Um perfume da China? Rediscutindo a impossibilidade da responsabilização internacional deste país devido à Sars-CoV-2

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Em Por Baixo, Tom Zé canta que baixo desse calor/ um perfume da China/ por baixo do perfume a rede elétrica/ baixo da rede elétrica os pelos/ e por baixo dos pelos as estradas/ que conduzem nos fios... Será que por baixo da Pandemia relacionada ao vírus Sars-CoV-2 a República Popular da China pode ter alguma responsabilização internacional, com base no Direito Internacional, levando à paráfrase da música de Tom Zé, em que diríamos baixo dessa pandemia/ um vírus da China/ por baixo do vírus o Direito Internacional/ baixo do Direito Internacional a responsabilização/ e por baixo da responsabilização a República Popular da China?

Paráfrases e músicas à parte, queremos defender neste ensaio que NÃO: A CHINA NÃO PODE SER RESPONSABILIZADA PELA PANDEMIA, DE ACORDO COM O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO! E qual o motivo dessa impossibilidade?

Recorramos aqui ao artigo É possível responsabilizar a China na Corte Internacional no caso da Covid-19? de Valerio Mazzuoli... Como aponta o pesquisador, apoiado no que dispõe o art. 75 da Constituição da OMS,

A questão jurídica, no entanto, está em que apenas a Constituição da OMS e não o Regulamento Sanitário Internacional prevê recurso à Corte Internacional de Justiça, e haveria, então, de se vincular a responsabilidade da China com o mandamento da Constituição da OMS, ainda que pela via do Regulamento Sanitário Internacional. (MAZZUOLI, 2020)

Ou seja, só se poderia responsabilizar a China, através da Corte Internacional de Justiça (CIJ), pela pandemia se tivesse violado a Constituição da OMS, que no artigo 75, citado por Mazzuoli, dispõe:

Qualquer questão ou divergência referente à interpretação ou aplicação desta Constituição que não for resolvida por negociações ou pela Assembleia da Saúde será submetida ao Tribunal Internacional de Justiça, em conformidade com o Estatuto deste Tribunal, a menos que as partes interessadas concordem num outro modo de solução. (Constituição da OMS, art. 75, apud MAZZUOLI, 2020)

Logo, se de fato há quem defenda que a China violou o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) pois, segundo este instrumento jurídico internacional, os Estados não podem omitir informações de saúde pública que sejam pertinentes à OMS, na ocorrência de evento neste Estado que possa levar a emergência pública internacional em termos de saúde pública (RSI, Art. 7º), e há quem defenda, como o próprio Mazzuoli (2020), que a China violou o RSI, além de não ter informado à OMS no prazo de 24h sobre o Sars-Cov-2 (RSI, Art. 6º), ainda assim, NÃO HÁ NORMA DA CONSTITUIÇÃO DA OMS QUE TENHA SIDO DESCUMPRIDA, o que é exigência para se levar a responsabilização de um Estado perante a CIJ.

Enfim, a paráfrase da música de Tom Zé realmente se mostra descabida e não é possível tratar como um vírus da China assim como tratamos de um perfume da China. Há, porém, em tempos em que volta a aumentar o número de infectados e mortos por esta pandemia, após quase a marca de 700.000 mortes alcançadas até novembro de 2022, que se relembrar essa impossibilidade de responsabilização, quando tal discurso volta a circular no senso comum, sem lastro no Direito Público Internacional.

Referência bibliográfica:

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. É possível responsabilizar a China na Corte Internacional no caso da Covid-19?. Conjur: consultor jurídico. 6 de abril de 2020 Disponível em <https://www.conjur.com.br/2020-abr-06/mazzuoli-possivel-responsabilizar-china-covid-19  Acesso em 03 de outubro de 2020>

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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