A possibilidade de investigação criminal pelo Ministério Público

09/12/2022 às 23:30
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Resumo

A Constituição Federal de 1988 ampliou a atuação do Ministério Público. Entre essas mudanças ficou designada a promoção da ação penal pública e o respeito pelos poderes públicos. Apesar dessas mudanças fortalecerem o estado democrático de direito, ainda existe dúvida quanto à possibilidade de investigação criminal pelo Parquet. Nestes termos, são analisados os efeitos jurídicos desta possibilidade, o entendimento dos Tribunais Superiores e opiniões de alguns doutrinadores. A polêmica foi criada com a possibilidade do Ministério Publico poder ou não determinar a abertura do inquérito policial de ofício, bem como, quanto ao seu poder de investigar. Decisão do STF reacendeu a discussão, sempre acirrada, sobre a função do Ministério Público investigar o ilícito penal em substituição a Polícia Judiciária. Os contrários à ideia sustentam que a sua interferência acarretaria falta de imparcialidade quanto aos resultados da investigação realizada e por ser titular da ação penal, poderia correr o risco de realizar uma investigação tendenciosa. Os favoráveis à investigação realizada pelo Ministério Público defendem o poder de investigação criminal do Ministério Público e alegam ser uma de suas atribuições.

Palavras-chave: Investigação. Legalidade. Inquérito.

Abstract

The Federal Constitution of 1988 expanded the role of the Public Ministry. Among these changes was the promotion of public prosecution and respect for public authorities. Despite these changes strengthening the democratic rule of law, there is still doubt as to the possibility of criminal investigation by Parquet. In these terms, the legal effects of this possibility, the understanding of the Superior Courts and the opinions of some scholars are analyzed. The controversy was created with the possibility of the Public Ministry being able or not to determine the opening of the police investigation ex officio, as well as, regarding its power to investigate. The decision of the STF reignited the discussion, always fierce, about the role of the Public Prosecutor's Office to investigate criminal offenses in place of the Judiciary Police. Opponents of the idea maintain that its interference would lead to a lack of impartiality as to the results of the investigation carried out and, as it is the holder of the criminal action, it could run the risk of carrying out a biased investigation. Those in favor of the investigation carried out by the Public Ministry defend the criminal investigation power of the Public Ministry and claim that it is one of its attributions.

Keywords: Research. Legality. inquiry.

Sumário: Introdução. 1. O poder de investigação do Ministério Público no direito brasileiro. 2. O poder de investigação do Ministério Público no direito comparado. 3. Posicionamentos contrários ao poder de investigação por parte do Ministério Público. 4. Posicionamentos contrários ao poder de investigação por parte do Ministério Público. 4.1. O ferimento ao princípio da igualdade de armas. 4.2. O ferimento ao princípio da imparcialidade e da impessoalidade do ministério público. 5. Posicionamentos favoráveis ao poder de investigação do Ministério Público. 5.1. Visão constitucional dos argumentos favoráveis. 5.2. A teoria dos poderes implícitos. 5.3. Interpretação sistemática uma análise aprofundada do art. 129 da Constituição Federal. 5.4. Posicionamentos favoráveis de alguns doutrinadores. 6. O poder de investigação do Ministério Público no entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Introdução

O fato delituoso constitui, por si só, uma agressão ao direito individual de outrem. Sendo assim, na busca da estabilidade jurídica, o Estado assumiu a responsabilidade da solução dos litígios no âmbito penal.

O Estado, em seu aspecto embrionário, deixou a cargo do particular a solução dos conflitos, os quais exerciam livremente as próprias razões, originando conflitos sangrentos que dizimavam famílias inteiras. Era a época do domínio do mais forte sobre o mais fraco.

Nos moldes atuais, em que um Estado organizado se divide em população, território e governo, é inconcebível um Estado sem um complexo de normas regulamentadoras que visem a coibir abusos e desmandos e são essenciais para o disciplinamento do corpo social.

Fica a cargo do Estado o desenvolvimento dessas normas e de seu aprimoramento, tornando assim, um de seus elementos, o governo, fonte geradora de direitos e deveres.

Mister se faz esclarecer, que o corpo normativo de uma sociedade é gerado de acordo com suas necessidades e seus conflitos, que são, na verdade, as grandes fontes de direito.

O conflito em tal âmbito possui, para a sociedade, uma importância demasiada, pois afeta os direitos mais íntimos do cidadão, tais como a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade (CF art. 5º, Caput).

O dano a qualquer destes bens gera como consequência para o estado o jus puniendi que se desenvolve através de uma série de atos complexos que buscam a preservação do corpo social e da ordem. Tais atos progridem dentro de um ordenamento, de uma sequência complexa que tem como meta um processo de acordo com as bases constitucionais. Logo, desde o ponto da prática delituosa, o estado desenvolve inúmeros procedimentos que visam a assegurar a paz e a tranquilidade.

É necessário salientar que o estado não tem como prerrogativa a aplicação imediata da pena. Sendo assim, para a aplicabilidade dela, é utilizado o estado-administração para a persecução e esclarecimento do fato delituoso e do estado-juiz para a aplicabilidade do instituto correcional.

Nos termos atuais, com o advento da Constituição de 1988, o estado-administração brindou a população com um Ministério Público voltado para a defesa da sociedade e de seus interesses, sendo dotado de instrumentos para o cumprimento de tão elevado mister. Dentre eles, a titularidade exclusiva da ação penal (Art. 129, I); o poder de requisição de diligências investigatórias e de instauração de inquérito policial (Art. 129, VIII); e a faculdade de exercer outras funções que lhe forem conferidas em Lei, desde que compatíveis com a sua finalidade institucional, sendo vedada à representação judicial (Art. 129, IX), tais funções reservaram à instituição o alto controle da organização repressiva ao crime.

A polêmica foi criada com a possibilidade do Ministério Publico poder ou não determinar a abertura do inquérito policial de ofício, bem como, o seu poder de investigar.

Nestes termos, o reconhecimento da legitimidade investigatória do Ministério Público se constitui, há mais de um século, no tema processual penal mais debatido junto à quase totalidade dos países seguidores do Direito Continental.

Decisão do STF reacendeu a discussão bastante acirrada, sobre o poder ou se assim se preferir, a função de o Ministério Público investigar os ilícitos penais, substituindo, assim, a Polícia Judiciária, cujo papel sempre foi o de preparar o procedimento pré-processual, instruí-lo, coletando provas e, após, remetê-lo à Justiça Criminal.

Essa decisão se torna tanto mais importante quando se sabe que ela foi proferida exatamente quando a instituição Ministério Público vem ganhando espaço, sobretudo como consequência das investigações que tem procedido, especialmente em relação ao crime organizado (Lei 9.034 de 03 de maio de 1995), normalmente com inegável êxito e que pode ser observado nas constantes notícias veiculadas pela grande mídia nacional.

Os que são contrários ao entendimento do poder de investigação do Ministério Público sustentam que a sua interferência acarretaria falta de parcialidade quanto aos resultados da investigação realizada. Outro ponto abordado pelos contrários a esta prerrogativa parte da premissa que o membro do Ministério Público, por ser o titular da ação penal, é parcial, podendo ser levado por essa razão a realizar uma investigação tendenciosa.

A polêmica aumentou com o advento da resolução Nº 13 de 02 de outubro de 2006, elaborada pelo Conselho Nacional do Ministério Público e objetiva regulamentar o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei nº 625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal.

Vale salientar que não ficou definido na Constituição à exclusividade do poder de investigação e a função de Polícia Judiciária e das polícias civis estaduais, tendo o Ministério Público legitimidade para proceder a investigações e diligências. Sendo assim, o enfoque que deve ser dado acerca da atual posição do Ministério Público no Estado Democrático de Direito - instituído no Brasil após 1988, é a respeito da possibilidade ou impossibilidade constitucional do poder de investigação.

A legitimidade do Ministério Público na fase investigatória é matéria muito vasta, mas ainda pouco explorada na doutrina e fruto de um certo relaxamento em virtude dos ditames e da própria personificação adotada pelo Parquet. O estudo do procedimento investigatório é apenas o início. Não se pretende esgotar a matéria e suas várias implicações neste trabalho, apenas expor algumas vertentes.

Enfim, nossa intenção, com a presente monografia, é primeiramente conhecer um pouco mais sobre a investigação criminal presidida pelo Ministério Público, especificamente sobre temas que não recebem a devida atenção. Por isso, nossa atenção inicial, estará voltada em sua evolução histórica, após, faremos uma análise dos argumentos favoráveis e contrários ao presente tema, em seguida levantaremos a análise do presente tema segundo o entendimento do STF e do STJ, para, por último, expormos a nossa opinião na conclusão.

  1. O poder de investigação do Ministério Público no direito brasileiro

O direito pátrio, sensível a tais novidades, ou seja, o poder de investigação do Ministério Público, não poderia se abster e nem se ausentar de toda essa controvérsia, tendo como base a possibilidade de investigação criminal pelo Ministério Público, apesar dessa atribuição ser, ao longo do tempo, tida como exclusiva da polícia judiciária.

De início encontramos na Lei Complementar nº 40/81 em seu art. 15, inc. I, a possibilidade de investigação do Ministério Público, ao discorrer que:

[...] São atribuições dos membros do Ministério Público; promover diligências e requisitar documentos, certidões e informações de qualquer repartição pública ou órgão federal, estadual ou municipal, da Administração Direta ou Indireta, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo e de segurança nacional, podendo dirigir-se diretamente a qualquer autoridade[...].

Ressalte-se ainda a possibilidade de assumir a direção de inquéritos policiais, quando designados pelo Procurador-Geral, nos termos do inc. V, do artigo em comento.

Pode-se entender ainda, com o advento da lei de Ação Civil Pública, que houve um reforço à possibilidade de investigação por parte do Parquet, até porque a lei supracitada criou a possibilidade do Inquérito Civil, que posteriormente foi recepcionado também pela Constituição de 1988.

Após a Constituição Federal de 1988 surgiram novos argumentos, tanto contrários quanto a favor, do Ministério Público realizar a investigação criminal, prescindindo do trabalho investigatório realizado pela polícia judiciária e, neste sentido, encontramos os posicionamentos contidos no art. 129 e incisos (ver a este respeito item 6.3 do presente trabalho).

Em síntese, diante do exposto até o presente momento, encontramos duas espécies de investigação criminal realizada pelo Ministério Público: uma na investigação de seus membros, que por ser questão interna corporis é incontroversa e os posicionamentos a respeito são sempre favoráveis. De outro lado encontramos a investigação similar à realizada pela polícia judiciária, sendo esta causadora de extensos debates, com vários posicionamentos contrários e favoráveis.

  1. O poder de investigação do Ministério Público no direito comparado

Em uma análise superficial sobre o presente tema, observamos que as posições existentes mudam de país para país quando o tema é a possibilidade de investigação por parte do Ministério Público.

Nota-se que a divergência é ainda maior quando a questão se relaciona a investigação criminal presidida pelo Parquet, não sendo tal posicionamento isento de críticas também nos outros Estados.

Na Inglaterra vê-se que o procedimento investigatório e a titularidade da ação penal não se concentram em um só órgão, sendo a atuação da parte acusadora extremamente reduzida. Dessa forma, faz-se a distinção clara e notória entre os dois órgãos.

Outro ponto interessante deste sistema é que a igualdade de armas tem sua dimensão reduzida, até porque eles partem do entendimento de que, nestes casos, o réu estaria em franca desvantagem por este produzir as investigações criminais.[2]

No Direito Alemão encontramos um avanço neste sentido, principalmente, após a reforma de 1974, quando foi extraída a possibilidade de investigação criminal das mãos do Juiz-Instrutor entregando tal feito ao Ministério Público. Neste caso, a investigação criminal está a cargo do Parquet, tendo ele uma gama enorme de poderes e possibilidades para o bom desempenho da tarefa de presidir principalmente o trabalho da polícia, uma vez, que o Ministério público é o titular do procedimento de investigação criminal. [3]

No Direito lusitano, encontramos um Ministério Público com suas bases no modelo napoleônico, sendo o mesmo concebido como órgão do poder executivo junto aos tribunais e estruturado como corpo hierarquizado na dependência do Ministro da Justiça.

Como braço do executivo, o Ministério Público viu-se investido, a par do exercício da ação penal, de funções de tipo não judicial, como a consultoria jurídica do governo e ainda, do encargo de representar junto dos tribunais os interesses privados do Estado e dos institutos públicos.

Nesse modelo, o procedimento de investigação criminal cabia ao juiz da instrução, nos mesmos moldes do Direito Espanhol e Francês. Após o Código de Processo Penal (Dec. lei 78/87, de 17 de fevereiro) houve uma alteração profunda no procedimento investigatório pois, o modelo até então vigente era considerado como o responsável pelo alongamento das fases do processo, com a repetição desnecessária de atos.[4]

No sistema vigente, cabe ao Parquet a realização do procedimento investigatório, que se materializa em um instrumento denominado de Inquérito (ver a este respeito o art. 264. Inc. I) podendo ser delegada a realização de certas diligências ou de toda investigação.

Destaque-se ainda que em Portugal, o art. 263 do Código de Processo Penal estabelece que o Ministério Público está encarregado de levar a cabo a fase pré-processual, contando com a assistência da polícia judiciária, que atua sob seu mando direto e dependência funcional (art. 56 do CPP). [5]

Vê-se ainda uma semelhança do modelo em comenta com o modelo inglês, face o aporte a argumentação contrária.

Outra característica ainda é o Juizado de Instrução, onde o protagonismo, nesta fase investigativa, pertence indiscutivelmente a figura do juiz-instrutor.

No direito Espanhol o art. 126 da Constituição prevê que a Polícia Judiciária depende dos juízes, Tribunais e do Ministério Público no desempenho das funções de averiguação do delito, descoberta e detenção do delinquente.

  1. Posicionamentos contrários ao poder de investigação por parte do Ministério Público

Contrários ao poder de investigação do Ministério Público encontramos Guilherme de Souza Nucci, Antônio Scarance Fernandes e Fernando da Costa Tourinho Filho. Estes doutrinadores em regra, argumentam que é dado ao Parquet o direito de requisitar a Polícia Judiciária, a realização de diligências e a instauração de inquérito policial supervisionando toda a atuação desenvolvida pelo órgão policial.

Discordando sobre o poder investigatório do Ministério Público o respeitável jurista Guilherme de Souza Nucci,[6] que de maneira consistente assevera:

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IMPOSSIBILIDADE DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PRODUZIR E CONDUZIR SOZINHO INQUÉRITO OU INVESTIGAÇÃO PENAL; embora seja tema polêmico, comportando várias visões a respeito, cremos inviável que o promotor de justiça, titular da ação penal, assuma a postura de órgão investigatório, substituindo a polícia judiciária e produzindo inquéritos visando a apuração de infrações penais e de sua autoria. A Constituição Federal foi clara ao estabelecer as funções da polícia federal e civil para investigar e servir de órgão auxiliar do poder judiciário daí o nome polícia judiciária na atribuição de apurar a ocorrência e a autoria de crimes e contravenções penais (art. 144). Ao Ministério Público foi reservada a titularidade da ação penal, ou seja, a exclusividade no seu ajuizamento, salvo o excepcional caso reservado a vítima, quando a ação penal não for intentada no prazo legal (art. 5º, LIX, CF). Note-se, ainda, que o art. 129, inciso III, da Constituição Federal, prevê a possibilidade do promotor elaborar inquérito civil, mas jamais inquérito policial. Entretanto, para aparelhar convenientemente o órgão acusatório oficial do Estado, atribui-se ao Ministério Público o poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos, de sua competência, requisitando informações e documentos (o que ocorre no inquérito civil ou em algum processo administrativo que apure infração funcional de membro ou funcionário da instituição, por exemplo), a possibilidade de exercer o controle externo da atividade policial (o que não significa a substituição da presidência da investigação, conferida ao delegado de carreira, o poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (o que demonstra não ter atribuição para instaurar o inquérito e, sim, para requisitar a sua formação pelo órgão competente). Enfim, ao Ministério Público cabe, tomando ciência da prática de um delito, requisitar a instauração da investigação pela polícia judiciária, controlar todo o desenvolvimento da persecução investigatória, requisitar diligências e, ao final, formar sua opinião optando por denunciar ou não eventual pessoa apontada como autora. O que não lhe é constitucionalmente assegurado é produzir, sozinho, a investigação, denunciando a seguir quem considerar autor da infração penal.

Contrário ainda ao poder de investigação por parte do Ministério Público encontra-se ainda o brilhante jurista Antônio Scarance Fernandes,[7] que assim se posiciona:

[...] O que permitiu o art. 129, VII, foi o acompanhamento do inquérito policial pelo promotor de justiça. O art. 129, VIII, da Constituição Federal só possibilitou ao Ministério Público requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. A lei orgânica nacional do Ministério Público (lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), em seu art. 26, IV, também atribuiu a referida instituição às mesmas atividades autorizadas pela norma constitucional (art. 129, VIII) [...].

Ainda, neste sentido, encontramos posicionamento contrário ao entendimento do presente tema por parte de Fernando da Costa Tourinho Filho,[8] que assim dispõe:

[...] Há entendimento no sentido de que o art. 144, §4º, da CF não mais permite seja o Inquérito, nas infrações penais comuns, presidido por outra autoridade que não a policial. De fato, assim dispõe o citado parágrafo: Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da união, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. A vingar a tese, são inconstitucionais os arts. 43 do Regimento Interno do STF e 56 do Regimento do STJ [...].

  • O ferimento ao princípio da igualdade de armas

Esse princípio parte da premissa de que no processo penal há uma paridade de forças entre os sujeitos da persecução criminal, e se apregoa que, no caso da investigação presidida por um membro do Parquet, o investigado estaria em plena desvantagem em relação ao Ministério Público.

Os adeptos desta teoria dizem que para que haja essa igualdade, é indispensável que disponham as partes das mesmas armas. É o princípio da par conditio.[9] Os direitos que se conferem a acusação não podem ser negados a defesa, e vice-versa.

Outro ponto abordado pelos adeptos a esta teoria, é que as diferenças econômicas, sociais e culturais dos investigados tornaram a desvantagem muito mais acentuada.

Ressalte-se ainda, que tal princípio, vem sendo um dos mais utilizados para a manutenção de um status quo legislativo, ou então para a realização de reformas que se operam na legislação processual de diversos países.

  • O ferimento ao princípio da imparcialidade e da impessoalidade do ministério público

Não se pode admitir Parquet parcial. Se o Estado chamou a si a tarefa de dar a cada um, o que é seu, essa missão não seria cumprida se, no processo, quer civil, quer penal, não houvesse imparcialidade. Mas a imparcialidade exige, antes de qualquer coisa, independência. Ninguém poderia ser efetivamente imparcial se não estiver livre de coações, de influências constrangedoras, enfim, de ameaças que pudessem fazê-lo temer a perda do cargo. Daí as garantias conferidas ao Ministério Público pela Lei.

Ressaltamos que o Ministério Público é parte no processo penal, conclusão esta que tornaria contraditória a incumbência deste princípio a quem é parte. Mas o verdadeiro sentido deste princípio seria o ânimo que motiva todo e qualquer funcionário público, ou seja, tal princípio deve ser visto sob o ângulo da falta de interesse pessoal na lide.

Por isso quando o Estado busca dar início a um processo que almeja a responsabilização de um indivíduo pela prática de um determinado ilícito, ele assume uma posição que o torna parcial, sobre o ponto de vista de um interesse que ela quer ver preservado.

  1. Posicionamentos favoráveis ao poder de investigação do Ministério Público
    1. Visão constitucional dos argumentos favoráveis

O Ministério Público tem uma função ecumênica, exercendo funções típicas que são comuns, próprias ou peculiares à instituição.[10] Estando a maioria das funções típicas discriminadas na Carta Maior.

Preliminarmente ressalte-se que ao lado das funções típicas mencionadas, cabe também salientar as funções atípicas, a saber: patrocínio do reclamante trabalhista, assistência judiciária, substituição processual etc.

A Constituição Federal elencou as funções do Ministério Público, ao longo dos nove incisos presentes em seu art.129.[11] Ao descrevê-las, o legislador não afirmou, de maneira expressa, que a realização das investigações criminais seria uma de suas funções. No entanto, uma parcela da doutrina entende que elas serão realizadas em razão da forma como são interpretados determinados incisos do artigo em comento, restringindo-se tudo à questão meramente de hermenêutica.

  • A teoria dos poderes implícitos

Esta teoria consiste no fato de que a titularidade no exercício da Ação Penal Pública haveria dado ao Ministério Público, mesmo que de forma implícita, a legitimidade para investigar criminalmente, pois o exercício desta atividade levaria à busca dos elementos necessários a propositura da ação penal.

A forma como estes argumentos são apresentados pela doutrina favorável à investigação pelo Ministério Público, deve ser analisado sob o prisma   da teoria dos poderes implícitos e da interpretação sistemática. Se entende que, entre outras funções, compete ao Ministério Público promover privativamente a ação penal pública. Tal missão foi confiada privativamente ao Ministério Público, dentro dos prazos processuais estabelecidos para sua propositura, em razão da leitura conjunta que se deve fazer do art.129, inc. I, com o art.5, caput, LIX, também da Carta Magna, que constitucionalizou a ação penal privada subsidiária da pública.

A primeira função institucional do MP prevista na Constituição Federal em seu art.129, inc. I - tem motivado o surgimento de algumas interpretações em âmbito processual, desde o equivocado entendimento de que o dito inciso haveria fixado o sistema processual acusatório em nosso país, até a possibilidade de o MP investigar criminalmente, prescindindo do trabalho a ser realizado pela polícia judiciária. Em termos práticos, a Teoria dos Poderes Implícitos, também chamada de implied powers, nada mais é do que a teorização do velho brocardo latino Qui potest maius, potest et  minus, ou seja, quem pode  o mais pode também o menos, criado por Ulpiano.

Somando-se o brocardo latino a esta teoria, e analisando a atual situação constitucional do Ministério Público, os defensores chegaram à conclusão de que se o Ministério Público é o titular da ação penal (o que seria mais), também poderá ele fazer suas próprias investigações (o que seria menos), a fim de que possa melhor exercer essa titularidade e se convencer sobre o oferecimento ou não, da acusação.

O principal argumento doutrinário apresentado contra a aplicação dessa teoria desenvolvida por Afrânio Silva Jardim[12] em nosso país, reside no fato de o texto constitucional não haver silenciado quanto ao meio que estaria à disposição do Ministério Público para que pudesse ele exercer a função prevista no inc. I do art. 129. Então, uma vez estabelecido na própria Constituição Federal que cabe à polícia judiciária a realização de investigações criminais, e não existindo qualquer lacuna, estaria vedado ao Ministério Público buscar outros caminhos que igualmente lhe possibilitem promover, privativamente, a ação penal pública.  Como uma mesma teoria é capaz de produzir resultados tão discrepantes como os encontrados na Doutrina? Ou seja, poderes implícitos só existem no silêncio da Constituição, ou melhor, quando ela não tenha conferido os meios expressamente em favor do titular ou em favor de outra autoridade, órgão ou instituição.

O que a teoria dos poderes implícitos faz é autorizar a utilização de um segundo meio, não legislado, e, portanto, implícito, em razão de o primeiro não satisfazer às exigências e necessidades de quem será o seu destinatário.

Aplicando-se tais termos à nossa realidade nacional, jamais a previsão constitucional de um único meio posto à disposição do Ministério Público, qual seja, a investigação realizada pela polícia judiciária, materializada pelo inquérito policial, poderia ser obstáculo à aplicação da implied powers, já que ela autoriza a existência de uma segunda via para que o acusador público possa promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei.

Em suma, a teoria dos poderes implícitos necessita que a investigação policial esteja prevista constitucionalmente para que ela (a referida teoria) possa existir, o que torna o inquérito policial, um fator desencadeante de sua existência, e não, um empecilho à aplicabilidade dessa teoria. A bem da verdade, as investigações ministeriais que vêm sendo realizadas em todo o país devem ser encaradas como uma questão fática, tendo em vista que o Ministério Público está ocupando, e com resultados mais que satisfatórios, um espaço que não é utilizado pela polícia judiciária já que a totalidade dos crimes investigados por ele, sempre permitiram a iniciativa ex officio da polícia, já que eram, e ainda são, crimes de ação penal pública.

Os opositores da teoria dos poderes implícitos demonstram desconhecimento em relação ao verdadeiro conteúdo dela pois, a referida teoria, apregoa a necessidade, em nome do interesse nacional, de mais de um meio para o seu exercício, e ratifica a viabilidade hermenêutica de aplicação desta teoria em nosso país, ao apresentar o inquérito policial como o único instrumento para o exercício da ação penal.

A soma de fatores: não-exclusividade investigatória da polícia e má-prestação de serviço público faz com que a investigação criminal do Ministério Público não só seja possível, mas também necessária em determinadas ocasiões, em razão da deficiência do único meio que é posto à disposição do acusador público para exercer a primeira e mais tradicional de suas funções constitucionais.

A teoria deve ser encarada como alternativa hermenêutica a um mais que notório reclame social, frente aos casos em que a inércia policial compromete não só a segurança pública, como também a efetividade da previsão constitucional.

  • Interpretação sistemática uma análise aprofundada do art. 129 da Constituição Federal

Além da teoria dos poderes implícitos, a corrente doutrinária que visa legitimar a investigação criminal ministerial também faz uso de um outro método de interpretação para encontrar, igualmente no art.129 da Constituição Federal, a necessária base legal para sua posição. O segmento em questão utiliza da interpretação sistemática para afirmar que os incs. II, VI, IX do art.129 da Constituição Federal seriam a base legal que permitiria ao Ministério Público realizar investigações e instaurar procedimentos administrativos destinados à apuração de ilícitos penais.

Apesar dessa corrente ter recebido apoio jurisprudencial, há opiniões no meio em sentido oposto, afirmando que os incisos mencionados anteriormente, nada mais seriam do que uma mera regulamentação da atividade ministerial, a ser exercida no âmbito das investigações civis ou correcionais. Entretanto, o inc. II do artigo em comento, jamais poderia estar vinculado ao inquérito civil ou às sindicâncias internas do Ministério Público, pelo fato de haver sido disposto antes do inc. III, que trata exatamente da ação civil pública e do instrumento de investigação a ser utilizado para embasá-la, pois do contrário, teríamos a situação curiosa, do texto de uma norma regulamentadora anteceder ao texto da norma que ele próprio pretende regulamentar.

Tendo o inquérito civil sido previsto no inc. III, deveria sua regulamentação haver ocorrido no inciso subsequente, tampouco o legislador fazer uso do inc. VI para regulamentar o inquérito civil mencionado no inc. III, pois em regra, a Constituição Federal não se destina a regular qualquer poder nela previsto. A regulamentação do inquérito civil deveria se dar por lei infraconstitucional, e não, do texto da Carta Maior, somando-se ao fato de que o inquérito civil já possuía regulamentação própria junto à Lei 7.347/85, não havendo necessidade para que ela fosse motivo de preocupação junto ao legislador constituinte.

Não se pode negar que o legislador constituinte fez clara distinção entre o inquérito civil e os procedimentos administrativos, fato este que não nos leva a tratá-los como se fosse o mesmo instituto. Poderíamos então afirmar que estes procedimentos administrativos se constituiriam em todo e qualquer instrumento investigatório, presidido pelo Ministério Público, não se destinando à ação civil pública, já que para tal fim, foi criado o inquérito civil.

A finalidade do Ministério Público pode ser encontrada no art.127 da Constituição Federal, que expõe o motivo de sua existência ou quais suas atividades-fim, que seriam a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Logo, a eventual função investigatória do Ministério Público deve estar a serviço de uma de suas finalidades.

  • Posicionamentos favoráveis de alguns doutrinadores

Posicionando-se de maneira favorável ao tema em questão encontramos alguns doutrinadores, entre eles Júlio Fabrini Mirabette,[13] que sobre o presente tema diz que:

[...] Os atos de investigação destinados à elucidação dos crimes, não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando-se expressamente a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas. Tem o Ministério Público legitimidade para proceder a investigações e diligências conforme determinarem as leis orgânicas estaduais [...].

Na mesma linha é a opinião de Hugo Nigro Mazzilli,[14] sendo o mesmo peremptório ao discorrer que:

[...] De um lado, enquanto a Constituição deu exclusividade à Polícia Federal para desempenhar as funções de polícia judiciária da União, o mesmo não se fez quanto à polícia estadual (cf.art. 144, §1º, IV, e §4º); de outro o Ministério Público tem poder investigatório previsto na própria Constituição, poder este que não está obviamente limitado a área não penal (art. 129, VI e VIII) [...].

Saliente-se ainda que os doutrinadores defensores deste posicionamento, em regra, alegam que, o Ministério Público, titular da ação penal pública na ordem jurídica vigente, bem como sendo o protetor dos interesses individuais indisponíveis, é conferido ao mesmo o dever de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos, promovendo as medidas necessárias à sua garantia.

É necessário ainda que o Ministério Público exerça outras funções compatíveis com sua finalidade, promovendo a segurança pública como dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, e ainda cuidando dos direitos fundamentais, da dignidade humana e da cidadania, sendo tal fator decisivo para a manutenção destes bens constitucionais. Alie-se isto o fato de que a Constituição atribuiu ao Ministério Público, de forma ampla, o controle externo da atividade policial, além de dispor que cabe ao Parquet requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Há também o fato de a Constituição conceder ao Ministério Público autonomia para levar a cabo a apuração dos fatos necessários ao oferecimento da denúncia, por meio inclusive da expedição de notificações para a coleta de depoimentos.

  1. O poder de investigação do Ministério Público no entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça

A compreensão do Papel do Ministério Público no procedimento investigatório deve ser vista, antes de tudo, em suas bases constitucionais, pois de suma importância é este esclarecimento. O poder de investigação do Ministério Público voltou à baila na alta corte no julgamento do pedido de habeas corpus, onde foi acolhida a tese do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais no sentido de que a prática de atos de investigação pelo Promotor de Justiça, inclusive a instauração de inquérito administrativo que embasa a ação penal, não o impede de oferecer a denúncia, trago abaixo ementa do referido acórdão:

[...]Regular participação do órgão do Ministério Público em fase investigatória e falta de oportuna arguição de suposta suspeição. Pedido indeferido. Nesse acórdão, a questão específica da condução da investigação pelo Ministério Público não foi objeto de debate aprofundado no Supremo Tribunal Federal. Mas a admissão da tese estava claramente afirmada na decisão do Tribunal Estadual e não foi objeto de censura[15] [...]

Encontra-se também questionamentos relativos ao presente tema junto ao Pretório Excelsior, onde é tratada da impossibilidade de ofensa ao art. 129, inc. VIII da Constituição Federal. Interessante neste julgado é o posicionamento discordante adotado:

[...]Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial competente para tal (CF, art. 144, §§ 1° e 4°). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior[16][...].

O Superior Tribunal de Justiça posicionou-se a este respeito em julgamento onde assevera a possibilidade de investigação por parte do Ministério Público. Trago à baila a integra do julgado em face da importância dele no desenvolvimento do presente trabalho:

PROCESSUAL PENAL - CONCUSSÃO PODER INVESTIGATIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL - JUSTA CAUSA - TRANCAMENTO - IMPOSSIBILIDADE. A questão acerca da possibilidade de o Ministério Público desenvolver atividade investigatória objetivando colher elementos de prova que subsidiem a instauração de futura ação penal é tema incontroverso perante esta eg. Turma. Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 129, I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Essa atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor. Entende-se que a investigação desses fatos é atribuição exclusiva da polícia judiciária, seria incorrer-se em impropriedade, já que o titular da ação é o Órgão Ministerial. Cabe, portanto, a esse o exame da necessidade ou não de novas colheitas de provas, uma vez que, tratando-se o inquérito de peça meramente informativa, pode o MP entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação penal. - Ora, se o inquérito é dispensável, e assim o diz expressamente o art. 39, § 5º, do CPP, e se o Ministério Público pode denunciar com base apenas nos elementos que tem, nada há que imponha a exclusividade às polícias para investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública. - A Lei Complementar nº 75/90, em seu art. 8º, inciso IV, diz competir ao Ministério Público, para o exercício das suas atribuições institucionais, "realizar inspeções e diligências investigatórias". Compete-lhe, ainda, notificar testemunhas (inciso I), requisitar informações, exames, perícias e documentos às autoridades da administração pública direta e indireta (inciso II) e requisitar informações e documentos às entidades privadas (inciso IV). - A 3a Seção desta Corte reafirmou o posicionamento pela competência da Justiça Estadual para a apuração dos delitos de cobrança de valor referente a procedimento cirúrgico, coberto pelo SUS. - No âmbito deste Colegiado, tem-se consagrado que o trancamento de ação penal por falta de justa causa, pela via estreita do writ, somente se viabiliza quando, pela mera exposição dos fatos narrados na denúncia, constata-se que há imputação de fato penalmente atípico ou que inexiste qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito pelo paciente. Hipótese não ocorrente. - No caso sub judice, a peça vestibular descreve, com clareza, conduta típica em tese propiciando o exercício da ampla defesa. - Ordem denegada. (grifos nossos).[17]

Encontra-se ainda outro julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, onde se suscita, por parte da defesa, sobre a possível ilicitude de prova de crime diverso obtida mediante a interceptação de ligações telefônicas de terceiro não arrolado na autorização judicial da escuta:

ESCUTA TELEFÔNICA. TERCEIRO. MP. DILIGÊNCIAS. Desde que esteja relacionada com o fato criminoso investigado, é lícita a prova de crime diverso obtida mediante a interceptação de ligações telefônicas de terceiro não arrolado na autorização judicial da escuta. Outrossim, é permitido ao MP conduzir diligências investigatórias para a coleta de elementos de convicção, pois isso é um consectário lógico de sua própria função, a de titular da ação penal (LC n. 75/1993). Precedentes citados: HC 37.693-SC, DJ 22/11/2004; RHC 10.974-SP, DJ 18/3/2002; RHC 15.351-RS, DJ 18/10/2004, e HC 27.145-SP, DJ 25/8/2003.

É necessário o esclarecimento que a atual constituição, em capítulo especial, situa o Ministério Público, à parte dos atuais poderes da República, dando ênfase a sua total autonomia e independência, bem como ampliando suas funções, sempre em busca da defesa dos direitos, prerrogativas e interesses da sociedade.

Entre as funções institucionais do Ministério Público está a de requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (CF, art. 129, inc. IX).

Ressalte-se ainda o entendimento de que a carta constitucional não atribuiu à exclusividade do poder investigatório a Polícia Judiciária, não havendo obstáculo algum, a investigação criminal por parte do Parquet, sendo este também o entendimento supra demonstrado.

Destarte o fato, como bem salientou Alexandre de Moraes:

[...] A Constituição Federal de 1988, ampliou sobremaneira as funções do Ministério Público, transformando-o em um verdadeiro defensor da sociedade, tanto no campo penal com a titularidade exclusiva da Ação Penal Pública, quanto no campo cível como fiscal dos demais poderes Públicos e defensor da moralidade e legalidade administrativa, inclusive com a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública [...].

Trago à baila, jurisprudências acerca do Ministério Público e seu poder investigatório. O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, pelos agentes de tal órgão, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos os advogados, sem prejuízo da possibilidade sempre presente no Estado Democrático de Direito do permanente controle jurisdicional dos atos praticados pelos promotores de justiça e procuradores da república. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava a nulidade de ação penal promovida com fulcro em procedimento investigatório instaurado exclusivamente pelo Ministério Público e que culminara na condenação do paciente, delegado de polícia, pela prática do crime de tortura.

HYPERLINK "http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=89837&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M" HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)


Inicialmente, asseverou-se que não estaria em discussão, por indisputável, a afirmativa de que o exercício das funções inerentes à Polícia Judiciária competiria, ordinariamente, às Polícias Civil e Federal (CF, art. 144, § 1º, IV e § 4º), com exceção das atividades concernentes à apuração de delitos militares. Esclareceu-se que isso significaria que os inquéritos policiais nos quais se consubstanciam, instrumentalmente, as investigações penais promovidas pela Polícia Judiciária serão dirigidos e presididos por autoridade policial competente, e por esta, apenas (CPP, art. 4º, caput). Enfatizou-se, contudo, que essa especial regra de competência não impediria que o Ministério Público, que é o dominus litis e desde que indique os fundamentos jurídicos legitimadores de suas manifestações determinasse a abertura de inquéritos policiais, ou, então, requisitasse diligências investigatórias, em ordem a prover a investigação penal, conduzida pela Polícia Judiciária, com todos os elementos necessários ao esclarecimento da verdade real e essenciais à formação, por parte do representante do parquet, de sua opinio delicti. Consignou-se que a existência de inquérito policial não se revelaria imprescindível ao oferecimento da denúncia, podendo o Ministério Público, desde que disponha de elementos informativos para tanto, deduzir, em juízo, a pretensão punitiva do Estado. Observou-se que o órgão ministerial, ainda quando inexistente qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, poderia, assim mesmo, fazer instaurar, validamente, a pertinente persecução criminal.

HYPERLINK "http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=89837&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M" HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)


Em seguida, assinalou-se que a eventual intervenção do Ministério Público, no curso de inquéritos policiais, sempre presididos por autoridade policial competente, quando feita com o objetivo de complementar e de colaborar com a Polícia Judiciária, poderá caracterizar o legítimo exercício, por essa Instituição, do poder de controle externo que lhe foi constitucionalmente deferido sobre a atividade desenvolvida pela Polícia Judiciária. Tendo em conta o que exposto, reputou-se constitucionalmente lícito, ao parquet, promover, por autoridade própria, atos de investigação penal, respeitadas não obstante a unilateralidade desse procedimento investigatório as limitações que incidem sobre o Estado, em tema de persecução penal. Realçou-se que essa unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza o Ministério Público tanto quanto a própria Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao suspeito e ao indiciado, que não mais podem ser considerados meros objetos de investigação. Dessa forma, aduziu-se que o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público não interfere nem afeta o exercício, pela autoridade policial, de sua irrecusável condição de presidente do inquérito policial, de responsável pela condução das investigações penais na fase pré-processual da persecutio criminis e do desempenho dos encargos típicos inerentes à função de Polícia Judiciária. HYPERLINK "http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=89837&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M" HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)

Ponderou-se que a outorga de poderes explícitos, ao Ministério Público (CF, art. 129, I, VI, VII, VIII e IX), supõe que se reconheça, ainda que por implicitude, aos membros dessa instituição, a titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas vocacionadas a conferir real efetividade às suas atribuições, permitindo, assim, que se confira efetividade aos fins constitucionalmente reconhecidos ao Ministério Público (teoria dos poderes implícitos). Não fora assim, e desde que adotada, na espécie, uma indevida perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente concedidas ao Ministério Público em sede de persecução penal, tanto em sua fase judicial quanto em seu momento pré-processual. Afastou-se, de outro lado, qualquer alegação de que o reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público poderia frustrar, comprometer ou afetar a garantia do contraditório estabelecida em favor da pessoa investigada. Nesse sentido, salientou-se que, mesmo quando conduzida, unilateralmente, pelo Ministério Público, a investigação penal não legitimaria qualquer condenação criminal, se os elementos de convicção nela produzidos porém não reproduzidos em juízo, sob a garantia do contraditório fossem os únicos dados probatórios existentes contra a pessoa investigada, o que afastaria a objeção de que a investigação penal, quando realizada pelo Ministério Público, poderia comprometer o exercício do direito de defesa. Advertiu-se, por fim, que à semelhança do que se registra no inquérito policial, o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos e laudos periciais que tenham sido coligidos e realizados no curso da investigação, não podendo o membro do parquet sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, qualquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por se referir ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível à pessoa sob investigação.

HYPERLINK "http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=89837&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M" HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)

Conclusão

Diante de tudo que se encontra disposto na Constituição Federal de 1988, com as suas respectivas alterações, entende-se que houve uma ampliação da competência no âmbito de atuação do Ministério Público.

Sendo assim, vê-se que o art. 4º do Código de Processo Penal, em seu parágrafo único, admite claramente a possibilidade de função investigatória, não gerando dúvida sob tal possibilidade, sendo transparente ao afirmar que as Autoridades Administrativas são detentoras da possibilidade de investigação.

À própria Constituição Federal que em seu §4º, art. 144,[18] prevê um rol amplo no procedimento investigatório ao dispor que salvo a competência da União as polícias civis incube a função de polícia judiciária, ou seja, não há óbice algum em que o Ministério público, como órgão criado para defesa e guarda de direito atue desta forma.

O procedimento investigatório criminal é um instrumento de natureza administrativa inquisitorial, repito, instrumento de natureza administrativa podendo o mesmo ser instaurado e presidido por membro do Ministério Público que atue na área criminal.

Deve-se levar em consideração ainda, que tal feito deve ter como meta a apuração das infrações penais de natureza pública, servindo como fonte ao Juízo na busca da verdade real, como bem determina o art. 1º da resolução nº 13 do Conselho Nacional do Ministério Público.[19]

Faz-se esclarecer que tal entendimento deve ser visto de forma conexa com o art. 26, inciso I, da Lei n. 8.625-93 e o art. 8º da Lei Complementar 75/93, que confirmam o membro do Ministério Público com poder para investigar diretamente notícias de crimes e contravenções instaurando para tanto procedimento administrativo.

Sensível a tais indagações o Supremo Tribunal Federal, dispôs que: o Inquérito Policial Presidido pelo Ministério Público é válido, sendo tal entendimento também adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:

A participação do membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.

Sendo assim, nada mais lógico que o Ministério Público possua autonomia no âmbito pré-processual, como forma de transparência e garantia da busca da verdade, aumentando a base para oferecimento da denúncia. Com referência ao impedimento e suspeição dispostos na Súmula, pode-se dizer ainda que o Ministério Público desempenha, no processo penal, ora a função de iniciar a ação penal, ora a função de custos legis - fiscal da lei -, ou ainda a função investigatória.

Sendo assim, trata-se de um órgão que tem como pressuposto a imparcialidade, sendo natural também que se houver motivo que possa comprometer sua imparcialidade, poderá a parte questionar. Sendo assim nada mais do que justo que em caso de comprovada suspeição a parte alegue em sua defesa os motivos do art. 254 do CPP,[20] no que for aplicável, conforme bem preceitua o art. 258 do CPP,[21] até porque o judiciário não pode excluir da sua apreciação lesão ou ameaça ao Direito. Entretanto, o simples fato de o parquet vir a participar de um procedimento investigatório não representa mácula alguma para o oferecimento de posterior denuncia, até porque se trata de um procedimento de busca da verdade.

Pertinente a observação de que o momento oportuno para alegação de suspeição seria já na fase processual, pois Habeas Corpus na fase investigatória é apenas em casos específicos (manifesta atipicidade do fato, extinção da punibilidade ou em caso de fato atípico).

A legitimidade do poder investigatório do Ministério Público pode coadunar com assessoria inclusive, como bem ressaltou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao dispor que: O Ministério Público tem legitimidade para proceder a investigações ou prestar tal assessoria à Fazenda Pública para colher elementos de prova que possam servir de base a denúncia ou ação penal. (RT651/313).

Nestes termos não existe impedimento, nem vedação alguma, para o Ministério Público realizar investigações no âmbito criminal, haja vista que na busca da verdade real a concentração de esforços em busca de um objetivo tende a ampliar a questão da segurança jurídica dos julgados.

Ressalte-se ainda que as garantias constitucionais do Parquet acabaram por dar ao mesmo uma maior tranquilidade na produção e valoração das provas, até porque, como bem se sabe as polícias civis são órgãos administrativos vinculados a esfera do poder executivo, o que pode ocasionar o comprometimento de todo processo investigatório, sem contar ainda que os mesmos estão mais sujeitos a pressões externas.

Vê-se ainda que os argumentos contrários à investigação não resistem a um exame detalhado e profundo e a maioria dos autores examinados, criou mais obstáculos ao procedimento investigatório, levantando indagações de ordem subjetiva deixando questões de ordem jurídicas de lado ou ainda, não se aprofundaram na matéria dos pressupostos.

É necessário que a matéria do poder de investigação do Ministério Público seja regulamentada por lei federal, pois as regulamentações administrativas não criam a segurança jurídica necessária ao desenvolvimento funcional da questão.

Registre-se que o sistema constitucional não concedeu o monopólio da investigação criminal à Polícia judiciária, bem como a própria Constituição atribui hipóteses de investigação a outros órgãos, como ocorre, por exemplo, com as Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º) [22] e, com o Congresso Nacional auxiliado pelo Tribunal de Contas da União. A legislação infraconstitucional prevê ainda outras hipóteses que sempre foram admitidas como constitucionais.

Ao Parquet, deve ser outorgado, os mesmos poderes investigatórios regulamentados a polícia judiciária, respeitando, é claro, os direitos e garantias fundamentais, não devendo haver qualquer obstáculo de ordem legal e dogmática a este entendimento, como forma de sedimentar os valores de um estado democrático de direito, como busca da verdade.

Referências

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, 18ª ed. Ed. Saraiva. 2018.

Sobre o autor
Edwillams Gomes de Oliveira

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Especialista em Segurança Pública e Privada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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