Diferencial de alíquotas do ICMS e as implicações do princípio da anterioridade

11/12/2022 às 16:53
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Este trabalho tem por finalidade analisar o marco temporal para aplicação do princípio da anterioridade e nonagesimal tributária no que tange a exigência do Diferencial de Alíquotas do ICMS, a partir do regramento geral do Diferencial de Alíquotas do ICMS

RESUMO

Este trabalho tem por finalidade analisar o marco temporal para aplicação do princípio da anterioridade e nonagesimal tributária no que tange a exigência do Diferencial de Alíquotas do ICMS, a partir do regramento geral do Diferencial de Alíquotas do ICMS, Lei Complementar Nacional n° 190/2022, ou da lei local instituidora do tributo. A pesquisa foi desenvolvida pelo método indutivo, iniciando-se a análise de forma ampla sobre os princípios constitucionais tributários. Em seguida, uma breve análise do novo e do antigo diferencial de alíquotas do ICMS bem como as recentes mudanças legislativas sobre o Diferencial de Alíquotas do ICMS e o posicionamento jurisprudencial sobre o tema. Para o tema Diferencial de Alíquotas do ICMS será utilizado como referencial teórico a análise doutrinária e jurisprudencial, revistas, artigos científicos publicados e sites da internet, onde se demonstrará os marcos temporais de aplicação do Diferencial de Alíquotas do ICMS e assim poder propor uma solução para a correta aplicação do marco temporal na exação do tributo. A tipologia adotada foi a ordem exploratória, com verificação bibliográfica de dados e informações disponíveis, levando-se em conta doutrinas e pesquisa jurisprudencial. Partindo-se da exposição dos temas abordados neste trabalho acadêmico, percebe-se que a falta de posicionamento do Supremo Tribunal Federal tem trazido insegurança jurídica diante de direitos fundamentais tributários bem como tem gerado diversas ações que discutem a exação do DIFAL do ICMS no decorrer do ano de 2022.

Palavras-chave: ICMS. Diferencial de alíquota. Princípio da anterioridade tributária. Princípio da anterioridade nonagesimal.

ABSTRACT

 

The purpose of this work is to analyze the timeframe for applying the principle of tax anteriority and nonagesimal regarding the requirement of the ICMS Rate Differential, based on the general regulation of the ICMS Rate Differential, National Complementary Law No. 190/2022, or the local law establishing the tax. The research developed using the inductive method, starting the analysis in a broad way on the constitutional principles of taxation. Then, a brief analysis of the new and old differential ICMS rates as well as the recent legislative changes on the ICMS Rate Differential and the jurisprudential position on the subject. For the ICMS Rate Differential theme, doctrinal and jurisprudential analysis, magazines, published scientific articles and internet sites will be used as a theoretical reference, where the time frames of application of the ICMS Rate Differential will be demonstrated and thus be able to propose a solution to the correct application of the time frame in the collection of the tax. The typology adopted was the exploratory order, with bibliographic verification of available data and information, taking into account doctrines and jurisprudential research. Starting from the exposition of the themes approached in this academic work, it is noticed that the lack of positioning of the Federal Supreme Court has brought legal uncertainty in the face of fundamental tax rights, as well as has generated several actions that discuss the exaction of the DIFAL of the ICMS during the course of the year 2022.

Keywords: ICMS. Rate differential. Principle of tax precedence. Principle of nonagesimal anteriority.

                                    

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.. 10

2 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E A SUA INCIDÊNCIA SOBRE OS TRIBUTOS. 11

2.1 Os princípios constitucionais tributários. 11

2.2 Origem histórica do princípio da anterioridade e sua incidência sistema tributário. 19

2.3 A importância da anterioridade para o sistema tributário. 21

3 UMA BREVE ANÁLISE DO NOVO E DO ANTIGO DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS DO ICMS. 26

3.1 Breves considerações acerca do ICMS. 26

3.2 Diferencial de alíquotas DIFAL. 28

4 AS RECENTES MUDANÇAS LEGISLATIVAS SOBRE O DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS DO ICMS E O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA. 30

4.1 ADI nº 5.469/DF Tema 1.093/STF. 31

4.2 Problemática de identificar o marco temporal em relação às leis existentes. 33

4.3 Solução para o impasse. 35

5 CONCLUSÃO.. 37

REFERÊNCIAS. 38

APÊNDICE. 41

 

1 INTRODUÇÃO

 

A tecnologia está cada vez mais presente na sociedade contemporânea, em diversas áreas da vida das pessoas, desde o trabalho, estudo, lazer, entretenimento, comunicação, até mesmo nas relações interpessoais. A tecnologia tem facilitado e transformado a forma como as pessoas vivem e interagem com o mundo.

Com a evolução tecnológica a facilidade de comprar aumentou cada vez mais. Esse fator, somado aos preços baixos, tornou o e-commerce a opção preferida dos consumidores.

Dentro desse contexto, surgem novas relações jurídico-tributárias em torno de guerras fiscais envolvendo o ICMS.

Nesse sentido, o presente trabalho acadêmico, reside na relevância que o tema possui em razão da sua atualidade bem como por ainda não haver unicidade jurisprudencial acerca do que deve ser aplicado na prática.

Enfatiza-se ainda que o próprio judiciário tenha oscilado nas decisões a respeito da exigibilidade da cobrança do Diferencial de Alíquotas do ICMS, o que deixa claro a necessidade de uma unificação do entendimento sobre o tema.

Desse modo, busca-se refletir sobre a identificação do marco temporal da aplicabilidade do Diferencial de Alíquotas do ICMS, e a partir disso tentar propor a resolução do problema respeitando-se os limites estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e demais legislações vigentes.

 

2 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E A SUA INCIDÊNCIA SOBRE OS TRIBUTOS

 

Neste capítulo iremos abordar de forma proemial os princípios constitucionais tributários ressaltando a importância do princípio da anterioridade tributária em meio às relações jurídicas entre contribuintes, Estado e o Sistema Tributário, bem como entender o surgimento e evolução deste princípio.

 

2.1 Os princípios constitucionais tributários

 

A Constituição de 1988 deu nova ordem às relações jurídicas entre o Estado e os particulares, instituindo o Estado Democrático de Direito, com base nos princípios da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do pluralismo político, da separação dos poderes e da garantia dos direitos fundamentais.

Dito isso, os princípios, dentro do estudo e aplicabilidade do direito, tem relevante importância para elucidar qualquer conflito interno de normas de uma dada realidade e que servem de validez para um juízo na observância e interpretação de normas.

Segundo Miguel Reale (1999, p. 60):

Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.

Corroborando com Miguel Reale, o doutrinador Roque Carrazza (2013, p. 42), considera que os princípios são as instruções, digo, as direções, do ordenamento jurídico. Infere ainda o doutrinador (2013, p. 43) que:

em qualquer Ciência, princípio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é, ainda, a pedra angular de qualquer sistema.

Destarte, no que tange aos princípios constitucionais tributários, estes, por sua vez, promovem segurança aos contribuintes, seja pessoa física ou pessoa jurídica, ao permitirem que estes não sejam surpreendidos com mudanças súbitas de encargos fiscais, corroborando assim com o direito inafastável ao planejamento de suas finanças.

Ademais, os princípios constitucionais são normas que se sobrepõem às demais devido a sua natureza constitucional e que servem de alicerce frente à atuação do Estado bem como na harmonização com o Direito tributário.

Isto posto, ressalta-se sobre os efeitos da inobservância dos princípios que com sua violação promoverão a ilegalidade e/ou a inconstitucionalidade. Do mesmo modo, assevera o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 747 - grifo nosso), os efeitos a respeito da inobservância ou ainda violação dos princípios:

Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo [...]. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que os sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.

Desse modo, os princípios constitucionais tributários têm como função limitar o poder de tributar do Estado perante as fiscalizações e arrecadações em relação aos contribuintes.

Machado Segundo (2019, p. 97) ensina que, embora a tributação seja inerente a todos os governos em qualquer momento da história houve um momento em que revoluções, motivadas por razões tributárias, levaram à imposição ou restauração mais efetiva de regras, as quais algumas já existiam na antiguidade, com intuito de limitar esse poder de tributar.

A Constituição de 1988 deu nova ordem às relações jurídicas entre o Estado e os particulares, instituindo o Estado Democrático de Direito, com base nos princípios da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do pluralismo político, da separação dos poderes e da garantia dos direitos fundamentais. Nessa ordem, as limitações ao poder de tributar, que se comparam aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, tornaram-se uma das normas fundamentais da ordem constitucional brasileira.

Destarte, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5°, caput, apresenta uma cláusula geral de direitos fundamentais, consideradas as diretrizes fundamentais da República Federativa do Brasil, e em seu inciso II estabelecem, de forma genérica, o princípio da legalidade, a saber:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (BRASIL, 1988)

Na mesma linha, o artigo 150, da CRFB/88, inaugura as principais limitações ao exercício da competência tributária com a Seção II Das limitações do poder de tributar, o qual assegura o contribuinte sem prejudicar as suas garantias. Por esta forma, é viável observar que o poder dado ao Estado de criar e cobrar tributos não é ilimitado às quais estão dispostas no capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional e veda tais Entes de exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça, conforme disposto no inciso I, do referido artigo: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

Não é difícil perceber, portanto, que a Constituição Federal, para dar segurança jurídica ao contribuinte, estabeleceu ainda um forte princípio de neutralidade fiscal, o princípio da anterioridade, uma vez que a lei tributária não pode alcançar fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor bem como não pode tributar fatos ocorridos no mesmo exercício de sua publicação (CRFB/88, art. 150, III, b), analisemos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

III - cobrar tributos:

[...]

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (BRASIL, 1988)

Nessa esteira, Roque Carrazza (2013, p. 213), ensina que o princípio da anterioridade tolhe o agir não só da Administração Fazendária, como do próprio Poder Legislativo, já que o impede de estabelecer que lei com tais características colha fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada.

Assim, o princípio da anterioridade vem para reiterar a segurança jurídica pois reafirma que o contribuinte não pode ser pego de surpresa e fazendo assim com que o Estado se antecipe na criação de tributos para aplicabilidade correta ante o contribuinte.

Para além de criação e cobrança de tributos em vista do princípio da anterioridade, é importante destacar que estes não podem ser exigidos sobre fatos que ocorreram antes da entrada em vigor da lei que os instituiu.

Assim, reiterando o que está disposto na Constituição Federal e corroborando com o princípio da anterioridade, dispõe na CRFB/88, em seu artigo 150, inciso III, alínea a, o princípio da irretroatividade, que, segundo Roque Carrazza (2013, p.385), protege o contribuinte contra o arbítrio do Estado, que não pode modificar, para pior, situações fiscais já consolidadas ou já aperfeiçoadas, embora ainda pendentes de condição.

Machado Segundo (2019, p. 108) menciona que como se trata de proteção do cidadão contribuinte em face do Estado, a limitação de que se cuida não impede o poder público de editar normas de efeitos retroativos em benefício do contribuinte (p. ex., anistia, redução de penalidades etc.).

Desse modo, quando se diz que a proteção do contribuinte é contra o arbítrio do Estado, isso significa que está protegido contra qualquer ação arbitrária por parte do Estado, que é o responsável por impor o tributo. Isso significa que o Estado não pode simplesmente mudar as regras do jogo quando isso lhes convém, sempre que surgir uma nova situação, visto que isso seria arbitrário. Ademais, isso não significa que o Estado não possa modificar as situações fiscais já existentes, pois isso pode ser necessário para atender a novas necessidades.

Importante destacar ainda que o Estado possa editar normas que tratem contribuintes de maneiras diferentes. Isto é possível graças ao princípio da igualdade ou isonomia tributária, constante no inciso II do artigo 150 da CRFB/88, o qual veda o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação de equivalência.

O princípio da igualdade, como um princípio que orienta a aplicação das leis e a atuação tanto do Estado quanto de seus agentes, é também um princípio constitucional, expresso no art. 5º, caput, da CRFB/88, que consagra a igualdade entre todos os brasileiros.

A igualdade, porém, não é absoluta, não pode ser entendida como uma igualdade matemática, uma vez que o ser humano é diferente do outro, e o Estado não pode, por seu poder de imposição, igualar todos.

Na visão de Machado Segundo (2019, p. 105), o inciso II, artigo 150 da CRFB/88:

Trata-se de desdobramento, ou explicitação, do princípio geral da isonomia, ou da igualdade, que neste caso foi consagrado expressamente não apenas em seu aspecto formal (atendido com a mera generalidade da lei tributária), mas também em sua feição substancial, que significa tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.

Ainda sobre este aspecto, comenta Alexandre (2021, p. 150) que a isonomia, como instrumento dos direitos fundamentais de igualdade, deve ser aplicada tanto horizontalmente (igualdade entre os indivíduos) quanto verticalmente (igualdade a medida da desigualdade), senão vejamos:

A acepção horizontal refere-se às pessoas que estão niveladas (daí a nomenclatura), na mesma situação e que, portanto, devem ser tratadas da mesma forma.

Assim, contribuintes com os mesmos rendimentos e mesmas despesas devem pagar o mesmo imposto de renda.

A acepção vertical refere-se às pessoas que se encontram em situações distintas e que, justamente por isso, devem ser tratadas de maneira diferenciada na medida em que se diferenciam.

Assim, a pessoa física que possui salário de quinhentos reais mensais está isenta do imposto sobre a renda; enquanto aquela cujos rendimentos são de cinco mil reais mensais se sujeita a uma alíquota de 27,5% do mesmo imposto. Mesmo que os rendimentos sejam idênticos, o tratamento deve ser diferenciado se, por exemplo, há uma diferença relevante quanto a número de filhos, despesas com saúde, educação, previdência, entre outras.

Ainda com fulcro na obra de Alexandre (2021, p. 159) assevera o autor que em matéria de tributação, a capacidade contributiva é o principal parâmetro de desigualdade a ser levado em consideração para a atribuição de tratamento diferenciado às pessoas.

Este critério, ou melhor, dizendo, princípio da capacidade contributiva, está disposto no artigo 145, §1° da CRFB/88, que dispõe:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[...]

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (BRASIL, 1988 - grifo nosso)

Corroborando com os preceitos constitucionais mencionados, Paulsen (2020, p. 99) leciona que o Estado deve exigir das pessoas que contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade econômica, de modo que os mais ricos contribuam progressivamente mais em comparação aos menos providos de riqueza.

Assim, a capacidade contributiva pode ser definida como o critério que estabelece a obrigação do contribuinte em relação ao pagamento de tributos. Essa capacidade é determinada pelo nível de renda do contribuinte, ou seja, quanto mais renda o contribuinte tiver, maior será sua capacidade contributiva.

Para Amaro (2014, p. 157) confiscar é tomar para o Fisco, desapossar alguém de seus bens em proveito do Estado. Na mesma linha, Roque Antônio Carrazza (2013, p. 113) afirma que O princípio da não confiscatoriedade proíbe usurpar, simulando tributar, o patrimônio do contribuinte.

O princípio da vedação ao tributo com efeito de confisco, ou ainda princípio do não confisco, é um dos princípios fundamentais do Direito Tributário brasileiro. Este princípio é consagrado no artigo 150, inciso IV, da CRFB/88, que dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

IV - utilizar tributo com efeito de confisco; (BRASIL, 1988)

Tal princípio deve ser observado, para que o tributo seja considerado justo e equitativo, não devendo a cobrança deste tributo atingir a totalidade do patrimônio do contribuinte, de tal forma que não reste nada para o seu sustento.

É o princípio pelo qual o tributo não pode ter efeito confiscatório. Isso significa que o tributo não pode ser tal que o contribuinte fique sem meios de subsistência ou que lhe sejam deixados apenas os recursos mínimos para a manutenção da vida.

Nesse sentido, precisas são as colocações de Machado Segundo (2019, p. 119) o qual aduz que em função do direito de propriedade e da proteção à livre-iniciativa, na Constituição foi explicitada a proibição de que o tributo seja utilizado com efeito de confisco (art. 150, IV).

Além dos princípios mencionados anteriormente, temos o princípio da liberdade de tráfego de bens ou pessoas o qual está expresso na Constituição Federal de 1988 no artigo 150, inciso V, que diz:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; (BRASIL, 1988)

No que se refere ao tráfego de bens, o texto constitucional assegura o livre exercício da atividade econômica, sem qualquer restrição de natureza governamental. Isso significa que todos os cidadãos têm o direito de produzir, comercializar e consumir produtos, sempre que esses atos não atentem contra a ordem pública ou os direitos fundamentais de terceiros. Já no que se refere ao tráfego de pessoas, a Constituição Federal assegura o direito de ir e vir garantindo a todos o livre deslocamento pelo território nacional.

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Para Ricardo Lobo (2011, p. 67), o fundamento da imunidade é a liberdade de ir-e-vir, que no Estado de Direito é absoluta e prioritária. Nada tem que ver com as ideias de justiça ou utilidade. Kioshi Harada (2009, p. 352) aduz ainda que:

O referido princípio é uma decorrência natural da unidade econômica e política do território nacional. Objetiva assegurar a livre circulação de bens e de pessoas ou meios de transportes, que não pode ser limitada ou embaraçada por tributação interestadual ou intermunicipal, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público.

Na mesma linha de pensamento, o conhecido professor Eduardo Sabbag (2016, p. 155), comenta que:

Assim, o legislador constituinte pretendeu evitar que o Poder Público se valesse do tributo para atingir, mesmo que de modo reflexo, as liberdades pessoal e patrimonial, estipulando norma principiológica de limitação ao tráfego de pessoas ou bens como elemento corolário da garantia constitucional de liberdade de locomoção, estipulada no art. 5º, XV.

Machado Segundo (2019, p. 122), ressalta ainda que:

O citado princípio não veda, propriamente, a cobrança de tributos em operações interestaduais ou intermunicipais. Não há uma imunidade para essas operações. O que não é possível é tributá-las de modo mais pesado que as operações internas, utilizando-se o tributo como forma de desestimular o tráfego de pessoas e bens dentro do território nacional.

Portanto, a liberdade de tráfego de bens e pessoas é um direito garantido pela Constituição Federal que assegura a todos o livre exercício da atividade econômica, bem como o direito de ir e vir.

Importante mencionar ainda o princípio da seletividade, evidenciado no artigo 153, §3º, inciso I e artigo 155, §2º, inciso III da CRFB/88:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

[...]

§ 3º O imposto previsto no inciso IV:

[...]

I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[...]

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

[...]

III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços; (BRASIL, 1988 - grifo nosso)

Este princípio tem por escopo permitir a aplicação de um tratamento diferenciado para um grupo específico de produtos ou serviços em função da essencialidade.

Sobre o tema, dispõe Paulsen (2020, p. 224) que:

Dentre as técnicas para a tributação conforme a capacidade contributiva de cada pessoa está a previsão de alíquotas conforme a natureza ou a finalidade dos bens, produtos ou mercadorias. Selecionar é distinguir, separar, escolher. A seletividade implica múltiplos tratamentos tributários, adequados a cada objeto.

É válido reiterar que a seletividade tributária é uma forma de tributação diferenciada que consiste na aplicação de diferentes alíquotas a produtos, bens ou serviços semelhantes, de acordo com critérios seletivos. A seletividade tributária tem por objetivo proporcionar uma tributação mais justa, adequada à capacidade contributiva de cada um e à natureza dos produtos.

Nas palavras de Coêlho (2016, p. 697) o princípio da seletividade visa, em princípio, o consumidor final. É para ele a essencialidade do produto posto ao consumo.

Ainda há respeito deste importante princípio, Machado Segundo (2019, p.155) completa afirmando:

Diz-se seletiva a tributação feita de sorte a que ônus tributários diferentes sejam impostos a produtos ou serviços também diferentes, a partir de determinado critério. Trata-se de estabelecer distinções entre os objetos a serem tributados, de sorte a onerá-los de maneira diferente a partir de um parâmetro previamente eleito.

Nesse sentido, cumpre destacar que a seletividade tributária pode incentivar o consumo de produtos considerados relevantes para o desenvolvimento econômico, como bens de capital e produtos nacionais. Além disso, pode favorecer a competitividade de empresas que produzem esses produtos. A seletividade tributária também pode ser utilizada para proteger setores da economia que são considerados estratégicos para o desenvolvimento do país.

Por fim, temos o princípio da uniformidade geográfica disposto no artigo 151, inciso I, da CRFB/88, que diz:

Art. 151. É vedado à União:

I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; (BRASIL, 1988)

O princípio da uniformidade geográfica refere-se à igualdade dos tratamentos jurídicos aplicados aos sujeitos de direito em uma determinada região ou localidade. Em outras palavras, o princípio da uniformidade geográfica prevê que a lei seja aplicada de forma igual a todos os sujeitos de direito em um determinado espaço territorial.

A respeito deste princípio Sabbagg (2016, p. 162) comenta ainda que compete à União instituir tributos federais de modo uniforme em todo o Brasil, em absoluta ratificação do princípio da isonomia, sem embargo do fundamento no princípio federativo.

 

2.2 Origem histórica do princípio da anterioridade e sua incidência sistema tributário

 

Ao longo da história, um conjunto de princípios foram estabelecidos para orientar e estruturar o Estado de Direito. Diante das constituições existentes no mundo, podemos perceber que estes princípios formam o alicerce fundamental para a elaboração de direitos fundamentais.

Destaca-se entre eles o princípio da anterioridade que teve como origem o princípio da anualidade, consagrado na Constituição de 1946 (art. 141, § 34, 2ª parte), o qual estabelece que nenhum tributo será cobrado sem a lei que o estabeleça bem como não será exigido sem a prévia autorização orçamentária para que assim os tributos pudessem ser cobrados em cada exercício.

Amaro (2014) esclarece que o termo princípio da anualidade é devido a exigência de que a cada ano os impostos tenham de ser autorizados, daí o termo anualidade.

Ainda durante a vigência do princípio da anualidade frente a Constituição de 1946 foram editadas as Súmulas n° 66 e 67 do Supremo Tribunal Federal que diziam, respectivamente: É legítima a cobrança do tributo que houver sido aumentado após o orçamento, mas antes do início do respectivo exercício financeiro e É inconstitucional a cobrança do tributo que houver sido criado ou aumentado no mesmo exercício financeiro.

Na concepção de Amaro (2014, p. 139-140):

Essas duas súmulas praticamente reescreveram o princípio constitucional. O que passou a ser relevante, para legitimar a aplicação do tributo em cada exercício, é a anterioridade da lei em relação ao exercício (o que foi enunciado na Súmula 67), bastando que o tributo tivesse sido incluído na lei de meios ou que, pelo menos, tivesse sido autorizado por lei posterior ao orçamento, mas anterior ao início do exercício financeiro da cobrança (como previa a Súmula 66).

Para Machado Segundo (2019, p. 113) a anterioridade é:

Do ponto de vista histórico, a anterioridade pode ser vista como fruto da mitigação que a jurisprudência do STF fez, ainda sob a vigência da Constituição de 1946, ao princípio da anualidade, por meio da Súmula 66/STF É legítima a cobrança do tributo que houver sido aumentado após o orçamento, mas antes do início do respectivo exercício financeiro.

Afirma ainda o autor que essa modulação foi incorporada na 1ª EC de 1969, a Constituição de 1967, que passou a dispor, assim como na CRFB/88, o princípio da anterioridade e não mais da anualidade (MACHADO SEGUNDO, 2019).

Apesar do princípio da anualidade ter sofrido mitigação, na visão de Carrazza (2013, p. 237):

O princípio da anualidade alberga um plus, em relação ao da anterioridade. Enquanto este se limita a exigir que a cobrança do tributo se perfaça de acordo com as leis vigentes no exercício anterior, aquele exige, também, a autorização orçamentária para que ela ocorra de modo válido.

Carraza (2013, p.238) completa afirmando:

Logo, o princípio da anualidade compreende a anterioridade da lei e a autorização orçamentária. Em função dele, o tributo, ainda que criado ou aumentado por meio de lei, só poderá ser exigido quando expressamente previsto, qualitativa e quantitativamente, na lei orçamentária.

Dessa forma, o Estado tem a liberdade de incluir ou não o princípio da anualidade nas suas leis, ou seja, não é obrigatória a sua inclusão, mas, se o Estado optar por inseri-lo nas suas leis, será obrigado a cumpri-lo.

Com as mudanças ocorridas na legislação brasileira e com a garantia trazida pelo princípio da anterioridade o Poder Público vinha adotando práticas abusivas que acabavam por cercear direitos e garantias fundamentais dos contribuintes. Ocorre que o Ente em 31 de dezembro criava lei que institui a criação ou ainda o aumento de certo imposto e com isso já atendia o requisito da anterioridade da lei, pois está fora criada e publicada no exercício anterior.

Com as discrepâncias praticadas por tais Entes, foi introduzida na Constituição Federal a EC n° 42/2003, que alterou o art. 150, inciso III, alínea b, a qual exigiu que essa cobrança não poderá ocorrer antes de decorrido o prazo de 90 (noventa) dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou os aumentou, sendo necessário, cumulativamente, ainda ser observado o requisito do exercício anterior.

Em conformidade com Machado Segundo (2019, p. 115) são dois prazos que devem ser cumpridos paralela e cumulativamente: a espera pelo exercício seguinte e o transcurso de 90 dias.

Portanto, se uma nova lei instituiu ou aumentou um tributo já existente, a cobrança do tributo somente poderá ser iniciada após decorridos 90 (noventa) dias da data de sua publicação, mesmo que a lei tenha fixado sua cobrança para o exercício financeiro seguinte àquele em que foi editada. Assim, uma lei, editada em 30 de dezembro de 2022, por exemplo, institui o Imposto de Renda de Pessoas Físicas a ser cobrado a partir de 1º de janeiro de 2023, a cobrança do novo tributo somente poderá ser iniciada a partir de 1º de março de 2023.

Destarte, para esta espera de 90 (noventa) dias para que haja a cobrança ou aumento de tributos dá-se o nome de princípio da anterioridade nonagesimal o qual será melhor detalhado na seção que se segue.

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2.3 A importância da anterioridade para o sistema tributário

 

No Direito Tributário, a anterioridade é um princípio de bastante relevância, pois tem como objetivo garantir o equilíbrio entre o Estado e o contribuinte na medida em que a obrigação tributária só poderá ser cobrada a partir do momento em que a lei que a instituiu entrar em vigor.

Desse modo, o princípio da anterioridade tributária é uma importante garantia para os contribuintes, pois evita que eles sejam surpreendidos com a cobrança de um tributo que não esperavam.

Paulsen apud Humberto Ávila (2020, p. 194) destacam a relevância sobre o conhecimento antecipado de lei tributária mais gravosa, vejamos:

A anterioridade é garantia de conhecimento antecipado da lei tributária mais gravosa. Não se trata apenas de prover previsibilidade ou não surpresa. HUMBERTO ÁVILA diz que, em vez de previsibilidade, a segurança jurídica exige a realização de um estado de calculabilidade. Calculabilidade significa a capacidade de o cidadão antecipar as consequências alternativas atribuíveis pelo direito a fatos ou a atos, comissivos ou omissivos, próprios ou alheios, de modo que a consequência efetivamente aplicada no futuro situe-se dentro daquelas alternativas reduzidas e antecipadas no presente.

Ainda sobre a previsibilidade trazida por Paulsen, Carraza (2013, p. 215) destaca ainda que:

(...) a anterioridade volta-se para fatos futuros, dando ao contribuinte a previsibilidade do que o aguarda no próximo exercício financeiro - e, portanto, condições objetivas de se programar e preparar para bem cumprir as novas exigências fiscais.

Destaca-se a importância ante a previsibilidade e calculabilidade a qual o Estado deve-se preocupar para a preparação dos contribuintes ante o sopesar da carga tributária a ser produzida pelo Estado.

Coêlho (2016, p. 303) alerta sobre a pertinência dos Entes discutirem as políticas tributárias para os anos seguintes, senão vejamos:

Sabedor o Executivo de que a sua política tributária para o próximo ano será necessariamente discutida nos parlamentos, certamente procurará fundamentar sua proposta sopesando os reflexos econômicos, sociais e políticos que hão de resultar para a comunidade. Cessa a improvisação, a irresponsabilidade e o imediatismo com que muita vez os governos autoritários praticam a tributação, ao arrepio dos mais comezinhos princípios jurídicos, desorganizando a economia e desorientando a comunidade.

Isto posto, nota-se que o princípio da anterioridade está intimamente ligado com a legalidade bem como a segurança jurídica, instrumento a serviço da democracia que assegura a eficácia do direito, ou seja, é a garantia de que as regras jurídicas sejam cumpridas e, portanto, de que a sociedade funcione de forma justa e equilibrada.

No tocante à lei, é importante destacar que ela tem que ser cumprida pelo Estado e pelos cidadãos, pois, caso contrário, as consequências serão graves. Ou seja, se um tributo é instituído sem que sejam respeitados os princípios tributários, não haverá validade jurídica a essa obrigação, o que pode gerar uma enorme crise para o Estado.

Dito isto, destaca-se ainda a imposição do princípio da anterioridade o qual foi considerado cláusula pétrea em entendimento consolidado do STF na ADI n° 939, que analisou a Emenda Constitucional n° 3, de 17 de março de 1993, o qual incidiu em vício de inconstitucionalidade, em seu §2°, do artigo 2°, o qual dispôs que o tributo do IPMF não se aplicaria ao princípio da anterioridade tributária, e destacou ainda em seu relatório ser este princípio garantia individual do contribuinte (STF, ADI n. 939-7, rel. Min. Sydney Sanches, j. 15-12-1993).

Sobre a notoriedade dos direitos fundamentais e do princípio da anterioridade tributária o relator, Ministro Celso de Mello, apresentou seu voto na citada ADI 939/DF e sustentou a relevância destes diante a Carta Magna, vejamos:

O princípio da anterioridade da lei tributária, além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais relevantes outorgados pela Carta da República ao universo dos contribuintes. Não desconheço que se cuida, como qualquer outro direito, de prerrogativa de caráter meramente relativo, posto que as normas constitucionais originárias já contemplem hipótese que lhe excepcionam a atuação. Note-se, porém, que as derrogações a esse postulado emanaram de preceitos editados por órgão exercente de funções constituintes primárias: a Assembleia Nacional Constituinte. As exceções a esse princípio foram estabelecidas, portanto, pelo próprio poder constituinte originário, que não sofre, em função da própria natureza dessa magna prerrogativa estatal, as limitações materiais e tampouco as restrições jurídicas impostas ao poder reformador. Não posso ignorar, de qualquer modo, que o princípio da anterioridade das leis tributárias reflete, em seus aspectos essenciais, uma das expressões fundamentais em que se apoiam os direitos básicos proclamados em favor dos contribuintes. O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações, sem tão estruturalmente desiguais, entre as pessoas e o Poder. Não posso desconhecer especialmente neste momento em que se amplia o espaço do dissenso e se intensificam, em função de uma norma tão claramente hostil a valores constitucionais básicos, as relações de antagonismo entre Fisco e os indivíduos que os princípios constitucionais tributários, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos outorgados, pelo ordenamento positivo, aos sujeitos passivos das obrigações fiscais. Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar, esses postulados têm por destinatário o poder estatal, que se submetem, quaisquer que sejam os contribuintes, à hiperatividade de suas restrições. A reconhecer-se como legítimo o procedimento da União Federal de ampliar, a cada vez, pelo exercício concreto do poder de reforma da Carta Política, as hipóteses derrogatórias dessa fundamental garantia tributária, chegar-se-á, em algum momento, ao ponto de nulificá-la inteiramente, suprimindo, por completo, essa importante conquista jurídica que integra, como um dos seus elementos mais relevantes, o próprio estatuto constitucional dos contribuintes. A eficácia do princípio da anterioridade não pode ser comprometida por normas de direitos positivos de discutível validade jurídico-constitucional. (ADI 939/DF grifo nosso)

Remetendo ao mesmo contexto do princípio da anterioridade, cláusula pétrea constitucional, confirmada através da ADI 939/DF, Sabbag (2016, p. 62) aduz ainda que:

(...) mostrando-se tal postulado como direito e garantia individual, afastada estará qualquer tentativa de emenda constitucional tendente a estiolar este núcleo imodificável do texto constitucional. Nessa toada, a limitação decorrente do princípio da anterioridade, por configurar cláusula pétrea da Constituição da República, não pode ser elidida por emenda constitucional.

Urge destacar da garantia a não-surpresa dos contribuintes com o fisco pois os cenários sociopolíticos sofrem diversas alterações e consequentemente as leis tributárias também acabam se modificando. Este cenário de reorganização na sociedade já era relatada por Coêlho (1996, p. 282-283) que diz:

Com a complexificação das sociedades modernas e o acendramento dos negócios, as sociedades passam a exigir que a lei tributária seja prévia (lex proevia) de modo que as pessoas, os contribuintes, possam conhecer, com antecedência, os seus encargos fiscais. Dessa exigência nasce o princípio da não surpresa do contribuinte que irá se realizar, sempre, pela postergação dos efeitos da lei fiscal após a sua publicação (anualidade, anterioridade, lapsos temporais de 60, 90 e 120 dias). O importante é que lei tributária não tenha eficácia imediata, que haja um intertempo entre a vigência e a eficácia, entendida esta última como a aptidão da lei para produzir os efeitos que lhe são próprios.

Nesse contexto, os contribuintes sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, amparam-se na vacatio legis, ou melhor, no suspiro que a lei concede para que possam se organizar para os novos encargos que terão de suportar.

Cabe destacar ainda a anterioridade nonagesimal que é o período de 90 (noventa) dias após a publicação da lei para que possa fazer todos os seus efeitos. É o que está disposto na alínea c, do inciso III, do artigo 150, da CRFB/88, incluída pela EC n. 42/2003, o qual dispõe que, em regra, é vedado cobrar tributos antes de decorridos o prazo de noventa dias da data da publicação da lei que o criou ou aumentou.

Como bem sintetizado por Alexandre (2021, p. 182):

Controvérsias terminológicas à parte, em termos práticos, o relevante é entender que, a partir do advento da EC 42/2003, em homenagem ao princípio da não surpresa, anterioridade (anual ou do exercício) e noventena (anterioridade nonagesimal) passaram a ser, em regra, cumulativamente exigíveis.

Desse modo, é importante que se observe que a regra da anterioridade anual, a qual o tributo só poderá ser cobrado no próximo exercício financeiro, bem como a regra da anterioridade nonagesimal devem ser consideradas cumulativamente.

Considerando o que foi exposto neste capítulo, percebe-se a importância da garantia ao direito fundamental da anterioridade tributária ao contribuinte feita pela Carta Magna, pois assegura a estabilidade das relações jurídicas bem como permite que os contribuintes saibam antecipadamente qual o valor que será devido em impostos evitando surpresas e aumentando a transparência na arrecadação de tributos.

 

3 UMA BREVE ANÁLISE DO NOVO E DO ANTIGO DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS DO ICMS

 

Neste capítulo iremos abordar acerca dos aspectos evolutivos e de incidência do ICMS, a sua relação com o Diferencial de Alíquotas do ICMS bem como as principais mudanças e implicações tributárias entre o fisco dos Estados-Membros.

 

3.1 Breves considerações acerca do ICMS

 

Cumpre, preliminarmente, destacar que o ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) está previsto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 155, inciso II, que estabelece a competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituir o ICMS.   

Convém lembrar que o ICMS teve sua origem a partir do ICM (imposto sobre circulação de mercadorias), que incidia apenas sobre a circulação de mercadorias, o qual foi introduzido na legislação tributária através da EC n° 18/65 na Constituição Federal de 1948, e que teve como pontapé inicial para a determinação do Sistema Tributário Nacional atual.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 foram acrescentados ao campo de incidência do imposto o serviço de transporte interestadual e intermunicipal bem como o de comunicação, assim, explica-se a inserção da sigla s dando origem a sigla ICMS.

Examinando o citado artigo 155, inciso II, da Constituição Federal de 1988, extrai-se o entendimento de mercadoria bem como da circulação de mercadorias, Machado Segundo (2019, p. 425) leciona que:

Operações relativas à circulação de mercadorias são aquelas operações que impulsionam a mercadoria na marcha normalmente por esta desenvolvida desde a fonte de produção até o consumidor. Mercadoria, por sua vez, é coisa móvel destinada ao comércio. Estão fora do âmbito de incidência do ICMS a operação com bens que não se enquadram no conceito de mercadoria (p. ex., venda eventual entre dois não comerciantes). Embora a energia elétrica não seja, a rigor, um bem corpóreo, foi equiparada à mercadoria para fins de incidência do ICMS (CF/88, art. 155, § 3º). Imóveis não são mercadorias, razão pela qual a transmissão onerosa desse tipo de bem se submete ao ITBI, e não ao ICMS.

No mesmo sentido, Alexandre (2021, p. 749) entende que:

De maneira simplificada, o conjunto das coisas compreende tudo o que existe no universo, exceto as pessoas. O conjunto dos bens é compostos por todas as coisas com valor econômico (é subconjunto das coisas). Já o conjunto das mercadorias compreende os bens móveis que estão no mundo dos negócios com a finalidade comercial.

Nesta esteira é que restou edificada a Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça que diz Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

Na visão de Alexandre (2021) o ICMS é o tributo de maior arrecadação no Brasil. Com isso, é indubitável afirmar da sua importância no que tange a grande fonte de recursos que este imposto traz aos Estados e ao Distrito Federal para as contas públicas.

Carrazza (2006), em nota à 1ª edição de sua obra denominada de ICMS, expõe que na maioria dos assuntos relativos ao ICMS geram diversas discussões polêmicas, com posições doutrinárias em sentidos antagônicos. 

Nesse sentido, e diante das diversas discussões em torno do ICMS, este se destaca por ser o imposto que mais traz receitas aos Estados e que gera uma grande guerra fiscal entre o fisco e o contribuinte.

O ICMS tem uma dinâmica diversa dentro de cada Estado-Membro. Assim, em transações ocorridas dentro do próprio estado podem variar entre 7% (sete por cento) e 29% (vinte e nove por cento) e para transações interestaduais variam entre 7% (sete por cento) a 18% (dezoito por cento).

Deste modo, para o recolhimento do ICMS, onde a alíquota varia de acordo com o tipo de mercadoria ou serviço, bem como o seu destino, este poderá acontecer a partir do momento de sua saída ou ainda no mês subsequente ao da saída do estabelecimento, de acordo com as regras estabelecidas em cada Estado-Membro.

Vale destacar que as alíquotas interestaduais foram criadas com o intuito de beneficiar as regiões com o desenvolvimento econômico menor visando o respeito ao princípio da isonomia constitucional que pressupõe que pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual, como bem observou Nery Junior (1999, p. 42) Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Assim, em razão das crescentes compras de mercadorias fora do estado, principalmente por e-commerce, ou melhor, dizendo, compras através da internet foram necessários a criação do DIFAL Diferencial de Alíquota com intuito de compensar os estados compradores em relação à arrecadação destes impostos, pois a arrecadação desses tributos era gerada apenas aos Estados de origem dessas mercadorias.

 

3.2 Diferencial de alíquotas DIFAL

 

O Diferencial de Alíquotas do ICMS foi criado a partir da Emenda Constitucional n° 87/2015 e alterou as regras previstas na cobrança do ICMS e tem como principal objetivo a repartição mais justa entre os Estados de origem e o Estado de destino.

Assim, os incisos VII e VIII do § 2º, do artigo 155 da Constituição Federal de 1988 passaram a vigorar com a seguinte alteração:

Art. 155.............................................................................................................

§2º.....................................................................................................................VII nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;

a) (revogada);

b) (revogada);

VIII a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:

a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;

b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto; (BRASIL, 1988)

Essa alteração surgiu em virtude das mudanças econômicas e na forma de se comercializar, ou seja, com as inovações tecnológicas, as quais vinham crescendo rapidamente, as pessoas passaram a comprar produtos através da internet.

Com isso, as repercussões tributárias vieram à tona e a guerra fiscal no que diz respeito à tributação das operações interestaduais bem como das receitas tributárias a que essas operações demandavam.

Antes da EC n° 87/15, a que criou o DIFAL, numa operação de venda entre estados, onde o consumidor final não era contribuinte do ICMS, o imposto era devido ao estado de origem da operação, levando-se em conta o princípio da origem, assim, só haveria repartição do ICMS se ambos fossem contribuintes do imposto.

No entanto, no mundo globalizado, e onde, notadamente, a maior parte da indústria se encontra na região Sudeste do País, era nítido que estava havendo uma discrepância na repartição dos recursos entre os estados.

Na visão de Coêlho (2016, p. 516):

(...) essa sistemática possibilitou o incremento de distorções na repartição de recursos entre os estados brasileiros, uma vez que o comércio eletrônico permitiu que os estados mais industrializados, notadamente da Região Sudeste, destinassem cada vez mais operações a consumidores finais não contribuintes de ICMS localizados em todo o país e, ainda, recebendo todo o produto da arrecadação. Essa foi a principal motivação da EC nº 87/15, que conferiu nova redação ao art. 155, § 2º, VII, da Constituição Federal. A partir de então, nas operações ou prestações que se destinem a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, o ICMS deve ser repartido entre o estado do destino e o estado da origem da operação a receita do ICMS, cabendo ao estado do destino a diferença entre as suas alíquotas e a interestadual.

Assim, o legislador cria o DIFAL do ICMS no intuito de haver as devidas repartições desses tributos tanto do Estado de origem como para o Estado de destino.

Insta salientar que além de alterar o dispositivo constitucional, a EC n° 87/15 inclui o art. 99 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o qual tratou de modificar de forma sistemática a cobrança do DIFAL do ICMS, ou seja, um período de transição para que as mudanças ocorressem de forma gradual.

Com EC n° 87/15, o Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ celebrou, em sua 247ª, reunião extraordinária, realizada em Brasília, DF, o Convênio ICMS 93/2015, o qual alterou a Lei Complementar nº 87/1996, conhecida como Lei Kandir, que passou a ser aplicável a todas as operações interestaduais, ou seja, naquelas operações das quais o comprador não é contribuinte do ICMS estas também seriam aplicadas o DIFAL.

Sobre o Convênio ICMS 93/2015 passaremos a melhor analisá-lo nos capítulos mais à frente.

4 AS RECENTES MUDANÇAS LEGISLATIVAS SOBRE O DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS DO ICMS E O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA

 

Com o advento da Emenda Constitucional nº 87/15, a qual alterou o artigo 155, parágrafo 2º, incisos VII e VIII, da Constituição Federal de 1988, houve a criação do Diferencial de Alíquotas do ICMS (DIFAL do ICMS) aplicado a vendas interestaduais.

O DIFAL do ICMS decorreu da existência de duas alíquotas, a interestadual, aquela que é aplicada para tributação das operações de mercadorias que são remetidas entre um estado membro e outro da federação, e a chamada alíquota interna, a qual é cobrada no âmbito no território do estado de destino.

Acontece que desde a criação da Lei Kandir, Lei Complementar n° 87/96, e consequentemente do DIFAL do ICMS, deveria a União veicular lei complementar com o intuito de ditar normas gerais a respeito da nova alíquota. O que existia, até então, era o Convênio nº 93, de 17 de setembro de 2015 regulamentado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária - Confaz.

Ocorre que o DIFAL do ICMS vinha sendo cobrado entre os estados sem que existisse Lei Complementar veiculando normas gerais. Assim, a discussão chega até o Supremo Tribunal Federal - STF, através da ADI 5.469/DF e o RE com Repercussão Geral 1.287.019/DF (Tema 1.093/STF), o qual decidiu pela inconstitucionalidade da cobrança do DIFAL do ICMS em razão de convênio interestadual não poder legislar sobre matéria reservada à lei complementar federal.

Em razão disso, decidiu ainda modular os efeitos de sua decisão com o intuito de evitar a ocorrência de risco de grave lesão à economia popular e a cobrança da alíquota só poderia ser feita após a criação da lei complementar.

Dito isso, o legislativo teria o ano de 2021 para elaborar a lei complementar para que em 2022 a cobrança do DIFAL do ICMS estivesse legalizada. Ocorre que nos dias 4 e 5 de janeiro de 2022 é que foi sancionada e publicada, respectivamente, a Lei Complementar 190/2022, nos moldes estabelecidos pelo STF de que trata o tema.

Assim, discute-se a constitucionalidade da cobrança da exação no corrente ano (2022), visto que em detrimento do princípio da anterioridade tributária, bem como o princípio da anterioridade nonagesimal, o tributo em questão deveria ser cobrado apenas no ano de 2023.

No entanto, existem julgados que reconhecem a constitucionalidade da cobrança ainda em 2022 com a tese de que a Lei Complementar 190/2022 não trata de regramento geral, razão pela qual os regramentos estaduais publicados até 31 de dezembro de 2021 têm legítima cobrança do DIFAL do ICMS ainda no ano de 2022.

 

4.1 ADI nº 5.469/DF – Tema 1.093/STF

 

Com os aumentos de cargas tributárias e conflitos tributários existentes em torno do DIFAL do ICMS foi submetida ao Supremo Tribunal Federal a discussão sobre a cobrança do DIFAL do ICMS a partir de regulamentação oriunda de convênio com a ADI n° 5.469/DF e o RE com Repercussão Geral 1.287.019/DF (Tema 1.093/STF).

Insta salientar que da forma de como estava sendo cobrado o DIFAL do ICMS, regulado através do Convênio nº 93/2015 do Confaz, não poderia mais ser exigido visto que convênio não é lei e a Constituição Federal de 1988 diz que nos conflitos de competência e as normas gerais dos tributos tem que ser tratados por leis complementares e no caso em tela estamos falando de conflito de competência de normas gerais através de convênio, logo não estaria de acordo com a Constituição, senão vejamos:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (BRASIL, 1988)

No plenário, a votação foi por uma maioria apertada e assim prevaleceu a ideia de que realmente é necessária a Lei Complementar para que haja a cobrança do DIFAL do ICMS.

Para alguns ministros como Nunes Marques e Alexandre de Moraes não havia novidade na cobrança do DIFAL do ICMS e sim uma redistribuição, ou ainda, repartição da receita oriunda de uma incidência que já existia. O ministro Nunes Marques relatou sua decisão da seguinte maneira:

Ora, a Emenda Constitucional nº 87/2015 não fez outra coisa além de estender a sistemática da cobrança do referido diferencial de alíquota do ICMS nas operações interestaduais às situações em que o consumidor final destinatário não fosse contribuinte habitual do imposto. Não há inovação, uma vez que inexiste, na espécie, o alargamento da competência anteriormente prevista quanto ao ICMS. Dito de outra forma, não há a instituição de imposto novo ou mesmo a incidência de tributo sobre operações anteriormente não tributadas. O ICMS já incidia no período antecedente à Emenda Constitucional nº 87/2015 sobre ambas as operações interestaduais, tanto nas que envolvessem destinatários contribuintes quanto naquela sem que estes fossem não contribuintes do imposto. O que há é a mera redistribuição do que antes era cobrado, isto é, uma repartição da receita oriunda de uma incidência que já existia. (ADI 5.469/DF – grifo nosso)

Corroborando com Nunes Marques, o Ministro Alexandre de Moraes assim decide:

Insisto novamente, a EC nº 87 não instituiu a cobrança de novo tributo que exigisse uma nova lei complementar, uma nova lei instituidora. Ela apenas estendeu a sistemática constitucional de aplicação do diferencial de alíquota do ICMS em operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final contribuinte para aqueles também não contribuintes, especialmente - e aqui há a necessidade de adequação legislativa - nas operações interestaduais provenientes do comércio eletrônico. Muito pelo contrário, o que houve foi a estipulação de novas regras e divisão de receitas do ICMS na circulação interestadual de mercadorias e serviços. Dentro do que sabemos o nosso sistema tributário nacional constitucionalizado traz a parte efetivamente tributária e a parte de distribuição de receitas. O que houve foi simplesmente uma alteração das regras de divisão de receitas sem que houvesse a criação de qualquer novo tributo, a incidência de novas formas de tributação, até porque, como disse anteriormente, antes do advento da EC nº 87, o art. 155, § 2º,VII, a e b, e também o inciso VIII, já previam o tributo, já previam que, tratando-se de operações interestaduais entre contribuintes, seria devido, ao Estado de origem, o ICMS resultante da aplicação da alíquota interestadual sobre o preço do produto ou de serviço; e, ao Estado de destino, caberia o imposto referente à diferença entre a respectiva alíquota interna e alíquota interestadual.(ADI 5.469/DF – grifo nosso)

Dentre os votos dados durante o julgamento, o que orientou a decisão foi o do Ministro Dias Toffoli que diz:

Comparando-se esses dispositivos com suas versões originais, chega-se à conclusão de que, nas operações e prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do ICMS, o remetente passou, com a EC nº 87/15, a ter mais uma obrigação tributária. Com efeito, antes dessa emenda, ele apenas possuía, em casos assim, relação jurídico-tributária com o estado de origem, a quem era devido integralmente o ICMS segundo a alíquota interna de tal unidade federada. Com a emenda, o mesmo sujeito passou a ter duas relações tributárias: uma com o estado de origem, para o qual deve recolher o imposto com base na alíquota interestadual, e outra, no caso de destinatário não contribuinte do imposto, com o estado de destino, para o qual deve recolher o imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, considerando-se a alíquota interna dessa unidade federada. No que diz respeito à alínea b do inciso VIII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, surgiram duas teses. A primeira é a de que o remetente seria substituto tributário quanto ao imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, sendo o destinatário seu verdadeiro contribuinte. A segunda tese é a de que o remetente seria o próprio contribuinte do aludido diferencial. Quer se adote a primeira tese, quer a segunda, é certo que a EC nº 87/2015, no tocante ao ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas nas operações ou prestações interestaduais com destinatário não contribuinte do imposto, criou uma nova relação jurídico-tributária, tendo num dos polos (sujeito ativo) o estado de destino. (ADI 5.469/DF)

Então, ficou claro que a relação jurídica é nova, a relação jurídica é distinta. Existe uma relação com o estado de origem e outra com o estado de destino e que, portanto, há de ser regulado por lei complementar.

Deste modo, o argumento dos Estados-Membros de que se tratava de uma mera distribuição do valor a ser arrecadado pelo fisco, de uma mera questão interna entre os Estados, e que os contribuintes não tinham nada a ver com isso, esse argumento foi afastado.

Em vista disto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a relação jurídico-tributária era nova e a possibilidade de ela vir a ser constituída veio com a EC n° 87/15, e que, portanto, o seu regramento exigia uma Lei Complementar e modulou os efeitos de sua decisão com o intuito de se evitar prejuízos para os estados.

 

4.2 Problemática de identificar o marco temporal em relação às leis existentes

         

O legislador cumpre seu papel na edição da Lei Complementar 190/2022, a qual altera a Lei Kandir e passa a regulamentar a cobrança do DIFAL do ICMS, conforme problemática apresentada na ADI 5.469/DF.

No artigo 3°, da LC 190/2022, está passa a dispor:

Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal. (BRASIL, 2022)

Note-se que o legislador fez menção somente ao dispositivo da chamada anterioridade nonagesimal, ou seja, aquele tributo cobrado ou ainda aumentando a obrigação tributária dele só surge após noventa dias da publicação da lei.

No entanto, existe ainda o art. 150, inciso III, alínea “b”, da CRFB/88, a qual diz que qualquer tributo só pode ser cobrado ou aumentado no exercício seguinte daquele que a lei for publicada.

Questiona-se por qual motivo o legislador inseriu na LC 190/2022 apenas o regramento da anterioridade nonagesimal. Assim, no contexto histórico bem como em virtude da necessidade de muitos estados na arrecadação do DIFAL do ICMS pode-se pressupor que a explicação para a disposição apenas do regramento da anterioridade nonagesimal é devido a pressa na publicação da lei complementar ainda no ano de 2021.

Deste modo, com a publicação da Lei Complementar ainda 2021 está entraria em vigor com 90 (noventa) dias contados do dia de sua publicação passando a sua exação a ser exigida ainda no ano de 2022.

Com a modulação dos efeitos aplicados pelo STF, as leis ordinárias nos Estados-Membros e Distrito Federal estariam suspensas, eram válidas, foram aplicadas com base no Convênio nº 93/2015 do Confaz, no entanto teriam seus efeitos suspensos a partir de dezembro de 2021, aguardando que viesse uma lei complementar para que assim pudessem surtir todos os seus efeitos.

Para surpresa dos estados, a esperada lei complementar só fui publicada em janeiro de 2022, o que gerou um grande impasse, pois em virtude disso gerou-se um verdadeiro conflito entre estados e contribuintes sobre a exação do DIFAL do ICMS para o ano de 2022.

Em vista disso, foram diversas ações no judiciário solicitando a suspensão dos efeitos da LC 190/2022, com a tese defensiva de que o princípio da anterioridade anual e nonagesimal impedem a exação do DIFAL do ICMS no ano de 2022, bem como ações no sentido de garantir a cobrança do DIFAL do ICMS a partir de 2022 com argumento de que não há necessidade na observância dos citados princípios em razão de não ter sido criado novo imposto e nem aumento na carga tributária, visto que as mesmas alíquotas ICMS estão sendo divididas entre os estados, portanto poderia ser cobrado independente de anterioridade de exercício ou nonagesimal.

Insta salientar, que toda a demanda já tinha sido exaustivamente debatida no Supremo Tribunal Federal com a ADI 5.469/DF – TEMA 1.093/STF, mas os estados alegam incessantemente prejuízos fiscais.

Diante do contexto jurídico-tributário ao qual estamos vivenciando, muitos tribunais tomam decisões em sentidos opostos, visto que os Ministros do Supremo Tribunal Federal ainda divergem quanto ao entendimento da incidênciada anterioridade anual na LC 190/2022 e em vista disso não há definição sobre qual o marco temporal deve ser considerado para exação do DIFAL do ICMS.

 

4.3 Solução para o impasse

 

Com base na decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 5.469/DF – TEMA 1.093/STF passasse a analisar quais os efeitos a lei pode surtir e como podemos interpretar a decisão tomada pelo STF.

Inicialmente, o primeiro efeito a surtir com a Lei Complementar 190/2022 seria a data de início para contagem da anterioridade, em outras palavras, marcar a data do início de seus efeitos.

Com isso, o primeiro efeito a ser gerado com a Lei Complementar seria a criação de uma nova obrigação tributária que no caso em tela seria a incidência do DIFAL do ICMS.

Em outras palavras, a eficácia dos convênios estaduais em torno do DIFAL do ICMS ficaria condicionadas a anterioridade tributária constitucional contado do dia da publicação da LC 190/2022, como requisito de validade, garantindo assim a segurança jurídica ao contribuinte.

Insta salientar que com a criação de uma nova obrigação tributária, o DIFAL do ICMS, há de suscitar a legalidade tributária emanada na Constituição Federal que dispõe sobre o princípio da anterioridade em seu artigo 150, III, "b" e "c", o qual dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III - cobrar tributos:

(...)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (BRASIL, 1988)

Ademais, como já abordado, o Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento na ADI n° 939/DF ser o princípio da anterioridade cláusula pétrea nos termos do artigo 60, § 4º, IV, da CRFB/88 sendo este princípio “garantia individual do contribuinte” e considerado como direito fundamental tributário mais relevante do contribuinte.

Portanto, é importante que o Supremo Tribunal Federal se posicione e defenda os direitos fundamentais resguardados na Carta Magna garantindo assim a segurança jurídica e, no caso em questão, com isso, prepare os contribuintes para o ano de 2023 para uma possível restituição dos tributos pagos com o DIFAL do ICMS pelo descumprimento ao princípio constitucional basilar tributário, o da anterioridade de exercício e nonagesimal.

 

5 CONCLUSÃO

 

Conforme desenvolvido no decorrer deste trabalho acadêmico, foi observado que o DIFAL do ICMS é um assunto que tem diversos desdobramentos que envolvem questões doutrinárias, constitucionais, jurisprudenciais, políticas bem como no que tange a defesa das garantias individuais dos contribuintes.

O crescimento notório do comércio eletrônico gerou um maior crescimento dos fabricantes oriundos das regiões sudestes do país, considerados polos industriais, e com isso a arrecadação desses estados aumentaram de forma desproporcional se levarmos em consideração as demais regiões do país.

Com a “criação” do DIFAL do ICMS, a partir da EC n° 87/2015, garantiu-se aos estados uma melhor repartição do ICMS, considerando-se que era óbvio que existiam diferenças expressivas na distribuição dos recursos arrecadados entre os estados que não são considerados polos industriais.

No entanto, apesar da tentativa de balancear as finanças dos Estados menos industrializados, buscam-se a todo instante, com o afã arrecadatório dos estados, encontrar medidas para justificar a criação de tributos sem que estes cumpram os requisitos exigidos na constituição federal.

O fato é que o tema possui relevância em razão da sua atualidade bem como por ainda não haver unicidade jurisprudencial acerca do que deve ser aplicado na prática. Note-se que o próprio judiciário tem oscilado nas decisões a respeito da exigibilidade da cobrança do Diferencial de Alíquotas do ICMS, o que deixa claro a necessidade de uma unificação do entendimento sobre o tema.

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