Filtros ao cabimento de Recurso Especial a partir da doutrina e da jurisprudência do STJ

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Se diminuir volumes de processos é necessário, como demonstram os autores referidos, também é necessário não se limitar o acesso à corte pelos jurisdicionados, mantendo sua recorribilidade e princípios caros à Democracia e ao Direito Processual Civil

De acordo com Humberto Dalla de Pinho (PINHO, 2020: 1543), a CF-88 reservou o recurso extraordinário às questões relativas à própria CF-88, deixando as restantes a serem suscitáveis por meio de recurso especial, da competência do STJ, que, conforme o art. 105, III, da CF-88, julgará em recurso especial as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida (a)  contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; (b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal ou (c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal, sem que o recurso especial enseje, assim como não o enseja o recurso extraordinário, novo reexame da causa, apenas discutindo questões jurídicas relativas, no caso do recurso especial, ao direito federal, sem configurar terceiro ou quarto grau de jurisdição, nas palavras de Dalla, nem instrumento processual para a correção de injustiça nas decisões dos tribunais locais, sendo inadmissível um recurso especial, por exemplo, para reexame de provas.

Existem hoje alguns filtros ao cabimento do recurso especial, não podendo ser alegada violação de súmula (AgInt nos EDcl no REsp 1941728/PR, Rel. Min. Gallotti, 4ª Turma, julg. 04/04/2022, publ. DJe 07/04/2022) para se interpor recurso especial, tampouco reexame de fatos e provas (AgInt nos EDcl no AREsp 1282306/SP, Rel. Min. Fernandes, 2ª Turma, julg. 06/08/2019, publ. DJe 08/08/2019), por exemplo, entre outras hipóteses em consonância com a norma e a jurisprudência atual a respeito dos recursos especiais, que só são cabíveis nas hipóteses das alíneas a, b e c do art. 105, III, da CF-88.

Mas quando tratamos do recurso extraordinário, temos o pressuposto da Repercussão Geral, o que não possui equivalentes no Recurso Especial. Tal tema é tão relevante que muito recentemente houve a aprovação, em dois turnos, pelo Senado, da PEC 10/2017, que cria exatamente um filtro para admissão dos recursos especiais, que serão julgados pelo STJ, alegadamente para acabar com qualquer possibilidade de o STJ estar atuando como terceira instância ao revisar decisões por interesse restrito às partes e não ao interesse público. Com a aprovação desta PEC, que ainda passará pela Câmara, será alterado o artigo 105 da CF-88, criando-se um requisito a mais de admissibilidade do recurso especial: a necessidade da relevância da questão jurídica discutida, que justifique pronunciamento de instância superior.

É exatamente essa preocupação com a taxatividade do cabimento do recurso especial que, na prática, vem sendo um filtro de cabimento, diante do que já dispõe a norma, levando a jurisprudência a se orientar nos termos de decisões como a do REsp 1860890/SP, Rel. Min. Falcão, 2ª Turma, julg. 23/02/21, publ. DJe 02/03/2021 (recurso especial não provido por ato normativo não configurar lei federal); a do AgInt no REsp 1242480/RS, Rel. Min. Kukina, 1ª Turma, julg. 24/08/2020, publ. DJe 31/08/2020 (agravo interno no REsp não provido devido a não ser cabível); a do (3) AgInt no REsp 1889960/MG, Rel. Min. Benjamin, julg. 24/02/21, publ. DJe 01/03/2021 (agravo interno no REsp não provido devido a não ser cabível) e, por fim a do (4) AgInt no REsp 1842047/RS, Rel. Min. Faria, 1ª Turma, julg. 22/06/2020, publ. DJe 26/06/2020 (agravo interno no REsp não provido devido a não ser cabível).

Contudo, finalmente, trazendo uma perspectiva crítica acerca dos filtros do cabimento aos recursos especiais, nos aproximamos da análise de Scorza, Rocha & Francisco (2022), em especial sobre a PEC 10/2017, em que os autores questionam a necessidade de demonstração da relevância da questão jurídica discutida em recurso especial como condição de sua admissibilidade, pois tal filtro acaba por impedir que chegue ao STJ mesmo casos em que houve violação a norma federal no seu julgamento, por exemplo, porque supostamente a questão não merece importância o suficiente. Impedirão que se resolva questões supostamente irrelevantes que não tenham sido bem julgadas! Usam a analogia da Repercussão Geral do recurso extraordinário, sem uma discussão crítica acerca das vantagens e desvantagens da própria Repercussão Geral.

Enfim, se diminuir volumes de processos é necessário, como demonstram os autores referidos, também é necessário não se limitar o acesso à corte pelos jurisdicionados, mantendo sua recorribilidade e princípios caros à Democracia e ao Direito Processual Civil, com um STJ que não apenas fixe teses em casos repetitivos ou se importe com o vulto econômico dos processos que está julgando.

 

Referências Bibliográficas

PINHO, Humberto Dalla. Manual de Direito Processual Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2020.

 

SCORZA, Andressa; ROCHA, Igor & FRANCISCO, João Eberhardt. Algumas perguntas acerca da chamada PEC da Relevância. Jota. 16 de fevereiro de 2022. <Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pec-da-relevancia-algumas-perguntas-16022022 Acesso em 29 de abril de 2022>

 

Jurisprudência Citada na Dissertação Crítica

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AgInt nos EDcl no REsp 1941728/PR, Rel. Min. Gallotti, 4ª Turma, julg. 04/04/2022, publ. DJe 07/04/2022

 

AgInt nos EDcl no AREsp 1282306/SP, Rel. Min. Fernandes, 2ª Turma, julg. 06/08/2019, publ. DJe 08/08/2019

 

REsp 1860890/SP, Rel. Min. Falcão, 2ª Turma, julg. 23/02/21, publ. DJe 02/03/2021

 

AgInt no REsp 1242480/RS, Rel. Min. Kukina, 1ª Turma, julg. 24/08/2020, publ. DJe 31/08/2020

 

AgInt no REsp 1889960/MG, Rel. Min. Benjamin, julg. 24/02/21, publ. DJe 01/03/2021

 

AgInt no REsp 1842047/RS, Rel. Min. Faria, 1ª Turma, julg. 22/06/2020, publ. DJe 26/06/2020

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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