"Reserva do possível" e aumento salarial dos funcionários públicos

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Rápido...

"A cláusula da reserva do possível que não pode ser invocada, pelo poder público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana.(...) A noção de mínimo existencial, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (art. XXV)." [STF e a CRFB de 1988]

Em votação, a Câmara dos Deputados garantiu aos brasileiros o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) para o Bolsa Família. Se pensarmos na realidade brasileira, de séculos de misérias, a reserva do possível não pode ser justificada para qualquer governante por determinação da própria CRFB de 1988 (arts. 1º, III e 3°).

Como muito bem ensinado, pela  Maria Sylvia Zanella de Pietro:

"Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à maioria dos cidadãos. Por Isso mesmo , a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia e segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna."(ALBURQUERQUE, Eric Samanho de. Direito Administrativo Eric Samanho de Alburquerque Brasília Fortium 2008)

MÍNIMO EXISTENCIAL, PROIBIÇÃO DO RETROCESSO E DIGNIDADE HUMANA

Princípio da reserva do possível, o Estado, por meio dos governantes, pode deixar de aplicar os direitos sociais alegando que não possui recursos materiais. Para garantir o mínimo existencial, a proibição do retrocesso. Ou seja, uma vez concretizados os direitos sociais educação, saúde, habitação etc. , o Estado, por meio dos gestores públicos, deve perpetuar o que criou, inovou, ampliou; não importa a nova nomenclatura para substituir a nomenclatura do (s) governante (s) posterior (es). Por exemplo, os hospitais públicos e os estabelecimentos educacionais públicos melhoram nos recursos materiais e na prestação de serviços. A proibição de retrocesso impede a redução dos recursos necessários para a execução destes serviços. No entanto, na realidade da vida sofrida, os gestores públicos, por interesses nada democráticos, não incrementam os direitos sociais, pois uma vez destinada maior parcela orçamentária para os direitos sociais, as execuções nas políticas públicas devem se manter, não importa qual governante virá. Sai governante, entra governante, uma vez impulsionado os direitos sociais, a proibição de retrocesso.

Não é somente ilicitude que faz o povo sofrer, ficar na miséria. Tanto a imoralidade quanto a ilegalidade corroem os valores cívicos, impedem o desenvolvimento dos direitos humanos.

Falando em "imoralidade":

  • 14h24 Câmara aprova aumento da remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal

  • 13h15 Câmara aprova reajuste de remuneração dos servidores do TCU; acompanhe

O STF julgou o orçamento secreto inconstitucional. Vitória do principio da publicidade (caput, do art. 37, da CRFB de 1988). Se há R$ 600,00 aos brasileiros, para não morrerem de fome, por outro lado há mais do que aumento aos funcionários públicos, pois é dar mais a quem tem mais. Se há defasagem na remuneração aos funcionários públicos é necessário ponderar sobre condições de vida. Ou seja, a disparidade entre brasileiros, de miseráveis aos não miseráveis. Se há aumento remuneratório dos funcionários públicos, mais se onera os cofres públicos com folha de pagamento. Ora, se a ideia é tirar da miséria os milhões de brasileiros nesta situação, R$ 600,00 é muito pouco. Imaginemos duas pessoas. Encurtando. Quem se lembra de Primo Pobre & Primo Rico?

Os geniais Paulo Gracindo (1911-1995), o rico, e Brandão Filho (1910-1998), o pobre, no clássico quadro do "Balança Mais Não Cai", "Primo Pobre & Primo Rico", em remontagem de 1975 dirigida por Augusto César Vanucci (1934-1992). Criado por Max Nunes (1922-2014) e Paulo Gracindo para a Rádio Nacional na década de 1950, o humorístico ganhou uma versão para a TV em 1968. Exibido na TV Globo, de 1968-1971 e de 1982-1983, e na TV Tupi na década de 1970. Em 1996, o saudoso Chico Anysio reeditaria o quadro no seu "Chico Total", ao lado de Brandão Filho. (transcrição do canal Baudatv)

Que pesem justificativas sobre defasagem salarial dos funcionários públicos, em especial dos agentes políticos, a qualidade de vida destes não se comparam com a qualidade de vida de qualquer concidadão miserável. Se há importância com a dignidade dos miseráveis, o não aumento da remuneração dos funcionários públicos e o aumento para além dos R$ 600,00 aos miseráveis é a justiça que se espera.  Primo Pobre & Primo Rico é tão atual e, ao mesmo tempo, tão ridículo, que contribui, ainda mais, com o não compromisso, sério, com a dignidade dos concidadãos miseráveis. É possível dar mais do que os R$ 600,00. E qual será o benefício? Quantos brasileiros estão empreendendo? Bolos, tortas, quentinhas etc. Os R$ 600,00 para famílias miseráveis representa o manter do metabolismo basal funcionando, mas não garante que os próprios miseráveis possam empreender. Brasileiro, em geral, é trabalhador. Não quer depender, eternamente, do Estado. Não é vergonha depender e exigir, do Estado e da sociedade, ajuda para sobreviver. Mas, como é da espécie humana, a necessidade de sobreviver por si mesmo é o desejo brasileiro. 

Se a ideia é ajudar os miseráveis, o não aumento da remuneração do funcionalismo público representa possibilidades para os concidadãos na condição de miserabilidade: cursos profissionalizantes; cursos de qualificação e requalificação; cursos para recolocação no mercado de trabalho. A maioria dos brasileiros, até com graduação universitária, são analfabetos digitais. Caminhoneiros, por exemplo, necessitam de conhecimentos sobre GPS (sistema de posicionamento global). Padeiros também necessitam de conhecimentos técnicos para usarem os equipamentos digitais (Programa |Profissionais e Profissões - Padeiro).

É. A economia feudalista continua no Brasil.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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