Não muito raros candidatos à cargos públicos especialmente voltados para área policial ou até mesmo operadores do direito são acometidos de várias dúvidas quanto à temática, tendo em vista que ainda são raros os cursos de graduação em direito que contam com a criminologia em sua grade pedagógica.
A criminologia pode ser conceituada como a ciência autônoma, empírica e interdisciplinar, que tem como objeto de estudo o crime, o criminoso, a vítima e o controle social.
Como ciência empírica e interdisciplinar, a criminologia passou por diversas transformações ao longo de sua história, sendo certo que em diversos momentos se buscou compreender quais eram as causas delitivas (etiologia).
Nesse sentido, as teorias criminológicas contemporâneas não limitaram à análise do delito levando em consideração apenas aspectos biológicos do indivíduo (escola positiva da criminologia), mas também visavam análise de certas transformações sociais (teorias macrossociológicas/ sociologia criminal).
A sociologia criminal (teorias macrossociológicas) pode ser dividida em duas vertentes: teorias do consenso (são as principais: Escola de Chicago, subcultura delinquente, associação diferencial e anomia) e teorias do conflito (são as principais: labelling approach e teoria crítica).
Em linhas gerais, as teorias do consenso partem da premissa que a sociedade é harmônica, que as instituições funcionam perfeitamente e os indivíduos convivem e partilham objetivos comuns, sendo o delito algo atípico nessa sociedade perfeita[1]; já as teorias do conflito, por sua vez, fundam-se na premissa que não há consenso na sociedade e argumentam que a harmonia social decorre da força e coerção, existindo uma relação entre dominantes e dominados[2], de modo que os processos de criminalização decorrem dessa estrutura social dividida, onde as classes subalternas são criminalizadas e as classes dominantes são responsáveis pelo processo de criminalização.
A Escola de Chicago, também chamada de ecologia criminal, é considerada uma das mais importantes teorias do consenso da sociologia criminal, teve início no século XX, com a criação do departamento de sociologia na Universidade de Chicago, que passou a estudar a expansão demográfica, bem como o aumento da taxa da criminalidade ocorrido na cidade de Chicago (USA).
Utilizando métodos estatísticos, estudos de mapas da cidade[3] e, principalmente, inquéritos sociais (social surveys[4] ), foi constatado a presença, em especial, de dois fatores que impulsionaram a criminalidade na época: identificação de áreas da criminalidade e a ideia de desorganização social.
A questão urbana é determinante para entender a Escola de Chicago, pois os sociólogos da Universidade de Chicago passaram a estudar a cidade a partir da distribuição da população por áreas. Nesse sentido, destaca-se a elaboração do modelo radial (Burgess), segundo o qual a cidade de Chicago poderia ser dividida em círculos concêntricos, a partir de uma área central.
Para Shecaira[5]:Uma cidade desenvolve-se, de acordo com a ideia central dos principais autores da teoria ecológica, segundo círculos concêntricos, por meio de um conjunto de zonas ou anéis a partir de uma área central. No mais central desses anéis estava o Loop, zona comercial com os seus grandes bancos, armazéns, lojas de departamento, a administração da cidade, fábricas, estações ferroviárias etc. A segunda zona, chamada de zona de transição, situa-se exatamente entre zonas residenciais (3ª zona) e a anterior (1ª zona), que concentra o comércio e a indústria. Cabe destacar que para alguns doutrinadores existiria, ainda, os círculos ou zonas 3, 4 e 5, que corresponderia, respectivamente, as residenciais de baixo, médio e alto padrão.
Com a elaboração do modelo radial, foi possível constatar as denominadas áreas de criminalidade, onde os criminólogos percebem que a maior incidência criminal se dava na segunda zona ou círculo, denominada área de transição ou slums[6], diminuindo em direção aos círculos mais distantes.
Os pesquisadores concluíram que na área correspondente ao segundo círculo ocorreu um declínio no controle social informal[7], motivado, especialmente, pela desorganização social, que representa o rompimento dos vínculos de afeto e solidariedade entre os moradores numa determinada região, que é ocasionado pelo anonimato da cidade grande, grande mobilidade social, barreiras linguísticas e culturais, degradação urbana etc.
Nas palavras de Nestor Sampaio Penteado Filho[8]: Assim, com o crescimento das cidades começa a surgir uma relação de aproximação entre as pessoas, com a vizinhança se conhecendo (...) Esse mecanismo solidário de mútuas relações proporciona uma espécie de controle informal, na medida em que uns tomam conta dos outros (ex.: família que viaja e pede ao vizinho que recolha o jornal, que mostra ao leiturista da água o local do hidrômetro etc.). Continua o autor: Os avanços do progresso cultural aceleram a mobilidade social, fazendo aumentar a alteração, com as mudanças de emprego, residência, bairro etc., incorrendo em ascensão ou queda social. A mobilidade difere da fluidez, que é o movimento sem mudança da postura ecológica, proporcionado pelo avanço da tecnologia dos transportes (automóvel, trens, metrô). E finaliza: Portanto, a mobilização e a fluidez impedem o efetivo controle social informal nas maiores cidades.
A principal proposta da Escola de Chicago visando combater à criminalidade se deu com o Projeto da Área de Chicago (Chicago Area Project), formulado por Shaw e Mckay em 1934, que era uma política criminal que visava restaurar o controle social informal a partir de atividades realizadas por grupos formados pelos próprios residentes de cada área, os quais organizavam atividades recreativas, reduziam a deterioração física do bairro, aconselhavam jovens envolvidos com a justiça criminal, além de outras formas de fomentar a coesão entre os indivíduos e reutilização de espaços públicos.
Desta forma, conclui-se que a Escola de Chicago, também chamada de ecologia criminal, é considerada uma das mais importantes teorias do consenso da sociologia criminal, e utilizando de métodos estatísticos, estudos de mapas da cidade e, principalmente, inquéritos sociais, constatou que em decorrência do crescimento desorganizado da cidade de Chicago, inúmero e graves problemas sociais, econômicos e culturais, corroborados pela ausência de controle social informal, criaram ambiente favorável para instalação da criminalidade.
Referências Bibliográficas
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020;
TANGERINO, Davi de Paiva Costa, Crime e cidade: violência urbana e a Escola de Chicago. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
GÁRCIA PABLOS DE MOLINA, Antônio; GOMEZ, Luiz Flávio. Criminologia. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012;
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia/Nestor Sampaio Penteado Filho. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.