A BIOÉTICA APLICADA À ANALISE DE CASOS CONCRETOS

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Orientador: Dr. Fabrício Germano Alves

Autores: Áureo Deni dos Santos Dantas; Carolina Rosa da Silva Assunção; Gabriel Francisco Marinho da Silva; Ilana Ananias Bento da Silva; João Vittor Bezerra Corte e Mariana Louise Rocha Tavares[1]

INTRODUÇÃO E METODOLOGIA

O presente trabalho teve como princípio de investigação a percepção sobre o conceito de ética aplicado ao campo específico da bioética. Dessa forma, levando em consideração as difíceis conceituações sobre ética, bem como a dificuldade em se ter uma visão geral sobre, escolheu-se tratar o tema de maneira aplicada a casos concretos. Desta forma, foram escolhidos casos envolvendo fatos diversos, mas sempre no campo descrito, para então fazer uma pequena análise sobre o assunto. Assim, em casa caso foi feito um breve resumo com contexto e após esse momento, foi feita uma análise pelos autores para observar os casos sob os ditames da bioética.

BIOÉTICA - Conceituação

Sob a visão etimológica grega, bioética deriva de "bio", que é a vida individual plena, e "ethos", que é o estudo fundamental e filosófico da moral. A ética é o entendimento da moral baseada nos costumes sociais.

Walber Cunha Lima (2017), teoriza a bioética enquanto neologismo criado por Van Rensselaer Potter, com vistas à uma fusão das vertentes científica e humana. Sob essa ótica, bio é o saber biológico e ética são os valores humanos, resultando a bioética na ciência da sobrevivência. Nessa concepção, à bioética se atribui a função de proteção da vida humana em seu sentido mais amplo, visando o âmbito coletivo e social.

Em Curso de Bioética e Biodireito (2020), Adriana Maluf conceitua bioética como sendo o estudo transdisciplinar entre biologia, medicina, filosofia (ética) e direito (biodireito) que investiga as condições necessárias para uma administração responsável da vida humana, animal e responsabilidade ambiental. Sustentando que, sob um ponto de vista global, percebe-se que a ética se aplica de forma diferente entre os mais diversos países da comunidade internacional, considerando a particularidade de cada para os seus aspectos de ideologia, religião e cultura. Sendo necessário considerar também a importância do momento histórico na disseminação e diferenciação dos valores, que vão atuar preponderantemente nos temas bioéticos.

Ainda em conformidade com Maluf (2020), o termo Bioética surgiu na década de 1970 e tinha por objetivo deslocar a discussão acerca dos novos problemas impostos pelo desenvolvimento tecnológico de um viés mais tecnicista para um caminho mais pautado pelo humanismo superando a dicotomia entre os fatos explicáveis pela ciência e os valores estudáveis pela ética.

Segundo Rafaela Ledo em seu artigo Biodireito, para JusBrasil, "as teses dessa área começaram a consolidar-se após a tragédia do holocausto da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo ocidental, chocado com as práticas abusivas de médicos nazistas em nome da ciência, criou um código para limitar os estudos relacionados". A partir desse recorte histórico começa-se, também, a noção de que a ciência não deve prevalecer sobre o homem.

Para Maluf (2020), a Bioética utiliza-se de um paradigma de referência antropológico moral: o valor supremo da pessoa humana, de sua vida, dignidade, liberdade e autonomia que impõe ao homem diretrizes morais diante dos dilemas levantados pela biomedicina.

Para outros autores, Bioética também pode ser entendida como a ciência que estuda a moralidade da conduta humana no campo das ciências da vida", estabelecendo padröões de conduta socialmente adequados (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1994; pág. 11). Assim como a ciência que estuda a visão moral, as decisões de conduta e aspectos políticos do comportamento humano em relação aos fatos e fenômenos biológicos" (BOREM; SANTOS, 2001; pág. 209). Destarte, aquela que tem como objetivo indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de referência racionalmente proponíveis, denunciar os riscos das possíveis aplicações (LEONE; PRIVITERA; CUNHA, 2001).

BIODIREITO: Conceituação

O Biodireito, por sua vez, é a positivação jurídica de permissões de comportamentos médico-científicos, e de sanções pelo descumprimento destas normas (CHIARINI JÚNIOR, 2004), ou seja, é o ramo do Direito Público que estuda as relações do direito de acordo com os avanços tecnológicos da medicina e da biotecnologia, relacionados à dignidade humana e ao corpo do indivíduo. O art 5º, inciso IX da Constituição Federal de 1988 garante a liberdade de livre expressão da atividade científica, porém sem abster-se de penalizar as infrações de atos perigosos nas relações.

Ou seja, é um estudo jurídico acerca da legislação vigente no que tange os procedimentos e limites impostos à intervenções científicas baseado na bioética, porém sem se confundir com esta. Enquanto a Bioética é o estudo com viés filosófico sobre as técnicas e limites dos procedimentos médico-científicos, o Biodireito é a positivação jurídica que rege e sanciona esses estudos.

Corrobora com a questão, Maria Helena Diniz (2009, pág. 08) ao dizer que tem a vida por objeto principal, salientando que a verdade jurídica não poderá salientar-se à ética e ao direito, assim como o progresso científico não poderá acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar sem limites jurídicos, os destinos da humanidade. E, para Diego Garcia (1989, pág. 576), biodireito é a regulamentação jurídica da problemática da bioética, no sentido em que formula as relações peculiares entre ética e direito que se inter relacionam reciprocamente: ética como instância prática do direito e direito como expressão positiva da ética.

De forma ainda mais didática, tem-se que o biodireito associa-se ao universo de matérias como Bioética, Direito Civil, Direito Penal, Direito Ambiental e Direito Constitucional. Levando em consideração os conflitos que perpassam questões emblemáticas para a vida e o desenvolvimento da sociedade, como: aborto, reprodução humana assistida, experimento científico com animais, eutanásia, suicídio, transplante de órgãos, clonagem, transfusão de sangue, dentre outros.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS

  1. REINO UNIDO VAI INFECTAR JOVENS SAUDÁVEIS COM CORONAVÍRUS

1.1. Contextualização ao caso

É de conhecimento geral os efeitos da pandemia de Covid-19 na vida de todos. Os efeitos da transmissão de um vírus mudaram profundamente as relações humanas em todos os níveis. Na data em que é escrito esse trabalho, no mundo são 110.903.820 (cento e dez milhões novecentos e três mil oitocentos e vinte) casos registrados e 2.456.069 (dois milhões quatrocentos e sessenta e nove) mortes. Esses números nos fazem pensar em como o coletivo é afetado. Em contraponto a outras doenças que surgem em apenas algumas pessoas e que os sintomas são sentidos apenas pessoalmente, os efeitos do Sars-CoV-2 são sentidos socialmente.

1.2. Estudo de Desafio Humano

A corrida científica, ainda em execução, mas que já gerou frutos, vide as vacinas já sendo aplicadas, levou cientistas do Reino Unido a promoverem um tipo de experimento pouco realizado. Jovens adultos de 18 a 30 anos serão infectados propositalmente pelo Sars-CoV-2, daqui a cerca de 1 mês. Por envolver risco à vida dos participantes, o estudo de Desafio Humano, como é chamado, teve que ser aprovado pelo Conselho de Ética da Autoridade de Pesquisa em Saúde (HRA, sigla em inglês).Porém, apesar de ter sido aprovado pelo conselho de ética e já ter sido utilizado outras vezes com outras doenças, o teste de desafio humano não está imune às críticas da bioética.

1.3. Análise

À primeira vista, pode-se perceber que existe um debate entre o individual e o coletivo. Milhares de pessoas estão morrendo devido a Covid-19, mas centenas de milhares podem ser salvas no futuro em detrimento da possibilidade um dos participantes ir a falecer. Portanto, partindo de conceitos da bioética da Medicina, parte da bioética geral, formulados pelos filósofos americanos Tom Beauchamp e James Childress, podemos formular algumas críticas.

Um dos primeiros princípios a ser utilizado nessa análise, seria o princípio da não maleficência, que consiste em não causar qualquer dano intencional no paciente (ou cobaia). A sua mais antiga formulação vem do Juramento de Hipócrates. O to do no harm, em tese, se fosse aplicado totalmente, impediria a realização do teste. Porém ele deve ser sopesado por outros princípios.

O princípio da Beneficência, oposto do princípio da não maleficência, também deve ser aplicado nessa questão. Não apenas oposto, mas complemento do princípio anterior, o princípio da beneficência diz que o profissional deve promover o bem ao seu paciente/cobaia, buscando o melhor para ele. Esse princípio se baseia na filosofia da utilidade, perpetrada por John Stuart Mill e Jeremy Bentham. Nesse sentido, realizar o teste seria correto, pois o resultado de seus estudos maximizaria a felicidade, tendo um total de pessoas felizes maior do que o total de pessoas infelizes.

E por invadir a vida pessoal dos indivíduos para que se realize tal teste, é que devemos aplicar o princípio da autonomia. Os indivíduos participantes do teste devem ser capazes de ter suas próprias escolhas, e seu entendimento sobre os procedimentos que estão prestes a fazer deve ser claro. Em outras palavras, o consentimento do realizante do teste deve ser de livre e espontânea vontade. No teste de desafio humano em questão, os indivíduos são voluntários, que por acaso do esforço que estão fazendo irão ganhar uma compensação ao final de 4.500 (quatro mil e quinhentos) euros. Tal compensação, todavia é questionável, uma vez que o montante em dinheiro poderia ser um óbice ao consentimento puro, haja vista que as pessoas podem se voluntariar por necessidade do dinheiro.

Por último, o princípio da justiça, abarca todos os anteriores. Justiça, na concepção bioética formulada por Beauchamp e Childress, seria algo mais voltado para utilização de recursos médicos e o tratamento para com os pacientes, e também teria como objetivo evitar a exploração de grupos menos desfavorecidos.Como já dito anteriormente, os voluntários receberão uma compensação de 4.500 (quatro mil e quinhentos) euros. Essa compensação vem de um orçamento de 33,6 (trinta e três vírgula seis) milhões de euros feito pelo Reino Unido. Possíveis críticas, a partir desse princípio, partiriam da forma de como os recursos estão sendo utilizados, se estão sendo utilizados corretamente e se não poderiam ser utilizados de outra forma, e se a compensação em dinheiro não estaria fazendo com que grupos menos favorecidos, neste casos os mais pobres, sejam explorados.Os infectados no teste também ficarão em quarentena em um hospital, ocupando espaço que poderia ser usado por pessoas que não vão receber nada por estarem infectadas.

Assim, apesar de todos os critérios que dependem do julgamento humano e de sua visão sobre as circunstâncias momentâneas, devemos ter esperança que o estudo em comento tenha efeitos positivos para os conhecimentos acadêmicos, buscando aprimorar nossa visão sobre o tema e trazer avanços.

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  1. TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS E TECIDOS

2.1 Contextualização ao caso

A matéria intitulada Falta de informação dificulta transplantes no Brasil, do jornal digital Estado de Minas, publicada em 13/06/2011, traz aspectos relevantes à questão do transplante de órgãos e tecidos no Brasil. O assunto foi abordado trazendo que, naquela época, mais de 36 mil pessoas aguardam hoje no País a tão esperada notícia de que um órgão ou tecido que tanto precisam está disponível para transplante. Apresentando casos reais, compartilha a longa espera de alguns pacientes e de especialistas no assunto, faz o reforço de que uma das principais razões da dificuldade enfrentada (...) pelas milhares de pessoas que aguardam um transplante (...), é a falta de informação a respeito do assunto. Em razão de crenças infundadas, aliadas à diminuição das campanhas na mídia, muitas famílias se negam a autorizar a doação dos órgãos dos parentes que faleceram e, dessa forma, deixam de transformar um momento de dor em esperança de vida para outras pessoas.

Neste sentido, um apontamento importante foi trazido pelo coordenador do Departamento de Cardiologia do Hospital Ana Costa, em Santos (SP), que destaca que um dos temores mais citados é com relação à morte cerebral. Para algumas famílias, o fato de o coração ainda bater após a declaração de óbito pode significar que a vítima ainda está viva e pode ter salvação. O que não é verdade. Para o então presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Além do receio quanto à morte cerebral, há outros temores que levam as famílias a negar as doações, como o medo da deformação do cadáver, o temor de que os órgãos serão vendidos no mercado negro e a desconfiança de direcionamento e privilégio dentro do Sistema Nacional de Transplantes. (...) relata até mesmo a negativa de autorizar a doação pelo temor de que o morto precise do coração para uma outra vida. Acabam doando até os outros órgãos, mas não o coração, conta.

2.2. Análise

Conforme o grupo pôde apreender, segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, existem 02 tipos de doação de órgãos e tecidos: doação inter vivos e doação post mortem. Porém, enquanto muitas pessoas esperam por um órgão para que suas vidas sejam salvas, inúmeras outras morrem, diária e prematuramente, pelas mais diversas causas sejam elas de ordem natural ou por fatalidade. Assim sendo, muitos órgãos sadios poderiam ser retirados e implantados naqueles que sofrem à espera de um transplante.

Apesar do nosso ordenamento jurídico prezar pela faculdade da doação de órgãos, desde o Código Civil (2002) até as Leis nº 9.434 (1997) e nº 10.211 (2001), a doação de órgãos no país ainda trata-se de uma questão pouco esclarecida entre a população, cerceada por mitos, tabus e, até mesmo, mal entendidos. A temática parece não estar suficientemente esclarecida nem mesmo entre os profissionais da saúde.

Como apreendido a partir da conceituação da Bioética, torna-se evidente que este tema envolve uma série de questões sociais, culturais, econômicas, afetivas, técnicas e éticas. E, como destacado no caso trazido pelo grupo bem como em consonância com Maluf (2020), quando se trata de doação de doador falecido, tem-se um grande conflito que se apresenta em matéria de bioética, que vem a ser regulado pelo direito e acatado pela biotecnologia, que é a determinação do momento da morte encefálica, pois em nosso ordenamento jurídico, assim como no Direito estrangeiro, a dignidade da pessoa humana deverá ser preservada, sendo tutelada, até os seus momentos finais (pág. 362).

Sendo assim, o grupo acredita que esta questão da doação de órgãos seria melhor reconhecida socialmente se a população estivesse bem informada sobre esta faculdade e, em especial, nos casos de transplante de doador falecido, que o diagnóstico da morte encefálica fosse devidamente esclarecida como critério da morte humana e decisiva não somente nos casos de necessidade de liberação do corpo para enterro, mas também de sua utilização como fonte de órgãos para transplante" (PESSINI, 2004, pág. 49).

Para o grupo, ficou evidente também que, para uma adesão maior à doação de órgãos, em consonância com os aspectos da Bioética e do Biodireito, faz-se necessária a plena informação do estado de saúde e do tratamento a ser seguido ao usuário e/ou aos seus familiares. Tendo o princípio do consentimento informado o objetivo maior de aumentar a autonomia pessoal do indivíduo nas suas decisões. Outro mecanismo com potencial de aumento das doações se refere à influência do alcance das informações sobre a questão, o que tem demonstrado números emergentes quando ocorrem campanhas e/ou notoriedade do assunto na mídia.

  1. ESCOLHA SOBRE QUEM DEVE VIVER

3.1. Contextualização da situação

Dentre tantos desafios vividos desde o final de 2019, por conta do novo coronavírus, um dos grandes impasses dentro dos hospitais e centros de referência no tratamento da COVID 19 é a gestão de recursos e equipamentos usados no combate e tratamento dos pacientes. Um problema que começou com a falta de insumos simples, como máscaras e álcool, e chegou a pontos alarmantes quando começamos a ver pessoas morrerem por falta de respiradores e cilindros de oxigênio. O ritmo acelerado de crescimento no número de infectados, de pacientes precisando de oxigênio, posteriormente de intubação e necessidade de leitos na UTI escancararam uma realidade na adoção de parâmetros na escolha de quem tem prioridade para viver. Uma situação que alarmou e chocou o mundo, mas que para profissionais de saúde é uma manobra de gestão de crise já conhecida.

Os pacientes, nesse contexto, são classificados por ordem de prioridade de atendimento que, ao contrário de todos os outros tipos de atendimento - onde os seniores tem atendimento preferencial -, seguem o critério de maior probabilidade de recuperação, o que na maioria das vezes significa prioridade aos pacientes mais jovens. Dessa forma, o último grupo de prioridades, que por sua vez são os últimos a serem atendidos, são os pacientes em fase terminal, sem chances de recuperação.

3.2. O papel da bioética nas unidades intensivistas

É inegável o quão desgastante é a rotina de um profissional intensivista. Mesmo fora da rotina pandêmica, a equipe médica lida diariamente com decisões difíceis que dizem respeito diretamente à vida de outras pessoas. Cabe aos eticistas, nesse momento, reduzir a quantidade de decisões vitais a que esses profissionais são submetidos, além de contribuir para que essas escolhas sejam eticamente defensáveis.

A bioética exerce um papel fundamental nessa rotina no sentido de minimizar a carga de estresse físico e psíquico. Não é uma mera questão de ajudar a estabelecer prioridades, mas sim de ajudar a definir de que forma esses critérios ajudarão os profissionais de saúde a garantir uma ampla frente de legitimação.


3.3. Análise

Em um país onde familiares são impedidos de praticar a eutanásia de um ente que já não tem mais chance de recuperação (Código Penal, art 121), seria justo recair sobre os ombros de um profissional de saúde o peso de vidas que são perdidas pela falta de oportunidade na UTI? Essa situação escancara uma falha grave, ferindo o maior dos direitos previstos na nossa Constituição Federal.

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (...)" (grifos nossos).

A partir do momento em que um cidadão deve escolher por prezar por uma vida em detrimento de outra, o Estado falha na proteção igualitária a todos os indivíduos, e essa culpa não pode ser imposta ao profissional que se dedica a realizar seu trabalho com zelo. Sabendo que esse tipo de critérios já era preestabelecido e nada tem a ver com a atual pandemia que vivemos, o Estado já poderia estar ciente e preparado para atender a população de forma digna, com leitos, equipamentos, materiais, medicamento e profissionais suficientes para os nossos mais de 200 milhões de habitantes.

  1. O FENÔMENO DO SUICÍDIO

4.1. Uma breve contextualização

Mundo tem 800 mil suicídios por ano, e pandemia impõe desafio à prevenção

Rebecca Staudenmaier

10/09/2020 07h47

A matéria supracitada, publicada no portal de notícias UOL, alerta para uma problemática recorrente e, infelizmente, potencializada durante o período de pandemia atual. Nesse contexto, especialistas concordam que os efeitos da pandemia de covid-19 podem aumentar os fatores comprovados de risco de automutilação. Tal questão, é de extrema relevância, como demonstram os dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que são alarmantes e nos revelam que aproximadamente um milhão de pessoas comete suicídio anualmente no planeta, e entre 10 e 20 milhões de pessoas o tentam. O relatório da OMS aponta ainda que o suicídio é uma das principais causas de morte entre jovens em grande parte dos países desenvolvidos, mas também nos em desenvolvimento. Se esses números chocam, a OMS adverte que muitos países não fornecem dados fidedignos, o que poderia torná-los ainda mais elevados.

4.2. Sob uma análise bioética e filosófica

A frase de Camus permanece atual e profunda: Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O suicídio direto, ou seja, o definido como dar fim à própria vida voluntariamente, é fenômeno de grande complexidade e que desafia desde as ciências como a Sociologia, Psicologia, Direito, Psiquiatria, por exemplo até as religiões, passando pela bioética.

É sob um panorama da bioética, como disciplina voltada para o estudo das questões atuais da vida sob a ótica da ética, que o suicídio deve ser estudado. Como citado, este conceito possui características sociais, culturais, biológicas e psicológicas envolvidas por uma dramaticidade e radicalidade que não podem ficar longe dos olhos desta disciplina tão atual e prolífera. Então, ao refltir sobre bioética e suicídio, é indispensável mencionar e entender o que é bioética, como chave de leitura da realidade na qual se debate. Deve-se lembrar que o sujeito dessa reflexão e também do suicídio é a pessoa humana que vive em cenário imposto por uma ideologia, um sistema político e social que muitas vezes provoca cobranças e desajustes tão intensos, para os quais as pessoas não se encontram devidamente preparadas, que as leva ao desespero e, consequentemente, ao suicídio.

É preocupação desta disciplina o respeito à humanidade em cada ser humano, ou seja, todo ato de violência, agressão e desrespeito a si próprio. O que neste momento pode se referir ao suicídio também afeta a própria essência de nossa civilização, compromete o bem e o futuro da própria humanidade. Nesse contexto, outro princípio ligado à bioética é o da proteção que não pode ser entendido como paternalismo, mas como o ato da pessoa, dos órgãos públicos e da própria sociedade em perceber aqueles sujeitos vulneráveis aos mais variados problemas que podem levar ao suicídio. Proteger no sentido de devolver ao sujeito a autonomia total sobre seus atos, a fim de decidir sobre seu futuro com liberdade e discernimento.

Para melhor entender essa abordagem, pode-se recorrer à palavra saúde, numa conceituação trazida por Pessini e Barchifontaine, no sentido do ideal para qualificar as quatro dimensões do ser humano: saúde física - é a ausência de mutilações, lesões, dor, cansaço, fome ou sede. É o desenvolvimento normal do indivíduo e o equilíbrio entre os componentes orgânicos. Saúde psíquica - implica a orientação de tempo e espaço, ausência de alienação, capacidade de equilibrar-se nas diversas situações da vida. Saúde social - é o ajustamento do indivíduo no grupo social (entende-se por ajustamento a capacidade que a pessoa tem de se situar, de se relacionar com as outras). Implica habitação adequada, equilíbrio dos fatores econômicos (trabalho e salários condizentes), lazer, educação. Saúde espiritual - revela-se na maneira de encarar a vida. Todos têm uma finalidade na vida, como, novamente, nos ensina Camus: Eu amo a vida, eis a minha verdadeira fraqueza. Amo-a tanto que não tenho nenhuma imaginação para o que não for vida. Essas quatro dimensões formam um conjunto em que o relacionamento humano, conectado à bioética, é a chave principal.

  1. DIREITOS DO NASCITURO E DO EMBRIÃO

5.1 Do contexto

Muito se discutem no Direito as questões da vida do embrião, e por vias mais simplórias muitas vezes até se banaliza a discussão sobre os direitos acerca do indivíduo em desenvolvimento. Nesse sentido, o debate sobre os direitos do embrião gera polêmicas e discussões de cunho ideológico que em virtude da bioética são esclarecidas e abarcadas.

Assim sendo, no que compete à bioética, as prerrogativas do nascituro têm sido definidas para além dos campos do direito e da medicina, a discussão tem pilar fundamental na intercessão das matérias. Das problemáticas que circulam o tema, a principal se faz presente na questão do aborto, ultrapassando os limites da ciência do direito e da medicina e invadindo o senso comum. Afere-se portanto que o tema tangencia o caráter sério e domina campos de fundamentalismos, que portanto perdem o cunho da seriedade na discussão.

É por essa ótica que versa a ideia central do caso, cabe à bioética analisar e assinalar os limites instaurados na sociedade para com o indivíduo em fase de maturação e suas prerrogativas já existentes mesmo dentro do útero daquela que está gerando-o.

5.2 Dos aspectos bioéticos

No que tange a bioética, os direitos do nascituro estão assegurados por questões transcendentes ao Direito, que atingem campos maiores que os dos códigos civis, ou constituições. Acordos internacionais são firmados e assinados por diferentes nações, na garantia da assistência à vida que está sendo gerada.

Entretanto, para que sejam fixados acordos, são respeitados aspectos individuais e singularidades de cada comunidade, pois ao que entende-se por ética, ela não está engessada por padrões ou normativas, ela se molda a necessidades e costumes e ao valores morais condizentes com a identidade de cada comunidade.

REFERÊNCIAS

AFFONSO, Fernanda Mano. Direitos do nascituro e do embrião. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8272/Direitos-do-nascituro-e-do-embriao. Acesso em: 21 d fevereiro de 2021.

BOREM, Aluízio; SANTOS, Fabrício R. Biotecnologia simplificada. Viçosa: UFV, 2001.

CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record; 2004.

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. Noções introdutórias sobre biodireito. Âmbito Jurídico: O seu portal jurídico na internet, 31 ago. 2004. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-18/nocoes-introdutorias-sobre-biodireito/. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

CREMESP (São Paulo). Principialismo. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: CREMESP, maio/dez 20--. Disponível em: http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=BioeticaParaIniciantes&id=25. Acesso em: 21 fev. 2021.

DIAS, Maria Clara; GOLÇALVES, Letícia. Escolha sobre quem deve viver: bioética e covid-19 no contexto brasileiro. Brasil de Fato, 28 de abril de 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/04/28/artigo-escolha-sobre-quem-deve-viver-bioetica-e-covid-19-no-contexto-brasileiro. Acesso em: 20 fev. 2021.

DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. 6.ed. São Paulo: Saraiva. 2009.

ESTADO, Agência. Falta de informação dificulta transplantes no Brasil. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2011/06/13/interna_nacional,233685/falta-de-informacao-dificulta-transplantes-no-brasil.shtml. Acesso em: 20 fev. 2021.

GRACIA, Diego. Fundamentos de bioética. Madrid: Ed. Eudema, 1989.

LEDO, Rafaela. Biodireito. JusBrasil. Disponível em: https://rledo.jusbrasil.com.br/artigos/459380316/biodireito#:~:text=Biodireito%20%C3%A9%20o%20ramo%20do,%C3%A0%20dignidade%20da%20pessoa%20humana. Acesso em: 16 de fevereiro de 2021.

LEONE, S.; PRIVITERA, S.; CUNHA, J.T. (Coords.). Dicionário de bioética. Aparecida: Editorial Perpétuo Socorro/Santuário, 2001.

LIMA, Walber Cunha. Bioética, Mistanásia e Direitos humanos: morte social e perspectivas para o seu enfrentamento. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2017.

MAIA, Lorena Duarte Lopes. Os princípios da bioética. Âmbito Jurídico: O seu portal jurídico da internet, [s. l.], ano XX, n. 158, 1 mar. 2017. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-158/os-principios-da-bioetica/. Acesso em: 19 fev. 2021.

MALUF, Adriana Caldas do Rêgo Freitas Dabus. Curso de bioética e biodireito. 4 ed. São Paulo: Almedina, 2020.

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PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1994p.

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Sobre o autor
Gabriel Francisco Marinho da Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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