A responsabilidade civil e criminal dos tutores ante o abandono dos animais domesticados

Exibindo página 1 de 2
Leia nesta página:

Resumo: O presente trabalho objetiva demonstrar a necessidade de maior fiscalização, bem como, a aplicabilidade da legislação brasileira acerca da punição sobre os crimes de maus-tratos aos animais domesticados. Infelizmente, o costume da sociedade brasileira é tratar os animais como meros objetos, assim como o antigo Código Civil Brasileiro previa em outros tempos. Atualmente, com a mutação dos costumes e uma sociedade direcionada aos direitos dos animais, tem-se observado maior quantidade de Organizações Não Governamentais (ONGs) voltadas aos direitos deles, e de indivíduos inclinados a se tornarem tutores e de um animal. Porém, infelizmente, ainda hoje percebe-se que muitos são abandonados às ruas, e por vezes através justificativas banais. Quando os animais são deixados à própria sorte, e seus tutores saem impunes, o que se constata é um Estado inerte no que concerne a não aplicabilidade, bem como a ineficácia da legislação que se refere aos maus-tratos em sentido amplo. Entende-se que negligenciar uma vida deva gerar sanção, mesmo que seja pela vida de um animal não humano. Constata-se que a vida é una, não importando se o animal é racional ou não, todos têm o mesmo princípio vital, assim sendo, são dignos de direito e proteção, tanto pelo Estado quanto pela Sociedade, que é a maior causadora do malefício ao animal não humano. Assim sendo, verifica-se que a aplicabilidade do artigo 32, da Lei 9.605/98, em relação ao abandono dos animais nas ruas, não tem demonstrado a eficácia social necessária. Desta forma, objetiva-se que com a fiscalização e maior punibilidade do Estado, tal cenário sofra alterações, haja vista, esta sanção, alçará tal ato de negligência em relação aos animais domesticados.

Palavras-chave: Abandono; Animal; Crime; Dignidade; Direito; Respeito; Responsabilidade; Tutor

Sumário: 1. Introdução. 2. O Tratamento dos Animais no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 3. Imputação da Responsabilidade Civil. 4. Imputação da Responsabilidade Criminal. 5. Considerações Finais. Referências.


1. INTRODUÇÃO

Em outros tempos, quando se falava em animais domésticos, tinha-se a somente a ideia de cães e gatos, hoje isso se tornou algo mais amplo, trazendo desde os mais comuns até os mais inusitados seres. Atualmente, os Pets não são considerados como simples animais domésticos, mas são criados como filhos pelos seus tutores, os quais usam roupas, acessórios de alto valor, fazem passeios, viagens e muitos levam uma vida que diversas pessoas nem sequer almejam, são tratados como parte de uma família e por vezes até objeto de discussão em divórcio, em matéria de guarda e visitação3.

Sabe-se que todo o convívio, seja de ser racional ou não, gera vínculo afetivo, e mesmo os animais não humanos a cada dia demonstram maior capacidade de se relacionar e criar encadeamento amoroso com o seu tutor. A responsabilidade do homem vai desde a criação à educação do ser, seja ele qual for. E tal convivência, faz com que o sujeito seja moldado ao formato de quem o criou.

Existem animais de diversas naturezas, porém, diferentes dos seres humanos esses não têm as possibilidades de busca por oportunidades. Quando são adotados os animais não humanos, se apegam e se moldam de acordo com este tutor, desta forma, criam dependência, horários, uma rotina, acima de tudo a confiança pelo indivíduo responsável pela sua tutoria e criação, o que é comum com qualquer ser vivo que tenha sentimentos e necessidades.

Acontece que com o passar dos tempos, a família aumenta, os recursos se tornam mais escassos e vida se dificulta, fazendo com o que o primeiro empecilho seja descartado em meio às ruas como mero objeto. Porém, quem destina um animal a tal circunstância, não acredita que se trata de uma vida, assim como a de qualquer ser outro humano e merece respeito, que têm sentimentos como dor, medo, tristeza, entre outros, e que não deve ser tratada como um simples instrumento descartável, o qual foi usado para deleite e alegria momentânea de um indivíduo que precisava suprir suas necessidades.4

Para realizar o presente estudo, a metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica, buscando-se em doutrinas diversas, legislação pertinente ao tema, bem como jurisprudências brasileiras. Assim sendo, por verificar a recorrência de tantos abandonos, buscou-se através do Direito a tratativa acerca da reponsabilidade Civil e Criminal do tutor, bem como, a cientificação sobre o tema em relação ao descaso e ao abandono do animal não humano pelos seus tutores, uma vez que se trata de vida e responsabilidade do indivíduo pelo bem de outrem.


2. O TRATAMENTO DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O Brasil é um dos países-membros da ONU signatários da Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Proclamada na Assembleia da UNESCO, em Bruxelas na Bélgica, em 27 de janeiro de 1978, de acordo com tal declaração, em seu artigo 1º, diz que Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência. 5 Desta forma, compreende-se por animais todos os seres vivos, sendo racionais ou não, e este artigo vem para demonstrar que não somente o humano, mas todos devem ser tratados com isonomia, e, leia-se, por isonomia, respeito.

Lamentavelmente no Brasil, ainda se tem a cultura de que o animal não humano deve ser tratado como coisa, tendo ainda o amparo do Código Civil vigente - embora sejamos animados pelo mesmo princípio vital 6. O que se sabe, é que coisas e bens móveis não têm sentimentos ou sensações, trata-se de seres inanimados ou até mesmo animados, porém, insensíveis a circunstâncias impostas, as quais expressam grande diferença em relação aos seres vivos, sejam humanos ou não.

Foi necessário um episódio de brutalidade e repercussão midiática, para que houvesse a criação de uma legislação com maior amparo ao animal. Embora todos os dias infelizmente, violências como esta ou até piores ainda sejam cometidas contra os animais não humanos. A Lei Sanção nº 14.064/20, foi criada no intuito de aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cães ou gatos. Não obstante, exista sustentação pela Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/98, acredita-se que ainda deva haver maior punibilidade e extensão quanto a palavra maus-tratos, uma vez que se refere a um ser em tese indefeso, e que sua existência de certa forma depende do auxílio do ser humano, neste caso o seu tutor.

De acordo com o Livro dos Espíritos, 597 a:

Esse princípio é uma alma semelhante à do homem? É também uma alma, se o quiserdes: isso depende do sentido em que se tome a palavra; mas é inferior à do homem. Há, entre a alma dos animais e a do homem, tanta distância quanto entre a alma do homem e Deus. (KARDEC, 1857, p.329)

Para Serrano (2021), abandono significa: 1. Ação e efeito de abandonar. 2. Desamparo das coisas que nos pertencem. Por sua vez, segundo o mesmo autor, desamparo quer dizer: 3. Retirada de recurso. 4. Retire a proteção de quem precisa. 5. Negar ajuda a quem precisa. Ou seja, cada animal abandonado nas ruas, após ter um tutor, está na situação de desamparo, o que se pode entender por maus-tratos.

Acredita-se que o abandono de um animal deva acarretar responsabilidade civil e criminal para o tutor. Entende-se que existem escolhas, abrir mão, é uma delas, porém há locais adequados para que o animal seja bem tratado. Os centros de adoção e amparo para os animais, são um bom exemplo, pois nestes locais poderão ser encontrados novos tutores.

Sabe-se que o abandono implica em ato de crueldade e perversão. O indivíduo deve compreender que quando adota um animal, é o mesmo que adotar um ser humano. Por se tratar de ser vivo existem responsabilidades, não é um mero objeto passível de descarte, trata-se de uma vida, e todas as vidas importam, sejam humanas ou não.


3. DA IMPUTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Segundo De Plácido e Silva (2010, p.663), a imputação da responsabilidade civil designa da obrigação de reparar o dano ou ressarcir o dano quando causado de forma injusta a outrem. Resultando de uma ofensa ou da violação de um direito que redunda a dano ou prejuízo a outrem, podendo ser de causa própria de ação ou de ato ilícito, bem como de fato ilícito de outrem, ou em virtude regra legal se responde ou se é responsável.

Quando se cogita do fundamento da responsabilidade civil, remete-se às razões jurídicas pelas quais alguém será responsabilizado por um dano patrimonial ou extrapatrimonial. Um dano qualificado no caso concreto como um dano injusto (ROSENVALD, 2013, p.63).

O princípio que rege a responsabilidade Civil, é que ninguém tem o direito de prejudicar o outro. O chamado Princípio neminem laedere, que está escrito no artigo 186 do Código Civil Brasileiro tendo o delito como principal fonte de responsabilidade civil.

Pode-se conceituar os elementos da responsabilidade civil, em que, para:

Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos, a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Para Sergio Cavalieri Filho, são três os elementos: a) conduta culpável; b) nexo causal; c) dano. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho também trabalham com três pressupostos: a) conduta humana (positiva ou negativa); b) dano ou prejuízo; c) nexo de causalidade. Por seu turno, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto falam de uma classificação tetrapartida dos pressupostos, a saber: a) ato ilícito; b) culpa; c) dano; d) nexo causal. Na estrutura de sua obra, Carlos Roberto Gonçalves igualmente leciona que são quatro os pressupostos da responsabilidade civil: a) ação ou omissão; b) culpa ou dolo do agente; c) relação de causalidade; d) dano. (TARTUCE, 2022, p.178)

Posto isto, os elementos ou presunções gerais da responsabilidade civil sendo, a conduta ou ação humana, nexo de causalidade e dano ou perda, entende-se que a culpa não é um elemento geral da responsabilidade civil, mas se trata de um elemento acidental.

Sabe-se que a violação de direitos somente é cometida a quem lhe é devido, ou seja, ao ser detentor de direitos. De acordo com a Dra. Edna Cardozo Dias (2006, p.120), os animais são sujeitos de direito assim como as pessoas jurídicas são detentoras de personalidade quando registram seus atos constitutivos, podendo comparecer em Juízo e pleitear por justiça, para ela, os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Ainda para Dias, a pessoa humana assim como o animal enquanto espécie tem direito à defesa de seus direitos essenciais. Desta forma, entende-se que os animais são sujeitos de direitos, e que o abandono deste deve ser responsabilizado com maior severidade.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

De acordo com a Revista de Medicina Veterinária e Saúde Pública mv&z (2013, p.36), são diversos os motivos de abandono de animais domesticados, em primeiro lugar, mudanças comportamentais, segundo lugar, mudanças na disponibilidade de espaço ou nas regras de conduta social do espaço ocupado pelo ser humano. Compreende-se que toda situação é passível de mudança, e que por vezes, tais alterações na vida do sujeito levam a condições mais drásticas, porém, não se pode considerar o fato da retirada de um animal do seu domicílio e inserção nas ruas, uma vez que existem abrigos e locais apropriados como centros de adoção, em que o animal receberá o cuidado necessário, assim como a atenção a qual lhe é devida.

Sabe-se que tanto o Poder-Público como a coletividade têm a obrigatoriedade de zelar pelos animais,

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988) Grifo meu.

Compreendendo animais abandonados como aqueles que vivem por um determinado tempo sem um proprietário ou tutor definido. De acordo com estatísticas do IBGE e pesquisas do Instituto Pet Brasil, a maioria dos animais abandonados vive sob tutela de Organizações não Governamentais (ONGs), denominadas popularmente como de Proteção Animal, ou Protetores que assumem a responsabilidade de manter esses animais e promover a adoção voluntária.

De acordo com os dados do Instituto supramencionado, até o ano de 2019 eram 370 ONGs e/ou associações distribuídas nos 26 estados do Brasil e no Distrito Federal. O acolhimento máximo foi estimado de acordo com os critérios de classificação definidos pelo Instituto, com base nesses critérios e observando as características das ONGs, no ano de 2019 - ano da pesquisa a quantidade era de 172.083 animais abandonados entre Cães e Gatos sob a tutela das ONGs e grupos de Protetores.

O número de animais abandonados aumentou e vêm aumentando significativamente desde a pandemia. Fizemos essa constatação ao longo de 2021 quando tivemos essa perversa equação do aumento de 63% de abandonos de animais entre 2020 e 2021, com a superlotação dos abrigos públicos e privados e a brutal queda das doações a organizações não governamentais e aos projetos individuais de proteção e defesa animal. (ALLI, 2022, p.71)

Acredita-se que a falta de responsabilização quanto ao abandono, em que pese sobre o indivíduo, faz com que o animal ainda como mero objeto, do qual quando se cansa, pode ser descartado. Sabe-se que no Brasil, projetos de Lei como nº 351/2015 Acrescenta parágrafo único ao art.82, e inciso IV ao art. 83 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para que determinar que os animais não serão considerados coisas; e nº 1.365/2015 Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências; são criados para que mesmo de forma escassa, possa haver responsabilização acerca dos danos causados a estes seres.

No que concerne à questão da responsabilidade civil, compreende-se o tutor quando assume a incumbência acerca do animal enquanto vida, haja vista, valorando a pessoa como um ser vivo temos que reconhecer que a vida não é atributo apenas do homem, e sim um bem genérico, inato e imanente a tudo que vive (DIAS, 2006, p.120), assim sendo, deve assumir também a obrigação acerca da violação cometida por sua própria ação de abandono sendo um ato ilícito caracterizado por maus-tratos. Tal abandono implica em fome, tristeza, doenças e até morte.

Apreende-se que o Direito deve pesar maior responsabilidade sobre o indivíduo em relação ao abandono do animal nas ruas, uma vez que este se tornou sujeito direitos. Na visão de Dias (2006, p.120),

(...) poder-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas.

Como por exemplo um bebê, antes de ser registrado já é uma pessoa sob o ponto de vista científico, assim como o exemplo citado anteriormente acerca da personalidade de uma empresa (que não possui vida ou sentimentos). Portanto, percebe-se a omissão do direito acerca da imposição de maior responsabilidade sobre do indivíduo diante do abandono do animal domesticado à própria sorte.

3.1. Da Personalidade Ineficaz

Embora existam projetos de lei com a iniciativa de auxiliar com maior amplitude dos dispositivos legais, como é o caso da natureza jurídica dos animais não humanos, em que, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 como é o caso do Projeto de Lei nº 27/2018, passa a determinar que os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa., existem casos em que há controvérsias, como por exemplo,

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. (...) 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). (...) 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. (...) 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais, também devem ter o seu bem-estar considerado. (...) 9. Recurso especial não provido.

(STJ, REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 09/10/2018)

Aqui, pode-se estabelecer o reconhecimento do animal não humano enquanto sujeito de sentimentos, de afeto e digno de direitos. Por outro lado, mesmo que seja expresso pelo animal tais direitos em forma de jurisprudência, ou até em projetos de lei, como é caso da PL 145/20217, ocasionalmente, ainda há falta de reconhecimento, tanto pelos indivíduos como pelo próprio Estado na aplicação das suas normas. Tem-se ainda como exemplo o PLC nº 6.054/2019, trazendo que, os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos com direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.

Por outro lado, há situações em que se reconhece tal direito, como é o caso do acórdão da 7ª Câmara Cível do Tribunal de justiça do Paraná (TJPR) reconheceu a capacidade dos animais serem parte em processos judiciais. O relator do recurso, juiz substituto em Segundo Grau Marcel Guimarães Rotoli de Macedo, destacou na decisão que: os animais enquanto sujeitos de direitos subjetivos, são dotados da capacidade de ser parte em juízo (personalidade judiciária) cuja legitimidade decorre não apenas do direito natural, como também do direito positivo estatal.8

Se até uma pessoa jurídica, que muitas vezes não passa de uma folha de papel arquivada nos registros de uma Junta Comercial, possui capacidade para estar em juízo, inclusive para ser indenizada por danos morais, parece fora de propósito negar essa possibilidade para que animais possam ser tutelados pelo Judiciário caso sejam vítimas de ações ilícitas praticadas por seres humanos ou pessoas jurídicas. Com a aprovação deste projeto de lei, o Congresso Nacional pacificará essas questões processuais, possibilitando uma ampliação significativa da tutela jurisdicional dos animais, o que refletirá na proteção jurídica ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é um direito fundamental de todos, conforme estabelecido no art. 225. da Constituição Federal. (BRASIL, 2021, p.03)

Embora justa e justificada a presente proposta acerca de tal temática canis boni juris é acolhida esporadicamente na prática, e por muitos, não reconhecida nem mesmo no papel, como é o caso do Desembargador José Ricardo Porto, que manteve a decisão da 5ª Vara Cível de João Pessoa, não admitindo que um cachorro possa figurar em processo judicial9. Pelo fato de o animal não possuir voz própria, entende-se mais que necessário que sua capacidade seja reconhecida para que não somente a parte (seu tutor), mas também o Estado, na figura do Ministério Público possam representá-lo, uma vez que se tratando de uma vida, também é detentora de dignidade e direitos.

Sobre os autores
Andréia Cristina Gomes Nascimento

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos