observar as aptidões e capacidade dos presos. (MACHADO, 2019)

Segundo a LEP, o direito à remuneração pelo serviço prestado, conforme descrito no art. 29, § 1º, coloca que a remuneração do condenado não deve ser menor a três quartos do salário mínimo. Pois, estudiosos como Cabral e Silva (2010) afirmam que, o recebimento de salário inferior ao mínimo frustra a sua finalidade, na medida em que o presidiário recebe menos que qualquer outro trabalhador única e exclusivamente em função de ter-lhe sido aplicada a pena privativa de liberdade.

Apesar de ser dever da das instituições prisionais proporcionar a execução do trabalho e disponibilizar tarefas laborais para os detentos, nem todas conseguem garantir esse direito, muitas apresentam dificuldades de infraestrutura e materiais humanos para implantar estratégias que visam a ressocialização (CABRAL, SILVA, 2010)

O sistema carcerário tem contado com apoio de outras instâncias não governamentais para essa tarefa, dentre elas destaca-se as Apacs (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados). Estas, que são entidades civis de direito privado, com personalidade jurídica própria, desde 1972 se dedicam à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade. As mesmas desde 1972 oferecem assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade, amenizando a falta de amparo das instituições prisionais no processo de reinserção social (CABRAL, SILVA, 2010).

Nesse processo de reinserção, o psicólogo é reconhecido legalmente pelo serviço penitenciário com a divulgação da Lei de Execução Penal, Lei Federal nº 7.210/84. Os mesmos tem o intuito de construir com os detentos projetos de vida nos quais o engajamento a qualquer tipo de atividade laboral constitui-se em indicador de sua recuperação (RAUTER, 2007).

Ao analisar a LEP, verifica-se a importância da correlação fundamental existente entre a área da psicologia e o projeto de reinserção do apenado que deve ser promovido dentro do sistema penitenciário. Nessa perspectiva, a referida legislação reconhece, ao garantir a presença do psicólogo e de outros profissionais nas prisões, que o Direito isolado não seria suficiente para suprir as necessidades da sociedade em ressocializar o apenado e em promover uma eventual erradicação do crime (NASCIMENTO, NOVO, 2017).

Pois atuar de forma efetiva em saúde mental em contextos prisionais exige, além de conhecimentos técnicos específicos, a utilização de modelos que consideram uma percepção psicossocial e política ampliada, visando, além do bem estar destas pessoas, o seu retorno à sociedade (ROSA, NUNES, 2014).

É de enorme valia o trabalho dos profissionais da área da Psicologia. Seu trabalho tanto dentro, quanto fora das unidades prisionais é de extrema relevância, pois quem cumpre ou cumpriu pena privativa de liberdade sofre ou sofreu diversas influências que podem afetar seu estado normal psicológico.

3. METODOLOGIA

A Revisão Sistemática é uma revisão planejada para responder uma pergunta específica, ela desfruta de métodos explícitos e sistemáticos para identificar, selecionar e avaliar criticamente os estudos, e para coletar e analisar os dados destes estudos incluídos na revisão. (ROTHER, 2007)

Os trabalhos de Revisão Sistemática, são considerados trabalhos originais, pois, além de utilizar como fonte, dados sobre a literatura sobre determinado tema, são elaborados com rigor metodológico. (ROTHER, p. 01. 2007)

Considerando isso, esse estudo trata-se de uma revisão sistemática da literatura, a qual é pautada em um planejamento, para que assim consigamos responder a nossa pergunta de pesquisa. Para o levantamento de dados a serem utilizados no desenvolvimento foram utilizadas as bases de dados científicos: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Periódicos Capes), Google Scholar (Google acadêmico) e Biblioteca Virtual de Saúde - Psicologia (Bvs Psi) assim como a Biblioteca Virtual da instituição. Em busca de abranger a temática por completo, utilizou-se de distintas combinações de palavras-chave para cada base de dados.

A pesquisa dos materiais para análise foi realizada entre 15/10/2022 e 01/11/2022, utilizando as bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Periódicos CAPES e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) onde utilizando as palavras chaves: Psicologia Jurídica, Ressocialização, Sistema Penal, encontramos um total de 667 artigos no total, dos quais a partir da leitura de título e resumo selecionamos 12 artigos, após serem lidos na íntegra foram definidos 07 artigos no total.

Definidos os artigos a serem utilizados, realizou-se uma análise para que houvesse a verificação, a partir dos critérios de inclusão, se seriam utilizados ou não. Como critérios de inclusão utilizou-se os artigos que abordassem as práticas do psicólogo no sistema prisional bem como contribuições no processo de reinserção, em contrapartida como critérios de exclusão incluíram-se todos os artigos que não abordassem a Lei de Execução Penal e o trabalho do psicólogo no sistema prisional.

Para a realização da análise utilizou-se um roteiro proposto por Bardin apud Mendes e Miskulin (2017) que consiste em três fases: pré-análise, exploração do material e interpretação e conclusão acerca do material. A pré-análise consistiu na leitura dos artigos encontrados a fim de identificar se pertenciam aos critérios de inclusão, enquanto na etapa de exploração do material, codificados e categorizados em classes os dados selecionados, e por fim, a conclusão, que se caracteriza pela interpretação dos resultados que foram obtidos através das duas outras etapas.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os artigos definidos para a análise, foram definidos a partir da pesquisa nas bases de dados apresentadas, utilizando as palavras-chave: Psicologia Jurídica, Ressocialização, Sistema Penal, a partir destas, foram selecionados 07 artigos, os quais se encaixavam com nosso tema, e nossas palavras chaves, e a partir disso podemos identificar se a prática do psicólogo jurídico contribui para o processo de reinserção social dos indivíduos imputáveis privados de liberdade no sistema carcerário brasileiro, sendo esse, nosso problema de pesquisa.

As pesquisas dos artigos selecionados sobre o tema são de cunho bibliográfico qualitativo, revisão sistemática da literatura e relato de experiência, todas datadas até o ano de 2022. Na análise delas foram definidas 04 classes de discussão: Crítica ao sistema prisional, Necessidade de um trabalho efetivo dentro deste sistema, Prática do psicólogo no sistema penal e o Processo de ressocialização. As mesmas foram escolhidas a fim de elucidar as práticas existentes, bem como problematizar as situações atuais que impedem a realização de um trabalho verdadeiramente efetivo dentro desse sistema. Para detalhar melhor a sistematização da análise segue a tabela 01 com as informações:

1. Tabela de Artigos Selecionados

Título

Ano

Tipo de Pesquisa

Fonte

Tema

Reintegração social de detentos: desafios de egressos do sistema prisional

2022

Pesquisa

de abordagem qualitativa, descritiva, de Revisão de literatura Narrativa.

Scielo

Processo de Ressocialização/ Prática do psicólogo no sistema penal

Superando o estigma da prisão e efetivação de direitos e cidadania: contribuições da psicologia na promoção de trabalho aos egressos do Sistema de justiça

2021

Relato de experiência a partir de levantamento de dados registrado pelo Escritório Social da SEJUS/ES

Capes

Processo de Ressocialização

Psicologia e Sistema Penal

2011

Pesquisa bibliográfica qualitativa

Pepscic

Crítica ao sistema penal

Saúde Penitenciária, Promoção de Saúde e Redução de Danos do Encarceramento: Desafios para a Prática do Psicólogo no Sistema Prisional

2018

Pesquisa bibliográfica qualitativa

Scielo

Crítica ao sistema Prisional

Anotações sobre a Psicologia Jurídica

2012

Pesquisa bibliográfica qualitativa

Scielo

Necessidade de realização de um trabalho efetivo

Práticas da Psicologia no Contexto Carcerário Brasileiro: Uma Revisão Sistemática

2022

Pesquisa de revisão sistemática da literatura

Capes

Prática do psicólogo no sistema penal

(Re)Pensando o Fazer Psi no Sistema Prisional: Relato de Experiência

2018

Relato de Experiência

Capes

Prática do psicólogo no sistema penal

Fonte: Própria, 2022

O primeiro tema de destaque é o do Processo de Ressocialização, em que pese as discussões de Silva, Oliveira e Mayer (2022) em seu artigo Reintegração social de detentos: desafios de egressos do sistema prisional, discutem sobre o trabalho do psicólogo dentro das instituições prisionais, como sendo o de realizar:

[...] atendimento e o acolhimento individualizado das demandas do detento, podendo ser realizado de diversas formas, inclusive grupos terapêuticos e discussão de temas emergentes, também orientar nos assuntos que lhe concernem a questões legais, incluindo análises comportamentais e avaliações, realizar atendimentos aos familiares, atendimentos fora da unidade prisional e atividades que dão sustentação a estas citadas anteriormente (p. 06, 2022)

Sobre o tema reintegração, ainda no mesmo artigo de Silva, Oliveira e Mayer (2022), os mesmos contam que o processo de reintegração possui um papel vital para o sujeito, tendo em vista as dificuldades que acometem os indivíduos após a saída do cárcere, pensando nisso, no que compete ao processo de ressocialização dos indivíduos os autores trazem como objetivo do profissional:

[...] o papel do psicólogo é fazer com que o ex-detento recupere sua identidade, que representa suas causas e anseios. Que o sujeito desenvolva o respeito de si e se reconstrua socialmente, a partir deste momento de vida, se apropriando deste novo ciclo por ele mesmo e com a ajuda das outras pessoas (SILVA, OLIVEIRA E MAYER apud PEDRO, 2005, pg. 05, 2022)

Ainda sobre essa temática, Marson e Lira (2021) discorrem sobre a psicologia no processo de reinserção social do detento no artigo Superando o estigma da prisão e efetivação de direitos e cidadania: contribuições da psicologia na promoção de trabalho aos egressos do Sistema de justiça

Os mesmos contam que as contribuições da Psicologia comparecem como uma mediação importante entre o egresso e as possibilidades de ressocialização, voltadas para o fortalecimento do sujeito, colaborando para o enfrentamento dos obstáculos após cada saída da prisão (tais como fragilização dos vínculos familiares, uso dependente de substâncias psicoativas, dificuldades financeiras e de inserção no mercado de trabalho, readaptação social, estigmatização e preconceito da sociedade, dentre outras). Busca-se contribuir para que o detento tenha conhecimento de suas capacidades, auxiliando-o a se apropriar do cumprimento de sua pena, ou seja, levando-o à reflexão para construção do seu projeto de vida, e consequentemente para uma sociedade mais justa e humana. (MARSON, LIRA. 2021)

Autores estudados para a elaboração da pesquisa, como Rauter (2007) frisam que nesse processo de reinserção, o psicólogo é reconhecido legalmente pelo serviço penitenciário com a divulgação da Lei de Execução Penal, Lei Federal nº 7.210/84. Os mesmos tem o intuito de construir com os detentos projetos de vida nos quais o engajamento a qualquer tipo de atividade laboral constitui-se em indicador de sua recuperação. Tal apontamento corrobora com as discussões apresentadas nos textos analisados.

Nesse sentido, a Psicologia tem uma contribuição fundamental, enquanto instrumento de transformação social, buscando promover dispositivos junto às pessoas presas e egressas que estimulem a autonomia e a expressão de sua individualidade, disponibilizando recursos e meios que possibilitem sua participação como protagonista na execução da pena. Por meio da escuta e de intervenções, o psicólogo deve estimular a subjetividade dessas pessoas, contribuir para desconstruir estigmas (classe, gênero, etnia, raça, religião) e, dessa forma, impedir o incremento da criminalização e da punição. (Marson, Lira. p. 153. 2021)

O artigo que contempla uma crítica ao sistema prisional é "Psicologia e Sistema Penal de Karam (2011) que nos diz que a execução penal não ressocializa, nem cumpre qualquer das funções reabilitadoras que lhe são atribuídas. (pg. 08), dessa forma

Tentar amenizar os sofrimentos e os efeitos deteriorantes do encarceramento e facilitar um retorno menos traumático ao convívio extramuros são os únicos parâmetros de atuação do psicólogo no sistema prisional compatíveis com os princípios fundamentais que regem seu código de ética [...] (pg. 09)

Ainda nessa temática, Karam (2011) também nos diz que o sistema manipula sofrimentos para perpetuá-los e para criar novos sentimentos (pg. 14), ou seja, há uma estigmatização e deterioração do indivíduo em um local que deveria ter como objetivo o de proporcionar um meio de ressocialização, garantindo sua integridade, bem como saúde física e mental onde sua prioridade sempre há de ser a saúde de seus pacientes e não os interesses da administração penitenciária ou do sistema penal como um todo [...] (pg. 09). Os autores Nascimento e Bandeira (2018), utilizados na construção do desenvolvimento desta pesquisa, reforçam essa ideia, dizendo que as condições das prisões são insalubres e inadequadas, dificultando os serviços de saúde e o processo de reinserção dos indivíduos.

Seguindo nessa linha, o artigo escrito por esses autores Saúde Penitenciária, Promoção de Saúde e Redução de Danos do Encarceramento: Desafios para a Prática do Psicólogo no Sistema Prisional, é possível visualizar essa problemática quando nos trazem:

Um dos aspectos mais comuns do sistema prisional brasileiro é a falta de condições estruturais que garantam condições adequadas para o cumprimento das penas privativas de liberdade. [...] Dessa forma, contribuir para a melhoria das condições de vida nas prisões é um dos grandes desafios para a prática do psicólogo no sistema prisional. (NASCIMENTO E BANDEIRA, pg. 105, 2018)

Pensando nessa problemática, temos o texto Anotações sobre a Psicologia Jurídica de Leila Maria Torraca de Brito (2012), o qual aborda a necessidade da realização de um trabalho efetivo dentro desse sistema, e isso se dá pois:

[...] o psicólogo jurídico, ao iniciar seu trabalho, não dispõe de conhecimentos acerca das peculiaridades que envolvem essa prática junto ao sistema de Justiça, além de não possuir muita noção de suas reais atribuições. Nesse contexto de trabalho, os profissionais são chamados a responder a problemáticas que lhes parecem, e na verdade o são, inéditas. (pg. 200, 2012)

Ou seja, dentro do sistema prisional acabam por surgir diversas demandas as quais não são previstas, ou por vezes o trabalho esperado não se torna possível devido às condições existentes dentro desse ambiente. A partir da compreensão acerca de sua atuação, é possível compreender de que maneira agir, garantindo assim um trabalho mais eficaz, assim como Brito nos diz:

[...] a partir do claro entendimento da incumbência que lhe cabe que o psicólogo poderá ter ciência dos limites e dos propósitos de sua atuação, transmitindo também tais informações a seu cliente. (pg. 200, 2012)

Gruhl (et al, 2022) discorre sobre a prática do psicólogo no sistema penal ao longo dos anos, no artigo Práticas da Psicologia no Contexto Carcerário Brasileiro: Uma Revisão Sistemática. Do ponto de vista histórico, a psicologia entrou no sistema prisional enquanto prática profissional a partir de um viés classificatório. No início, ela serviu aos interesses do poder judiciário produzindo classificações de comportamentos, avaliando estados mentais com o objetivo de orientar decisões jurídicas e aplicações de penas.

Em 1987, com a Lei de Execução Pena, o psicólogo passou a fazer parte oficialmente da Comissão Técnica de Classificação (CTC), que tem como objetivo principal a realização do exame criminológico que é um instrumento que busca a predição de comportamento, a fim de obtenção ou recusa de benefícios para o preso, tendo como objetivo avaliar os detentos. (GRUHL, et al, 2022)

Contudo, como contribuem ao longo da pesquisa, os autores estudados, Nascimento e Bandeira (2018), contam que em 2003 foi promulgada a Lei no 10.792, que altera o artigo 112 da LEP, descartando a necessidade dos exames criminológicos para a progressão de regime e para o livramento condicional, esta mudança teria sido motivada pelo reconhecimento das possíveis falhas técnicas e do caráter irrefutável das conclusões do exame.

A partir disso, novas práticas da Psicologia tornam-se possíveis dentro das instituições prisionais, tais como: práticas de cuidado, respeito, atenção e acompanhamento afetivo e efetivo aos sujeitos presos. (GRUHL, et al. 2022)

Contribuindo com Gruhl (et al, 2022), Camargo e Rosa (2018) discorrem no artigo (Re)Pensando o Fazer Psi no Sistema Prisional: Relato de Experiência, que

A Psicologia Penitenciária é uma das áreas que abrangem a Psicologia Jurídica e faz parte da fase de execução das penas. O psicólogo dessa área realiza estudos sobre intervenções junto ao recluso, atua na prevenção e também na promoção da qualidade de vida do mesmo, bem como realiza um trabalho direto com agentes, egressos e em penas alternativas. A atuação dos psicólogos inseridos no sistema prisional retrata a importância de trabalhos durante a execução das penas para que seja realmente voltado para ressocialização do sujeito. (Camargo, Rosa. p. 158. 2019)

Ainda falando dessas práticas, Gruhl (et al, 2022) contam que mesmo com a luta do Sistema Conselhos para mudar a prática e o olhar deste profissional no cárcere e a referência técnica de 2012, sua principal função nesse espaço ainda permanece ligada à elaboração de laudos e pareceres que pretendem avaliar a periculosidade criminal, principalmente no momento da concessão de benefícios ou da proximidade do fim da pena.

Até os dias de hoje ainda se tenta desvencilhar da doutrina positivista que entendia que os psicólogos poderiam prever um comportamento adequado ou criminoso para a sociedade, ou seja, acreditando que existiam pessoas pré-determinadas ao ato ilícito ao decorrer de suas vidas. Porquanto, a Psicologia dentro do sistema prisional se encontra atravessada por processos instituídos que estão permeados pela historicidade de sua prática, o que acaba sendo mais um desafio para o fazer psi neste contexto. (Camargo, Rosa. p. 158. 2019)

A partir da análise realizada, é possível perceber a falta de pesquisas sobre a prática do psicólogo dentro do contexto penitenciário. A grande maioria das discussões analisadas trazem uma crítica ao sistema prisional atual, abordando a insalubridade existente, o que acaba por afetar a atuação efetiva do profissional. No que se refere ao processo de ressocialização do egresso, dentro da análise feita é visível a dificuldade que os mesmos encontram para retornar a sociedade, sendo mais um assunto sobre a contribuição/prática do psicólogo pouco desenvolvido em pesquisas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho intitulado O Psicólogo no Processo de Reinserção de Indivíduos em Cárcere, tem por objetivo trazer, a partir de uma revisão bibliográfica, o papel do psicólogo dentro dos sistemas prisionais e no processo de ressocialização.

Através da análise pode se perceber que o trabalho do psicólogo no contexto prisional mesmo sendo tão importante, ainda se tem poucas pesquisas sobre o papel do mesmo dentro das instituições. O psicólogo não se prende mais a somente exames criminológicos como visto na Lei de Execução Penal, sendo seu trabalho de enorme valia no processo de ressocialização, conforme visto na análise do artigo Silva, Oliveira e Mayer (2022) que nos diz que dentre tantas coisas, o psicólogo deve auxiliar no processo de recuperação da identidade, desenvolvendo respeito próprio e se reconstruindo socialmente.

Ainda falando sobre ressocialização, uma das maneiras mais utilizadas para esse processo é através do trabalho. Ao longo do desenvolvimento do artigo explicamos os benefícios que o trabalho traz aos indivíduos privados de liberdade, mas nem todos os sistemas penitenciários contam com esse projeto, pois a falta de infraestrutura nos presídios é um agravante tanto para esse processo, quanto para o desenvolvimento do trabalho dos psicólogos, assim como demonstram Nascimento e Bandeira (2018), que definem os presídios brasileiros como insalubres e inadequados o que por sua vez prejudica os serviços de saúde que são ofertados e atrapalham o processo de ressocialização, assim [...] contribuir para a melhoria das condições de vida nas prisões é um dos grandes desafios para a prática do psicólogo no sistema prisional. (NASCIMENTO E BANDEIRA, pg. 105, 2018)

Além das condições e infraestrutura dos locais, a sociedade também acaba atrasando o processo de ressocialização, por conta dos preconceitos e estigmas impostos pela mesma, algumas pessoas não acreditam na mudança de vida do egresso, mesmo ele já tendo terminado de cumprir a sua pena, gerando prejuízo ao ex-detento. Marson e Lira (2021) nos trazem a importância da atuação do psicólogo como agente mediador dessa situação, atuando no fortalecimento enquanto sujeito e o auxiliando durante e após a prisão.

Considerando o exposto, referente a atuação do profissional psicólogo junto aos indivíduos em cárcere, é possível visualizar sua total importância, desde a preparação para os estigmas que irão ocorrer após o período de encarceramento, até sua ressocialização em si, a qual observamos ocorrer de maneira mais efetiva, através do trabalho. No entanto, é notável a falta de pesquisas acerca dessa prática, o que, por sua vez, dificulta o acesso à informação e dessa forma, a elaboração de políticas que venham a ser efetivas de fato para essa população.

Portanto, a partir desse estudo espera-se que possa se desenvolver novas pesquisas sobre o papel do psicólogo no âmbito prisional. Compreende-se pela pouca quantidade de materiais seria interessante realizar uma pesquisa de campo, para que assim saibamos de fato quais são as práticas realizadas pelos psicólogos dentro das instituições prisionais e a partir disso permitir maiores avanços nessa prática.

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