Autor: Aloísio Bolwerk
Graduado em Direito e estudos pós-graduados em Direito Público. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos e Doutorado em Direito Privado (com distinção magna cum laude) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Adjunto da Fundação Universidade Federal do Tocantins. Professor Permanente do Programa de Mestrado Profissional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Tenho experiência na área de Direito, com ênfase em Hermenêutica Jurídica, Direito Civil, Direito Constitucional e Direitos Humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: métodos hermenêuticos de interpretação do Direito, Hermenêutica e princípios constitucionais, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Líder do Grupo de Pesquisa Hermenêutica Jurídica registrado no CNPQ. Advogado.
Temática Explorada: Ramo de estudo sobre a interpretação das normas jurídicas do positivismo ao pós-positivismo jurídico.
O Positivismo Filosófico surge na França do século XIX. Esta corrente filosófica presumia que o cientificismo era a única ciência capaz de compreender a realidade, e assim se pautava na metodologia dedutiva.
Augusto Comte formulou a doutrina positivista, este filósofo acreditava que através da observação se poderia compreender os processos sociais, e que esses seriam disciplinados em formulação gerais, assim, destaca que o fenômeno social de observação é aquele do mundo físico, do alcance da experiência.
Observa-se que o conceito de positivismo jurídico faz referência ao direito positivo (positivado em norma) e não ao positivismo filosófico de Comte. Neste sentido, BOBBIO, 1995, esclarece que embora no século passado tenha havido certa ligação entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas em sentido filosófico: mas em suas origens nada tem a ver com o positivismo em sentido filosófico, destacando que a ideia do conceito de direito positivo era separá-lo do conceito de direito natural, este compreendido como não direito.
BOBBIO evidencia também que o positivismo jurídico é uma concepção do direito que nasce quando o direito positivo e direito natural não mais são entendidos como direito no mesmo sentido (o direito positivo é direito, o direito natural não é direito).
Neste seguimento, do século XIX em diante o positivismo jurídico passou a reger os debates metodológicos da teoria do direito, sendo a teoria dominante no direito brasileiro até os dias atuais.
Importante mencionar que autor apresenta em seu trabalho aspectos jurídicos-políticos para que o direito se tornasse materializado, posto ou preestabelecido, visto que o que havia de concepção de direito anterior era uma pluralidade de ordenamentos, formados pelos mais diversos mecanismos.
Assim, segundo o autor, o positivismo jurídico contribuiu para que o direito se tornasse mais unitário, rejeitando a ideia da falsa plástica da razão artificial dos juristas'', e, à vista disso, o direito se vincula a autoridade que lhe concedeu legitimidade em sentido de obrigação, o Estado.
Observa-se que a corrente positivista precisou superar modelos anteriores para se estruturar, modelos estes que se apoiavam no pensamento clássico romano (juris prudentia), em valores comunitários (sem positivação), em interpretações de textos e pensamentos jusracionalistas.
Após esta breve abordagem, o autor destaca que o direito alcançou as primeiras positivações, como construto humano, no pensamento iluminista do século XX, sendo estas construções influenciadas também por fatores históricos, sociais, políticos e filosófico-jurídicos (neste último nota-se a aproximação entre direito e ciência, influência das Escolas da Exegese (França) e histórica (Alemanha)).
Assim, percebe-se que o homem do iluminismo era um sujeito que regulava a própria vida, e que construía uma sociedade com valores liberais, sendo, portanto, um momento especial para a gênese do positivismo jurídico, para o seu estabelecimento.
Neste sentido, o homem (em sentido coletivo) daquela época encontrou no contratualismo uma maneira de ampliar e regular sua liberdade por meio da lei positiva do Estado, e assim, se estabelece uma legalidade estatal capaz de conciliar o individualismo que marca o homem, ao se referir a emancipação dos interesses.
Deste modo, a estatização do campo jurídico passou a ser umas das maiores características do Estado, que regulava todos os fatos e todos indivíduos, legitimando às novas concepções capitalistas e racionalistas de justificação do direito, o que ocasionou também o surgimento de uma nova concepção de hermenêutica, que se orientava por dogmas das ciências exatas e pela neutralidade e previsibilidade. Por isso, os códigos surgentes possuíam a nova função; materializavam a razão dos técnicos juristas, e a vontade geral legitimada pelo poder estatal.
Neste ínterim, devido ao corpo e expansão do direito positivo, surgem outras formas de refletir o direito, a exemplo do juspositivismo científico alemão do século XIX.
Esta corrente supracitada se percebia autossuficiente, visto que não aceitava fundamentar-se por qualquer outra fonte, valores, diretrizes, pois segundo o pensamento, esta relação geraria insegurança. Consequentemente, o positivismo científico tornou o sistema jurídico e de justiça totalmente fechado, que se percebia coerente e completo, com juristas neutros, rigorosos e justos, e assim, o Direito Consuetudinário e Jurisprudencial perderam suas legitimidades, pois a lei posta pelo Estado Liberal era a única norma sujeita a ciência jurídica.
Para o autor, o positivismo jurídico (Escola da Exegese) surgiu protegido pelo modelo legalista, limitado pelo viés mecânico de positivação e análise das leis, e que nos dias atuais o direito positivo ainda representa o pensamento dominante, espalhando-se por diversos ordenamentos jurídicos.
Destaca ainda que a Escola Histórica Alemã teve grande contribuição para o positivismo jurídico, tendo em Savigny o seu pensador representante, e que esta escola não concordava com o legalismo estatal, pois valorava formas jurídicas não estatais, advindas da vontade do povo, assim, percebendo o direito como construção cultural.
Adiante, o autor enfatiza que Jurisprudência dos conceitos foi uma segunda corrente desta Escola, que tinha como representantes Puchta e Windscheid, que conduziram o direito para seu contexto histórico (legislador razoável).
Assim, essa vertente da Escola Histórica gerou o juspositivismo científico, que contribuiu e influenciou a Escola da Exegese Francesa, caracterizado por sua cientificidade e estrutura dogmática. Sendo que as duas Escola pensavam o direito como um objeto do conhecimento que poderia ser sistematizado e depois aplicado.
Meritório destacar que para o autor, o positivismo jurídico buscava a aproximação do direito à norma, com a pretensão da neutralidade na resolução dos casos. Já o pós-positivismo visava interpretações e diálogos entre valores, princípios e regras, assim, aperfeiçoava sua hermenêutica nas reflexões sobre ideias e parâmetros da justiça.
Segundo o autor, não se pode caracterizar o pós-positivismo como uma corrente interpretativa, pois à consideração aos valores sociais, ainda que não positivados, pertencem ao sistema jurídico. Assim, para o mesmo, o pós-positivismo é uma vertente do direito que estuda o positivismo jurídico para criticá-lo, impugná-lo e formar uma nova leitura interpretativa, que por meio da investigação zetética, busca estabelecer uma conexão entre o mundo do ser e dever ser. Sendo equivocado também dizer que o pós-positivismo, no plano teórico e prático, busca ultrapassar o positivismo, na verdade, ele aponta a necessidade do Direito de se comunicar com outros elementos da realidade.
Em verdade, o pós-positivismo questiona o modelo de positivação do positivismo jurídico, estabelecendo a necessidade de nexo entre Direito e realidade, sendo que o objetivo não é desconstruí-lo, na medida que não abandona a ideia de norma posta pelo Estado, mas desde que inclusa em um espaço democrático de direito, e neste ponto evidencia-se a oposição entre pós-positivismo e positivismo.
Neste sentido, a positividade do texto legal continua sendo um mando do Estado, e nessa seara o positivismo tem validade, porém, não sendo mais o suficiente para a existência da norma jurídica, uma vez que no plano prático do Direito passa a existir o juízo de adequação entre norma jurídica e situação fática (natureza jurídica interpretativa), ficando, assim, necessário o controle do Direito por parte dos seus destinatários.
Uma das principais críticas ao modelo positivista foi à falta de critérios valorativos para a aplicação da norma, a qual favoreceu, muitas vezes, decisões distantes da justiça ou mesmo absurdas. O pós-positivismo tenta firmar bases filosóficas para sanar essa problemática, com o escopo de implementar direitos constitucionais a partir da verificação axiológica das normas aplicáveis concretamente (FERNANDES; BICALHO, 2011, p. 113).
O autor destaca que a corrente positivista, ao tentar criar uma ciência Pura do Direito, reduzindo o pensamento jurídico a interpretação dos textos legais, não tinha a intenção de fomentador a criação de ditaduras, mas observa-se que estes regimes adotam esta forma de positivação de leis unilateralmente.
Porém, se observa que com a segunda guerra a sociedade mundial como um todo se tornou insegura a respeito da norma positivista em regular as suas relações em sociedade, pois, em nome da lei, o direito foi utilizado para a realização de inúmeras barbáries e atrocidades. Desta forma, o contexto contemporâneo, marcado pela complexidade e pela multipolarização, volta-se para a busca da razão prática com o fim de nortear-se para a interpretação do direito, fugindo do positivismo puro e retomando as bases da moral e da justiça para criar uma nova visão jurisdicional (PIVATO; JUNIOR, 2016, p. 96).
Adiante, o autor não afirma que o positivismo seja fomentar de Estados totalitários, pois o foco no texto é jurídico e não político, enfatizando que o positivismo do Estado Liberal não promovia a participação social, onde apenas o Estado participava, mas não para interesses unilaterais.
Miguel Reale (2002, p. 204), enfatiza, neste sentido, que somente o homem é capaz de inovar o mundo em que vive, ou seja, é o único ser capaz de inovar ou de instaurar algo de novo no processo dos fenômenos naturais, dando nascimento a um mundo que é, de certo modo, a sua imagem na totalidade do tempo vivido. Este pensamento nos faz refletir se o Estado Liberal era ou não totalitário. Pois, [...] se não houver na atividade jurídica um forte conteúdo humanitário, o direito pode servir para justificar a barbárie praticada em nome da lei (...), o legislador, mesmo representando uma suposta maioria, pode ser tão opressor que o pior dos tiranos. (MARMELSTEIN, 2008, p. 10).
Vale enfatizar que o autor evidencia que para o pós-positivismo, se não houver essa participação democrática dos destinatários, a norma não é válida. Assim, o pós-positivismo tem como sua maior contribuição a justificação racional da validade da norma no processo democrático de elaboração e edificação do sistema jurídico.
Deste modo, o normativismo compreende que o conceito, extensão e força da lei, não se atrelam apenas ao texto da lei, precisam estar atrelados também a realidade e temporalidade, resultante, assim, de contexto histórico e social.
Adiante, aponta que a análise histórica é imprescindível para que as prescrições jurídicas tenham efetividade. Porém, qual a maneira de como filtrar e refinar as informações reais para a composição da norma jurídica? Este fato causa preocupação, pois há fatores em potencial, e como essas fontes são necessárias, importantes e também plurais, podem dificultar a segurança que se espera dessas normas, e neste ponto há uma centrada crítica ao pós-positivismo.
Friedrich Muller denomina a técnica de seleção das fontes, que responde a esta interrogação como concretização, onde o jurista deve se aproximar de dados reais (que realmente pertencem ao campo social) e fazer uma inserção controlada, levando-se em consideração diversas circunstâncias, além da interpretação antecipada e juízo de adequação.
No mais, a superação do positivismo jurídico pelo pós-positivismo é aqui entendida pelo autor como falaciosa, pois, segundo o mesmo, como reduzir o contributo do positivismo se ele é a base de sustentação do próprio pós-positivismo? Afirmando que o positivismo deixou marcas, estigmas que perpetraram no sistema jurídico, no processo de estruturação e edificação do Direito.
Com base no apontamento do parágrafo anterior, vale destacar que o pós-positivismo, se apresenta aqui como uma via entre as outras concepções positivistas, que apesar de não abandonar a clareza, a certeza e a objetividade da norma positiva, também não a concebe desconectada de uma ciência social, moral e política. A doutrina pós-positivista se inspira na revalorização da razão prática, na teoria da justiça e na legitimação democrática, de modo que busca-se ir além da legalidade estrita, não desprezando o direito posto, mas procura empreender uma leitura moral da constituição e das leis, porém, sem recorrer a categorias metafísicas (PIVATO; JUNIOR, 2016, p. 98).
Neste sentido, o direito positivo segue entrelaçado ao pós-positivismo, mas é importante mencionar o conceito jurídico da autolegislação que precisa ganhar uma dimensão política a ser ampliada nos termos do conceito de uma sociedade que atua em si mesma, pois a sociedade pode agir sobre si de modo democrático, na criação de valores que posteriormente serão transformados em princípios a serem observados pelos aplicadores da norma a fim de efetivamente realizarem a justiça esperada pela sociedade (PIVATO; JUNIOR, 2016, p. 102).
É inegável a contribuição do autor, por meio de sua texto, para o conhecimento acerca do desenvolvimento do contexto histórico do direito, visto que evidencia com muita clareza, objetividade e aprofundamento o percurso entre o positivismo e o pós-positivismo dentro do processo histórico, político, jurídico e social de seu amadurecimento. É, então, uma obra riquíssima para a compreensão histórica da hermenêutica jurídica do positivismo ao pós-positivismo, que enriquece qualquer debate sobre o direito.
REFERÊNCIAS
BOLWERK, Aloísio. cap. II: A hermenêutica jurídica entre o positivismo e o pós-positivismo, inc: BOLWERK, Aloísio. Hermenêutica e interpretação do Direito Civil. Belo Horizonte: Editora DPlácido, 2018. p. 19-37.
FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho; BICALHO, Guilherme Pereira Dolabella. Do positivismo ao pós-positivismo jurídico: O atual paradigma jusfilosófico constitucional. Revista de Informação Legislativa. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796. pdf?sequence=1. Acesso em 15 out 2014.
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008.
PIVATO, Marcilei Gorini; JUNIOR, Clodomiro José Bannwart. A TEORIA CRÍTICA DO DIREITO E A CONSTRUÇÃO DO PÓS-POSITIVISMO. Revista Teorias do Direito e Realismo Jurídico| e-ISSN: 2525-9601| Brasília | v. 2 | n. 1 | p. 84 - 105 | Jan/Jun. 2016. Disponível em: file:///D:/Nova%20pasta%20(6)/394-800-2-PB%20(1).pdf. Acesso em 10 de novembro de 2022.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.