A chegada de Lampião ao FMI no pós-pandemia: uma análise a partir do Direito Internacional Público sobre o Fundo Monetário Internacional na atualidade

Leia nesta página:

Uma discussão sobre o FMI a partir de uma canção de Tom Zé

Ainda em 2020, ápice da pandemia de Covid-19, recordo ter lido uma notícia sobre o Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo a qual o FMI defendia taxar mais ricos para lidar com aumento da dívida no pós-pandemia em matéria assinada por Thaís Carrança, de 13 de outubro de 2020[1].

Essa noticia me lembrou imediatamente uma música de Tom Zé, a cujas canções já tenho me referido em outros artigos sobre Direito Internacional Público publicados aqui em jus.com.br (Tom Zé é, de fato, um dos cantautores como diriam os argentinos do Brasil que mais tratam de temas de Direito Internacional Público em suas músicas), chamada A Chegada de Raul Seixas e Lampião no FMI de seu álbum Jogos de Armar (2000). Na música, diz seu compositor: O FMI/ Viu que não tinha mais jeito/ E entregou todo o dinheiro/ Para o pobre dividir// E o mundo se viu diante/ De grande felicidade: / Trabalho pra todo o dia/ Comida pra toda a tarde// Mas entre os países pobres/ Não houve fazer acordo/ Para dividir os cobres/ E a guerra pegou fogo!

E qual a relação dessa música com a notícia de que o Fundo Monetário Internacional (FMI) defendeu que os governos aumentassem a progressividade de suas cargas tributárias como uma forma de lidar com o crescimento do endividamento público, resultado das medidas de resposta à pandemia que (ainda) estamos enfrentando?

Ora, nos parece que, como diz a música, diante de tudo que sabemos sobre a atuação do FMI, o Fundo está vendo que não tem mais jeito, como diz a canção, diante da pobreza extrema e da desigualdade no pós-pandemia. O FMI tem revisado sua projeção para desempenho do PIB e já admitem, como se tivessem sido convencidos por Lampião o célebre cangaceiro brasileiro que atuava contra o Estado, mas, para muitos, defendia maior justiça social, em que pese sua atuação como fora-da-lei de que é necessário se tirar um pouco mais dos mais ricos para se destinar um pouco mais aos aos mais pobres, taxando grandes fortunas e grandes propriedades (a notícia citava renda mais altas, propriedades de luxo, ganhos de capital, e fortunas além de maior tributação corporativa para garantir que empresas paguem impostos proporcionais", nas palavras do FMI trazidas na matéria. Era um pouco o que também fazia Lampião, impondo aos mais ricos que destinassem parte de suas riquezas ao financiamento de seu bando, constituído por homens e mulheres marcados por dificuldade de acesso à terra e à renda.

Gilberto Gil, em resposta ao Fim da História de Fukuyama, também cantou em sua Fim da História que Lampião faz bem (...) um plebiscito/ Ressuscita o mito que não se destrói/ (...) tantos cangaceiros/ Como Lampião/ Por mais que se matem/ Sempre voltarão. E lembrando desses versos, vemos na reportagem que para o fundo é necessário se reduzir incentivos fiscais para empresas, impor limites para deduções de imposto de renda para pessoas físicas e instituir impostos sobre valor agregado onde ele ainda não existe, caso do Brasil.

É o FMI entregando todo o dinheiro para o pobre dividir, como cantou Tom Zé.  Afinal, o desempenho da economia naquele ano de 2020 fora salvo em grande medida por uma atuação dos Estados naquele momento, se endividando. E o FMI sinalizava que os resultados teriam sido muito mais fracos se não fossem pelas respostas fiscais, monetárias e regulatórias rápidas e sem precedentes que mantiveram a renda disponível das famílias, protegeram o fluxo de caixa das empresas e apoiaram a disponibilidade de crédito, segundo a matéria.

Se fugimos à catástrofe financeira de 2008 e 2009, não podemos esquecer da observação de Tom Zé, de que uma guerra começou quando entre os países pobres/ Não houve fazer acordo/ Para dividir os cobres. Por isso, cabe a lembrança da matéria de que a retomada será longa, desigual e incerta, com piora de projeções significativas para algumas economias emergentes e em desenvolvimento. "essas recuperações desiguais pioram significativamente as perspectivas para uma convergência global dos níveis de renda."

Por isso, o FMI alertava para avanços na pobreza extrema e na desigualdade. "As perdas persistentes de produção implicam um grande revés para os padrões de vida, em relação ao que era esperado antes da pandemia. Não apenas a incidência de casos de pobreza extrema aumentou pela primeira vez em mais de duas décadas, mas a desigualdade deve crescer, porque a crise afetou desproporcionalmente mulheres, trabalhadores informais e aqueles com baixo nível de escolaridade."

Precisamos ver como será a possibilidade de o FMI contribuir com essa chegada de Lampião ao Fundo, pois os próprios Estados vinculados ao FMI poderão ter dificuldade de fazer acordos, dependendo de seus termos. No caso do Brasil, com novo governo, tudo indica que haverá medidas que facilitarão, no melhor sentido, tal chegada do cangaceiro ao FMI, e uma melhor distribuição de renda no nosso país, para levar à necessária rentabilidade e crescimento econômico, com geração de novos empregos e oportunidades para nossa população.

 


[1] Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/10/fmi-defende-taxar-mais-ricos-para-lidar-com-aumento-da-divida-no-pos-pandemia.shtml  Acesso em 13 de outubro de 2020>

 

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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