Eutanásia, Distanásia, Ortotanásia e Morte Assistida

Uma discussão à luz da bioetica e do ordenamento jurídico brasileiro

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RESUMO

Tendo por base o que fora exposto no filme – MAR ADENTRO – que expõe o fato de Ramón Sampedro, que é um homem que luta para ter o direito de pôr fim à sua própria vida, em um procedimento de eutanásia, expondo, assim, um rico debate acerca de “morte com dignidade” e “autonomia da vontade”. Narra o filme que em sua juventude, ele sofreu um acidente, que o deixou tetraplégico e acamado por 28 anos. No filme, que retrata uma situação verídica, Ramón decide ingressa com uma ação judicial onde sua petição é pelo direito de decidir sobre sua própria vida, o que lhe proporciona problemas com a igreja, a sociedade e até mesmo seus familiares., isto é, debate que envolve todo um arcabouço ético-moral na sociedade contemporânea. Cabe aqui relatar como no Brasil tal situação é regulamentada em vários âmbitos normativos proporcionando, assim, uma projeção e reflexão de tais dispositivos legais. Assim, ao longo deste trabalho serão conceituados e discutidos os institutos da Eutanásia, Distanásia, Ortotanásia e Morte Assistida

Palavras-chave: Eutanásia; Distanásia; Ortotanásia; Morte Assistida; Bioética.

INTRODUÇÃO – BIOÉTICA E ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

De início, é de extrema importância ressaltar A PROIBIÇÃO, por completo, da prática da EUTANÁSIA no Brasil, mesmo para aqueles que concordam com esta prática, ainda que, o intuito destes seja proporcionar uma “morte com dignidade” ao enfermo, haja vista que, quem incorre nesta prática, estaria cometendo o crime de homicídio, conforme previsto no art. 121 do Código Penal brasileiro. Ressalta-se que é um tipo criminoso e não é somente o médico que pode cometê-lo, sendo que terceiros podem também incorrer nesta prática delituosa. Quando, mesmo diante das proibições legais, existe a prática da eutanásia, o agente criminoso responde por HOMICÍDIO PRIVILEGIADO podendo haver uma redução da pena a ser cumprida, pois diante do crime de homicídio, este responderá por uma pena que varia de seis a vinte anos de reclusão; porém, como na prática o ato foi diante de relevante valor social ou moral, ou encontrava-se diante de um forte domínio emocional, em função do compadecimento pelo penar de outrem, o Juiz PODE reduzir a pena de 1/6 a 1/3. Para melhor ilustrar tal posicionamento legal importante se faz citar:

   

O Código Penal em seu artigo 121, no parágrafo 1º, que diz: “Art. 121. Matar alguém: §1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.”. Encara o Código Penal como, in verbis: “Caso de diminuição de pena”, ou seja, define-o como um crime que a doutrina chama de homicídio privilegiado, mas, ressalte-se, um típico homicídio doloso. Também tem esse enquadramento legal na Parte Geral (Circunstâncias Atenuantes) do mesmo Código Penal no artigo 65, inciso III, alínea “a”, que reza: “Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (…) III – Ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;”. Cabe aqui citar a Constituição Federal brasileira de 1988, que protege a vida em seu artigo 5º, no caput, que nos determina: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, (…)”, não permitindo a introdução, em nosso ordenamento jurídico, de qualquer dispositivo legal regulamentando a extinção da vida.

Além do que dispõe a Constituição da República de 1988 e o Código Penal brasileiro, é de suma importância explicitar a disposições do próprio Código de Ética Médica que assim trata a temática em questão:

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

Destarte, cumpre frisar que a eutanásia é PLENAMENTE PROIBIDA pelo Ordenamento Jurídico brasileiro, pois a vida é um bem jurídico indisponível, resguardado por nosso sistema jurídico e sua prática sempre foi encarada pelo direito pátrio como um ato ilícito criminal.

Em se discutindo sobre a ORTOTANÁSIA e sua prática, conforme o Ordenamento Jurídico brasileiro, percebe-se que neste caso NÃO HAVERÁ PROIBIÇÃO DE SUA PRÁTICA, pois aqui está em questão quando um paciente, em situação terminal, sendo por insucesso de qualquer tratamento que se possa utilizar, se apresente sem possibilidade de cura, serão ministrados cuidados proporcionais à sua necessidade, em face da terminalidade de sua vida.

Tal prática não é expressamente aceita, proibida ou sequer regulamentada por quaisquer órgãos públicos, com a devida competência, no Brasil. Ainda é recente este debate acerca da autonomia da vontade do paciente para determinar como será sua morte. No entanto, existem algumas normas editadas sobre o assunto, pelo Conselho Federal de Medicina, tai como:

Resoluções nº 1805/06 e 1995/2012. A Resolução nº 1805/06, que versa sobre a ortotanásia, dispõe: "Artigo 1º — É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal".

Código de ética Médica - Capítulo I PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.

Conclui-se este ponto da ORTOTANÁSIA afirmando que, neste caso, não há a prática de uma conduta criminosa, pois é ministrada quando um paciente está em situação terminal, isto é por insucesso de qualquer tratamento, que se possa utilizar, se apresente sem possibilidade de cura.

No que pese ao estudo da DISTANÁSIA, é de suma importância destacar que o prolongamento da vida, também chamado de a obstinação terapêutica nos lança à compreensão de que a distanásia lesiona os direitos fundamentais, como a autonomia da vontade e, em especial, a dignidade humana.

Os avanços das práticas médicas no mundo contemporâneo geraram inúmeros benefícios para este campo, porém estes avanços permitiram um controle das funções fisiológicas do enfermo, sem chance de cura ou melhora, além da sua normal e esperada duração por meio de aparelhos de respiração e alimentação artificial, entre outros, o que fez proporcionar a possibilidade irreal de prolongar a vida daquele em que se encontra na impossibilidade total e absoluta de reversão de sua enfermidade. Assim, nestes casos, haverá um prolongamento exagerado da vida/morte, ou seja, passará a existir um excesso de medidas terapêuticas, todas elas desproporcionais ao quadro clínico do enfermo, quadro este tido como irreversível (frisamos). Assim, a distanásia constitui-se um prolongamento desnecessário da vida/morte, que gera angústia, dor, sofrimento para o paciente e seus familiares.

Em face do novo Código de Ética, com em vigência em 2010, teve-se relevante abordagem no que tange à prática da distanásia:

“Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e proporcionará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.”

Se tivermos uma patente violação da dignidade da pessoa humana, por óbvio que se tem, também, a violação da autonomia da vontade, que como o primeiro, constitui um princípio fundamental resguardado pela Constituição da República de 1988. Para demonstrar o desrespeito aos princípios constitucionais presentes na distanásia, faz-se importante citar:

“Em uma visão ampla e principiológica, pode-se afirmar que prolongar a morte de um doente terminal, submetendo-o a imensos sofrimentos e retardando o seu processo de morte, dando-lhe uma falsa esperança constitui desrespeito à dignidade da pessoa humana”. (CABRAL; GEGÓRIO, 2012)

Assim sendo, ainda que não haja nenhuma possibilidade de melhora, da cura daquele que se encontra em fase terminal, o médico não deverá exercer a distanásia, mas sim a ortotanásia em seus pacientes, objetivando, assim, evitar o prolongamento de seu sofrimento e oferecer a ele e aos entes familiares o máximo de conforto em seu derradeiro fim. Conclui-se, desta forma, que a prática da distanásia possui diretrizes divergentes ao prolongamento da vida, pois o que é realizado, na verdade, são mecanismos de prolongar o processo de morte objetivando diversas finalidades consideradas desumanas, como exemplo, o estudo do estado clínico daquele paciente, movimentação econômica por recebimento de verbas governamentais e a instabilidade emocional familiar em aceitar o fim de um ente querido.

Os trabalhos referentes à MORTE ASSISTIDA (ou suicídio assistido ou morte medicamente assistida) demonstram que tal ação está vinculada no auxílio para a morte de uma pessoa, que pratica pessoalmente o ato que conduz à sua morte (ao seu suicídio). Importante ressaltar que na morte assistida a criação do risco é gerada pelo próprio paciente (essa é uma forma de autocolocação em risco, diante de conduta própria). O agente (o terceiro), nesse caso, apenas auxilia, não originando o ato criador do risco. Nisso é que a morte assistida difere da eutanásia.

Tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido são aplicados em situações em que o paciente não possui esperanças de vida, objetivando, assim, findar o sofrimento e a vida. Ambas, para se classificarem respectivamente como eutanásia e suicídio assistido, devem ser acompanhados e conduzidos por uma junta médica que será responsável por ministrar todos os procedimentos, para tal fim.

É de suma importância estabelecer diferenças entre tais procedimentos. O primeiro fator que os diferencia diz respeito a quem irá realizar o procedimento. Segundo Kovács (2003), na eutanásia a ação de por um fim na vida do paciente é feito pela equipe médica, ou seja, por terceiros. No que diz respeito à morte assistida (suicídio assistido), este acontece quando a própria pessoa retira sua vida, e a equipe médica se responsabiliza apenas pela disponibilização da dosagem correta para o paciente. O médico Jack Kervokian desenvolveu uma máquina no qual o paciente teria controle de todo o processo de sua morte. Kovács (2013) apresenta a máquina da seguinte maneira:

Kervokian desenvolveu o mercitron, uma máquina que provoca suicídios "piedosos" (merciful), segundo suas palavras. A máquina tem três seringas e uma agulha com um dispositivo para ser acionado; na primeira seringa existe uma solução salina, cuja função é deixar uma veia aberta; na segunda, um poderoso relaxante muscular, que pode ser manipulado pelo paciente, quando este quiser iniciar o processo; e na terceira, cloridato de potássio, que provoca parada cardíaca imediata. Quando o paciente aciona a segunda seringa, imediatamente inicia o processo de sua morte. Este é o exemplo clássico de suicídio assistido porque, de alguma forma, implica na vontade e ação do paciente, configurando o que Kervokian chama de medicídio, a morte planejada. (KOVÁCS, 2003).

No suicídio assistido, o paciente tem total liberdade de realizar o procedimento sem o controle direto da equipe médica, dispondo da medicação e das sedações necessárias, enquanto que o médico apenas entrega as instruções a serem seguidas e como o processo ocorrerá. No Brasil é proibido instigar ou prestar auxílio para alguém se suicidar. O suicídio pode acontecer em casa ou em uma instituição. A pessoa que o fizer pode ser condenada a até seis anos de prisão pelo artigo 122 do Código Penal:

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“Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. (...)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face de todas as observações aqui realizadas, percebe-se que no Brasil, os cuidados no âmbito da saúde demandam um longo processo de humanização, em especial, no que tange ao cuidado da dor e do sofrimento (enfermos e familiares), bem como, também o cuidado das pessoas vulneráveis em final de vida, como nos casos em que o aumento da oferta dos cuidados paliativos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) poderá melhorar muito a qualidade de vida dos pacientes.

Destarte, muitos direitos dos pacientes carecem de um debate público mais efetivo a fim de que Poder Público possa regulamentar procedimentos médico/terapêuticos aqui evidenciados. Nesse contexto, com base nas análises, por ora realizadas, a aceitação da legalização das práticas da eutanásia e do suicídio assistido chama a atenção para a necessidade de se ampliar também a discussão sobre o tema pesquisado em toda a sociedade brasileiro. Assim, o Ensino, a Pesquisa e a Extensão, tríade de extrema relevância na existência e desenvolvimento do UNIVERSO ACADÊMICO, fomentarão, cada vez mais, a riqueza de debates deste aporte ético/moral.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal. Acesso em 12/11/2022.

______. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. 6. ed. atual. Acesso em: 12/11/2022

CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat; MUNIZ, Manuela Soares de Freitas; CARVALHO, Vívian Boechat Cabral. Distanásia: Lesão à Dignidade à Beira do Leito. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutrina_27040757_DISTANASIA_LESAO_A_DIGNIDADE_A_BEIRA_DO_LEITO.aspx. Acesso em: 12/11/2022. 

https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/42016/quais-as-diferencas-entre-eutanasia-morte-assistida-ortotanasia-e-sedacao-paliativa-patricia-donati-de-almeida. Acesso em: 12/11/2022. 

https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/sociologia/eutanasia-suicidio-assistido-escolhas-feitas-com-fim-esperanca.htm. Acesso em: 12/11/2022. 

https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 12/11/2022. 

https://jus.com.br/artigos/62314/o-conflito-aparente-entre-a-pratica-da-distanasia-e-os-direitos-fundamentais. Acesso em: 12/11/2022. 

https://www.conjur.com.br/2021-jul-21/franco-eutanasia-importancia-discutir-morte-dignidade. Acesso em: 12/11/2022. 

https://jus.com.br/artigos/62314/o-conflito-aparente-entre-a-pratica-da-distanasia-e-os-direitos-fundamentais. Acesso em: 12/11/2022. 

https://www.scielo.br/j/bioet/a/xrL9mwvtSGqvv3G9KFjv9KB/?format=pdf#:~:text=No%20suic%C3%ADdio%20assistido%2C%20o%20paciente,acabar%20com%20o%20sofrimento%201. Acesso em: 12/11/2022.

Sobre os autores
Roberto Metzker Colares Pacheco

Professor no Centro Universitário Doctum (UniDoctum). Graduado em Ciências Sociais pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro – Fenord (1998). Graduado em Direito pelas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni – Doctum (2011). Ex-Coordenador Acadêmico nas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Ex-Membro do Conselho Superior Acadêmico e do Núcleo Docente Estruturante (NDE), das Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Membro do Núcleo Docente Estruturante do curso de Direito do Centro Universitário Doctum de Teófilo Otoni. Especialista em História do Brasil - Faculdades Simonsen. Especialista em Elaboração e Gestão e Gestão de Projetos Internacionais com Ênfase no Terceiro Setor - PUC MG. Especialista em Ciências Penais e Segurança Pública - Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni - Rede Doctum de Ensino. Especialização em Ciências Forenses: Medicina Legal e Perícia Criminal - Faculdade Supremo. Especialização em Criminologia - Faveni. Especialização em Direito Constitucional - Faveni. Capacitação em Direitos Humanos e Segurança Pública.

Lorena Lima Lorentz

Bacharela em Ciência e Tecnologia graduanda. Graduanda do curso de Psicologia na UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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