GAMES, E OS DADOS DOS NOSSOS FILHOS.

Games viciantes que tudo sabem sobre os nossos filhos.

20/12/2022 às 15:47
Leia nesta página:

A maior condenação da história de uma empresa de games, bem pode dar a exata medida da necessidade de melhor regularmos a relação entre os games e os nossos filhos.

 

Você sabe quantas horas o seu filho passa por dia jogando nas telas do computador, tablet ou celular? Sabe quais são os dados do seu filho as plataformas de jogos possuem? Sabe com quem o seu filho está jogando? Sabe se os jogos escolhidos por ele podem causar dependência?

A maioria dos pais não tem respostas para as perguntas acima, o que só aumenta a dimensão do problema, seja pelo universo de multiplataforma(tv, celular, tablet, computador etc) que ele pode jogar, pelo tempo que ele passa e principalmente pelo nosso total desconhecimento desse universo, onde as empresas possuem estratégias cada vez mais elaboradas para prender a atenção dos nossos filhos, roubando deles muitas horas por dia, além dos seus dados mais sensíveis.

Nessa semana a Epic Games, criadora do Fortnite, um dos jogos mais famosos, recebeu a maior multa imposta por não conformidade com a Lei de Proteção de Crianças na Internet dos EUA, cerca de US $ 520 milhões em multas, divididas em duas: Uma de US $ 275 milhões e outra de US $ 245 milhões, por violar a privacidade de menores ao coletar informações pessoais para seu jogo Fortnite e por usar métodos "enganosos" para obter assinantes e dados para esse jogo.

Por um lado, a Epic Games concordou com o Departamento de Justiça dos EUA em pagar 275 milhões de dólares em multas por ter violado a privacidade de menores ao coletar informações pessoais para o Fortnite, o que representa a multa mais alta imposta por violar a Lei de Proteção à Internet dos EUA da história.

Por outro lado, a empresa pagará 245 milhões de dólares que servirão para devolver diretamente o dinheiro aos consumidores do videogame, e apenas nesse caso a Epic Games admite recorrer a configurações "enganosas" para que os usuários do videogame, incluindo crianças e adolescentes, se inscrevam e forneçam seus dados.

Em seu processo, o Departamento de Justiça alegou que a Epic Games havia coletado intencionalmente informações pessoais de menores, incluindo seus nomes e e-mails, e que os identificou e registrou para rastrear suas atividades de videogames, compras e até mesmo suas listas de amigos.

Além disso, a Epic Games não notificou os pais das crianças de que havia coletado essas informações, conforme exigido por lei, e também violou as regras quando permitiu que jogadores adultos de Fortnite entrassem em contato com jogadores menores de idade, um festival de descuidos, tudo em prol do melhor resultado financeiro.

De fato os pais têm o direito de saber e consentir antes que as empresas coletem informações sobre seus filhos, e o que vemos aqui nos jogos sem disciplina alguma para se baixar?

Pare agora e procure observar o seu filho e o seu olhar fixo na tela do celular, já imaginou o que está por traz daquele olhar doce? Você sabe quantas estratégias comerciais cercam essa relação entre a mente do rebento e o design meticulosamente estudado dos jogos?

Quantos são os pais que acompanham o tempo de uso dos seus filhos nos celulares, ou na soma dos diversos aparelhos onde rodam os jogos multiplataformas?

Quais são os controles de uso para cada jogo, nas configurações dos aparelhos? E como você faz isso nos jogos em que eles participam em rede?

Qual impacto desse tempo de atenção (desatenção) na educação do seu filho ou no convívio social dele com amigos e com a família? Até que ponto transformar nossos eletrônicos em babas dos nossos filhos pode ser prejudicial aos nossos rebentos?

Essas questões são apenas uma introdução para um debate amplo sobre a nossa relação com a tecnologia, os hábitos, benefícios e malefícios que ela pode trazer. E evidentemente a julgar pelo valor pago pela Microsoft por uma empresa de games pode dar a dimensão do universo de negócios para esse segmento. Quando uma das maiores empresas de tecnologia resolve fazer da compra de uma empresa de games o maior negócio da história das aquisições, muito da nossa atenção deve ser dada a esse tema.

Games, metaverso, educação dos nossos filhos, tudo junto e misturado no processo cultural construído em uma sociedade cada dia mais digital, nos levam a obrigatórias e novas reflexões.

Um livro fundamental dessa relação entre o seu filho, e as tecnologias, que fazem parte da rotina de todos nós, é Irresistível: Por que você é viciado em tecnologia e como lidar com ela de Adam Alter, que com muita profundidade trata do tema, da instrumentalização dos nossos vícios pelo universo digital, suas estratégias e os malefícios, com diversos capítulos dedicados aos centros de tratamento para esse vício comportamental.

Adam em um trecho do livro destaca, como a criação de um game pode ser o início de um vício, identificado pelo próprio criador: Meninos passam menos tempo envolvidos em interações on-line tóxicas, mas muitos são viciados em games. O problema é tão incontestável que alguns desenvolvedores estão retirando seus jogos do mercado. Eles começaram a sentir remorso (algo que você não deve esperar da indústria dos games), não porque seus games trazem sexo ou violência, mas porque são diabolicamente viciantes. Com a combinação exata de expectativa e feedback, somos encorajados a jogar por horas, dias, semanas, meses e anos a fio.

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Muito recentemente, o chamado distúrbio de games foi considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O que sacramentou a decisão foi a publicação no início do ano de uma versão atualizada da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, chamada CID-11. Nela, o problema é definido como um padrão de comportamento caracterizado pela perda de controle sobre o tempo de jogo, sobre a prioridade dada aos jogos em relação a outras atividades importantes e a decisão de continuar de frente à tela apesar de consequências negativas.

Para a OMS, o diagnóstico é dado quando os prejuízos afetam de forma significativa as áreas pessoais, familiares, sociais, educacionais e ocupacionais ao longo de cerca de 12 meses.

Nesse momento pare e veja se já não viu algo próximo de você? Na sua casa ou na casa de um parente ou amigo, que tem um filho que vive nesse universo paralelo?

Quantos de nós já presenciamos, ou escutamos a narrativa de pessoas que chegam a passar mais de 24 horas seguidas conectado sem ir ao banheiro, muitas vezes fazendo as necessidades nas calças.

Quantas são as que param de tomar banho, se afastam dos amigos, perdem o emprego ou o total interesse pelo estudo. Em todos esses jogos algo é bem comum, aos piores vícios as primeiras doses são de graça, ou sempre muito facilitadas.

Essa indústria é perita nas inúmeras técnicas para reter à atenção dos jogadores, logo imagine seu filho de 7 ou 8 anos diante de tanta estratégia comercial pensada pelos melhores profissionais do mundo para reter a atenção da criança que absorta na tela permanece desatento a tudo que ocorre no mundo ao seu redor?

Veja quantas vezes você já chamou seus filhos para saírem do jogo e eles disseram que não podiam pois se saíssem morreriam (no sentido do game), ou que não poderiam sair do jogo pois estavam jogando em rede com os amigos e se saíssem desfalcariam sua equipe, ao equivalente a exclusão social, ou você pensava que esse tipo de estratégia era aleatória?

Afinal a maioria dos jogos de hoje não têm mais game-over, nem pausa, e assim se a pessoa sai, ela deixa seu time na mão. E o que isso faz? Bem muitos sabem que pode representar em diversas vezes retaliação além do famoso F.O.M.O. [fear of missing out, ou medo de ficar de fora].

Pessoas que apresentam doenças mentais prévias, como depressão, têm mais chances de desenvolver o transtorno. O mesmo vale para quem já enfrenta problemas familiares e baixa autoestima, já que, enquanto jogam, elas se sentem parte de alguma coisa que não têm na vida real e ainda se beneficiam do bem-estar provocado pela liberação de dopamina no cérebro.

O tratamento para o transtorno de jogos eletrônicos é similar ao de outros vícios: psicoterapia e, em alguns casos, medicamentos. A ideia por trás da designação da OMS não é estigmatizar nem proibir os games. Ela procura justamente contribuir para a ampliação do número de diagnósticos e do maior acesso aos diferentes tipos de ajuda, já que as seguradoras de saúde serão pressionadas a pagar pelo tratamento, pois agora passa a ser reconhecido como uma condição médica.

Mas, de novo: há uma grande diferença entre ser um jogador entusiasmado e ser um viciado. A preocupação exagerada de pais sobre os efeitos dos games nos filhos ainda não foi reconhecida pela OMS como transtorno obsessivo. Ainda não.

As estratégias para reter a atenção do seu filho, estão presentes nos jogos mais inocentes como o Super Mario Bros. conquista novos fãs porque não existem barreiras para jogar. Mesmo que não saiba nada sobre o console da Nintendo, a pessoa consegue desfrutar o jogo desde o primeiro minuto. Não é necessário ler nenhum manual cheio de adjetivos motivacionais nem queimar os neurônios em tutoriais explicativos antes de começar. Em vez disso, seu avatar, Mario, aparece no canto esquerdo de uma tela quase vazia. Como o cenário está vazio, é possível apertar os botões do controle da Nintendo aleatoriamente sem problema algum, descobrindo o que faz Mario pular e como movê-lo para a esquerda e a direita. Não dá para ir muito para a esquerda, então o jogador logo aprende a se mover para a direita. E não há explicações sobre o que faz cada comando, em vez disso, você aprende fazendo e usufrui da sensação de controle que advém de adquirir conhecimento pela experiência. A jogabilidade dos primeiros segundos é projetada de maneira brilhante para fazer duas coisas bem difíceis ao mesmo tempo: ensinar e preservar a ilusão de que nada está sendo ensinado, como destaca Adam Alter no livro Irresistível: Por que você é viciado em tecnologia e como lidar com ela.

A China, já possui mais de 400 centros para o tratamento de viciados em internet e seus jogos, e logo não foi a toa que foi lá que nasceram as primeiras medidas mais duras contra essa indústria no ano passado.

Uma vida corrida, em que adultos se entregam as redes sociais, é quase sempre um fermento para terceirização da nossa interação com os nossos filhos, e assim damos atenção aos estranhos e a nossa desatenção aos que mais amamos. São tempos de muita contradição.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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