Ciberguerras ou guerra fria digital e a soberania nacional: A defesa do Estado e das instituições democráticas no contexto de conflitos virtuais

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RESUMO

O desenvolvimento tecnológico permeia a ascensão do evolucionismo humano e, é inegável que o direito se modifica na medida em que a sociedade muda, ou seja, acompanha a evolução da sociedade, o que nos leva a crer que o direito não é estático e nem absoluto, e se relaciona com o tempo e o contexto social, político ou moral de uma sociedade. Partindo de tal premissa, nos contextos atuais respalda-se a análise do Estado Democrático de Direito sob a ótica das guerras cibernéticas frente às estruturas constitucionais de enfrentamento de emergências produzidas por ações virtuais, sejam elas militares por meio de ações estrangeiras ou criminais que possam afetar a nossa soberania nacional, buscando-se em verdade, para além do exposto, a criação de modelos de estados de exceção e a necessidade de criação de um Estado de Segurança Cibernética ou Virtual em nosso sistema constitucional vigente com o intuito de propiciar segurança à soberania estatal face ao mundo globalizado e ciberneticamente conectado.

Palavras-chave: Direito Digital. Guerra Cibernética. Guerra Eletrônica. Estado de Emergência Cibernética. Segurança Nacional

ABSTRACT

Technological development permeates the rise of human evolutionism, and it is undeniable that law changes as society changes, that is, it follows the evolution of society, which leads us to believe that the right is neither static nor absolute, and relates to time and the social context, political or moral morality of society. Starting from this premise, in the current contexts is supported by the analysis of the Democratic State of Law from the perspective of cyber wars in the face of the constitutional structures of coping with emergencies produced by virtual actions, whether military through foreign or criminal actions that may affect our national sovereignty, seeking to be true, beyond the above, the creation of models of states of exception and the need to create a Cyber or Virtual Security State in our current constitutional system in order to provide security to state sovereignty vis-à-vis the globalized and cybernetically connected world.

Keywords: Digital Law. Cyber Warfare. Electronic Warfare. Cyber State of Emergency. Homeland Security.

INTRODUÇÃO

Com o advento das novas tecnologias e a disseminação do acesso à rede mundial de computadores por meio do que denominamos hoje de Era Digital[2], houve um impacto decisivo não só nas relações humanas, mas também no papel geopolítico do Estado moderno. Nesse prisma, a tecnologia impôs uma ressignificação da soberania estatal e de suas respectivas estruturas através da relativização da ideia de fronteiras na Era Digital.

Trazendo à baila esse pensamento, é cediço que a paz e a segurança internacional são os pilares fundamentais do cenário de evolução e desenvolvimento do exercício dos direitos humanos, liberdades fundamentais, autodeterminação e o desenvolvimento econômico, social e cultural dos povos. Em que pese todos os esforços conjuntos para a manutenção da paz por meio de soluções pacificas aos litígios internacionais, a história nos mostrou que a guerra ocupou espaços decisivos ao longo do desenvolvimento da nossa humanidade. Dentro desse aspecto, a tecnologia impulsionou significativas mudanças em nosso século o que gerou a construção de novas estratégias e regras na denominada 孫子兵法 ou Arte da Guerra.[3]

Em reforço a cognição alusiva, o processo de desenvolvimento tecnológico sempre acompanhou a evolução da humanidade que, progressivamente, foi incorporando novas ferramentas e instrumentos para melhorar a qualidade de vida.

A popularização com o uso da internet[4] produziu mudanças significativas em vários setores da sociedade, como nas relações interpessoais, na difusão de informações técnicas, no ensino e na pesquisa, nas operações bancárias e financeiras, dentre outras.

A chegada de novas tecnologias afetou, de forma significativa o ambiente militar, havendo uma simbiose entre o investimento em pesquisas bélicas e a incorporação de modificações ocasionadas pela tecnologia na vida civil. Isso sucede a mudanças irreversíveis no panorama da nossa sociedade e também a guerra e a forma como se tem o combate do Estado contra novas ameaças impostas pela inteligência artificial, surgindo a necessidade de atualização não apenas da doutrina militar, mas também das estruturas constitucionais dos estados nacionais.

É inegável a forte revolução advinda da tecnologia por meio da inteligência artificial e a difusão da internet por meio do compartilhamento de dados, através disso, surge uma nova forma de conflito: a guerra cibernética.

O conflito bélico é levado a outro patamar em um novo campo de batalha o ciberespaço , um ambiente tão fluido como impreciso, mas ao mesmo tempo capaz de produzir efeitos concretos e nocivos, não apenas aos estados, mas às sociedades respectivas e a democracia.

A utilização da internet como arma de guerra em meio a conflitos internacionais produziu grave comprometimento da soberania estatal, principalmente ao se considerar que as fronteiras estatais já não promovem a segurança física de outrora, sendo permeáveis as ações virtuais lançadas contra o Estado não apenas por outros entes estatais, mas também por grupos criminosos ou terroristas, ou mesmo, por indivíduos isolados. Diante dessa nova realidade, surge uma relativização e ressignificação da ideia de fronteiras entre os países, bem como da própria soberania estatal, tudo isso devido a revolução digital.

Em paralelo a esse ponto, a globalização econômica mediante a formação de blocos de países visando a maior liberdade de circulação de pessoas, mercadorias e serviços fez com que o estado fosse compelido a repensar os limites da sua própria soberania. Com a adesão dos países e grupos interestatais, o Estado passa, então, a ser visto não apenas de forma una, mas como parte integrante de um contexto mais amplo do ponto de vista internacional. Nessa senda de raciocínio, à medida que os países interagem abrindo suas economias e mercados ao mundo exterior, ocorre um maior fluxo de comunicação e intercambio de dados e pessoas, o que gera uma maior dificuldade nos sistemas de segurança e defesa diante da grande volatilidade geopolítica e consequente multiplicidade de ameaças existentes no mundo moderno.

Pode-se citar as investidas internacionais nocivas contra as instituições democráticas nacionais, suas infraestruturas críticas como por exemplo as usinas, refinarias, meios de transportes e comunicações, dentre outros ou mesmo diretamente contra a população, assim, conclui-se que já não se ocorre mais apenas através da violação material de seus limites fronteiriços, mas também em verdade, de ações cibernéticas em que o agressor pode estar localizado em qualquer região do globo e ademais, não se exigindo a reunião de numerosos efetivos militares.

Desta maneira, levando em consideração ao exposto, não apenas o direito, mas bem como as ciências geopolíticas, militares e as relações internacionais passaram a refletir o papel do Estado moderno, sua estrutura e seu protagonismo, e através desse momento reflexivo identificar eventuais novas ameaças que possam atingi-lo, beneficiando-se de vulnerabilidades trazidas pela revolução tecnológica.

No cotidiano atual verifica-se uma verdadeira corrida armamentista no espaço cibernético, pois a despeito da inexistência de uma regulamentação internacional, diversos países, inclusive o Brasil, estão se preparando para a guerra cibernética o que é bastante preocupante quando se considera que a evolução jurídica não consegue acompanhar a rapidez das evoluções tecnológicas que podem ser utilizadas na guerra cibernética.

Ocorre que o marco legal existente em nossa contemporaneidade não foi pensado para os conflitos no espaço cibernético[5] - o qual abriga infraestruturas críticas, sendo regido essencialmente por regras técnicas e não jurídicas - que além de se tornar estratégico para todos os países, também está se tornando o teatro de operações do século XXI, palco de novas batalhas que desconhecem fronteiras e dificultam a identificação da autoria, trazendo intrincados desafios à segurança e à defesa do território e da soberania em razão do seu caráter transnacional e do entrelaçamento de diversos ordenamentos jurídicos pela dinâmica de funcionamento.

No Brasil, torna-se fácil perceber que os modelos de emergência constitucional previstos na Constituição Federal de 1988 foram pensados pelo legislador constituinte originário em um outro momento histórico, no qual a realidade dos elementos tecnológicos apresentava um patamar de desenvolvimento significativamente distinto do atual. Desta forma, a estrutura da nossa constituição era voltada para a atuação em caso de riscos ou agressões físicas ou cinéticas, ignorando os eventuais ataques cibernéticos, até então inexistentes em sua época de elaboração. Com isso, o uso dos modelos de Estado de sítio e defesa, assim como a hipótese radical de declaração de guerra contra o país, já não são, por si só, um sistema eficaz para salvaguardar a segurança nacional.

Depreende-se, com o exposto que, uma perigosa lacuna no modelo constitucional de emergências em segurança interna e defesa nacional, notadamente em face dos vigorosos processos de modernização tecnológica e globalização econômica anteriormente mencionados.

A ausência normativa impõe um estudo aprofundado sobre os riscos oriundos da era cibernética, bem como eventuais possibilidades de proteção estatal eficazes, dotando as instituições nacionais de elementos de comando, controle e reação capazes de salvaguardar os interesses nacionais e a sua população, cumprindo, assim, com sua missão essencial que é a proteção coletiva da sociedade, assim como garantindo o primeiro dos fundamentos da República Brasileira, previsto não à toa no art. 1º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, a soberania.

Com o intuito de delimitar as lacunas normativas e contribuir para a sua superação, o presente trabalho objetiva analisar os novos paradigmas dos conflitos no espaço cibernético para verificar se os ataques podem ser considerados novas armas de guerra, bem como verificar em que medida as atuais normas podem ser aplicadas e se são suficientes para estabelecer limites e responsabilidades para a guerra cibernética, levando em conta o funcionamento e o caráter transnacional das cyberwars.[6]

Do ponto de vista metodológico, recorreu-se a análise de textos e obras correlatas para alcançar os objetivos pretendidos. A técnica utilizada foi a da pesquisa bibliográfica, em consulta a doutrina, nacional e estrangeira, literatura especializada, todas encontradas em acervos públicos e privados, além de pesquisa documental e pesquisa audiovisual, pautada em filmes e documentários, relacionados com o tema. Consultou-se, também, a legislação vigente nacional e o direito comparado.

2. A ARTE DA GUERRA: ANTROPOLOGIA DA GUERRA NA CONSTITUIÇÃO SOCIAL MODERNA

A guerra pode ser descrita por conceitos jurídicos, militares, técnicos, dentre outros e os quais se diversificam no tempo. Quanto a origem etimológica do termo, não há um consenso quanto à sua gênese precisa. Tem-se que o substantivo "guerra" deriva do vocábulo do frâncico werra, que significa "peleja", e do latim bellum, do grego, o termo advém de polemos que estaria originalmente ligado à ideia de agressivo, disso surge a ciência que estuda a guerra ser conhecida como polemologia. Podemos conceituar guerra como um intenso conflito armado entre estados, governos, sociedades ou grupos paramilitares.

Ainda sobre o plano de conceituação, Carl von Clausewitz define a guerra como uma mera extensão de um duelo privado entre indivíduos, ou seja, a guerra entre estados não seria mais do que a materialização, em escala macro, do conflito natural e inato dos homens; a guerra seria, então, um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade[7] (CLAUSEWITZ, 2003, p. 07). Já Carl Schmitt (2008, p. 35) elucida que a guerra é apenas a realização extrema da inimizade[8]. Por sua vez, Alberico Gentili (2004, p. 61) a define como a justa contenda de armas públicas e complementa que na guerra não se faz outra coisa senão lutar, e é luta feita com as armas.[9]

Ao longo da antropologia histórica da humanidade sempre foi visível a existência de conflitos, alternando-se apenas os protagonistas, os objetivos, as estratégias e as armas utilizadas. Assim, entende-se que a guerra, nas suas mais variadas espécies, é um fenômeno que sempre esteve presente e intimamente relacionado com a história da humanidade, desde suas mais remotas origens até a modernidade, sendo um aspecto universal e ancestral da natureza humana, todavia, convém ressaltar que essa também pode ser o produto de circunstâncias socioculturais, econômicas ou ecologicamente específicas.

Discorrendo sobre tal perspectiva, por motivos distintos e muitas vezes plurais, o ser humano sempre esteve inclinado ao conflito, quer no plano individual ou familiar ou até mesmo coletivo. Fazendo um paralelo ao pensamento de Thomas Hobbes o homem é o lobo do homem em sua obra Leviatã, o ser humano é naturalmente egoísta e mau, e o desejo de impor sua vontade, conquistar terras ou bens é intrínseco ao homem, o que o fez e faz guerrear.

Ao se fazer uma análise ótica dos grandes pensadores, dentre eles Rousseau, Platão, Max Weber, Karl Marx e Montesquieu, o homem poderia carregar em seu âmago, um instinto egoístico, que obrigaria a sociedade, a estabelecer critérios de convivência, em detrimento dos direitos coletivos. Podemos constatar isso em um versículo na bíblia, no livro de Marcos, dito por Jesus: Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai dele, isso é que contamina o homem. E dizia: o que sai do homem, isso contamina o homem. Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem. (Marcos 7:15, 20, 21, 22,23). O ser humano é caracterizado pela sua vocação para sociabilidade, e a singularidade de comportamento e formação. Em razão disto, é natural que as relações sociais intersubjetivas ou intergrupais sejam marcadas por divergências de ordens diversas[10]. Dessa forma, estudar a história dos conflitos é estudar a própria história da humanidade.

Em aprofundamento sobre o tema, indagado, pelo físico Albert Einstein que desejava saber como livrar o homem das ameaças advindas da guerra, Sigmund Freud recorre ao que ele denomina de especulação sobre os instintos para esclarecer as causas psicológicas da violência humana[11]. No ano de 1932 o Comitê Permanente para a Literatura e as Artes da Liga das Nações orientou o Instituto Internacional para Cooperação Intelectual a promover cartas entre intelectuais de renome a respeito de assuntos do interesses comuns à Liga das Nações. Interessado sobre o tema Albert Einstein questionou a possibilidade de haver alguma forma de livrar a humanidade das ameaças ocasionadas pela guerra a Sigmund Freud visto esse ser um conhecedor da natureza psíquica do homem. Einstein com isso visará junto a Freud uma possível forma de elucidar e sugerir métodos educacionais que demarcassem caminhos e ações que resolveriam o problema, a ponto de tornar inviável qualquer conflito armado. Assim, desejava Einstein saber como seria possível, a ausência da guerra, a paz mundial à luz da Psicanálise.

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Freud em brilhante elucidação sobre o tema afirmou que a questão parte de duas das suas inúmeras teorizações sobre a subjetividade humana, em que a violência humana é inerente à condição biológica do homem, manifestando-se em todos os conflitos de relação a partir do processo mais remoto de socialização, visto que o homem é mobilizado por dois instintos ou pulsões, cujas atividades são opostas entre si: a pulsão construtiva, erótica ou Eros e a pulsão destrutiva, de morte ou Tanatos.

Segundo as reflexões de Freud, o crescimento dos grupos em sociedade aconteceu de forma a gerar um desequilíbrio das forças entre pais e filhos, homens e mulheres, senhores e escravos, reproduzindo-se, inclusive, na justiça da comunidade. Para ele a lei (em quanto norma de caráter geral e abstrata) é feita de acordo com os interesses dos governantes, contemplando muito pouco aos que se encontravam em estado de sujeição, o que certamente causa insatisfações e intranquilidade no seio social.

Assim sendo, em cognição ao tema, os detentores do poder se colocam acima da lei e fazem uso da violência, enquanto que os dominados do grupo buscam mais poder e igualdade de justiça, gerando conflitos, rebeliões e até guerras civis em nosso contexto atual. Para além disso, baseando-se no texto Além do princípio do prazer escrito em 1920 - Freud aprofunda o que Einstein chamou de desejo de ódio e destruição do ser humano, falando sobre Eros e Tanatos, oposição entre amor e ódio, atração e repulsão, preservar e destruir, entre vida e morte, elucidando que um instinto está amalgamado ao outro e muito embora haja a predominância do instinto de morte, ambos são essenciais e atuam concomitantemente nas relações sociais. Sigmund Freud assevera que as motivações presentes nos conflitos bélicos, sejam eles movidos ou não por motivos nobres ou vis, declarados ou ocultos, idealistas ou mercenários, são em verdade, apenas fachada para os desejos destrutivos inconscientes.

Superado este ponto, com o natural processo de evolução e sofisticação das relações sociais por meio de agrupações humanas ganhando cada vez mais complexidade, os motivos que originam conflitos bélicos igualmente se tornam plurais, principalmente quando vinculados ao desejo de expansão territorial, questões econômicas (como a busca por mercados consumidores ou fornecedores de matérias-primas), religiosas ou, mesmo, estritamente políticas.

Em conclusão, com o final do século XX, caracterizado principalmente por um desenvolvimento tecnológico sem precedentes, e ao uso cada vez mais intensivo de outros recursos militares, notadamente os de comunicação, de recolhimento de informações e de transmissão de dados, produz assim, a denominada quinta dimensão da guerra: a cibernética, a qual será aprofundada nos tópicos seguintes.

3. O CYBER ESPAÇO (METAVERSO) E OS CONFLITOS DA GUERRA CIBERNÉTICA NA ERA DIGITAL

Em prima facie devemos entender o que é o ciberespaço antes de adentrarmos mais a fundo na temática da guerra cibernética.

A denominação pelo emprego do termo Cibernética foi posta pela primeira vez em 1948 por Norbert Wiener para alcançar o conjunto composto pela Teoria de Controle e a Teoria de Comunicação em uma máquina ou em um animal. Para Wiener, a informação, como uma ideia de quantidade, era tão importante quanto à energia ou a matéria, com isso tornou possível a criação de um ambiente em que o funcionamento e o controle de computadores, sistemas de comunicação e controle, comandos eletromagnéticos, transmissões eletrônicas de rede modernas pudessem ser desenvolvidas.

Já o termo cyber espaço ou ciberespaço ou também denominado de espaço cibernético foi desenvolvida por William Gibson um escritor norte-americano em sua obra de romance e ficção científica chamada de Neuromancer (1984), onde trata de uma realidade que se constitui através da produção de um conjunto de tecnologias, enraizadas na sociedade, e que acaba por modificar estruturas e princípios desta e dos indivíduos que nela estão inseridos. Assim, segundo a visão romantizada do autor, o espaço cibernético era:

Uma alucinação consensual vivida diariamente por bilhões de operadores autorizados, em todas as nações [...] Uma complexidade impensável. Linhas de luz abrangendo o não-espaço da mente; nebulosas e constelações infindáveis de dados. Como marés de luzes da cidade (2003, p.67).[12]

Depreende-se disto que já em tempos pretéritos, os autores de ficção-científica anteviam a nossa rede global de informação como constelações infindáveis de dados hoje conhecida como Big Data[13]. Todavia, no prefácio à edição brasileira (2003), o tradutor Alex Antunes afirma que o conceito criado por Gibson neste livro, o ciberespaço, é uma representação física e multidimensional do universo abstrato da informação. Neste pensamento, conclui-se que originalmente, o espaço cibernético era uma dimensão palpável, onde era possível enxergar e, inclusive, caminhar em meio a todo o tráfego de dados, como "luzes de uma grande metrópole".

A expressão espaço cibernético ou ciberespaço comporta diversos sentidos e definições, podemos conceitua-la como um espaço existente no mundo de comunicação onde não é necessária a presença física do homem para constituir a comunicação como fonte de relacionamento e interação, dando ênfase ao ato da imaginação, necessária para a criação de uma imagem anônima, que terá comunhão com os demais, assim, trata-se do espaço virtual para a comunicação onde surge a interconexão das redes de dispositivos digitais interligados no planeta o que denominamos de internet das coisas (IoT)[14], assim incluindo seus documentos, programas e dados, portanto, não se refere apenas à infraestrutura material da comunicação digital, mas também ao universo de informações que ela abriga, ou seja, seu conteúdo intangível.

O conceito de ciberespaço, ao mesmo tempo, inclui os sujeitos e instituições que participam da interconectividade e o espaço que interliga pessoas, documentos e máquinas. O ciberespaço representa a capacidade dos indivíduos de se relacionar criando redes que estão cada vez mais conectadas a um número maior de pontos, tornando-se as fontes de informação mais acessíveis. Trata-se assim de um fórum privilegiado com a abordagem dos possíveis reflexos e desdobramentos do desenvolvimento dos sistemas de realidade virtual (RV)[15] e das redes digitais de comunicação sobre os estatutos do espaço e do tempo entendidos como o conjunto de informações codificadas binariamente que transita em circuitos digitais e redes de transmissão.

Segundo Pierre Lévy o espaço cibernético é um terreno onde está funcionando a humanidade, hoje.[16] Trata-se segundo o referido autor de um espaço de interação humana, com capacidade plástica e metamorfose imediata, de grande importância principalmente no plano econômico e científico. Assim, elucida o autor que o ciberespaço é um espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores.

Em uma visão reducionista Koepsell (2004, p. 125) traz um conceito mais simplório que realça a importância da parte física e tangível do espaço cibernético. Em suas palavras, o autor elucida que o conceito não passa de:

"Um meio composto de chips de silício, fios de cobre, fitas e discos magnéticos, cabos de fibra ótica e de todos os outros componentes de computadores, meios de armazenamento e redes que armazenam, transmitem e manipulam bits. [...] O software existe no ciberespaço como o texto existe no papel ou como uma estátua existe em uma pedra." (Koepsell, 2004, p. 125).[17]

A conceituação elencada pelo autor nos remete uma interpretação correta do termo, um conceito necessitaria levar em consideração os objetos físicos, como a título de exemplo cabos; computadores; servidores; e redes de telefone/internet. Além deles, objetos virtuais também seriam necessários, como todos os tipos de dados e a informação num geral. Para que, assim, seja possível entender o conceito de forma mais completa.

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Assim sendo, a definição escolhida para o presente trabalho cientifico será a de Daniel Ventre (2011) o qual define o espaço cibernético ou ciberespaço como um "conjunto de equipamentos físicos (hardware), que sustenta uma dimensão virtual com programas, sistemas, aplicativos e informações (software), cuja manipulação se dá por uma camada cognitiva de usuários (peopleware)." [18]

Podemos afirmar em contextos atuais que o ciberespaço nada mais é do que o Metaverso, visto a atualização do termo nos dias atuais, o metaverso nada mais é do que uma terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual que tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais. É um espaço coletivo e virtual compartilhado, constituído pela soma de "realidade virtual", "realidade aumentada" e "Internet". A finalidade do desenvolvimento do Metaverso é a criação de uma nova realidade virtualizada que substituirá a internet como conhecemos. Trata-se de um conceito que une a noção de simulação virtual com a realidade prática para permitir novas funções e operações dentro da rede.

Em conclusão sobre a conceituação do tema, atualmente tem-se a ideia de ciberespaço e a (ciber)cidade, trata-se em verdade de uma alusão para exemplificar a experiência da ideia virtual, assim vejamos, quando falamos em congestionamentos de rede, ou no momento em que se utiliza termos como cidade de bits, cidadãos-rede ou homepages, torna-se mais nítida a compreensão do metaverso através do uso dessas figuras de linguagem. Dessa forma, é possível apontar certo paralelismo entre as chamadas realidade real e virtual, atualmente tem-se uma relação simbiótica entre o mundo físico e o ciberespaço, podemos apontar empresas que estabelecem negócios e interagem com outras representações virtuais de indivíduos reais, trata-se de uma combinação híbrida das experiências sociais dos mundos físicos e digitais.

Em corolário a isso, a relação interativa entre o mundo real com o ciberespaço vai além das possibilidades de representações tridimensionais da nossa experiência espacial cotidiana. Essa relação abrange um comportamento na internet, em que cada usuário da rede que ali transita o faz de acordo com interesses e necessidades pessoais, todavia, ao mesmo tempo, a atividade de todos os usuários em conjunto contribuí para a movimentação ou em outros termos, a vida do ciberespaço ou metaverso, exatamente da mesma forma como ocorre na cidade real, assim advém o termo cibercidade, o qual designa a cidade virtual em funcionamento semelhante à cidade real.

Abstrai-se com isso que a transformação e movimentação do ambiente virtual é célere, pois, não se trata de um espaço fixo e irreversível, em verdade, tende à uma recriação e atualização constante como consequência das relações interativas estabelecidas entre os usuários e os dispositivos que nele se interligam. Contudo, é imperioso destacar que embora seja um espaço virtual, ele também é real, visto a influência sobre esse. Assim, muitos autores utilizam a noção por meio da expressão de território para definir o ciberespaço e ressaltar a ideia de um lugar com localização concreta (os bits e bytes) em que se tem uma determinada configuração a qual gera diferentes relações entre seus componentes. Coaduna-se com tal compreensão do ciberespaço como território o questionamento das tradicionais ideias do que é ou não é real, porquanto com ela conceitos como mobilidade, comunicação, distância, proximidade, espaço público e privado, adquirem novos significados que afetam a vida dos indivíduos de diversas formas.

Assentado sobre tal alicerce de pensamento, discute-se a maneira como o surgimento da web contribuiu para a abolição de fronteiras e a consequente relativização de distancias, para além da dinamização da comunicação. Por conseguinte, dado à essa senda de raciocínio, entende-se que a consolidação da existência do ciberespaço acabou por impulsionar inúmeras transformações em outras áreas sociais, como a título de exemplo como a cultura, com o surgimento e o desenvolvimento da cibercultura, na economia, com o surgimento de mercados que negociam produtos exclusivamente virtuais, com a utilização de criptomoedas, dentre outros. O dinamismo evolutivo da tecnologia provoca significativas mudanças nos modos de percepção, pensamento e ação no mundo real, além das modificações nas esferas sociais, políticas e econômica da vida no mundo globalizado, fazendo com que os limites entre o real e o imaginário, entre o próximo e o distante, tornam-se cada vez menos perceptíveis. A rapidez com que o ciberespaço se desenvolve, unida ao meio supostamente acessível e democrático que este representa, torna possível uma verdadeira revolução social, com desdobramentos múltiplos que tendem a exercer uma interferência cada vez maior no seio social e na soberania estatal.

Superado esse ponto, passamos a compreensão à luz do que vem a ser a guerra cibernética ou também denominada cyber war. A guerra cibernética pode ser conceituada como conjunto de ações ofensivas, defensivas e ou exploratórias, em que a conflitualidade não ocorre com armas físicas, mas via meios eletrônicos e informáticos no chamado ciberespaço, portanto, em resumo, seria o conflito travado entre dois ou mais Estados no ciberespaço.

O glossário do Ministério da Defesa em conjunto com as Forças Armadas define Guerra Cibernética como sendo:

O conjunto de ações para uso ofensivo e defensivo de informações e sistemas de informações para negar, explorar, corromper ou destruir valores do adversário baseados em informações, sistemas de informação e redes de computadores. Essas ações são elaboradas para obtenção de vantagens tanto na área militar quanto na área civil.[19] BRASIL, 2007 c, p. 123.

Entretanto, convém ressaltar a precípua diferença entre o conceito de Guerra Cibernética e Guerra Eletrônica, onde as Forças Armadas e o Ministério da Defesa definem como:

o conjunto de ações que visam explorar as emissões do inimigo, em toda a faixa do espectro eletromagnético, com a finalidade de conhecer a sua ordem de batalha, intenções e capacidades, e, também, utilizar medidas adequadas para negar o uso efetivo dos seus sistemas, enquanto se protege e utiliza, com eficácia, os próprios sistemas.[20]

Já o Departamento de Defesa dos EUA (Departament of Defense - DoD) define sua compreensão sobre guerra cibernética como:

O emprego de capacidades Cibernéticas onde o propósito principal está em alcançar objetivos ou bens militares em um domínio global dentro do ambiente de informações que consistem das redes interdependentes de infraestruturas de Tecnologia da Informação (TI), incluindo a Internet, redes de telecomunicações, sistemas de computador, processadores e controladores embutidos ou através dele.[21]

Martin C. Libicki (1995) define de maneira clássica a guerra cibernética como:

Um dos vetores ou ramificações da guerra da informação, que pressupõe a combinação de técnicas da guerra de comando e controle, da guerra baseada na inteligência, da guerra eletrônica, de operações psicológicas, guerra de hackers, guerra de informações econômicas, além das técnicas da guerra cibernética. [22]

Assim, abstrai-se deste entendimento que o principal objetivo da guerra cibernética é a informação. Parks e Duggan (2001) também esclarecem o conceito de guerra cibernética como um conjunto da guerra da informação que envolve ações no mundo cibernético[23], ou seja, qualquer tecnologia de redes de computadores e inteligência artificial com o paralelo do processamento de dados, sendo, portanto, a combinação de ataque e defesa de redes de computadores, incluindo operações especiais de informação.

Podemos concluir conforme as palavras de Júlio Cezar Barreto Leite que a Guerra Cibernética é hoje o mais novo domínio da guerra, juntamente com o domínio Terrestre, Marítimo, Aéreo e Espacial (Geoespacial)[24] figurando assim, conforme nosso entendimento como um quinto domínio em meio a soberania estatal. Em conclusão, costuma-se atribuir à guerra cibernética a ideia de guerra de quarta geração ou guerras do futuro, cujos teóricos a caracterizam pelas mudanças de protagonistas, objetivos e ferramentas de combate, assim, temos que esse novo modelo de guerra rompe com o estereótipo da guerra como a mera confrontação formal e direta entre duas Forças regulares de Estados nacionais antagônicos.

A guerra cibernética objeto desta abordagem, portanto, diz respeito aos conflitos que podem envolver diferentes países, quando praticados por indivíduos ou organizações que atuam por motivos ideológicos ou financeiros contra governos ou redes, sistemas, estruturas, instalações e serviços estratégicos. Nesse viés os possíveis alvos de uma guerra cibernética não são, portanto, apenas sistemas governamentais ou de defesa dos Estados, mas também podem ser os sistemas de redes e correlatos a serviços cuja indisponibilidade comprometem a segurança interna tais como o setor econômico, energético, usinas elétricas, hidrelétricas, petrolíferas e nucleares, telecomunicações, logística e transporte, segurança e emergência, redes hospitalares, instituições financeiras, polos tecnológicos e eleitorado, sendo certo de que os efeitos de um ataque cibernético possam ser tão ou até mais nefastos quanto os de uma guerra convencional se afetarem infraestruturas críticas da soberania estatal.

4. ESTADO MODERNO E A SOBERANIA NACIONAL: DA CRISE OCASIONADA MEDIANTE A REVOLUÇÃO DIGITAL

Como é cediço, a soberania é indicada pela Constituição Federal de forma expressa como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previsto em seu artigo 1º, I, tornando-se um pilar de uma nação. Podemos conceituar soberania conforme Jean Bodin como sendo o poder absoluto e perpétuo de um Estado-Nação.

Etimologicamente a palavra soberania advém do latim supremitas e potestas, e significa poder supremo, ou seja, um poder é dito soberano quando não existe outro poder superior a ele quer seja no plano na ordem externa nem igual na ordem interna. Assim, entende-se por soberania a qualidade máxima de poder social por meio da qual as normas e decisões elaboradas pelo Estado prevalecem sobre as normas e decisões emanadas de grupos sociais intermediários, nesse aspecto, no âmbito interno, a soberania estatal traduz a superioridade de suas diretrizes na organização da vida comunitária, já no âmbito externo, a soberania traduz, por sua vez, como a ideia de igualdade entre todos os Estados-Nação na comunidade internacional, associada à independência nacional.

Com o advento da tecnologia surge um novo modelo de soberania: a cibernética. A soberania cibernética consiste na defesa das suas capacidades informáticas e do pleno uso de suas estruturas cibernéticas, além da salvaguardar as suas infraestruturas críticas virtuais. Conforme fora apresentado, o dinamismo da tecnologia em meio a sociedade contribuiu para a abolição de fronteiras e a consequente relativização de distancias.

O pensamento acerca da soberania cibernética e a sua regulamentação já é uma realidade na comunidade internacional no tocante as questões de trato geopolítico. Esclarecemos que os ataques cibernéticos e virtuais representam novos métodos de ameaça às prerrogativas soberanas dos Estados-Nações. É necessário aos Estados adotarem a vigilância líquida que conforme Zygmunt Bauman ajudaria a compreender o que está acontecendo num mundo de monitoramento, controle, observação, classificação, checagem e atenção sistemática[25], assim sendo, Bauman propõe que o projeto panóptico da vigilância quanto aos inventos contemporâneos nos revelaria um olhar globalizado que não deixaria margem para ocultação.[26]

O idealismo do ciberespaço e metaverso detém um caráter transnacional, podendo ser comparado aos oceanos, ao espaço aéreo internacional ou, ainda, ao continente antártico, sendo necessário a regulamentação semelhante as existentes sobre estes institutos, por meio de tratados e convenções internacionais. Todavia, é importante mencionar que a eventual existência de normas internacionais acerca do ciberespaço e o metaverso não isentará por si só os Estados de possuírem estruturas jurídico-militares próprias para a proteção de sua respectiva soberania cibernética nacional.

Diante desta senda de raciocínio, resta nítida a efetiva vinculação entre a ideia de soberania nacional e soberania cibernética, onde torna-se inviável assegurar a primeira sem uma política de defesa e segurança em relação à segunda dada a extrema interatividade entre elas misturando-se os conceitos em um espaço multidimensional de uma estrutura estatal. Dado este viés, entendemos que a consolidação de um modelo de segurança jurídico-constitucional face ao ciberespaço, metaverso e as infraestruturas cibernéticas nacionais aliada preservação dos interesses estatais, interna e externamente é um pressuposto essencial para a soberania estatal.

5. DO ESTADO DE EMERGÊNCIA CIBERNÉTICA: DIREITO PÚBLICO E PÓS MODERNIDADE NO TOCANTE À REGULAMENTAÇÃO DO ESTADO DE EXCEÇÃO CIBERNÉTICO

Na concepção clássica ao longo da construção histórica da humanidade, o soberano sempre foi o detentor da palavra final no tocante ao Estado possui ou não o direito inato de ir à guerra quando lhe fosse conveniente ou necessário. Em alusão a tal perspectiva, Martônio Mont`Alverne Barreto Lima discorrendo sobre o pensamento de Immanuel Kant, inteligentemente aponta que o fato de que numa constituição republicana o povo decide se vai ou não à guerra, porque até hoje, aquele que suporta o ônus da guerra não decidiu por ela; e quem decidiu não suporta ônus algum, como perdas pessoais e patrimoniais. [27] Em nossa Constituição Federal o artigo 84, XIX, determina que a decisão de ir à guerra e celebrar a paz é do Presidente da República.

Antevemos precipuamente que a nossa matriz constitucional disposta na Constituição da República Federal do Brasil de 1988, não apresenta previsão legal expressa para o enfrentamento de situações de emergências cibernéticas. A nossa Lex Fundamentalis atual trouxe a previsão de dois modelos de estados excepcionais para o enfrentamento de situações extremas relativas à defesa e à segurança: o Estado de sítio[28] e o Estado de defesa[29]. Ambos são modelos de tratamento impostos pelo legislador constituinte originário de forma excepcional, quando presente situação em que a estrutura ordinária de segurança e de defesa do Estado não logre êxito em manter a ordem pública e a preservação da soberania estatal, ensejando assim sua aplicabilidade.

Para além disso, convém ressaltar que a declaração formal de guerra aciona um conjunto de mecanismos excepcionais de matriz constitucional e infraconstitucional. O artigo 148, I, da CRFB/88 autoriza a instituição de um tributo especial denominado empréstimo compulsório de guerra para fazer frente às despesas excepcionais exigidas pelo momento excepcional. Também merece destaque outra consequência jurídica presente no Livro II, da Parte Especial do Código Penal Militar que prevê os delitos em tempo de guerra e está compreendido entre os artigos 355 e 408, com a aplicação de pena de morte em grau máximo da dosimetria penal, atendendo a permissão constitucional descrita no art. 5º, XLVII, a, CRFB/88.

Em análise a esses institutos excepcionais previstos na Constituição Federal para o enfretamento de crises, percebe-se que todas fazem menção expressa ou até implicitamente a uma dimensão física, ou seja, material, pessoal, concreta, podemos extrair do texto constitucional as expressões permitem limitar a permanência de pessoas em determinada localidade, suspensão do direito de reunião ou mesmo a requisição de bens. Desta forma, depreende-se que tais instrumentos têm, necessariamente, uma dimensão corporal, tornando-se inócuos ao cenário do enfrentamento cibernético. Assim sendo, há uma lacuna constitucional no tratamento das questões virtuais relacionadas às agressões contra à sociedade e ao Estado, o que conforme outrora explanado, representa um potencial ou concreto a soberania estatal.

Coadunando com o anteriormente elencado, vislumbra-se que o texto constitucional brasileiro vigente foi elaborado pelo legislador constituinte originário visando um cenário de um conflito bélico convencional, isto é, uma guerra cinética, a título de exemplo podemos citar o uso da expressão agressão armada estrangeira, reforçando a ideia de que o legislador tinha em mente a agressão física, feita por tropas materiais que atentassem contra as fronteiras ou instituições nacionais. Desta forma, a matriz constitucional atual, foi claramente pensada para conflitos de quarta geração, e em verdade, não está preparada para o enfrentamento de guerras de quinta dimensão travadas em um novo ambiente: o Ciberespaço e o Metaverso.

Levando em consideração que os ataques cibernéticos podem ser empregados como armas, ultrapassando a fronteira da ilicitude ou do terrorismo para ingressar na esfera de conflitos entre nações, se faz necessária a criação de mecanismos especiais para garantir o restabelecimento da normalidade institucional e social, resguardando-se assim o tecido democrático. É de imperiosa observação que a inexistência de disciplina jurídica para as situações excepcionais oriundas de ataques virtuais pelo ciberespaço que afetem a democracia direta ou indiretamente, se regulamentará por si mesma, o que em si já representa um risco democrático, visto à possível supressão de direitos e garantias fundamentais e lesões a outros direitos civis em nome da manutenção da ordem pública interna ou repressão às agressões externas produzidas contra a sua soberania nacional. Discorrendo sobre tal pensamento, é fundamental que os poderes excepcionais estejam expressamente previstos no texto constitucional, para que seja possível delimitar o seu uso e controle. Se torna necessário à constituição definir quais os instrumentos excepcionais têm seu uso autorizado quando da implementação dos modelos de exceção, por quanto tempo devem ou podem ser utilizados tais controles políticos e jurídicos aos quais estão submetidos, bem como, até mesmo, as consequências do abuso na utilização dos mesmos.

Diante dos avanços tecnológicos é indubitável uma reforma no texto constitucional para a integração do denominado Estado de Emergência Cibernética (EEC), trata-se em verdade, de um modelo de exceção que funcionaria em paralelo aos já existentes Estado de sítio e Estado de defesa, visando assim, garantir a preservação da ordem e a segurança nacional. Assim sendo, faz-se imperioso o desenvolvimento de uma estrutura por meio de Emenda Constitucional, a qual possa ser utilizada nos casos graves de ofensas à soberania, preservação e paz social cibernética do ente estatal.

A implementação do Estado de Emergência Cibernética deve ser feita a luz de adaptações semânticas dos mecanismos atualmente previstos atualmente no texto constitucional, esse novo modelo de Estado de Exceção deverá ser estruturado de forma a escalonar as respostas estatais de acordo com o grau o nível crescente conforme a ameaça cibernética, de modo a reagir de forma eficiente e preservar concretamente a soberania nacional. Um fator importante na implementação do Estado de Emergência Cibernética é sem dúvidas a velocidade na tomada de decisões, quer no plano político, quer seja no estratégico-militar visto que a morosidade dessa acarretará em danos materiais concretos e devastadores a soberania cibernética nacional.

Nisto revela-se um ponto peculiar, a Constituição Federal deverá autorizar o Poder Executivo a agir de forma prévia e, se for o caso, antecipadamente para proteger a estrutura cibernética brasileira, pública ou privada, com isso, minimizar-se-á os possíveis danos a nossa soberania, posteriormente, em homenagem a aplicação do sistema de freios e contrapesos checks and balances[30] o Congresso Nacional deverá ser comunicado da utilização do Estado de Emergência Cibernética e facultativamente por maioria absoluta de seus membros a qualquer momento caso considere que o Poder Executivo não atentou aos requisitos constitucionalmente previstos, em nítida violação ou quando entender que o risco cibernético já fora superado, fazer cessar o uso do Estado de Emergência Cibernética.

Merece destaque o fato de que o uso de níveis de ameaças virtuais deverá respeitar os limites temporais respectivos e estar sujeitados as diversas instâncias de controle, sendo assim, não seria caso de dar poderes ilimitados para a decretação do Estado de Exceção Cibernética ao Poder Executivo, este limitar-se-á apenas a ação imediata para debelar o risco informático e preservar a soberania e o estado de paz nacional.

Sendo assim, torna-se justificável e essencial a implementação de medidas normativas de matriz constitucional para o enfrentamento de ameaças cibernéticas, em face das características próprias e específicas das ações cibernéticas, certo de que é humanamente impossível prever todos os eventos que eventualmente ocorrerão e as possíveis tomadas estratégicas que eventualmente o Estado tomará, por conseguinte, deve-se deixar a cargo das normas programáticas constitucionais a criação de estruturas básicas de enfrentamento aos conflitos cibernéticos.

7. ELUCIDAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento tecnológico permeia a própria evolução humana[31], e é de bom alvitre entendermos que a guerra cibernética se reveste de suma importância social e regulatória em nossa sociedade, temos que a sensação de segurança no tecido social está direta e intrinsecamente ligada à prestação de serviços a serem realizados pelo Estado, haja vista que este possui, via de regra, o monopólio do uso da força.

E conforme fora vislumbrado no presente trabalho, o forte processo de modernização tecnológica ocasionado em nossa sociedade gerou uma lacuna na estrutura constitucional no tocante ao enfrentamento de ameaças virtuais a nossa integridade democratica. A nossa atual Constituição Federal não foi pensada para a atuação em Estado de Exceção em resposta a agressões cibernéticas, quer realizadas por outros estados, quer seja por agentes não estatais. Convém ainda mencionar que o desenvolvimento democrático em um Estado de Direito deverá deter forças de segurança com ação em sinergia com a ordem legal, que é, em última análise, a vontade social.

Em suma, temos que as guerras da quinta dimensão ou também denominadas de guerras do futuro ocorridas em meio ao ciberespaço serão híbridas, voláteis, combinando ações cinéticas e cibernéticas, assim impõe-se a modernização e a atualização do texto constitucional em face as mudanças na conjectura jurídica ocorrerem na medida em que a sociedade mutaciona-se, ou seja, o direito acompanha a evolução da sociedade, não sendo estático e nem absoluto e relaciona-se com o contexto social, político ou moral de uma sociedade. Partindo de tal premissa, é necessário uma alteração em nossa constituição visando resguardar a soberania nacional no plano territorial cibernético, com vistas a garantir o respeito ao modelo democrático de Estado e adequada à preservação dos direitos e garantias constitucionais e os direitos civis virtuais no plano do metaverso e ciberespaço, considerando-se a evolução tecnológica e social frente à nova era a ser trabalhada no direito moderno, e a compreensão dos impactos da tecnologia no processo jurídico constitutivo do direito pós-moderno e a sua disciplina jurídica a ser realizada em tempo hábil em meados a nova realidade social.

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