“SEXTOU”: RETROCESSOS DA REFORMA TRABALHISTA E SEUS IMPACTOS NA DIGNIDADE E SAÚDE DO TRABALHADOR

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18/12/2022 às 17:08
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2. Desse modo, quando são afetadas as atividades realizadoras do trabalhador, em virtude do dano a sua saúde física ou mental, que se deu pelo excesso de trabalho, poderá haver a fixação de forma cumulada tanto do dano moral quanto do dano existencial. Essa cumulação acontece não só pelo prejuízo ocasionado aos prazeres de vida e ao desenvolvimento dos hábitos de vida diária do empregado - pessoal, social e profissional, mas também pelo dano à sua saúde, mesmo que a sequela oriunda do acidente do trabalho não seja responsável pela redução da sua capacidade para o trabalho.

A jurisprudência também já reconheceu o Dano Existencial nas seguintes situações:

DANO EXISTENCIAL. DANO MORAL. DIFERENCIAÇÃO. CARGA DE TRABALHO EXCESSIVA. FRUSTRAÇÃO DO PROJETO DE VIDA. PREJUÍZO À VIDA DE RELAÇÕES. O dano moral se refere ao sentimento da vítima, de modo que sua dimensão é subjetiva e existe in re ipsa, ao passo que o dano existencial diz respeito às alterações prejudiciais no cotidiano do trabalhador, quanto ao seu projeto de vida e suas relações sociais, de modo que sua constatação é objetiva. Constituem elementos do dano existencial, além do ato ilícito, o nexo de causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações. Caracteriza-se o dano existencial quando o empregador impõe um volume excessivo de trabalho ao empregado, impossibilitando-o de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal, nos termos dos artigos 6º e 226 da Constituição Federal. O trabalho extraordinário habitual, muito além dos limites legais, impõe ao empregado o sacrifício do desfrute de sua própria existência e, em última análise, despoja-o do direito à liberdade e à dignidade humana. Na hipótese dos autos, a carga de trabalho do autor deixa evidente a prestação habitual de trabalho em sobrejornada excedente ao limite legal, o que permite a caracterização de dano à existência, eis que é empecilho ao livre desenvolvimento do projeto de vida do trabalhador e de suas relações sociais. Recurso a que se dá provimento para condenar a ré ao pagamento de indenização por dano existencial. (TRT-PR-28161-2012-028-09-00-6-ACO-40650-2013 - 2A. TURMA - Relator: ANA CAROLINA ZAINA - Publicado no DEJT em 11-10-2013). Grifo nosso.

DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5º, X, da Constituição Federal, a lesão causada a direito da personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano decorrente de sua violação. 2. O dano existencial, ou o dano à existência da pessoa, -consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer. - (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 6, n. 24, mês out/dez, 2005, p. 68.). 3. Constituem elementos do dano existencial, além do ato ilício, o nexo de causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja que obstrua a integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de vida do indivíduo, viola o direito da personalidade do trabalhador e constitui o chamado dano existencial. 4. Na hipótese dos autos, a reclamada deixou de conceder férias à reclamante por dez anos. A negligência por parte da reclamada, ante o reiterado descumprimento do dever contratual, ao não conceder férias por dez anos, violou o patrimônio jurídico personalíssimo, por atentar contra a saúde física, mental e a vida privada da reclamante. Assim, face à conclusão do Tribunal de origem de que é indevido o pagamento de indenização, resulta violado o art. 5º, X, da Carta Magna. Recurso de revista conhecido e provido, no tema. (Processo: RR - 727-76.2011.5.24.0002 Data de Julgamento: 19/06/2013, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/06/2013).

Basicamente, pode-se esquematizar o reconhecimento doutrinário e jurisprudência do Dano Existencial nas seguintes situações:

SITUAÇÃO DANOSA

POSICIONAMENTO JURÍDICO

NA REFORMA

Jornadas de trabalho intensas que comprometam a qualidade de vida do trabalhador

Caracteriza-se o dano existencial quando o empregador impõe um volume excessivo de trabalho ao empregado, impossibilitando-o de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal, nos termos dos artigos 6º e 226 da Constituição Federal. O trabalho extraordinário habitual, muito além dos limites legais, impõe ao empregado o sacrifício do desfrute de sua própria existência e, em última análise, despoja-o do direito à liberdade e à dignidade humana.

Art. 59 - Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

...

III intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superior a seis horas;

Cansaço, fatiga, Stress do trabalhador.

A submissão de determinado trabalhador a exaustivo regime de trabalho, culmina na formação do dano ao projeto de vida e à sua existência, pois priva-lhe de tempo para o lazer, para a família e para o seu próprio desenvolvimento pessoal, cultural, artístico e intelectual, afetivo, entre outros. Pode também resultar em prejuízo para a saúde do trabalhador, motivo pelo qual deverá ser duplamente combatido

Art. 4º ...

§ 2° Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como extra o período que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1º do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras:

I práticas religiosas;

II descanso;

III lazer;

IV estudo;

V alimentação;

VI atividades de relacionamento social;

VII higiene pessoal;

VIII troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa. (NR)

Art. 58 - A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de

acréscimo de até seis horas suplementares semanais.

Art. 62

...

III os empregados em regime de teletrabalho.

Acidente de Trabalho

Incapacidade Parcial ou Total. Permanente.

Terceirização.

LER

A dor intensa, o formigamento, a dormência etc., ocasionados pela lesão por esforços repetitivos é dano à saúde e atinge, negativamente, a pessoa que, em função de tais sintomas, não consegue manter a rotina de atividades mantida no período anterior à lesão. Em razão disso, a L. E. R., em estágio avançado, impede a pessoa de realizar não apenas atividades profissionais habituais, como obsta o exercício de tarefas singelas do dia a dia, como varrer a casa, tomar banho, cozinhar, ou atividades de lazer, como tocar violão. Uma alteração prejudicial nos hábitos de vida, transitória ou permanente: eis o dano existencial

Jornadas Intensas de Trabalho.

Precarização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho investigou alguns aspectos da Reforma Trabalhista de 2017 e seus reflexos no trabalho e na saúde do trabalhador. Os resultados foram obtidos a partir de uma análise dialética. O material bibliográfico empregado foi coletado ao longo das aulas. Os debates com docentes foram fundamentais para a formação ideológica e política sobre as questões relativas à disciplina Saúde do Trabalhador no Brasil.

É lamentável que a Reforma trabalhista tenha gerado grave retrocesso na estrutura dos Direitos Sociais brasileiros. A legislação de Temer marcadamente não cumpriu a promessa de ampliar o mercado formal de empregos e otimizar a economia nacional. Ao revés, gerou uma massa de trabalhadores informais, muitos dos quais submetidos ao trabalho com as tecnologias digitais e de aplicativos, sem qualquer garantia trabalhista ou previdenciária, vivendo segundo o lema dos Alcoólatras Anônimos: Só por hoje!

Os pontos analisados na nova Lei refletem supressão de direitos e garantias trabalhistas em nome de política hegemônica neoliberal. Em alguns momentos da análise da Reforma, foi impossível não se revisitar a era da primeira Revolução Industrial.

O prejuízo à saúde do trabalhador é contundente e será sentido em curto e médio prazo. A precarização das relações de trabalho assentadas na intensificação da jornada de trabalho, terceirização, trabalho home office, sobreposição do negociado sobre o legislado, enfraquecimento sindical, possibilidade de reenquadramento do trabalho insalubre, dentre outros pontos são questões preocupantes, complexas e tormentosas, pois sinalizam adoecimento maciço do trabalhador brasileiro.

A expressão SEXTOU, empregada de forma proposital no título deste trabalho, foi, em uma das aulas, comentada pela Dra. Vera Lúcia Navarro, despertando a atenção deste discente. De fato, as mídias sociais, às vésperas dos finais de semana, lançam mão desta expressão, revelando que o trabalhador brasileiro está cansado, fatigado, ou ainda, descontente com as condições de seu trabalho.

Bom seria ver-se nas redes SEGUNDOU, mas por ora, com a péssima política salarial, com as extensas jornadas de trabalho, as precárias condições e a informalidade, seria quase edênica a probabilidade de se pensar nessa via.

Por fim, a Reforma é gritantemente inconstitucional, ao passo que viola o inciso I, do artigo 1º, da Constituição Federal/88, que elege a Dignidade da Pessoa Humana como fundamento, como núcleo estruturante do Estado Democrático de Direito. Se os dispositivos da lei velou a CLT ferem direitos e garantias trabalhistas, despindo o trabalho e o trabalhador da proteção integral ou pro labore, é claro a Reforma deve ser rejeitada pelo texto Constitucional e pelo Estado Democrático de Direito.

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Nota-se, contudo, que os Poderes Executivo e Legislativo caminham na Idade das Trevas, deixando de promover políticas trabalhista e econômicas voltadas ao trabalho.

Enfim, não há nada de novo debaixo do sol!

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Rodrigo Alves da Silva

Advogado. Professor nos Cursos de Direito da Unidrummond/SP, Unimogi/Mogi Guaçu e Universidade Cruzeiro do Sul/SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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