INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PODE PINTAR QUADROS?

Qual o limite do que pode ser produzido pela inteligência artificial quando tratamos de arte?

05/12/2022 às 21:01
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O uso de inteligência artificial para pintar quadros, escrever poemas ou compor músicas estabelece novos parâmetros e desafios ao Direito.

 

O que podemos dizer de uma inteligência artificial que pode ensinar o seu filho a desenhar? O que dizer de inteligências artificiais que são capazes de desenhar?  

Qual o espaço de criação para uma inteligência artificial na produção de pinturas? Elas seriam originais? E o que dizer de uma inteligência artificial que pinta os quadros de acordo com a preferência e estado de espírito de quem encomenda a obra? Tudo alimentado pelos dados do cliente que encomendou? Como definir esse momento do desenvolvimento de algoritmos que customizam a obra com base no registro de preferência estética do cliente?

Não ouso dizer aqui que a IA tem talento, criatividade ou imaginação, ainda acho que essas qualidades são humanas (no momento), mas graças aos trabalhos humanos com os quais as diferentes inteligências artificiais foram treinadas, elas podem criar... arte. Sim uma obra coletiva de programadores pode ser chamada de arte? Pode e deve ser protegida pelo Direito?

Sabidamente a arte sempre foi muito subjetiva e pode haver muito debate em torno dela. Música, cinema, literatura, escultura, arquitetura. Isso é arte, mas também videogames e muitas pessoas não a consideram como tal. Tente convencer um designer que seus desenhos projetados na tela não são arte?

Qual deve ser o lugar do computador na sociedade do futuro e até onde ele pode nos substituir? Essa era uma pergunta fácil de ser respondida até bem pouco tempo atrás, mas com a evolução da Inteligência artificial (IA) que ameaça um número cada dia maior de empregos, fica quase impossível delimitar esse espaço.

É óbvio que podemos dizer que algumas áreas estariam seguras, pois a criação e a sensibilidade é onde o homem pode ser insubstituível, será? Podemos afirmar que artistas não correm risco?

Bem, nos últimos tempos começaram a aparecer uma série de exemplos de obras autorais como músicas e pinturas criadas por IA. O caso mais famoso ocorreu em outubro de 2018, em que a obra Retrato de Edmond de Bellamy foi vendida por US$ 432.500 pela famosa casa de leilão Christies, isso sem considerar que a estimativa era de que a peça fosse vendida por um valor entre US$ 7 e US$ 10 mil.

O quadro, ou a imagem, feita com IA pelo coletivo francês Obvious, usou como base o software criado pela pesquisa do estudante norte-americano Robbie Barrat. A peça fazia parte de uma série de pinturas da família fictícia Bellamy, criada usando um algoritmo de duas partes, de um total de 11 peças dessa família. O slogan da Obvious: Criatividade não é apenas para humanos, é ao mesmo tempo um desafio, ou para alguns um deboche.

E como funciona o algoritmo? De um lado está o Generator e do outro o Discriminator, que no caso da obra o sistema foi alimentado com um conjunto de dados sobre 15.000 retratos pintados entre os séculos XIV e XX. Assim, o Gerador cria uma nova imagem com base nesses dados e, em seguida, o Discriminador tenta identificar a diferença entre uma imagem criada pelo homem e outra criada pelo Gerador. Segundo o coletivo, o objetivo é [tentar] enganar o Discriminador para que ele pense que as novas imagens são retratos da vida real. Seu intuito é explorar a interface entre a arte e a IA utilizando a arquitetura de redes neurais GAN (generative adversarial network).

Logo fica a pergunta diante do resultado, isso é arte? Pode-se então falar em Direitos de autor? Quem seria o autor de uma obra coletiva?

Vejamos, direitos de autor são direitos conferidos aos criadores de obras literárias e artísticas e logo entre outras obras poderíamos evidenciar: filmes, composições musicais, coreografias, trabalhos artísticos como pinturas, desenhos, fotografias e esculturas; arquitetura entre outros.

Logo estaríamos assim diante dos denominados direitos intelectuais, enquanto criações do espírito humano, tanto as imagens quanto o software?

Sabemos que o Direito do Autor compreende prerrogativas morais e patrimoniais, aquelas referentes ao vínculo pessoal e perene que une o criador à sua obra e estas referentes aos efeitos econômicos da obra e o seu aproveitamento mediante a participação do autor em todos os processos e resultados. A Lei nº 9.610/98, a qual tem como finalidade proteger as obras literárias, artísticas e científicas, impedindo desta forma, que terceiros se utilizem indevidamente das obras protegidas, sendo assim um software que cria um padrão artístico estaria dentro dessa definição?

Nos socorremos da WIPO que define direito de autor como sendo a proteção da criação da mente humana. Assim, é importante salientar que o direito autoral protege as obras, e logo elas precisam de meio físico, o que poderia ser uma tela e ou no caso um programa de computador com seu código registrado?

O direito entende que todos aqueles que tiverem o seu nome agregado a uma obra serão legalmente considerados co-autores, logo um algoritmo construído pelo coletivo estaria assim enquadrado?

Seria o caso das GANS, que foram introduzidas em 2014 por pesquisadores da Universidade de Montreal, e que são arquiteturas de redes neurais (deep learning) compostas por duas redes uma contra a outra, daí adversária, treinadas para criar mundos semelhantes em qualquer domínio (música, imagens, textos).

É um universo novo, que está apenas começando, mas a inteligência artificial vai poder pintar um novo quadro de Picasso? Considerando o estudo do seu padrão de trabalho? Nesse caso estaríamos diante de uma cópia ou de uma obra original? O padrão e as características podem ser registradas como propriedade intelectual do artista ou do algoritmo e seus colaboradores? Seus herdeiros poderiam então reclamar, pois o padrão e o estilo identificados por um programa de computador seria uma herança digital?

Já digo que podemos debater muito sobre porque algo é arte, mas para mim, de uma forma muito básica, a arte é qualquer coisa que desperte uma emoção e que não é um ser vivo. Pode ser simplista, mas ei, é a minha ideia e definição de "arte".

É obvio que é apenas um ponto de partida, de uma discussão que precisa ser aprofundada, mas negar ela por mero preconceito é o caminho certo para ficar para trás. Ou nos posicionamos para aprofundar e regular, ou seremos atropelados por ela.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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