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A não persecução penal na perspectiva da Lei Maria da Penha

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No contexto de vulnerável da vítima, se justifica o tratamento diferenciado que a Lei Maria da Penha, o presente artigo tem como norte fazer uma análise legal acerca do instituto da não persecução penal na ótica da Lei 11.340/2006.

Resumo: A priori, é importante esclarecer que o acordo de não persecução penal é um instrumento jurídico que começou a vigorar no ano de 2020, com o Pacote Anticrime, nome dado à Lei 13.964/19. Acerca disso, a problemática é vista como uma possibilidade oferecida aos réus de alguns crimes, para que haja uma espécie de substituição do processo criminal por outro meio de reparar o dano que o mesmo causou, consequentemente, com o delito. No que tange aos crimes envolvendo a violência doméstica ou familiar contra a mulher, não há disponibilidade de acordo de não persecução penal, ou seja, por ser uma ação penal pública incondicionada à representação, não se fala desse acordo. Todavia, em casos de infração penal cometida sem violência ou grande ameaça, com pena mínima de até quatro anos, é possível tal acordo sendo proposto, como, por exemplo, em delitos de furto, estelionato, porte ilegal de arma de fogo, entre outros. Diante disso, é válido ressaltar que há acordo nos crimes de ação penal privada e que deverá, essa negociação ser intermediada pelo Ministério Público haja vista que ele é responsável e fiscal da lei, assim como, também em crimes de tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, §4º, da lei 11.343/06, pois os tribunais superiores consolidaram que não possui hediondez, tornam-se, assim, convenientes. Ademais, dialogando com a temática supracitada, a vítima de violência doméstica e familiar, exatamente por encontrar-se inserida em um contexto de violência estrutural, normalizada, envolta em um sistema patriarcal, e cercada de estereótipos em relação ao seu papel como mulher, vê-se em situação de vulnerabilidade (GOMES, 2016). Neste contexto vulnerável que se justifica o tratamento diferenciado que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) (BRASIL, 2006) reserva às mulheres que se encontra em situação de violência no contexto doméstico, familiar, ou seja, deduz-se uma maior reprovabilidade social da ação, ressaltando, assim, que não é possível firmar acordo de não persecução penal em caso de crimes referentes à violência doméstica.

Palavras-chave: Não Persecução Penal; Lei Maria da Penha; Ação Penal Pública Incondicionada; Violência Doméstica e Familiar; Ministério Público.


INTRODUÇÃO

 Em primeiro lugar, é válido destacar que o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) proporciona uma maior funcionalidade para o Poder Judiciário, uma vez que as soluções que

antes eram vistas como exaustivas, hoje tornaram-se mais céleres, ou seja, mais velozes, não necessitam, com isso, do trâmite de um processo. Diante disso, surge um interesse maior pela temática, no âmbito da Lei Maria da Penha, em virtude da resistência notada por parte dos juristas na aplicação da justiça negocial.

Nessa sequência, verifica-se a necessidade de estabelecer neste artigo a aplicabilidade desta justiça negocial nos casos da Lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Preliminarmente, é relevante compreender que não há disponibilidade de acordo de não persecução penal nos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher, pois ela é uma ação penal pública incondicionada à representação, o que torna mais curiosa a problemática.

Nesse contexto, tem-se um instrumento de política criminal para diminuir ou evitar o encarceramento daqueles que cometem infrações/ crimes com menor expressão, de forma eficaz, ainda que admitido o erro, ele não possui finalidade de delinquir o responsável pela conduta criminal. Diante disso, é válido questionar a respeito do motivo pelo qual não há aplicação da ANPP na Lei Maria da Penha, já que ela aliada a justiça negocial facilitaria a celeridade processual?

Nesse viés, conforme o parágrafo 2°, inciso IV, do Art.28-A, do Código de Processo Penal (CPP), vigente nos dias atuais, VEDA a aplicação do aparato jurídico, de natureza extrajudicial, nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.


EXEMPLIFICANDO A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Em tese, uma mulher quando agredida ou violentada, situação essa injustificável, entende-se cabível a responsabilidade do Estado nessa circunstância, o que é visto como um avanço, basta lembrar que anteriormente era tratado o assunto da violência doméstica ou familiar somente no âmbito privado, o que hoje torna-se ultrapassado de se pensar.

Na vertente quantitativa, sabe-se que a maior incidência do fenômeno (ato violento) ocorre em bairros periféricos no turno da noite. Entende-se que as agressões possuem motivos predominantes, como, por exemplo, o ciúme, a ingestão de álcool e/ ou busca pelo domínio de alguém.

De acordo com Sérgio Gomes da Silva, doutor em psicologia e especialista em Direitos Humanos, as raízes da violência contra as mulheres estão atreladas a discriminação

histórica, que as mesmas sofreram e sofrem até no presente momento, tendo papéis secundários na sociedade, ou pior, sendo as coadjuvantes dessa história, o que se traduz a partir desse entendimento, é que os homens seriam os dominadores, assim como, protagonistas indispensáveis, torna-os com o papel principal no final das contas.

Outrossim, no Brasil, hoje, segundo a Agência Patrícia Galvão, a cada 8 (oito) minutos uma mulher é estrupada, ou seja, vítima de violência, obrigada a fazer algo que a mesma não desejava (sem o consentimento), além disso aproximadamente 84% dos casos desse crime são cometidos por pessoas próximas, familiares ou até mesmo pessoas de confiança dessa vítima.

Por outro lado, a Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), foi o divisor de águas na abordagem jurídica brasileira nessa luta contra a violência baseada no gênero, um marco no reconhecimento dos direitos das mulheres. Nesse viés, essa violência passa a ser estabelecida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico e dano moral ou patrimonial às mulheres.

Inclusive a Lei afirma em seu artigo 2º que: Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Figura 1 - Formas de violência

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança e DataFolha (2021)

Figura 2 - Maiores índices de violência verificados entre mulheres mais jovens

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança e DataFolha (2021)

Figura 3 - Lesão corporal dolosa enquadrada na Lei Maria da Penha

Fonte: 12° Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2018)


HIPÓTESES DE CABIMENTO DO ANPP

 O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por defensor, conforme expresso em lei. Terá cabimento quando possuir os seguintes requisitos: a) não se tratar de caso de arquivamento; b) infração com pena mínima inferior a 4 anos; c) infração penal cometida sem violência ou grave ameaça; d) confissão da prática da infração penal pelo investigado ao Ministério Público (no momento em que se desenvolve o pacto), formal e circunstanciadamente e e) desde que o acordo seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, no caso concreto.

Diante disso, não se aplica em hipóteses como: a) quando cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; b) em casos de o investigado ser reincidente ou possuir conduta criminal habitual, reiterada ou profissional; c) o agente ter sido beneficiado nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; d) nos crimes cometidos no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor;

Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministério Público Federal (MPF) defendeu que o ANPP não pode ser firmado após a condenação, ou seja, devendo ser estabelecido o ato de recebimento da denúncia como marco limitador da sua viabilidade. Com isso, a manifestação foi em recurso que busca a retroatividade penal benéfica, por entender que o acordo deve ser viabilizado mesmo depois de recebida a denúncia, ou melhor, após a sentença, em fase recursal, e até mesmo depois do trânsito em julgado. (BRASIL. Procuradoria- Geral da República.)

Para o subprocurador-geral da República Wagner Natal, que assina o parecer, esse entendimento não deve prevalecer, pois a finalidade desse tipo de acordo é evitar que se inicie o processo e não se justifica sua composição depois de recebida a denúncia. Wagner ainda destaca que o entendimento do STF é o de que a Lei 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, pode ser considerada lei penal de natureza híbrida. Isto é, tem natureza processual ao estabelecer a possibilidade de composição entre as partes, para evitar a instauração da ação penal, e natureza material, com previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres estabelecidos pelo acordo. (BRASIL. Procuradoria-Geral da República.)

Acerca disso, sabe-se que a irretroatividade da lei penal é a regra que se alinha à legalidade penal, mas tem-se a exceção que seria a possibilidade da retroatividade dessa lei penal para casos em que o réu seja beneficiado, conforme o Art. 5°, XL, da Constituição Federal de 1988 (CF). Para além, acredita-se que o entendimento do STJ no que tange a temática em pauta seja o mais aplicável, uma vez que é levado em conta o recebimento da denúncia para poder ser firmado ou não o acordo de não persecução penal. Entende-se, por fim, que não há prevalência desse entendimento após o recebimento da denúncia, tendo em vista que esse ANPP deveria ser utilizado para evitar o início do processo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

 É de suma relevância observar estas instâncias, e reiterar que o tratamento diferenciado que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) (BRASIL, 2006) reserva às mulheres em situação de violência no contexto doméstico ou familiar sendo justificado dentro desse contexto enraizado e vulnerável. Deduz-se, então, uma maior reprovabilidade social da ação, ressaltando, assim, que não é possível firmar acordo de não persecução penal em caso de crimes referentes à violência doméstica. Dessa forma, como explicado anteriormente, o intuito deste artigo estar na indagação da justiça negocial em casos que envolvem a Lei Maria da Penha, assim fica explicito que não tem como comportar essa flexibilidade em casos de crimes como este, por causa de muitos motivos vistos, mas é viável destacar que por se tratar de uma ação penal pública incondicionada à representação, não se fala nessa substituição do processo criminal, não restando mais dúvidas a esse questionamento.

Destarte, é notável que o Brasil, apesar de qualquer momento enfrentado, o mau permanente e estruturado a ser combatido, desde sempre, infelizmente, foi e é a violência doméstica, então a prevenção com medidas de proteção as vítimas de violências, como a física, a moral, a psicológica, a patrimonial e a sexual, por meio dessa lei, faz com que seja coibido qualquer tipo de agressão ou ataque a essas mulheres.

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Em suma, é importante ressaltar que a prevenção é mais que necessária, o repúdio a qualquer violência, a não aceitação de falas agressivas e o não se calar diante das mesmas. Por fim, caso aconteça com você não se sinta desamparada, busque o Central de Atendimento à Mulher ou a Delegacia da Mulher e DENUNCIE.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 de dez. de 2019. Não paginado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm>. Acesso em: 25 de out. de 2022.

Acordo de Não Persecução Penal. Ministério Público do Estado do Paraná, 2022. Disponível em: <https://comunicacao.mppr.mp.br/2021/01/23343/Acordo-de-Nao- Persecucao-Penal.html>. Acesso em: 25 de out. de 2022.

BRASIL. Presidência da República. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 de agosto de 2006. Não paginado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 25 de out. de 2022.

PAULA, L.T; MALTA, B. P. ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL. Goiás, Campus Caiapônia, 2021.

E se o ANPP fosse aplicável à Lei Maria da Penha? Consultor Jurídico, 2022. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jun-05/opiniao-anpp-fosse-aplicavel-lei-maria- penha>. Acesso em 21 de nov. de 2022.

BRASIL. Procuradoria-Geral da República, 2022. Disponível em: <https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-defende-no-supremo-que-acordo-de-nao-persecucao-penal-so-pode-ser-firmado-ate-o-recebimento-da-denuncia>. Acesso em: 23 de nov. de 2022.

Violência contra as mulheres e a Lei Maria da Penha. Politize, 2022. Disponível em: <https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/violencia-contra-as-mulheres-e-a-lei-maria-da-penha/>. Acesso em: 23 de nov. de 2022.


Abstract: A priori, it is important to clarify that the non-prosecution agreement is a legal instrument that came into force in 2020, with the Anti-Crime Package, the name given to Law 13.964/19. In this regard, the problem is seen as a possibility offered to the defendants of some crimes, so that there is a kind of "replacement" of the criminal process by another means of repairing the damage that it caused, consequently, with the crime. With regard to crimes involving domestic or family violence against women, there is no agreement on non-prosecution, that is, as it is a public criminal action without representation, there is no mention of this agreement. However, in cases of criminal offense committed without violence or great threat, with a minimum penalty of up to four (4) years, such an agreement is possible being proposed, as, for example, in crimes of theft, embezzlement, illegal possession of a firearm , between others. In view of this, it is worth mentioning that there is an agreement in the crimes of private criminal action and that this negotiation must be intermediated by the Public Ministry - given that he is responsible and fiscal of the law, as well as in crimes of privileged trafficking, provided for in the article 33, §4, of law 11.343/06, as the higher courts have established that it has no hideousness, they become, therefore, convenient. In addition, dialoguing with the aforementioned theme, the victim of domestic and family violence, precisely because they are inserted in a context of structural violence, normalized, wrapped in a patriarchal system, and surrounded by stereotypes in relation to their role as a woman, sees themselves in a situation of vulnerability (GOMES, 2016). In this vulnerable context, the differentiated treatment that the Maria da Penha Law (Law 11,340/06) (BRASIL, 2006) reserves for women who find themselves in situations of violence in the domestic, family context, that is, a greater social disapproval of the action, thus emphasizing that it is not possible to sign a non-prosecution agreement in case of crimes related to domestic violence.

Keywords: No Criminal Prosecution; Maria da Penha Law; Unconditional Public Criminal Action; Domestic and Family Violence; Public ministry.

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Maria Elisa dos Santos Cruz

Graduanda em Direito da FCST e pesquisadora.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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