VISÃO GERAL DOS INSTRUMENTOS DE PARCERIA ENTRE O PODER PÚBLICO E O TERCEIRO SETOR

20/12/2022 às 16:58

Resumo:


  • O Estado possui papel ativo na efetivação dos direitos fundamentais, intervindo no domínio econômico e social, com políticas públicas e ações de fomento para alcançar os objetivos republicanos.

  • As parcerias do Poder Público com o Terceiro Setor são essenciais para a materialização dos direitos fundamentais, e o contexto atual mostra uma tendência à privatização dos serviços públicos e aumento da atividade de fomento.

  • A escolha dos instrumentos de parceria entre o Estado e o Terceiro Setor deve levar em conta as necessidades a serem satisfeitas e os aspectos técnicos e econômicos, sempre justificando a decisão com base na legalidade e conveniência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O escrito discorre sobre as várias formas de parceria entre o Poder Público e o Terceiro Setor, analisando os instrumentos regulamentados no nosso ordenamento jurídico.

A efetivação dos direitos fundamentais exige postura ativa do Estado por meio da intervenção no domínio econômico e social. A partir dos princípios e das diretrizes desenhadas pela Constituição Federal são estabelecidas políticas públicas e, com base nelas, serviços públicos e ações de fomento para realizar os objetivos da República.

Segundo Ana Carolina Navarrete Munhoz Fernandes da Cunha, as políticas públicas são instrumentos governamentais para executar ações estratégicas do Estado, tendo no direito o seu suporte estrutural[1].

A autora afirma ainda que a norma instituidora pode ser de qualquer categoria e inclusive vir expressa em contratos públicos ou convênios. De fato, no caso da utilização desses instrumentos, há a especificação nos projetos básicos, termos de referência e planos de trabalho, da forma como o contratado ou conveniado deverá concretizar tudo o que foi planejado pelos agentes públicos, balizando as atividades para que sejam executadas de modo a se atingir os escopos idealizados.

Assim, nota-se a relevância do estudo dos instrumentos de parceria do Poder Público com o Terceiro Setor, os quais serão imprescindíveis para a materialização dos direitos fundamentais.

Soma-se ainda a constatação do contexto atual de privatização dos serviços públicos e aumento da atividade de fomento. Segundo a lógica neoliberal e gerencialista estabelecida, a opção pela execução dessas atividades por meio do setor privado permite a redução do tamanho do Estado e o oferecimento de utilidades aos cidadãos com mais qualidade, eficiência e presteza[2].

Nesta linha, o Supremo Tribunal Federal entendeu na ADI 1923 que a Lei das Organizações Sociais era forma de intervenção indireta do Poder Público no domínio econômico e social, realizada por meio de fomento, não caracterizando renúncia aos deveres estatais de agir. Dentro da moldura constitucional, os agentes políticos possuem liberdade para estabelecer novos modelos de administração pública. Assim, tendo prevalecido no jogo político a ideia de que a atuação privada é mais eficiente do que a pública em determinados domínios, seria possível a parceria e a lei deveria ser declarada constitucional. Na ocasião, consignou que poderiam ser executadas por particulares todas as atividades que não fossem de titularidade exclusiva do setor público, como, p. ex., a saúde (art. 199 da CF), a educação (art. 209), a cultura (art. 215), o desporto e o lazer (art. 217), ciência e tecnologia (art. 218) e meio ambiente (art. 225).

Por fim, não se olvide que o fomento é uma prática que existe de longa data dentro do Estado brasileiro. No entanto, ela passou por uma grande evolução ao longo do tempo. Até 1990 as normas jurídicas possibilitavam a concessão de fomento de forma discricionária e os benefícios estavam ligados a títulos e certificações (ex.: Utilidade Pública e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social). A Emenda Constitucional n.º 19, de 1998 implantou a Reforma Administrativa do Estado, por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, seguindo os princípios da administração gerencial, embasada no argumento da ineficiência da Administração Pública e da insatisfação dos cidadãos. Seguiu-se a edição da Lei nº 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação das Organizações Sociais e o Programa Nacional de Publicização, e da Lei nº 9.790/99, disciplinando as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Por fim, em 31 de Julho de 2014 foi publicada a Lei nº 13.019, para regulamentar os acordos com as organizações da sociedade civil.

Feitas estas breves considerações, passa-se a analisar os instrumentos que podem ser utilizados pelo Estado para as parcerias com o terceiro setor.

 

1 - Contratos da Administração

A doutrina, de uma forma geral, utiliza a expressão contratos da administração para se referir a todos os contratos firmados pela Administração Pública, o que abrange tanto aqueles que se submetem ao regime de direito público (contratos administrativos) quanto os que se sujeitam ao direito privado (contratos privados da Administração). Embora haja alguma polêmica quanto à celebração desses dois tipos de contratos com o terceiro setor, serão expostas aqui manifestações doutrinárias no sentido de que existe tal possibilidade.

Os contratos privados não são compatíveis com o regime de direito público ou o admitem de forma parcial, ante as suas especificidades. Podemos citar como exemplos os contratos de seguro, financiamento e locação (art. 62, §3º, inc. I, da Lei nº 8.666/93). Leandro Marins de Souza entende que a Administração Pública firma contrato dessa natureza com o terceiro setor, p. ex., quando uma entidade sem fins lucrativos dá em locação ou comodato um imóvel para utilização por um órgão público[3]. Neste caso, entende-se que não haveria atividade de fomento, mas colaboração para a prestação de serviço público.

Os contratos administrativos, por sua vez, são os acordos de vontade que envolvem o Poder Público para criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, sendo submetidos ao regime jurídico administrativo e caracterizados pela presença de cláusulas exorbitantes. Neles há um encontro de interesses contrapostos, já que o Poder Público deseja atender um interesse público enquanto o particular visa o lucro. O seu regime é estabelecido pela Lei nº 8.666/93 e pela Lei nº 14.133/2021, podendo ser aplicado subsidiariamente as disposições do direito privado. A regra é que os mesmos sejam celebrados após o processo de licitação, sendo possível excepcioná-lo nas hipóteses legais de dispensa ou inexigibilidade. Um exemplo é dado pela doutrina, qual a parceria público-privada na modalidade concessão patrocinada firmada com uma entidade sem fins lucrativos[4]. Outro, retirado da legislação, é a gestão de hospitais (compra de ações e serviços de saúde) no âmbito do SUS, conforme o Anexo 2 do Anexo XXIV da Portaria de Consolidação nº 2/17 do Ministério da Saúde.

Anote-se que há posições na doutrina no sentido de que o contrato administrativo seria um gênero que abrange as formas de parceria com o terceiro setor (convênio, termo de parceria, etc.)[5].

Cabe citar ainda a interessante visão de Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza, para quem as parcerias estão cada vez mais parecidas com contratos de prestação de serviços, tendo em vista o estabelecimento de obrigações que guardam reciprocidade (comutatividade), de controle de resultados e de um vínculo mais estável[6].

 

2 - Convênios

Ao contrário do contrato administrativo, o convênio é um acordo para atingir interesses recíprocos, ou seja, de mútua cooperação. Por esta razão, não há uma remuneração ou contraprestação. Trata-se de uma relação instável, podendo terminar a qualquer tempo por iniciativa de qualquer um dos parceiros.

Consubstancia uma forma de fomento e não de delegação de serviço público, já que tanto o convenente quanto o conveniado têm competência para a execução das atividades. Os valores repassados mantêm a natureza de dinheiro público e devem ser utilizados na forma prevista no plano de trabalho, sob pena de serem considerados ilegais. A taxa de administração, que seria uma remuneração pelo gerenciamento das atividades, calculada por um percentual sobre os recursos repassados, é proibida. Os custos administrativos, no entanto, podem ser financiados.

Constitui obrigação de meio, com a verificação da aplicação de recursos e cumprimento do plano de trabalho, resumindo-se muitas vezes à avaliação de aspectos financeiros e contábeis. A despeito disso, é recomendável um maior cuidado e rigor ao se estabelecer as metas (qualitativas e quantitativas) a serem atingidas, de modo que se garanta o atendimento ao interesse público.

Os convênios são regidos pelo art. 199, §1º, da Constituição Federal, pelos arts. 116 da Lei nº 8.666/93 ou art. 184 da Lei nº 14.133/21, com a aplicação subsidiária do regime dos contratos administrativos. Em âmbito federal, foi editado o Decreto 6.170/07, estando pendente ainda o regulamento exigido pela nova lei de licitações e contratos.

Após a edição da Lei nº 13.019/14, a celebração de convênios foi substancialmente restringida, conforme se verá no tópico referente às parcerias com as OSCs.

Em regra, não é necessária a realização de licitação para a formalização do pacto, pois o objeto sempre será considerado singular, ou seja, é inexigível o procedimento pela inviabilidade de competição. Neste caso, a escolha do conveniado deve se dar de forma objetiva e respeitando os princípios da Administração Pública. Se, no entanto, para um mesmo objeto existir várias instituições capazes de executá-lo, será necessário realizar um procedimento de seleção.

 

3 - Contrato de Gestão

O contrato de gestão é o instrumento firmado entre a Administração e uma entidade privada sem fins lucrativos qualificada como organização social, segundo o regime da Lei nº 9.637/98, com aplicação subsidiária da Lei nº 8.666/93 ou 14.133/21. Essa qualificação ocorre por meio de um ato discricionário da autoridade pública competente.

Trata-se de instrumento criado dentro da lógica da administração gerencial, com ênfase no controle de resultados. Nesta forma de parceria, o Estado fornece tudo o que é necessário para a prestação do serviço (verbas, bens públicos e servidores), enquanto o particular faz apenas a gestão.

Embora nomeado contrato, o STF já decidiu que possui natureza de convênio (em sentido amplo), de modo que há a conjunção de esforços com o ente público para o atendimento de interesses em comum.

Em comparação com o convênio (em sentido estrito), é mais estável, gerando efeitos vinculantes entre as partes. A entidade deve observar todas as cláusulas previstas, sob pena de se caracterizar a inadimplência, com todas as consequências legais, e ela ser desqualificada. O contrato prevê obrigações de resultado, com a verificação do atendimento de metas e resultados, possuindo a OS maior liberdade para definir os meios que irá empregar. Neste aspecto, a opção pelo contrato de gestão parece mais vantajosa para o interesse público do que o convênio, cuja avaliação muitas vezes é restrita a aspectos econômicos.

A aplicação da lei se encontrou limitada devido a algumas questões envolvendo o seu regime jurídico. Nota-se que a obrigatoriedade de representação do Poder Público e da sociedade civil nos conselhos de administração reduziu o interesse pelo modelo[7]. Além disso, o fato de a utilização por um ente federal depender de lei editada na sua ordem jurídica parcial gerou uma multiplicação de modelos no que tange à área de atuação, bem como situações em que sequer havia regulamentação. Por fim, é de se citar a desconfiança da comunidade jurídica quanto ao instituto, apontando entre outras coisas, a existência de uma privatização indireta de serviços públicos e a exigência de uma forma de controle que os entes federados não possuem. Natasha Schmitt Caccia Salina anota que:

Dadas as peculiaridades da relação entre Estado e OS, há quem, do ponto de vista fático e jurídico, não a considere como uma verdadeira parceria. As relações entre Estado e OS são notoriamente induzidas pelo poder público, numa tentativa de delegar (e, para os mais céticos, privatizar) serviços públicos essenciais. A tentativa (frustrada) de declarar a inconstitucionalidade do modelo das OS deve ser compreendida nesse contexto[8].

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Na ADI 1923, o STF entendeu pela constitucionalidade da Lei nº 9.637/98. Na ocasião, consignou ainda que: 1. o contrato de gestão possui natureza jurídica de convênio, tendo em vista a existência da colaboração para que seja atingido um interesse em comum, de modo que não é necessário licitar, mas deve ser realizado um procedimento público, impessoal e pautado por critérios objetivos; 2. não há delegação de serviço público, mas sim atividade de fomento, através da cessão de recursos, bens e pessoal; 3. A qualificação possui natureza de credenciamento, já que inexiste competição, e deve ser conduzida de forma pública, objetiva e impessoal; 4. As OSs não têm o dever de licitar ou realizar concurso público, mas incide o núcleo essencial dos princípios da Administração Pública, de modo que devem ser estabelecidos regulamentos próprios para o gasto de recursos públicos de forma pública, objetiva e impessoal; 5. A necessidade de representantes do poder público no Conselho de Administração não viola a liberdade de associação, já que ela decorre da adesão voluntária das entidades às regras legais.

Os inconvenientes da Lei nº 9.637/98 levaram à busca por um novo modelo que permitisse a entidades não lucrativas excluídas das políticas públicas poderem desenvolver o seu trabalho, o que culminou na Lei das OSCIPs.

 

4 - Termo de Parceria

Em 23 de março de 1999 foi sancionada a Lei nº 9.790, que dispõe sobre a qualificação de entidades sem fins lucrativos como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público OSCIP e instituiu o termo de parceria.

A doutrina tem indicado que a diferença do termo de parceria com o CG se limita aos requisitos de qualificação. A qualificação, diferente dos modelos criados até então (Utilidade pública - UP, CEBAS, etc.), se daria por meio de ato vinculado. Juliana Campolina acrescenta que a OS recebe a gestão de patrimônio público enquanto a OSCIP recebe apenas verbas públicas, ou seja, aquela nasce para firmar o contrato, enquanto estas já existem na sociedade[9]. Registre-se ainda que a OSCIP possui um conselho fiscal ou órgão equivalente, no qual a participação de servidores públicos é facultativa, ao passo que na OS é obrigatória a instituição de conselho de administração com membros do Poder Público.

Segundo Salina, o regime das OSCIPs não se tornou obrigatório pelo fato de que, na época da edição da lei, várias propostas políticas para definir o terceiro setor estavam em pauta. Atores sociais que eram beneficiados pelo regime anterior e não poderiam ser qualificados se encarregaram das articulações políticas para manter na ordem jurídica os instrumentos anteriormente existentes. O novo regime aprovado não se tornou atrativo para as entidades com UP e CEBAS, nem àquelas que não possuíam registros e certificações, por alguns motivos: 1. Existência de mecanismos rígidos de controle; 2. Poucos benefícios fiscais e; 3. Inexistência de garantia da celebração de termo de parceria; 4. Manutenção da cultura administrativa, com órgãos técnicos, jurídicos e de controle se recusando a aplicar novidades da lei; 5. Falta de capacitação dos gestores. Conclui:

Desse modo, a Lei das OSCIP teve um destino completamente inesperado: ela não só introduziu um mecanismo de parceria ineficaz, mas também contribuiu para a expansão do uso do convênio, que passou a ser celebrado com OSC de todas as áreas sociais[10].

O uso indiscriminado dos convênios criou várias denúncias e suspeitas, além do que as entidades sem fins lucrativos não encontraram nos instrumentos legais até então editados a abertura de espaço para a sua atuação na sociedade. Na tentativa de resolver estes problemas, foi elaborada a Lei nº 13.019/14.

 

5 - Termo de Colaboração, Termo de Fomento e Acordo de Cooperação

Atualmente, as parcerias entre a Administração Pública e as entidades privadas sem fins lucrativos deve se dar, em regra, pelo regime jurídico estabelecido pela Lei nº 13.019/14. Segundo a justificativa ao projeto de lei que lhe deu origem (PL Senado nº 649), o seu objetivo geral:

É tornar transparentes, eficientes e eficazes as relações entre Estado e as entidades sem fins lucrativos no tocante às parcerias para desenvolvimento das ações de interesse comum, visando ao melhor atendimento de demandas sociais.

Historicamente, a lei foi elaborada após proposta realizada na conclusão da CPI das ONGs, que constatou irregularidades na celebração, fiscalização e aplicação de recursos destinados às entidades privadas sem fins lucrativos. Na ocasião, apontou-se como causa dos problemas o vácuo legislativo, as deficiências estruturais do aparelho do Estado e razões de ordem cultural e política. Nota-se, assim, uma clara intenção de substituir a celebração de convênios pelas parcerias instituídas pela novel legislação.

Foi adotado, além do modelo gerencial, os princípios de governança pública na celebração de parcerias. Há a adoção do controle de resultados, com ênfase na satisfação dos interesses dos cidadãos, maior participação da população no governo, transparência em todas as relações, prevenção às práticas ilícitas, entre outras medidas. O regime único em âmbito nacional gera maior segurança jurídica na formação dos acordos e na fiscalização deles. Além disso, a obrigatoriedade, em regra, do chamamento público concretiza o princípio da impessoalidade e igualdade na administração pública.

Prosseguindo, cabe exceção à incidência da Lei nº 13.019 apenas nas hipóteses previstas em seu art. 3º. Desta, destaca-se o inc. IV, segundo o qual a lei não se aplica aos convênios e contratos celebrados com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos nos termos do § 1º do art. 199 da Constituição Federal. Complementam a norma ainda os arts. 84 e 84-A:

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Art. 84. Não se aplica às parcerias regidas por esta Lei o disposto na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Parágrafo único. São regidos pelo art. 116 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, convênios:

I - entre entes federados ou pessoas jurídicas a eles vinculadas;

II - decorrentes da aplicação do disposto no inciso IV do art. 3º.

Art. 84-A. A partir da vigência desta Lei, somente serão celebrados convênios nas hipóteses do parágrafo único do art. 84.

Desta forma, os convênios serão celebrados unicamente nas hipóteses previstas no art. 84 supracitado, ou seja, nas relações entre órgãos públicos e nos acordos com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos para complementar os serviços do SUS. Segundo a doutrina:

No entanto, se a expressão convênio aparecer em leis específicas, tais diplomas legais deverão prevalecer (por exemplo, o Decreto nº 6.170/2007)? Pela literalidade da Lei nº 13.019, a expressão convênio não mais subsistirá, sendo apenas adotada para as parcerias dentro da Administração Pública e para as parcerias na área da saúde entre Administração Pública (art. 199, §1º, da CF) e entidades privadas[11].

No mesmo sentido é o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo:

EMENTA: EDITAL DE CHAMADA PÚBLICA. PARCERIAS ENTRE A ADMINISTRAÇÃO E ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL. DESCOMPASSO COM A LEI FEDERAL Nº 13.019/2014. ANULAÇÃO. A Lei Federal 13.019/2014 estabelece o regime jurídico das parcerias entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil através da celebração de Termos de Colaboração, Termos de Fomento ou Acordos de Cooperação, restringindo a celebração de Convênios, regidos pelo artigo 116 da Lei 8.666/93, às hipóteses previstas no § único do seu artigo 84 (TC-021063.989.19-8, 06/11/2019).

Visto isto, a lei prevê que os instrumentos irão formalizar as parcerias entre administração pública e organizações da sociedade civil para a concessão de interesse público e recíproco. No caso do termo de colaboração, há transferência de recursos financeiros e o plano de trabalho é feito pela Administração Pública. No termo de fomento, ao contrário, a proposta é realizada pela OSC. Por fim, no acordo de cooperação não há qualquer transferência de recursos.

Ao contrário de outras leis anteriores, não é necessário um procedimento para que a entidade se qualifique como organização da sociedade civil, bastando que se enquadre nos conceitos trazidos pela lei.

Registre-se, por fim, que a regra de competência utilizada para edição da norma é aquela prevista no art. 22, XXVII, da CF, segundo a qual cabe à União o estabelecimento de regras gerais de contratação. Assim, havendo lei estadual anterior à federal com conteúdo contrário à mesma, sua eficácia fica suspensa (art. 25, §4º, da CF).

O Marco Legal do Terceiro setor acabou mantendo vários regimes paralelos, embora o intuito inicial fosse estabelecer um regime único para todas aquelas entidades sem fins lucrativos que se relacionam com o Poder Público. Mais uma vez assistiu-se à intensa atuação política das organizações que se sentiram prejudicadas para manter os regimes anteriores.

 

6 - Outras Formas de parceria

O contrato de repasse é o instrumento administrativo, de interesse recíproco, por meio do qual a transferência dos recursos financeiros se processa por intermédio de instituição ou agente financeiro público federal, que atua como mandatário da União (art. 1º, §1º, II, do Decreto nº 6.170/07). Segundo Natasha Salinas[12], o instrumento:

Nada mais é que um convênio administrado por um mandatário da União, que detém melhores condições de acompanhar a execução dos projetos especialmente em razão da proximidade física e capacitação técnica na área financeira.

Cita-se, como exemplo, o contrato de repasse firmado entre a União (Ministério do Turismo) e o Município de São Paulo, por intermédio da Caixa Econômica Federal para a reforma e aquisição de equipamentos para espaços culturais da cidade.

O termo de compromisso cultural, por sua vez, é o instrumento de parceria para a execução de ações da Política Nacional de Cultura Viva. É celebrado entre a União, os Estados, o Distrito Federal ou Municípios, e as entidades culturais integrantes do Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura. Foi instituído pela Lei nº 13.018/14 e regulamentado pela IN MINC nº08/16.

Registra-se, por fim, que algumas parcerias com o Terceiro Setor podem envolver os repasses financeiros por meio de transferências voluntárias, aquelas que não decorrem de determinação constitucional ou legal (ar. 25 da Lei Complementar nº 101/00), seja por inserção do órgão competente pela elaboração do orçamento ou por emenda parlamentar. Cabe consignar que elas não operam a transferência dos valores por si, necessitando de um instrumento dentre aquelas já etudados neste trabalho. O art. 32 da Lei nº 12.017/09 trata das subvenções sociais, que serão destinadas a entidades privadas sem fins lucrativos que exerçam atividades de natureza continuada nas áreas de cultura, assistência social, saúde e educação, preenchidas determinadas condições. Os valores transferidos são destinados a cobrir despesas de custeio (art. 12, §3º, I, da Lei nº 4.320/64). As contribuições correntes estão previstas no art. 33 da Lei nº 12.017/2009, estando prevista em lei específica ou sendo efetivada por meio de convênio ou instrumento congênere. Os auxílios, por sua vez, estão previstos na Lei do Orçamento. Nos termos do art. 12, §6º, da Lei nº 4.320/64, tanto as contribuições correntes quanto os auxílios são considerados transferências de capital.

 

7 - Escolha do instrumento para a parceria

O administrador público pode se deparar com situações em que mais de um instrumento seja cabível para a celebração da parceria, em especial nos casos de fomento dos serviços de saúde.

A escolha do instrumento mais adequado deverá passar inicialmente pela identificação do problema por parte da Administração e as necessidades a serem satisfeitas. Em seguida, são realizados estudos sobre as possíveis soluções para o caso, considerando os aspectos técnicos e econômicos envolvidos. Ao final, o gestor realiza um juízo de oportunidade e conveniência quanto a qual modelo será adotado, justificando a sua decisão. Neste sentido, colaciono as considerações de João Felipe Lehmen:

No caso de os administradores decidirem parceria social com a entidades do Terceiro Setor, é forçoso que a Administração exponha as razões de fato e de Direito que subsidiaram a sua opção, demonstrando a sua legalidade e conveniência (FRANÇA, 2005). O contrato de gestão deve ser utilizado com o objetivo de maior eficiência da prestação do serviço público e, nesse sentido, não há óbice à participação das organizações sociais nas atividades complementares ao Estado, desde que se mostrem economicamente mais interessantes, sem ofensa aos postulados do Estado social, demonstrado através do planejamento realizado pela Administração Pública (FERNANDES, 2007)[13].

Também são valiosas as lições de Rennan Gustavo Ziemer da Costa, que elenca as diretrizes para a celebração da avença:

A Lei nº 13.019/2014 importou em grandes avanços no fomento ao terceiro setor, como a imposição da realização de procedimento de chamamento público, acompanhamento da execução do plano de trabalho e obrigatoriedade de prestação de contas. Contudo, ainda merece críticas pela não unificação do regime jurídico das organizações da sociedade civil, permanecendo vigentes as leis das OS e OSCIP, e a manutenção do regime dos convênios para a área da saúde, sem distinção clara entre subvenção ao terceiro setor e repasses intergovernamentais. (...)

Como a lei não regulamenta as situações em que as parcerias devem ser realizadas, esta definição se dá mediante juízo discricionário. Assim, entre outros parâmetros válidos, em caso de necessidade de ampliação da prestação dos serviços público, sugerem-se as seguintes diretrizes para o momento da definição acerca da contratação de uma entidade do terceiro setor: a) comprovação de que a organização da sociedade civil possui receita própria; b) qualificação prévia das entidades como beneficente de assistência social, nas áreas de saúde,educação e assistência social nos termos da Lei nº 12.101/2009; c) necessidade de prévio planejamento estatal com participação dos conselhos educação, saúde e assistência social para a definição entre a prestação direta dos serviços públicos, concessão ou parceria com o terceiro setor; d) constatação mediante estudo próprio de que a aplicação de recursos públicos em instituição privada garantirá maiores benefícios do que a atuação direta; e) complementariedade da atuação privada em relação aos serviços públicos, mediante parceria por tempo limitado, apenas para atividades contínuas cuja demanda não sofra fortes oscilações ou serviços que não necessitem de constantes alterações; f) realização de parceria na área da saúde que atenda aos percentuais de atendimentos vinculados ao SUS dispostos na Lei nº 12.101/2009; g) ampliação do número de bolsas integrais a que se refere esta lei no ensino básico ou aumento no número de vagas caso a entidade preste serviço ensino exclusivamente gratuito; h) credenciamento da entidade que preste serviços de assistência social ao SUAS com a necessidade de ampliação no número de atendimentos.(...)

Portanto, conclui-se que a celebração de parceria com as entidades do terceiro setor é medida apta à promoção dos direitos sociais, cabendo em última instância aos poderes democraticamente eleitos a definição da forma de prestação dos serviços públicos que melhor atenda ao interesse público[14].

Quanto à citação acima, acrescenta-se apenas que a Lei nº 12.101/09 (CEBAS) foi revogada pela Lei Complementar nº 187/2021, que disciplina a imunidade tributária a contribuições sociais das entidades beneficentes, OSCs de saúde, educação ou assistência social, as quais devem estar certificadas na forma prevista na referida lei.

 

8 - Conclusão

Atualmente, o terceiro setor possui uma regulamentação assistemática e que privilegia determinadas entidades em detrimento de outras. A Lei nº 13.019/14 perdeu a oportunidade de unificar os regimes existentes para facilitar a atuação do Poder Público, dos órgãos de controle e das organizações privadas.

Não obstante, cabe aos agentes públicos realizar um planejamento cuidadoso e, observado o princípio da legalidade, promover a parceria mais adequada no caso concreto para a satisfação do interesse público e para a concretização dos direitos fundamentais.

 

 

Sobre o autor
Leonardo Namba Fadil

Procurador Municipal em Araçatuba/SP. Especialista em Direito Constitucional. Pós-graduando em religião, cultura e vida contemporânea pela PUC-SP. Atuação na área de licitações e contratos administrativos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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