Das Forças Armadas e do Poder Judiciário sob o Prisma dos Discursos Presidenciais (De Deodoro a Dilma)

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19/12/2022 às 16:44
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Em 1939, foi enviado aos EUA em missão militar, que objetivava promover uma maior integração entre os dois países no momento em que se iniciava a Segunda Guerra Mundial. Essa aproximação, realizada de maneira lenta mas sistemática, resultou na declaração de guerra do Brasil às potências do Eixo, em 1942, e no envio de tropas brasileiras à Itália, em julho de 1944. Em dezembro de 1943, afastou-se da chefia do EME.

Em agosto de 1945, reassumiu o Ministério da Guerra e, nos meses seguintes, articulou o golpe que afastou Vargas do poder, em dezembro daquele ano. Manteve-se à frente do ministério até setembro de 1946, quando o novo governo, chefiado pelo general Dutra, já havia tomado posse.

Em 1947, elegeu-se senador por Alagoas, na legenda do Partido Social Democrático (PSD). Em 1950, recusou convite de Vargas para ocupar o posto de vice-presidente em sua chapa, na eleição presidencial daquele ano. Nesse mesmo ano, não conseguiu obter sua reeleição ao Senado. (Fonte: FGV CPDOC)

Em adição, uma matéria publicada no jornal A Batalha, de circulação no Rio de Janeiro, edição nº 660, de 25 de fevereiro de 1932, p. 8, relata com fidelidade o envolvimento do referido militar com a política:

Novas declarações do general Góes Monteiro

Quando saía do apartamento do general Isidoro Lopes, depois da longa conversa que teve com esse militar, o general Góes Monteiro foi abordado pelos jornalistas, e, como sempre, respondeu a todos as perguntas que lhe eram feitas. Com referência à frente única paulista, disse o seguinte:

- "Para o Brasil, para São Paulo e para nós revolucionários, isso não interessa. Acredito que não haja força política em condições de impedir a realização dos ideais que determinaram a revolução e que estão consubstanciados no programa do Club 3 de outubro. A fusão dos dois partidos só nos interessaria se ela nos apresentasse como resultante de um consenso para transformar os dois organismos num partido nacionalista que encarasse os problemas vitais do Brasil, a principiar pelo econômico e pela eliminação de todos os vícios do passado, inclusive a destruição do espírito oligárquico, do espírito regionalista e antinacionalista etc.

Desde que eles se transformam noutro sentido não acreditamos que possam apresentar alguma consistência. Essa frente única ou outra qualquer nas mesmas condições é falha. O programa revolucionário, segundo as diretrizes dadas pelo Chefe do Governo Provisório nas suas alocuções, é nacionalista-socialista". (A BATALHA, 1932, p. 8)

A matéria jornalística acima faz referência ao denominado Clube 3 de Outubro, ou seja, uma associação política criada em 1931, no Rio de Janeiro, por pessoas (civis e militares) ligadas ao Tenentismo Nacionalista, e que apoiavam o Governo Provisório de VARGAS, cuja primeira diretoria tinha GÓES MONTEIRO como Presidente, entre outras lideranças (PEDRO ERNESTO, OSWALDO ARANHA, AUGUSTO DO AMARAL PEIXOTO, TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI e outros). Em síntese, o grupo em tela surgiu em decorrência de atritos travados entre as forças políticas que sustentavam VARGAS, Chefe do Governo Provisório. Na ocasião, havia, de um lado, os denominados Tenentes; de outro, pessoas ligadas às oligarquias dissidentes e que haviam escorado a Revolução de 1930.

O Clube era favorável ao prolongamento do Governo Provisório, pois considerava que a reconstitucionalização do País acarretaria uma espécie de retorno ao domínio oligárquico, justamente aquele que havia sido deposto pela dita Revolução, e que tanto se tentava suplantar. Acreditava-se, ainda, que tal recuo inviabilizaria a realização das reformas necessárias ao País, as quais, na ótica da aludida associação, deveriam ser implementadas antes de qualquer procedimento constitucional. Mesmo não sendo um partido político, é inegável que o Clube 3 de Outubro atuou como uma das forças que procuravam alicerçar o Governo VARGAS, tendo como norte um programa que continha, em suma, as seguintes diretrizes, entre outras: a) critica ao federalismo oligárquico típico da República Velha; b) defesa de um governo central forte; c) defesa da intervenção do Estado na economia e com o intuito de modernizá-la; d) eliminação do latifúndio; e) nacionalização de algumas atividades econômicas.

Nesse contexto, segundo a ótica de VIRGINIO SANTA ROSA, autor reconhecido pela análise empreendida sobre o fenômeno do Tenentismo, somente os militares, entre as forças políticas que deflagraram a Revolução de 1930, seriam dotados de força suficientemente capaz de concluí-la, evitando, assim, que as oligarquias retornassem ao poder. Vejamos a concepção que VIRGINIO SANTA ROSA possuía por ocasião dos anos 30 do século passado:

O Exército, pela própria natureza de sua função, é disciplinado e forte. A extrema organização das fileiras, a admirável solidez das forças morais da classe constituem uma extraordinária exceção nas sociedades em princípio de dissolução. Daí o facílimo predomínio dos militares nas épocas anormais. Isso, e não o prestígio da baioneta e da espada, é que explica a fatalidade histórica das ditaduras militares nos momentos críticos da vida das nações [...]. Só o Exército resiste por longo tempo, fortalecido e calmo, na sua missão de manter a ordem pública. E, naturalmente, chega a hora em que ele é obrigado a se sobrepor às outras classes e tem de se apossar do poder para evitar o desmoronamento total. (ROSA, 1932, p. 31-32)

Como se vê, as palavras de VIRGINIO SANTA ROSA, proferidas em longínqua data, revelam a concepção segundo a qual determinadas ações somente poderiam ser levadas a cabo pelas Forças Armadas, visão que ainda hoje reina em alguns segmentos da sociedade brasileira, fato que se comprova através de uma simples análise das noticiadas publicadas em virtude das manifestações realizadas em diversas capitais do país no dia 15 de março de 2015, em que alguns manifestantes pediram a intervenção militar no governo eleito em 2014.

4. Dos Discursos dos Presidentes da República Populista.

4.1. Eurico Gaspar Dutra.

O Marechal EURICO GASPAR DUTRA, eleito pelo voto direto, inaugura mais um período de governo republicano (de 31 de janeiro de 1946 a 31 de janeiro de 1951). Em seu discurso de posse presidencial há citações não só à sua condição de militar, mas também ao papel das Forças Armadas:

Tendo desde a adolescência consagrado minha modesta existência aos árduos deveres militares, em cujo espírito de abnegação e disciplina se aprimora o culto da Pátria, espero concorrer para o engrandecimento das classes armadas, sobre cujos ombros repousa a segurança interna e externa do Brasil. [...].

Soldado, subindo ao poder como simples cidadão, espero em Deus as forças necessárias para fazer um governo civil, honesto e útil, ao meu País, um governo que possa corresponder às exigências de tão grave conjuntura, atento sempre aos imperativos da opinião nacional. (BONFIM, 2004, p. 230-231)

Sobre os ombros das Forças Armadas repousa a segurança interna e externa do Brasil, disse DUTRA, frase que reforça a ideia de tutela exercida pelas instituições militares.

4.2. Getúlio Vargas.

Posteriormente, GETÚLIO VARGAS, com quase 4 milhões de votos, é eleito para o período de 31 de janeiro de 1951 a 31 de janeiro de 1956, suicidando-se, no entanto, em 24 de agosto de 1954. Na posse, ao discursar, GETÚLIO, referindo-se às circunstâncias do pleito eleitoral do qual saíra vitorioso, afirmou:

A eleição de 3 de outubro desmentiu os seus presságios e também os argumentos engendrados que apenas escondiam os receios duma competição livre que permitisse ao povo exprimir a escolha e a preferência. A ordem não foi perturbada. Os poderes públicos permaneceram nos limites constitucionais e não precisaram extravasar para os recursos das medidas de exceção. A Nação não interrompeu o ritmo dos seus trabalhos e atividades. O Governo Federal, os órgãos da magistratura e as Forças Armadas merecem louvores pela sua contribuição para a lisura, a liberdade e a tranquilidade da propaganda e do pleito. (BONFIM, 2004, p. 238)

4.3. Café Filho.

Em 24 de agosto de 1954, com a morte de VARGAS, CAFÉ FILHO, na condição de Vice, passa a exercer o cargo em substituição ao titular, o que se dá até 3 de setembro de 1954, quando, então, é empossado como Presidente da República, permanecendo nesta condição até 31 de janeiro de 1956.

Em preleção proferida aos 31 de agosto de 1954, CAFÉ FILHO destaca os meandros da crise (político-militar) que redundou no ato extremo de GETÚLIO. A leitura do texto permite sacar, novamente, a importância das Forças Armadas enquanto instrumento de estabilização em momentos de tensão:

Dirijo-me especialmente às gloriosas Forças Armadas, que souberam sempre identificar-se com os sentimentos do povo brasileiro e cuja colaboração neste instante é fundamental e decisiva, como esteios da ordem pública, da tranquilidade nacional e do regime da lei. (BRASIL, 1954, p. 9)

Em outro discurso, datado de 7 de setembro de 1954, CAFÉ FILHO sinaliza, mais uma vez, a consideração por ele assentada nas Forças Armadas como instrumento de manutenção da unidade nacional:

Ao passar em revista, hoje pela manhã, as Forças Armadas de nossa Pátria, meu primeiro pensamento diante da ordem, do garbo, da beleza desse espetáculo, foi o de legítimo orgulho de brasileiro; mas logo, ao vê-las identificadas com o povo, que as aplaudia na transparente sinceridade da mesma comunhão, voltei as minhas cogitações para a ideia da unidade nacional, de que elas são o principal instrumento. (BRASIL, 1954, p. 2)

Os mencionados trechos são significativos quanto ao que se busca comprovar no presente trabalho, ou seja, o elevado status institucional exibido pelas Forças Armadas naqueles tempos, sobretudo em episódios de convulsão intestina e, em contrapartida, a concreta impossibilidade de o Judiciário atuar como fiel da balança, dirimindo os diversos conflitos que se sucederam ao longo da República Velha e da Era Vargas.

O instável quadro político-institucional daquela época era mesmo digno da preocupação presidencial. E as Forças Armadas seriam, como veremos, empregadas numa nova crise.

Nas eleições de 1955, CAFÉ FILHO não consegue emplacar o sucessor, General JUAREZ TÁVORA, da União Democrática Nacional (UDN), sendo este derrotado pela chapa composta por JUSCELINO KUBITSCHEK, do Partido Social Democrático (PSD), e pelo Vice JOÃO GOULART, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Tenta-se impugnar o resultado das eleições, argumentando-se, para tanto, que JUSCELINO não obtivera a maioria do eleitorado. Afirma-se, outrossim, que a diferença (menos de 500 mil votos) entre o vitorioso e o derrotado corresponderia aos votos dos comunistas, os quais não poderiam estar representados no poder, por estarem impedidos de se eleger desde 1946. O Ministro da Guerra, General HENRIQUE LOTT assevera, então, que se deveria cumprir a Constituição, com a posse de JUSCELINO e JANGO. Adverte, inclusive, que o Exército estaria pronto para garantir a observância do Texto Constitucional.

A eleição de KUBITSCHEK e GOULART (aliança PSD - PTB) provoca o descontentamento da UDN e de alguns segmentos militares, agudando-se em 1º de novembro de 1955, por ocasião do sepultamento do General CANROBERT PEREIRA DA COSTA, o qual, naquela época, presidia o Clube Militar. Numa preleção durante o funeral, o Coronel JURANDIR DE BIZARRIA MAMEDE tece elogios a CANROBERT, destacando a ativa participação do militar falecido no movimento contrário a VARGAS, este "ressuscitado", de certa forma, pela eleição de JANGO (como Vice) na chapa encabeçada por JUSCELINO. Da mesma forma, MAMEDE manifesta-se contra a posse dos candidatos eleitos, arenga que desagrada ao general LOTT, que exige para o mesmo uma punição exemplar, demanda que não é acolhida pelo Presidente CAFÉ FILHO, o qual, em seguida, afasta-se de suas funções por motivo de saúde, sendo a presidência (interina) assumida (em 8 de novembro de 1955) por CARLOS LUZ, então Presidente da Câmara dos Deputados, que também se recusa a impor qualquer corretivo ao referido militar.

LOTT, contrariado, pede demissão da Pasta da Guerra. No dia 10 de novembro de 1955, numa reunião conduzida pelo Comandante da Zona Militar Leste, general ODÍLIO DENIS, os comandantes das guarnições do Distrito Federal e o comandante da Zona Militar Centro (São Paulo), general OLÍMPIO FALCONIÈRE, resolvem forçar o governo a respeitar os valores militares (hierarquia e disciplina) e a punir MAMEDE. LOTT, por sua vez, acede ao movimento e o lidera. Em seguida, na madrugada de 11 de novembro do mesmo ano, tropas do Exército interditam o acesso ao Catete.

CARLOS LUZ, LACERDA, MAMEDE e outros embarcam e homiziam-se no navio Tamandaré e, já pela manhã de 11 de novembro, rumam para Santos, estratégia arquitetada pelo Brigadeiro EDUARDO GOMES, Ministro da Aeronáutica, que pretendia organizar a resistência (ao movimento liderado por LOTT) em São Paulo. FALCONIÈRE, que se encontrava no Rio de Janeiro, ruma para São Paulo a fim de assegurar o triunfo do movimento na região, sendo detido por oficiais da Força Aérea. FALCONIÈRE, ao tratar com EDUARDO GOMES, informa ao Ministro estar agindo em prol da legalidade, sendo libertado e conseguindo chegar a São Paulo. Diante desse quadro, CARLOS LUZ e os demais integrantes do navio Tamandaré retornam ao Rio de Janeiro, reconhecendo implicitamente a vitória de LOTT.

Em 11 de novembro de 1955, CARLOS LUZ é declarado pela Câmara dos Deputados impedido para o exercício da Presidência, assumindo (interinamente) o Vice-Presidente do Senado Federal, NEREU RAMOS. Novos embates surgem com a melhora do quadro de saúde do mandatário licenciado (CAFÉ FILHO), cujo retorno à Presidência foi obstado por intermédio de decisão exarada pelo Congresso Nacional, conforme Resolução de 22 de novembro de 1955. Assim, NEREU RAMOS governou o país durante o período de 11 de novembro de 1955 a 31 de janeiro de 1956.

4.4. Juscelino Kubitschek.

Contornada a crise, JUSCELINO é empossado para o período de 31 de janeiro de 1956 a 31 de janeiro de 1961. Do discurso proferido por ocasião de sua diplomação, em 27 de janeiro de 1956, no Tribunal Superior Eleitoral, não se extraem referências aos militares, como fizeram praticamente todos os Presidentes anteriores. JUSCELINO, diversamente, destaca o papel da Justiça Eleitoral na condução do pleito de 1955:

Não duvidamos, mesmo nas horas mais difíceis, que o nosso País já estivesse amadurecido suficientemente para que as regras e fundamentos da moral e do direito resistissem a toda sorte de desregramentos da paixão. O ato de hoje, neste Tribunal, fortalece o princípio de que não vinga mais entre nós o arbítrio e de que a lei é forte. Só se podem incluir, aliás, no número dos países civilizados aqueles em que as regras do jogo político são invioláveis, depois de aceitas. Só se podem considerar de fato constituídos em nação os povos para os quais a lei é objeto de acatamento, de limitação de sentimentos bruscos de desgoverno.

Não é apenas a nós, Senhor Presidente e Srs. Membros desta alta corte, a quem consagram Vossas Excelências supremos magistrados da República brasileira; o que se consagra aqui, também e muito mais, é a vontade popular, fonte de toda a autoridade nas democracias. O que proclama este Tribunal é a submissão à vontade do povo; o que defende o ato de hoje é a confiança e a esperança popular na lei. (BONFIM, 2004, p. 247)

Posteriormente, em 5 de junho de 1956, em visita ao Supremo Tribunal Federal, JUSCELINO volta a destacar o importante papel desempenhado pelo Poder Judiciário:

Declaro hoje, Senhores Membros do Supremo Tribunal Federal, e isto para honra minha e sobretudo de Vossas Excelências, que imaginei muitas vezes que nesta Corte Suprema da Justiça do meu país pudesse vir a decidir-se em última instância o destino da minha candidatura à presidência da República. E nunca me arreceei deste desfecho. (BRASIL, 1956, p. 10)

A toda evidência, quis KUBITSCHEK se referir aos episódios que quase o impediram de subir ao poder. Outrossim, num claro recado a alguns segmentos militares que, como visto, tentaram evitar sua posse, JUSCELINO, ao conferenciar na Associação dos Ex-Combatentes, em 1º de março de 1956, disse:

Ainda é fato do dia a indisciplina de alguns poucos oficiais de nossas bravas forças aéreas que se voltaram contra o poder legitimamente constituído, que mal começara a sua difícil missão.

Mesmo sem maiores repercussões, circunscrita a uns poucos jovens, vítimas eles próprios de envenenadores desalmados e sem qualquer escrúpulo, mesmo constituindo um gesto de rebeldia quase solitário, quantos prejuízos para o país, quanto tempo perdido, quantos pretextos emotivos fornecidos para a má propaganda do Brasil no exterior!

Falando-vos exatamente no dia em que praticamente e sem maiores consequências é reduzido o foco de indisciplina, aproveito-me do ensejo para afirmar que o meu desejo de paz e de harmonia entre os brasileiros é cada vez mais ardente, é cada vez maior e mais firme. Em defesa da paz não recuarei um só momento em tomar todas as medidas necessárias e, também, todas as responsabilidades para a manutenção da ordem pública e da disciplina. Conto, para isso, com a firme decisão dos chefes militares, das três Armas, com o espírito de patriotismo que impera nas corporações e com a confiança do povo brasileiro, de quem sou servidor fiel. As forças armadas destinam-se a combater o inimigo externo e a manutenção da ordem pública e estão cada vez mais firmes no cumprimento dos seus deveres e nobres obrigações. (BRASIL, 1956, p. 3-4)

4.5. Jânio Quadros.

JÂNIO QUADROS, eleito pelo voto direto, assume o governo em 31 de janeiro de 1961, em substituição a JUSCELINO. Seu discurso, da mesma forma que o do antecessor, exalta a Justiça Eleitoral, enaltecendo, por conseguinte, o Poder Judiciário, que naquela ocasião já começava a adquirir o status constitucional identificado na presente ocasião. QUADROS também não faz, pelo menos na alocução junto à Justiça Eleitoral, qualquer alusão às Forças Armadas:

Muitos são os caminhos para a conquista do Poder.

Viciosos, porém, se me afiguram todos aqueles que se apartam do voto do povo, deitado nas urnas soberanas.

Percorri a estrada legítima. E, por isso, a Justiça Eleitoral do meu País, mais uma vez, proclama esta verdade simples: a democracia só se define, só se afirma e consolida através do sufrágio.

É o direito à opção que faz os cidadãos responsáveis e as nações poderosas e permanentes.

De advogado que postulava interesses individuais a administrador dos interesses coletivos se não foi longa a minha jornada, foi ela suficientemente áspera para ensinar-me que a Justiça não é apenas um dos Poderes da República, mas, constitui, isto sim, essência desse mesmo regime.

Não há justiça onde as prerrogativas inalienáveis da condição humana possam ser postergadas por minorias que se afirmem pela força de um poder ocasional, ou pela implantação de uma filosofia de empréstimos.

[...]. a abolição do elemento servil; a afirmação do regime representativo; a estrutura federativa; a liberdade de opinião, de culto e de associação; a emancipação do poder judiciário; a relativa autonomia dos Estados e dos Municípios; as leis do trabalho com a sua própria judicatura; o voto secreto e universal; a criação da justiça eleitoral - eis algumas das decisivas conquistas que dão as verdadeiras e grandiosas dimensões do nosso progresso.

A Justiça Eleitoral teve de passar entre nós pelos estreitos caminhos da evolução e do aprimoramento, a que estão sujeitos todos os órgãos político-sociais. Contra poderosos fatores adversos, contra interesses mesquinhos e particularistas, pelo próprio viço da sua natureza ética, pela própria armadura moral dos seus componentes, conseguiu finalmente esta instituição atingir aquele grau de isenção e solidez que faz dela, a um tempo, símbolo e sustentáculo das garantias constitucionais vinculadas ao exercício do voto.

O aperfeiçoamento desta Justiça é a nossa grande conquista dos últimos tempos, aquela que mais fundamentalmente responde pela verdade, pela pureza, pela segurança do sufrágio. (BONFIM, 2004, p. 254-255)

Começava a se desenhar, assim, o status institucional da Justiça Eleitoral (vertente do Poder Judiciário), fato mundialmente reconhecido.

Não obstante, o governo de JÂNIO ressentia-se de uma base política de sustentação, uma vez que o PTB e o PSB dominavam o Parlamento Federal. Da mesma forma, enfrentava a oposição da própria UDN, inclusive de CARLOS LACERDA, então Governador do Estado da Guanabara. Em 25 de agosto de 1961, JÂNIO QUADROS renuncia ao mandato, pedido que é aceito pelo Congresso Nacional. Em seguida, nova crise se instalaria no país e, mais uma vez, as Forças Armadas seriam instadas a intervir.

4.6. João Goulart.

Por ocasião da renúncia de JÂNIO, JOÃO GOULART, Vice-Presidente, encontrava-se em viagem oficial à China. Em virtude disso, RANIERI MAZZILLI, Presidente da Câmara dos Deputados, assume o poder como substituto legal, governando o país por alguns dias (de 25 de agosto a 8 de setembro de 1961). Tendo em vista o indisfarçado alinhamento ideológico com o comunismo, a posse de JANGO foi vetada pelos Ministros militares (General ODÍLIO DENIS, da Guerra, Brigadeiro GRÜN MOSS, da Aeronáutica, e Almirante SÍLVIO HECK, da Marinha), deflagrando-se uma grave crise político-militar, sendo o impasse solucionado através da aprovação, pelo Congresso Nacional, em 2 de setembro de 1961, de uma Emenda Constitucional instaurando o regime parlamentarista no Brasil, o que, em tese, garantiria o mandato de GOULART até 31 de janeiro de 1966.

Assim, em 8 de setembro de 1961, JANGO assume a Presidência da República, em sessão solene no Congresso Nacional. Na mesma data, é empossado o primeiro Gabinete Parlamentarista, presidido por TANCREDO NEVES. Em janeiro de 1963, um plebiscito decide pelo retorno do presidencialismo, tendo JOÃO GOULART adquirido plenamente os poderes de Presidente.

Quando de seu pronunciamento de posse, GOULART dirige-se, de modo singelo, "às Forças Armadas, que permaneceram fiéis ao espírito da democracia e devotaram-se à proteção da ordem jurídica", bem como ao Judiciário: "Ao Poder Judiciário, desejo prestar uma homenagem toda especial, ao vê-lo cada vez mais prestigiado pela reafirmação popular de respeito e acatamento às leis". (BONFIM, 2004, p. 263)

Em outra ocasião, quando articulava diretamente com os militares, GOULART deixa transparecer certa deferência às Forças Armadas. Assim aconteceu, por exemplo, quando de sua visita ao Batalhão de Guardas Presidenciais (Guarnição Militar de Brasília), em 10 de janeiro de 1962:

Ao agradecer as palavras que acaba de me dirigir o Senhor Comandante desta unidade o brioso Batalhão de Guardas Presidencial , ao ensejo deste almoço, desejo manifestar minha particular satisfação por este encontro, sobretudo por me ser dado participar do convívio honroso e amigo da oficialidade que aqui serve. Tenho a satisfação de vos dizer, com o orgulho de brasileiro e de patriota, que à medida que vou mantendo contato com os chefes e os demais membros de nossas Forças Armadas, mais forte sinto em meu espírito a convicção de que a disciplina, a ordem e o patriotismo, que são o seu verdadeiro apanágio, é que permitem, ao Governo e ao povo, o clima de tranquilidade e de confiança que é, de resto, o único compatível com as nossas tradições. E sabem todos os patriotas brasileiros, todos aqueles que colocam acima dos interesses pessoais os interesses da coletividade nacional, que é justamente esse clima de tranquilidade e de confiança que está estimulando os nossos irmãos de todos os recantos da Pátria no sentido da luta pelo desenvolvimento de nossa economia.

Filio-me, com inabalável convicção, ao número daqueles que estão seguros de que a vitória da caminhada que ora estamos realizando, em busca da emancipação econômica nacional, depende, em grande parte, da disciplina e do patriotismo das nossas Forças Armadas.

Aqui, ao vosso lado, neste instante, sinto-me, felizmente, à vontade para vos afirmar e o faço como Chefe da Nação que o povo brasileiro sempre confiou nas suas Forças Armadas e que nelas nunca deixou de encontrar, nos momentos difíceis da nacionalidade, apoio decisivo no sentido da manutenção das instituições democráticas e aos seus anseios de paz e de progresso. (BRASIL, 1962)

Posteriormente, em 21 de fevereiro de 1962, na Vila Militar, no Rio de Janeiro, por ocasião das comemorações do 17º aniversário da Tomada de Monte Castelo pela Força Expedicionária Brasileira (FEB), JANGO dirige-se novamente aos militares:

Na reverência aos heróis que perderam ou expuseram a vida naqueles grandes episódios, rendo as homenagens do meu apreço cívico, interpretando o sentimento unânime do povo brasileiro às valorosas Forças Armadas de nossa pátria. [...]. Ninguém tem excedido as nossas Forças Armadas em fidelidade à democracia e no amor e devotamento às causas populares. O espírito dos mortos de Prano, Monte Castelo, Montese e Fornuovo di Taro revive, glorificado, no exemplo dos bravos soldados da democracia que, sob o mesmo esclarecido comando do seu antigo coronel, o então comandante do Sexto Regimento de Infantaria e hoje eminente General de Exército, Segadas Viana, asseguram a permanência de nossas instituições democráticas.

O exemplo profissional que o soldado brasileiro deu de sua bravura e de sua competência, lutando pelo ideal de nossa filosofia de vida, nos campos da Itália, e adaptando-se, sem dificuldade, ao manejo dos mais novos instrumentos de guerra, de par com as responsabilidades que nos cabem no cenário dos nossos compromissos internacionais, são elementos que nos fortalecem na convicção de que as Forças Armadas do Brasil devem ser dotadas, em permanente espírito de aperfeiçoamento, do instrumental imprescindível ao desempenho de sua tarefa, para que, a qualquer tempo, quando convocadas, possam manter as refulgentes tradições que constituem o nosso orgulho e a nossa honra. Quero também declarar que o Poder Executivo que se estimula e fortalece com a vossa solidariedade jamais poderá ser indiferente aos problemas humanos de vossa classe, agravados pelo processo inflacionário que o atual Governo encontrou em plena e desordenada ascensão. Esse processo se exprime na alta do custo de vida, que se torna mais penosa com o deslocamento profissional e a instabilidade de residência a que vossas funções vos sujeitam, e por isso há de constituir ponto destacado entre os deveres do Governo assegurar a oficiais e sargentos meios de proporcionarem às suas famílias uma vida tranquila e compatível com a elevada missão que lhes é confiada pela sociedade.

Estou convencido de que, nesta ordem de idéias, o Governo do Brasil não será insensível aos justos reclamos das Forças Armadas, depositárias do melhor do nosso patrimônio cívico. E não somente em relação às suas necessidades de aparelhamento material adequado, especialmente no que diz respeito à motomecanização e à modernização dos seus instrumentos de ação em combate, como, igualmente, no que se relaciona com o aperfeiçoamento do seu material de comunicações, estou seguro de que os recursos imprescindíveis serão postos à disposição dos seus objetivos fundamentais e inadiáveis.

Agradeço, em meu nome e no do Presidente do Conselho, Ministro Tancredo Neves, o calor e a simpatia de que nos cereais na acolhida que nos está sendo dispensada. Agradeço, de modo particular, ao Senhor Ministro da Guerra o testemunho, isento e autorizado, que acaba de transmitir à Nação sobre o esforço do Governo em servir ao País, o que não constitui mais que o dever precípuo dos que procuram desempenhar com lealdade os mandatos populares.

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Continuaremos fiéis às imposições do nosso dever. A identificação, cada vez mais perfeita, entre as Forças Armadas e os legítimos anseios populares, dá-nos a certeza de que as reformas de base reclamadas pelo País poderão processar-se dentro da linha das tradições democráticas e cristãs que desejamos a qualquer preço preservar.

Manifestação como essa não pode deixar de representar conforto moral para um homem público, que foi chamado em circunstâncias difíceis a dar desempenho aos deveres impostos pela vontade popular e que não teve outra preocupação senão a de poupar o País e as suas instituições dos riscos que os ameaçavam, esperando encontrar, com a proteção de Deus, os meios de servir a sua pátria.

Senhores Ministros, Senhores Oficiais-Generais, Senhores Oficiais. Convido-vos a que levantemos as taças em memória dos nossos bravos que tombaram nos campos de batalha e pelo futuro glorioso das nossas Forças Armadas. (BRASIL, 1962)

No mesmo diapasão, em 10 de maio de 1962, no Quartel dos Dragões da Independência, no Rio de Janeiro, GOULART, por ocasião das comemorações do 154º aniversário do nascimento do Marechal MANUEL LUÍS OSÓRIO, discursou para um público de militares:

É-me profundamente grato participar da solenidade organizada pelo I Exército em homenagem ao grande soldado do povo, ao grande soldado da lei o Marechal Osório. Através desta justa homenagem, o Exército reverencia a memória do patrono de sua gloriosa Cavalaria, nesta data tão significativa, que assinala o aniversário do nascimento do grande brasileiro.

Ao agradecer a saudação do ilustre comandante do I Exército, desejo recordar as palavras proferidas pelo Marechal Osório, nos últimos instantes de sua vida: "Tranquilidade, independência, pátria e liberdade". Estas palavras permanecem cada vez mais vibrantes no espírito de nossas Forças Armadas. Fiel ao exemplo de Osório e ao exemplo de nossas Forças Armadas, tenho sempre presente o significado das palavras de Osório, que soube marcar, com sua bravura e seu patriotismo, as fronteiras de nossa pátria, como a dizer às futuras gerações que marcassem, também, com patriotismo e coragem, o caminho da independência do Brasil. Sinto-me, portanto, emocionado ao lembrar estas palavras do grande militar e, coerente com elas, tenho tido a preocupação de assegurar ao País um clima de tranquilidade e de compreensão propício à união calorosa da família brasileira. Tem sido também nossa preocupação ser fiel a todos os compromissos livremente assumidos pelo Brasil, dentro de uma linha de independência. E tem sido ainda nossa preocupação manter o País nesta caminhada pela emancipação econômica, que há de levar o povo brasileiro a melhores dias e a um respeito cada vez maior pelo sistema democrático em que vivemos.

Congratulo-me com todos os generais, com todos os oficiais, especialmente com aqueles que, abraçando a arma da Cavalaria, continuam fiéis ao símbolo de patriotismo e de confiança em nosso país, representado pela vida e pelo exemplo do Marechal Osório. Ao finalizar, levanto um brinde em homenagem a Osório, ao homem que, vindo das camadas mais vivas do povo, transformou-se em soldado, em general, em marechal e, sobretudo, num símbolo a ser seguido por todos os brasileiros. E, neste brinde, presto também minha homenagem ao glorioso Exército nacional. (BRASIL, 1962)

Apesar dessas referências elogiosas, a relação entre o Presidente da República e as Forças Armadas, a bem da verdade, estava definitivamente marcada desde o embate ideológico ocorrido por ocasião da renúncia de JÂNIO. E pioraria de vez.

5. Dos Discursos dos Presidentes do Regime Militar.

5.1. Castello Branco.

A estratégia de aproximação com as Forças Armadas esboçada por JANGO, e retratada nos três discursos anteriores, não surtiu efeito. Tendo em vista o movimento político-militar de 31 de março de 1964, assume a Presidência o Marechal CASTELLO BRANCO. Após ter sido eleito pelo Congresso Nacional, em 11 de abril de 1964, para o cargo de Presidente da República, seu pronunciamento, na mesma data, faz referências não só ao movimento em si, mas ao papel das Forças Armadas em crises institucionais:

[...] espero em Deus corresponder às esperanças de meus compatriotas, nesta hora tão decisiva dos destinos do Brasil, cumprindo plenamente os elevados objetivos do Movimento vitorioso de abril, no qual se irmanaram o Povo inteiro e as Forças Armadas, na mesma aspiração de restaurar a legalidade, revigorar a democracia, restabelecer a paz e promover o progresso e a justiça social. (BRASIL, 1964)

Em 15 de abril de 1964, CASTELLO BRANCO, agora ao tomar posse perante o Congresso Nacional, dedicou especial atenção à função desempenhada pelas Forças Armadas na dita Revolução, episódio cujo objetivo, segundo ele, era tão somente restaurar a democracia, que naquele momento encontrava-se profundamente ameaçada pelo governo antecedente:

Farei o quanto em minhas mãos estiver para que se consolidem os ideais do movimento cívico da Nação brasileira nestes dias memoráveis de abril, quando se levantou unida, esplêndida de coragem e decisão, para restaurar a democracia e libertá-la de quantas fraudes e distorções que a tornavam irreconhecível. Não através de um golpe de Estado, mas como uma Revolução que, nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas instituições e, decisivamente, apoiada nas Forças Armadas, traduziu a firmeza das nossas convicções e profundidade das nossas concepções de vida, convicções e concepções que nos vêm do passado e que deveremos transmitir, aprimoradas, às gerações futuras. Foi uma Revolução a assegurar o progresso, sem renegar o passado. Vimos, assim, a Nação, de pé, a reivindicar a sua liberdade e a sua vontade que, afinal, e nos termos previstos pela Constituição, se afirmou através do Congresso, legítimo representante dos ideais e aspirações do nosso povo. Nossa vocação é a da liberdade democrática Governo da maioria com a colaboração e o respeito das minorias. Os cidadãos, dentre eles, também em expressiva atitude, as mulheres brasileiras, todos, civis e soldados, ergueram-se num dos mais belos e unânimes impulsos da nossa História contra a desvirtuação do regime. (BRASIL, 1964)

No mesmo dia 15 de abril de 1964, CASTELLO BRANCO, ao receber, no Palácio do Planalto, a faixa presidencial, volta a firmar a importância das Forças Armadas, que efetivamente alicerçou a sua chegada ao poder:

Eu me encontro, neste momento, investido das altas funções de Presidente da República. Aqui estou colocado pelo voto soberano do Congresso Nacional; aqui me encontro em virtude da confiança de bravos e destemidos governadores de Estado; aqui estou como seguimento de uma conduta das Forças Armadas. [...].

Assumo, neste momento, o comando efetivo das Forças Armadas do Brasil e, nessas condições, eu me dirijo aos meus velhos camaradas de profissão, dizendo-lhes que procurarei corresponder à confiança em mim depositada, procurando servir ao povo brasileiro que de mim espera o sagrado cumprimento da minha missão. Era o que eu tinha a dizer. (BRASIL, 1964)

Em 17 de abril de 1964, o Presidente CASTELLO BRANCO visita o Supremo Tribunal Federal, quando, então, faz o seguinte pronunciamento:

Eu não conheço o protocolo desta Casa, mas acredito que as normas aqui adotadas não vão contrariar o meu desejo, todo natural, de responder à saudação do Exmo. Sr. Presidente. Ouvi bem a clarividência com que S. Exª caracterizou a situação atual. Anotei bem e, sinceramente, as advertências que S. Exª me fez num plano cívico, chamando a atenção para o exercício da justiça na democracia. Todo Presidente da República sempre está às voltas com a legalidade, e, mais do que isto, com a defesa da legalidade. E há quem pense e quem diga que esta defesa está inteiramente garantida quando o dispositivo militar a assegura. Mas, Sr. Presidente, Srs. Ministros, tenho a impressão, como antigo defensor da legalidade, de que há muito o que fazer para assegurar as normas jurídicas do País. Penso que ela está numa administração que realize com honestidade e olhando para o futuro. Penso que ela está na maneira de considerar o Congresso Nacional.

Penso que está na coexistência dos três poderes e que esta coexistência reside muito na iniciativa do Poder Executivo e penso, também, que a defesa da legalidade está garantida quando o Presidente da República assegura condições para o funcionamento da justiça no País. Fui soldado e defensor da legalidade e, muitas vezes, me sentia verdadeiramente desolado quando via que ela só podia ser mantida com as baionetas não ensarilhadas, mas, colocadas fora dos quartéis, a fim de que o Poder Executivo continuasse a fazer uma nefasta administração, a gozar o poder e a não dar à nação as condições de vida necessárias. Procurei, assim, Senhor Presidente, responder às generosas palavras de V. Exª, a acolher as suas advertências e bem me situar na concepção de legalidade que eu tenho. Muito obrigado. (BRASIL, 1964)

Na ocasião, o Ministro RIBEIRO DA COSTA, então Presidente do STF, igualmente discursou:

Senhor Presidente, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Excelência. A visita cordial que Vossa Excelência realiza, neste momento, à Alta Corte de Justiça Brasileira tem amplo significado, ainda mais acentuando-se pelo fato eloquente que Vossa Excelência timbrou em ressaltar: de se ter empossado no Poder Executivo e dali, pela primeira vez, sair hoje para a realização desse ato solene.

Só isto revela o zelo, o apreço e a admiração do Chefe de Estado pelas demais instituições, a começar por aquela cuja missão reside, precisamente, em julgar, em face da Constituição, os atos dos demais Poderes.

Nota-se, através da leitura do último parágrafo do texto supra, o recado dado pelo Ministro RIBEIRO DA COSTA ao Presidente CASTELLO BRANCO: a missão do Poder Judiciário "reside, precisamente, em julgar, em face da Constituição, os atos dos demais Poderes".

A visita realizada por CASTELLO ao STF foi assim descrita pelo Ministro EVANDRO LINS E SILVA, que à época integrava a composição da Corte Suprema, em entrevista concedida a MARLY MOTTA e VERENA ALBERTI:

Como foi essa visita?

Ele foi fazer a visita protocolar ao Supremo, certo dia. Existe lá um salão que tem um grupo Luís XV com cinco cadeiras de um lado, cinco do outro, e um sofá de duas pessoas. Ficam então os dez ministros, e o presidente da República vem e senta ao lado do presidente do Supremo. Quando o presidente Castelo Branco chegou, estávamos todos de pé, em tomo das cadeiras, e ele se dirigiu a mim em primeiro lugar: "Ministro, como tem passado?" Eu já o conhecia, porque fui chefe da Casa Civil e ele era o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Ele se dirigiu em seguida ao Hermes Lima e ao Vítor Nunes Leal, ou seja, àqueles três que eram os mais visados pela propaganda, e depois sentou-se ao lado do presidente do Tribunal. Não falou pessoalmente com os demais. Interpretei aquilo como uma mensagem: "Não tenho nada contra os senhores." Houve discursos do presidente do Supremo e dele, foi uma solenidade simples, informal, embora estivéssemos com a capa de ministro. Havia jornalistas, e houve publicidade dos discursos.

Qual foi o conteúdo dos discursos? Houve alguma referência à situação?

Não houve, porque foi logo em seguida aos acontecimentos. O presidente Castelo manifestou sua reverência à Corte Suprema do país, palavras protocolares. Depois houve o discurso do presidente do Supremo, que não disse nada, apenas agradeceu a presença dele. Não houve nada de político, que pudesse chamar a atenção.

O presidente do Tribunal, ministro Ribeiro da Costa, não aproveitou a ocasião para marcar uma certa independência do Supremo em relação à Revolução?

Não tocou nesse assunto. Ribeiro da Costa, como todos sabem, tinha muitas ligações com os grupos da UDN, era até ligado à Revolução. Também era filho de general, os irmãos eram coronéis, tinha ligações militares, tanto que foi surpreendente, depois, sua atitude de defesa do Tribunal, da instituição, sua firmeza em exigir o absoluto respeito ao funcionamento da Corte e aos seus juízes. Ele teve um papel muito importante depois. Esteve à altura do momento histórico que se seguiu, no desempenho do cargo. Tanto que se diz que ele teria mandado um recado ao presidente da República, dizendo que se tocassem no Tribunal, fecharia o órgão e mandaria a chave.

No primeiro momento não houve então um confronto entre o Executivo e o Supremo?

Havia sim. Havia ameaças. Os jornais todos reclamavam a nossa cabeça. [...].

Mas independentemente da atitude do ministro Ribeiro da Costa, o Judiciário, nesse momento inicial, não foi de certa forma poupado porque os militares se preocuparam muito mais em voltar suas baterias contra o Legislativo e o Executivo?

Em primeiro lugar, a atitude do Ribeiro da Costa foi firme, altiva, digna, e ele defendeu a instituição o quanto pôde; em segundo lugar, é preciso reconhecer, houve também a posi­ção do presidente Castelo Branco, que era um homem mais moderado, menos açodado e com uma compreensão de que devia respeitar a Corte Suprema do país. Ele tinha esse entendimento, que não teve o seu substituto, Costa e Silva, o qual, ao contrário, investia contra tudo e contra todos, contra as instituições, como um ditador, como um tirano. Não era esse o temperamento de Castelo Branco, tanto que, quando visitou o Supremo Tribunal Federal, deixou entrever, no seu gesto de cumprimentar aqueles que eram visados pela campanha da imprensa, uma mensagem de que não estava pretendendo nos atingir, de que ia respeitar o Tribunal e seus juízes. (SILVA, 1997, p. 378-380)

5.2. Costa e Silva.

O Marechal COSTA E SILVA, Ministro da Guerra durante o governo CASTELLO BRANCO, desincompatibiliza-se do cargo e se candidata às eleições indiretas. Em 3 de outubro de 1966, é eleito (pelo Congresso Nacional) para o quadriênio 1967-1971, tendo PEDRO ALEIXO como Vice. No seu discurso de posse, proferido no Palácio do Planalto a 15 de marco de 1967, depois de receber a faixa presidencial das mãos do Marechal CASTELLO BRANCO, COSTA E SILVA, ao falar sobre as origens da Revolução, realça a participação das Forças Armadas no movimento político-militar de 1964, cabendo destacar o seguinte extrato:

A Revolução teve profundas origens populares, num grandioso movimento cívico, que levou às ruas e às praças homens e mulheres, jovens e velhos, dispostos a lutar por Deus e pela Nação, com a solidariedade de todas as classes sociais, de todos os democratas e o apoio unânime e decisivo das Forças Armadas.

Revolução, em verdade, e não golpe de Estado, que visasse tão somente a substituir um homem por outro ou por outra uma facção política.

Revolução, e não motim militar, pois as Forças Armadas, que também vêm do povo, com o povo se irmanaram em defesa dos mesmos ideais. [...].

A solidariedade dos meus Camaradas do Exército, da Armada e da Força Aérea não lhe modificou aqueles atributos: apenas exprimiu a sua aspiração unânime de continuidade do processo revolucionário e da sua defesa. A democracia tem de armar-se para defender-se daqueles que se valem das suas franquias para destruí-la. [...].

Se, como lhe competia por dever para com o País, a Revolução adotou, por vezes, severas restrições, nem por isso modificou a nossa organização institucional, pois conservou em pleno funcionamento esta Casa egrégia, a que atribuiu o poder de eleger o Presidente da República, e o Poder Judiciário, cujas decisões têm sido invariavelmente respeitadas. (BONFIM, 2004, p. 279-280)

Interessante comentar o momento em que o Presidente empossado afirma que "a democracia tem de armar-se para defender-se daqueles que se valem das suas franquias para destruí-la", frase que, a nosso ver, permite extrair duas conclusões imediatas: prima facie, que as Forças Armadas, representadas, no caso, por seu Comandante Supremo, o Presidente COSTA E SILVA, funcionavam efetivamente como instrumento de estabilização em momentos de crises, sendo, por assim dizer, as baionetas defensoras da democracia. A segunda inferência traduz a indiscutível incapacidade do Judiciário daqueles períodos em atuar como a balança da Justiça, com o respectivo e indispensável fiel democrático.

Em 30 agosto de 1969, uma doença (trombose cerebral) acomete o Presidente COSTA E SILVA e o impede de exercer as funções presidenciais, ao mesmo tempo em que sepulta seu plano de entregar ao país, no dia 7 de setembro de 1969, uma nova Carta (a Constituição de 1969), com maiores instrumentos de defesa do Estado, permitindo a revogação do Ato Institucional nº 5 e de todos os demais outorgados até então. Uma Junta Militar Governativa composta pelos Ministros da Marinha de Guerra (AUGUSTO RADEMAKER), do Exército (AURÉLIO LYRA TAVARES) e da Aeronáutica (MÁRCIO DE SOUZA MELLO) assume o governo em 1º de setembro de 1969, conforme previsto no Ato Institucional nº 12, de mesma data, permanecendo até 30 de outubro de 1969, não havendo discurso de posse.

O Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969, editado pelos referidos Ministros militares, que se encontravam no exercício da Presidência, declara a vacância dos cargos e fixa data para eleição e posse do Presidente e do Vice-Presidente da República. COSTA E SILVA falece no Rio de Janeiro, em 17 de dezembro de 1969.

5.3. Emílio Garrastazu Médici.

Uma vez eleito pelo Congresso Nacional, reaberto desde 22 de outubro de 1969, o General EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI é empossado na Presidência em 30 de outubro do mesmo ano, sendo o Almirante AUGUSTO RADEMAKER o Vice.

Interessante mencionar que MÉDICI não alude expressamente ao papel das Forças Armadas no âmbito do movimento político-militar de 1964, por ele também chamado de Revolução. Não obstante, deixa patente a sua condição de homem da caserna, o que equivale dizer que a sua origem militar seguramente influenciaria, como efetivamente influenciou, a condução do governo:

Homem da caserna, creio nas virtudes da disciplina, da ordem, da unidade de comando. E creio nas messes do planejamento sistematizado, na convergência de ações, no estabelecimento das prioridades. E, porque assim o creio, é que tudo farei por coordenar, integrar, totalizar nossos esforços tantas vezes supérfluos, redundantes, contraditórios, dispersivos em uma tarefa global, regida por um grande plano diretor. [...].

Homem da lei e do regulamento, creio no primado do Direito. E, porque homem da lei, é que pretendo velar pela ordem jurídica. E, homem, de pés no chão, sinto que, nesta hora, a ordem jurídica se projeta em dois planos. Vejo o plano institucional, destinado a preservar as conquistas da Revolução, vejo o plano constitucional, que estrutura o Estado e assegura o funcionamento orgânico dos Poderes. Estou convencido de que é indispensável a coexistência dessas duas ordens jurídicas, expressamente reconhecida pela Constituição, fundada no imperativo da segurança nacional, e coerente enquanto for benéfica à defesa da democracia e à realização do bem comum. (BRASIL, 1969)

MÉDICI, ao vislumbrar a coexistência de duas ordens jurídicas expressamente reconhecidas no Texto Magno, algo absolutamente incoerente sob o prisma do Direito Constitucional, posto que a Constituição é uma só, não havendo que se pensar, portanto, em duplo ordenamento, acaba por revelar, a nosso ver, sua verdadeira intenção: sinalizar, desde a posse, que a exegese a ser extraída pelo Poder Judiciário a respeito da Lei Maior deveria levar em conta essa tal dicotomia por ele assentada, qual seja, o plano institucional (o imperativo da segurança nacional enquanto valor destinado a preservar as conquistas do Regime) e o nível constitucional (referente à estrutura do Estado e o funcionamento orgânico dos poderes). A questão que se mostrou de difícil solução à época foi justamente conciliar esses dois valores apontados no discurso de MÉDICI.

5.4. Ernesto Geisel.

Através de eleição indireta, ERNESTO GEISEL, da ala liberal das Forças Armadas, passa a exercer o cargo de Presidente da República em 15 de março de 1974, imprimindo, desde o início de sua gestão, o denominado processo de distensão lenta, gradual e segura, cujo objetivo maior era, como efetivamente aconteceu, a reintrodução da democracia no país.

Quando do pronunciamento proferido em 15 de março de 1974, no Palácio do Planalto, por conta da assunção do mandato, GEISEL não cita as Forças Armadas, nem menciona o Poder Judiciário. A essência de seu discurso, que em diversas passagens refere-se ao Regime e a seus respectivos idealizadores, revela o propósito maior do movimento político-militar de 1964, o qual, segundo o Presidente, seria "um projeto nacional de grandeza para a Pátria, alicerçado no binômio indissolúvel do desenvolvimento e da segurança". (BRASIL, 1974)

Já em 19 de março de 1974, quando da primeira reunião ministerial, GEISEL reforça o apego ao binômio desenvolvimento e segurança:

O desenvolvimento de uma Nação é, necessariamente, um desenvolvimento integrado, o que não implica, de forma alguma, progresso linear, paralelo, entre os vários setores, admitindo-se, ao contrário, defasagens impostas por fatores conjunturais e pela sempre limitativa disponibilidade de recursos e, bem assim, por decisão estratégica de avanço mais rápido, a princípio, em setores considerados prioritários. Importa reconhecer, entretanto, que retardes excessivos em qualquer parte da ampla frente da ação governamental acabarão, inevitavelmente, por frear o progresso em todos os outros setores.

De forma semelhante, no quadro da segurança nacional, o processo de seu reforço é também essencialmente integrado, de vez que esse processo é o mesmo do próprio desenvolvimento nacional, aplicado apenas em campo especializado e mais restrito. O mínimo de segurança indispensável resulta, pois, da interação devidamente balanceada dos diferentes graus de segurança alcançados ou desejados, em cada um dos seus setores componentes.

Cabe salientar, ainda, a estreita vinculação que se estabelece entre esses dois processos aqui apresentados distintamente o do desenvolvimento nacional e o da segurança ambos integrados nas suas áreas peculiares, mas, também, integrados entre si. (BRASIL, 1974)

E, no derradeiro parágrafo do mesmo discurso endereçado ao Ministério, GEISEL afirma: "Quanto às Forças Armadas, reservar-me-ei para apresentar minhas diretrizes gerais na primeira reunião do Alto Comando que se realizará nos próximos dias". (BRASIL, 1974)

O trecho anterior, sem sombra de dúvida, desponta o poder político ostentado pelas Forças Armadas naquela época, mesmo diante do novo panorama que se desenhava a partir de então, sendo pertinente ponderar que GEISEL, ao decidir não tratar de assuntos militares na mesma ocasião, tivesse o propósito de, reservadamente, no âmbito particular das Forças Armadas, ditar-lhes os novos rumos da distensão, preparando, assim, o terreno que culminaria com a definitiva saída dos militares da cena política, o que aconteceria com o fim do próximo governo.

5.5. João Figueiredo.

Posteriormente, uma vez eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, o General JOÃO FIGUEIREDO, o último Presidente militar, passa a exercer o cargo em 15 de março de 1979, nele permanecendo até 15 de março de 1985, tendo em vista que a Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977, promulgada por GEISEL com amparo no AI nº 5, passou a fixar o mandato presidencial em 6 anos. Também da ala liberal, FIGUEIREDO assume o governo reafirmando a concepção de abertura política inaugurada pelo mandatário antecessor. Ao receber a faixa presidencial, FIGUEIREDO proferiu, em síntese, as seguintes palavras a respeito do movimento político-militar de 1964:

Reafirmo, portanto, os compromissos da Revolução de 1964, de assegurar uma sociedade livre e democrática. Por todas as formas a seu alcance, assim fizeram, nas circunstâncias de seu tempo, os presidentes Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel.

Reafirmo: é meu propósito inabalável dentro daqueles princípios fazer deste País uma democracia. As reformas do eminente Presidente Ernesto Geisel prosseguirão até que possam expressar-se as muitas facetas da opinião pública brasileira, purificado o processo das influências desfigurantes e comprometedoras de sua representatividade. Reafirmo: sustentarei a independência dos poderes do Estado e sua harmonia, fortalecendo, para que atinja sua plenitude, a Federação sonhada pelos fundadores desta Pátria. [...].

Reafirmo o meu gesto: a mão estendida em conciliação. Para que os brasileiros convivam pacificamente. Para que as divergências se discutam e resolvam na harmonia e na boa vontade, tão da índole de nossa gente. [...].

Preocupada com o bem comum.

Vigilante na preservação da ordem pública e dos direitos das pessoas e da sociedade. Firme na segurança das instituições.

Prudente e serena na utilização dos instrumentos legais existentes para esse fim. (BRASIL, 1979)

Nota-se, perfeitamente, o tom conciliador que permeou o aludido discurso, provavelmente uma das razões explicáveis para o fato de FIGUEIREDO, como já havia feito GEISEL, não ter se dirigido expressamente às Forças Armadas, cujo protagonismo começava a se esvaecer. Afinal, naquele momento, já estava devidamente traçado o derradeiro rumo a ser dado ao movimento de 1964, qual seja, o afastamento dos militares da trama política.

Com efeito, em perfeita sintonia com o referido propósito de conciliação nacional, e após amplo debate, é sancionada por FIGUEIREDO, em 28 agosto de 1979, a Lei nº 6.683 (Lei de Anistia), cujo art. 1º, caput, concedeu anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da administração direta e indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

Não obstante ter silenciado quanto à caserna no discurso de posse, FIGUEIREDO, logo em 19 de março de 1979, na primeira reunião ministerial, refere-se expressamente às funções das Forças Armadas:

Nossas Forças Armadas, tranquilas no cumprimento do dever, saberão garantir-nos o grau de segurança indispensável à presença soberana do País no cenário internacional. Não deixarão, por outro lado, de assegurar a ordem e a paz internas, necessárias à participação política do povo na vida nacional. (BRASIL, 1979)

Mesmo diante dessa inegável tonalidade pacificadora, a década de 80 do século passado experimentaria sérias reações à proposta de abertura política, em curso desde GEISEL. Grupos de direita radical, numa completa aversão ao projeto em trâmite, perpetram odiosos atos de cunho terrorista, sendo o mais emblemático deles o que se deu em 1981, no conhecido Caso Riocentro, quando duas bombas explodiram durante um show comemorativo ao Dia do Trabalho. A ocorrência deste e de outros atentados reforçam o nosso entendimento de que as Forças Armadas, naquela quadra, já não ostentavam o mesmo poder político de antigamente, fato que era do amplo conhecimento dos próprios militares, sobretudo os liberais, tanto que alguns segmentos da caserna (os ditos radicais) tentavam a todo custo recuperar terreno e paralisar a inevitável distensão. Era o sinal inequívoco de que as próprias Forças Armadas não pretendiam mais prorrogar o exercício do poder. Estava esgotado, naquela ocasião, o emprego das instituições militares como elemento de estabilização de crise.

Como que se estivesse preparando o novo caminho a ser trilhado pelas Forças Armadas a partir de 1985, FIGUEIREDO, quando de seu penúltimo discurso em cadeia nacional de rádio e TV, abordou o tema Defesa Nacional, sinteticamente:

Não se pode improvisar a Defesa Nacional. É preciso contar com estruturas permanentes, com alto nível de especialização, flexibilidade para renovação constante, tanto nas concepções estratégicas e táticas como nos instrumentos de combate. Porque a Defesa Nacional exige o máximo de eficácia, que só se consegue pela dedicação total das pessoas engajadas, pelo treinamento constante, pelo domínio dos avanços tecnológicos. [...].

Em que consiste a Defesa Nacional? É uma tarefa ciclópica que exige recursos tecnológicos avançados de poder de fogo de transporte e da eletrônica. É um papel estratégico que exige a perfeita integração entre Exército, Marinha e Força Aérea, na defesa conjunta do território, do mar e do espaço aéreo nacionais. [...].

As Forças Armadas têm também o dever de zelar pela segurança interna e pela nossa tranquilidade institucional. A união, a coesão das Forças Armadas, voltadas para a sua missão profissional, é fator decisivo para a manutenção do equilíbrio político e institucional de qualquer país.

A História nos mostra que o rompimento da coesão militar e o desvio das forças militares para servir a ambições de poder pessoal levam a crises violentas e demoradas, a perdas valiosas de vidas e de bens que deixam cicatrizes profundas na convivência de uma comunidade.

Essa ameaça estava presente quando fizemos a Revolução de 1964. Os fatores de controvérsia e divisão foram afastados e superadas as ambições pessoais. Prevaleceu, nestes 20 anos, o sentido da missão institucional; prevaleceu a doutrina de apoiar a nossa sociedade no caminho da democracia.

Antes de 1964, a situação das Forças Armadas deixava muito a desejar. O armamento era obsoleto, quase todo o material era importado. Os efetivos do Exército, da Marinha e da Força Aérea estavam dispostos apenas pelo litoral e pela fronteira sul do País.

Nestes 20 anos, fizemos um esforço sistemático para trazer as Forças Armadas ao nível compatível com o crescimento nacional. Forças Armadas eficientes e modernas implicam despesas. O avanço tecnológico dos instrumentos de combate exige elevado nível tecnológico de preparo dos homens para manejá-los.

O processo de modernização e equipamento das Forças Armadas obedeceu e obedece a critérios rígidos de economia, em vista da escassez dos recursos orçamentários, sempre aquém das necessidades dos vários setores da atividade governamental. [...].

A Força Aérea, a Marinha e o Exército precisam, portanto, de contar com a aparelhagem adequada. É imprescindível que cada uma dessas Forças disponha de sistemas de detecção, como o radar, o sonar, etc., apropriados às suas missões específicas. Também é imprescindível que cada Força conte com armas capazes de causar dano sobre o adversário; precisa da organização logística adequada, de apoio, abastecimento e administração; é preciso uma estrutura de comando e de estado-maior para estudo, decisão e execução quanto a estratégias e alternativas de ação.

A missão específica do Exército consiste na defesa do nosso imenso Território. Por isso, a modalidade das tropas terrestres e o poder de fogo por unidade são fatores fundamentais para a execução dessa tarefa. Hoje, a nossa Infantaria, a Cavalaria blindada e a Artilharia dispõem de armamento e mobilidade adequados às suas missões específicas. [...]. (BRASIL, 1984)

No dia 28 de dezembro de 1984, FIGUEIREDO, despedindo-se em cadeia nacional de rádio e TV, reconheceu e apontou a quem cabe conduzir a cena política:

A democracia, que queremos plena, oferece à sociedade os meios para o seu contínuo aperfeiçoamento, para a solução racional dos seus próprios problemas e de suas crises. A política, como arte do diálogo, da argumentação e do compromisso, retoma, nesse quadro, a posição que lhe cabe no comando da sociedade. [...]. (BRASIL, 1984)

6. Dos Discursos dos Presidentes da Nova República.

Nova República é a designação dada ao período iniciado a partir do fim do Regime Militar, sendo caracterizado pela democratização do país.

6.1. José Sarney.

Malgrado o processo de abertura, o remanescente poder político dos militares era induvidoso e ainda haveria mesmo de se revelar, mormente quando do debate em torno da assunção de JOSÉ SARNEY, então Vice-Presidente, em substituição a TANCREDO NEVES, o primeiro civil, desde CASTELLO BRANCO, eleito (indiretamente) para o cargo presidencial, cuja posse, marcada para 15 de fevereiro de 1985, não chega a acontecer, tendo em vista grave doença que o acomete, vindo a falecer em 21 de abril do mesmo ano.

O cenário, com o falecimento de TANCREDO, era mesmo propício para se por à prova a solidez do processo de democratização em andamento. Diante do quadro de saúde do Presidente eleito, SARNEY, com a chancela dos militares, toma posse em 15 de março de 1985.

O discurso proferido na ocasião é por demais sucinto, destacando-se muito mais a interinidade que marcava aquele momento. Por isso, nenhuma referências às Forças Armadas e a qualquer outra medida a ser tomada pessoalmente pelo substituto.

Com a morte de TANCREDO, SARNEY passa a exercer, por sucessão, a Presidência da República a partir de  21 de abril de 1985, ocasião em que, através de pronunciamento realizado em cadeia nacional de rádio e TV, afaga as Forças Armadas e pede, implicitamente, o seu apoio, evidenciando o poder que ainda enfeixavam:

Saberei ser o responsável pelo Estado, pela Nação e pela visão histórica da Pátria. Saberei ser o Comandante Supremo das Forças Armadas, patrióticas, mantenedoras da ordem e das instituições, bem como o condutor firme das nossas sofridas forças políticas, a que me orgulho de pertencer. (BRASIL, 1985)

No dia 8 de maio de 1985, portanto menos de um mês após a sucessão presidencial decorrente da morte de TANCREDO, SARNEY, ao se dirigir aos militares por ocasião da solenidade de homenagem à memória dos mortos na Segunda Guerra Mundial, distinguiu a relevância histórica das Forças Armadas nas diversas crises pelas quais passou o Brasil:

Os soldados que lutaram há 40 anos defendiam este sentimento de pátria, em nome das gloriosas Forças Armadas do Brasil. Forças Armadas, que não têm um só momento de derrota. Participaram das guerras da Independência, das guerras da unidade nacional, das campanhas em que foram envolvidas fora deste País e sempre recolheram louros de vitórias. Forças Armadas e corpos combatentes recrutados no seio do povo. Forças Armadas que têm, ao longo da história do País, uma tradição de devoção e de manutenção da ordem e das instituições. Forças Armadas compostas de heróis e de homens extraordinários como Caxias, Osório, Pelotas, Mascarenhas de Morais, Tamandaré, Eduardo Gomes, Castello. (BRASIL, 1985)

6.2. Fernando Collor.

Em seguida, sagrando-se vencedor nas primeiras eleições diretas realizadas após o Regime Militar, FERNANDO COLLOR assume a Presidência em 15 de março de 1990. Como era de se esperar, seu pronunciamento não contém qualquer referência às Forças Armadas, cujo papel, tantas vezes destacado por quase todos os mandatários anteriores, não recebeu menção alguma. Ao mesmo tempo em que nada menciona sobre a caserna, o discurso de COLLOR registra, logo no segundo e no terceiro parágrafos, uma homenagem ao princípio da separação das funções, realçando a missão desempenhada pelo Legislativo durante a transição democrática, bem como pelo Poder Judiciário (em particular, a Justiça Eleitoral) ante a condução do pleito de 1989:

Venho trazer ao Poder Legislativo, ante o qual, seguindo o preceito da Constituição, acabo de assumir a Presidência da República, meu apreço e minha homenagem. Creio firmemente, Senhores Senadores, Senhores Deputados, que a dignidade do Governo implica essencialmente um sólido respeito pelos dois outros Poderes da República, o Legislativo e o Judiciário, tradicionais, autônomos e indispensáveis para a harmonia da política e o bem da Nação brasileira. [...].

A transição democrática brasileira, que culminou nas eleições presidenciais do fim do ano passado, teria sido inconcebível sem a vitalidade do Congresso, logo convertido em Assembléia Constituinte, por todos conduzida com vigor cívico, e que, graças ao trabalho diligente do relator, trouxe-nos texto fecundo e inspirador. Teria sido inconcebível, também, sem a severa vigilância do Judiciário, que através do Tribunal Superior Eleitoral, exemplarmente presidido por um Ministro do Supremo Tribunal Federal, organizou de modo tão correto e transparente o pleito que restituiu ao povo brasileiro o direito de escolher seu governante. Nem poderia ela, a transição democrática, chegar a termo sem tropeços institucionais se não houvesse firme vontade nacional. (BRASIL, 1990)

No mesmo dia 15 de março de 1990, agora no parlatório do Palácio do Planalto, COLLOR, como se pretendendo afastar de vez as Forças Armadas da cena política, novamente releva o papel a ser cumprido pelo Congresso Nacional e pelo Poder Judiciário no seu governo:

Quero, neste instante, jurar a vocês, diante do altar de minhas convicções, de que haverei, conjuntamente com o Congresso Nacional, com o Poder Judiciário, respeitando a independência e a harmonia dos Poderes, juro a vocês, diante do altar das minhas convicções, que, ao lado do povo brasileiro, da sociedade civil organizada, nós haveremos sim, minha gente, de reconstruir o nosso País, para recuperarmos a confiança no seu verdadeiro destino. (BRASIL, 1990)

COLLOR parecia prenunciar o que estava por vir, e que tanto o atingiria politicamente. Ao enfatizar a função do Legislativo e do Judiciário, certamente o mais jovem dos Presidentes não imaginava a crise na qual se envolveria. Nem que os referidos poderes republicanos, calcados não em armas, mas na Constituição, conduziriam todo o processo que culminaria no seu afastamento do poder.

Num momento em que a sociedade brasileira experimentava um período de efetiva transição democrática, sem que houvesse ameaça de golpe, contragolpe, revolução ou qualquer outra denominação semelhante, a história nacional haveria de presenciar mais uma prova inconteste da consolidação da transferência do poder político, outrora nas mãos dos militares, para os civis, restando os castrenses, por conta disso, desprovidos da função de estabilização.

Evidentemente, referimo-nos ao impeachment de COLLOR, cujo procedimento foi conduzido não por Comandantes bélicos, mas pelo Congresso Nacional, exatamente conforme determina o Texto Magno de 1988, não havendo mesmo qualquer ingerência marcial. Naquele surpreendente, delicado e instável momento, em que o primeiro Presidente eleito (após a cessação do Regime Militar) pelo voto direto encontrava-se na iminência de ser afastado do Planalto, o Judiciário, fortalecido formal e materialmente, e assumindo de vez a função que lhe reservou a Lei Fundamental, decidiu importantes questões inerentes à crise que invariavelmente se estabeleceu no país. A atuação do Judiciário naquela oportunidade configurou, assim, mais uma evidência, entre tantas outras que viriam, de novos tempos para o Poder Judiciário.

O governo de FERNANDO COLLOR, marcado por escândalos de corrupção, redunda, em 2 de outubro de 1992, na autorização, por parte da Câmara dos Deputados, de abertura de processo de impeachment, o que leva ao afastamento temporário do Presidente de suas funções. No dia 29 de dezembro de 1992, na sessão de julgamento realizada no Senado Federal, COLLOR, tentando se livrar das consequências do impeachment, renuncia ao  mandato presidencial. Não obstante, os Senadores prosseguem no julgamento e aprovam a inabilitação política do Presidente por 8 anos. 

No âmbito processual penal, cumpre registrar por amor à verdade, o Plenário do STF, em 24 de abril de 2014, julgou improcedente o pedido formulado na Ação Penal nº 465, ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o ex-Presidente da República pela suposta prática dos delitos de falsidade ideológica, corrupção passiva e peculato (arts. 299, 312 e 317 do Código Penal, respectivamente).

6.3. Itamar Franco.

Em razão da vacância do cargo de Presidente da República, ITAMAR FRANCO, Vice de COLLOR, assume o mandato presidencial em 29 de dezembro de 1992, data em que foi formalmente empossado pelo Congresso Nacional. O primeiro pronunciamento à Nação deu-se logo no dia seguinte, em cadeia de rádio e TV, no Palácio do Planalto, cabendo destacar os seguintes excertos, os quais revelam exatamente o quanto avançamos no que se refere ao equacionamento de convulsões institucionais sem o manobro das Forças Armadas. Ao contrário, aprendemos que controvérsias internas devem ser solucionadas sob o abrigo da Constituição e das Leis, jamais sob a ponta de uma baioneta, dado revelador de uma inegável maturidade histórica não somente da sociedade e das instituições de um modo geral, mas, sobretudo, das que se dedicam ao nobre ideal castrense:

Pode orgulhar-se a Nação capaz de dominar as suas mais graves crises políticas na ordem da Lei. Sábio é o povo que, na conquista e preservação de sua própria liberdade, expressa veemência no clamor das ruas e na serenidade de seus atos.

Soubemos caminhar estes meses difíceis, sem arranhar as nossas leis e sem violar aqueles princípios permanentes do Direito que, embora não escritos, constituem o fundamento das sociedades políticas.

Os dirigentes e o nosso povo agiram com a mansidão dos justos, com a paciência dos justos. Com a paciência dos justos, recuperaram os postulados éticos que cimentam e suportam a estrutura dos Estados. A Nação, na firmeza que conduziu estas horas, declarou haver chegado àquele ponto da sua maturidade histórica que não admite mais retrocessos. [...].

O Congresso Nacional investiu-me, com a autoridade que lhe conferiu o povo brasileiro, na chefia do Estado e do Governo. Não há poder político legítimo que se eleve sobre os Parlamentos. Eles nasceram para dar às sociedades as leis e as normas, reunir as experiências ao calor da inteligência e da razão, a fim de garantir a continuidade da vida nacional, na paz e na justiça.

A essa prevalência me submeto, com a certeza de que muitos de nossos males decorrem dos abusos do Poder Executivo, comuns nos períodos de aparente normalidade republicana e exacerbados nos regimes autoritários.

Inclino-me, também, e com o mais profundo respeito, diante do Poder Judiciário. A ele, na interpretação das leis e, sobretudo, na responsabilidade de zelar pelo cumprimento da Constituição pelos outros dois Poderes, compete garantir, com a força da ética jurídica, a perenidade do estado de direito. [...].

Pretendo dizer à Nação que se encerrou, e esperamos, para sempre, a época de Chefes de Estado com poderes quase imperiais, para começar a era da responsabilidade dividida de fato, e não somente de direito, entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, na administração do País e no cumprimento de seu destino. (BRASIL, 1992)

O mesmo discurso acima contém fragmentos em que se faz clara referência aos novos momentos vivenciados pelas Forças Armadas. ITAMAR aponta, desde a posse, o relevante lugar a ser ocupado pelas instituições militares: a defesa nacional. Não se vislumbra mais, portanto, o pretérito emprego delas enquanto instrumento de estabilização política:

Tenho uma palavra para as nossas Forças Armadas que, com o seu renovado compromisso democrático e patriotismo, têm contribuído para a superação de nossas dificuldades. Sei dos imensos desafios que devem vencer, dada a precariedade de seus equipamentos, na guarda de nossas fronteiras terrestres, dos nossos céus e de nossas costas marítimas.

Convocarei, em breve, o Alto Comando das Forças Armadas, colegiado nunca antes reunido, para a definição da nossa política militar e de diretrizes para a solução de seus problemas. (BRASIL, 1992)

6.4. Fernando Henrique Cardoso.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO é eleito Presidente da República para o período de 1º de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de 1999, tendo tomado posse em sessão solene do Congresso Nacional. Num dos trechos de seu pronunciamento, FHC, exatamente como fizera ITAMAR FRANCO, dedica atenção às Forças Armadas enquanto instituições fundamentais para a defesa nacional e da posição estratégia ocupada pelo Brasil no panorama mundial:

Como Comandante-em-Chefe das nossas Forças Armadas, estarei atento às suas necessidades de modernização, para que atinjam níveis de operacionalidade condizentes com a estatura estratégica e com os compromissos internacionais do Brasil.

Nesse sentido, atribuirei ao Estado-Maior das Forças Armadas novos encargos, além dos já estabelecidos. E determinarei a apresentação de propostas, com base em estudos a serem realizados em conjunto com a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, para conduzir a adaptação gradual das nossas Forças de defesa às demandas do futuro. (BRASIL, 1995)

A alusão feita por ITAMAR e FHC às Forças Armadas, longe de configurar qualquer advertência para que não se repitam episódios do passado, expõe, em primeiro lugar, a compreensão, por parte do homem político, da relevante missão por elas desempenhadas no mundo atual, o que certamente não abarca o desvirtuamento das instituições bélicas enquanto instrumento de estabilização política. Denota, ademais, que eventuais crises devem ser solucionadas no plano dos poderes políticos, independentes e harmônicos entre si, aptos que se encontram hoje para resolvê-las, o que, como visto no decorrer do presente texto, não ocorria em outras quadras.

O discurso relativo ao segundo mandato de FHC (de 1º de janeiro de 1999 a 1º de janeiro de 2003) trata quase que exclusivamente das medidas econômicas estabelecidas no primeiro governo, nada trazendo a respeito das Forças Armadas. No entanto, cita que uma das reformas a serem implementadas seria a do Judiciário, o que efetivamente aconteceu em 2004, através da aprovação da Emenda Constitucional nº 45.

6.5. Luiz Inácio Lula da Silva.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA vence as eleições de 2002, habilitando-se para o mandato de 1º de janeiro de 2003 a 1º de janeiro de 2007. Seu discurso de posse, numa rápida menção, cita as Forças Armadas:

Estamos em um momento particularmente propício para isso. Um momento raro da vida de um povo. Um momento em que o Presidente da República tem consigo, ao seu lado, a vontade nacional. O empresariado, os partidos políticos, as Forças Armadas e os trabalhadores estão unidos. Os homens, as mulheres, os mais velhos, os mais jovens, estão irmanados em um mesmo propósito de contribuir para que o país cumpra o seu destino histórico de prosperidade e justiça. (BRASIL, 2003)

Posteriormente, quando da posse no segundo mandato (1º de janeiro de 2007 a 1º de janeiro de 2011), LULA nada mencionou sobre as instituições militares.

6.6. Dilma Rousseff.

DILMA ROUSSEFF é eleita Presidenta da República, assumindo o governo em 1º de janeiro de 2011. Quando de seu discurso durante o compromisso constitucional perante o Congresso Nacional, ressaltou a decisiva participação das Forças Armadas por ocasião da ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ocorrida em 2010, numa das maiores operações de combate ao narcotráfico:

O estado do Rio de Janeiro mostrou o quanto é importante, na solução dos conflitos, a ação coordenada das forças de segurança dos três níveis de governo, incluindo quando necessário a participação decisiva das Forças Armadas.

O êxito dessa experiência deve nos estimular a unir as forças de segurança no combate, sem tréguas, ao crime organizado, que sofistica a cada dia seu poder de fogo e suas técnicas de aliciamento dos jovens. (BRASIL, 2011)

Em 1º de janeiro de 2015, DILMA ROUSSEFF, uma vez reeleita, inicia o segundo mandato. Quando de seu discurso durante o compromisso constitucional perante o Parlamento, a Presidenta refere-se às Forças Armadas, realçando o seu papel no tocante à defesa das fronteiras nacionais:

Assumo, com todas as brasileiras e brasileiros, o compromisso de redobrar nossos esforços para mudar o quadro da segurança pública em nosso país. Instalaremos Centros de Comando e Controle em todas as capitais, ampliando a capacidade de ação de nossas polícias e a integração dos órgãos de inteligência e das forças de segurança pública. Reforçaremos as ações e a nossa presença nas fronteiras para o combate ao tráfico de drogas e de armas com o Programa Estratégico de Fronteiras, realizado em parceria entre as Forças Armadas e as polícias federais, entre o Ministério de Defesa e o Ministério da Justiça. (BRASIL, 2015)

7. Conclusão.

De tudo o que foi dito a respeito da participação das Forças Armadas na vida política brasileira no decorrer do século passado, espera-se, sinceramente, que o frequente emprego das mesmas enquanto instrumento de estabilização tenha se exaurido, restando definitivamente sepultado nos anais da história. Diante da moldura do atual Estado Democrático de Direito, cremos que as Forças Armadas devem permanecer absolutamente subordinadas aos poderes constitucionais, somente atuando nos exatos termos da Lei Maior, cuja exegese final há de ser extraída não pelo homem político, mas pelo STF, restando impossível, hodiernamente, que elas sejam "convidadas", como acontecia em épocas passadas, a executar tarefas destinadas à tomada (e respectiva entrega) do poder a determinados atores políticos.

Numa verdadeira democracia, cumpre à sociedade, pelo mecanismo do sagrado direito de voto, e jamais através das armas de militares, decidir a respeito de quem deve ocupar legitimamente os Poderes Executivo e Legislativo, residindo, neste aspecto, a importância capital do Poder Judiciário, em particular da Justiça Eleitoral.

Afinal, como dito pelo Presidente FIGUEIREDO em discurso proferido aos 5 de dezembro de 1984, não há, efetivamente, solução militar para a desagregação social, a corrupção da vida pública e das relações pessoais, o enfraquecimento dos valores, o individualismo selvagem, a perda do sentimento de fidelidade, o desrespeito à lei, as desigualdades sociais, a deterioração do comportamento político, a crise econômica, mazelas que ainda hoje, 30 anos depois, assolam o Brasil. Conforme disse, ainda, FIGUEIREDO:

No entanto, existirá sempre um caminho de superação desses males, na medida em que as pessoas e as instituições assumirem a sua responsabilidade na garantia da estabilidade social que dá segurança à Nação. Esta garantia está mais em suas mãos do que nas mãos das Forças Armadas.

O processo de democratização que avalizamos para o País, tanto quanto um processo de transferência do poder é, pois, um processo de transferência de responsabilidade. De assumi-las, a sociedade não pode furtar-se.

Dentro deste contexto, as Forças Armadas estão a serviço de uma parcela muito definida da Segurança: a Defesa Nacional. Para esta função de Defesa Nacional, específica e explícita, impõe-se a existência de estruturas permanentes e altamente especializadas, capazes de renovar-se constantemente na doutrina e nos meios, e de alcançar, assim, o máximo de eficácia na ação.

[...].

Nenhuma nação pode prescindir de suas forças armadas; porém, as forças armadas de qualquer nação jamais poderão ser permanentemente o elemento básico de controle social. Aceitar uma ou outra hipótese constituiria erro fatal. Nenhum poder se manterá apoiado unicamente na força e, menos ainda, na violência; nenhum poder se manterá apoiado unicamente na luz da razão, por mais inspirada que seja. Ambas as hipóteses se tornarão rapidamente caricaturas de uma pretensa formulação de autoridade. Só o passado comum consolidado em valores e tradições capazes de inspirar o sentimento e o orgulho pátrio pode legitimar e sustentar uma estrutura de poder. (BRASIL, 1984)

As urnas, elas sim, são a força e as baionetas da democracia e da mudança. Usemos, então, a nossa força para provocar as transformações e a alternância do poder que se fazem necessárias.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É autor do livro Teoria do Direito.

Informações sobre o texto

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