Duvido que alguém discorde da afirmação de que nossa sociedade é injusta e que, rotineiramente, eleva ao posto de heróis figuras sem qualquer mérito para tanto. Porém, o contrário também é verdadeiro, pois é comum que outros sejam etiquetados como vilões, a despeito de todas as contribuições que possam ter realizado.
Esse tipo de situação pode ser observado em absolutamente todos os ramos da sociedade, do núcleo de uma família até na mais complexa estrutura de qualquer repartição pública ou entidade empresarial. Sempre haverá aquele que é louvado sem mérito, bem como o escanteado sem justificativa. Sendo um exemplo clássico disso a controversa figura de Judas Iscariotes, que muito bem poderia ser apontado como o padroeiro dos puxa sacos.
A não ser que você seja tanto um pagão excomungado, quanto um completo ignorante em matéria de religiosidade e cultura geral, já deve ter ouvido falar que Judas Iscariotes foi um dos apóstolos de Jesus Cristo, mais especificamente aquele que o traiu por dinheiro, entregando-o para a execução, vindo a, posteriormente, cometer suicídio. Contexto que fez com que ele entrasse para a história como um grande traidor, justificando a tradição da Queima do Judas no sábado anterior à Páscoa.
Porém, o que poucos levam em conta é a importância desse personagem histórico já que, não fosse a sua conduta, certamente que a história do cristianismo seria outra. Perceba que a todo tempo Jesus sabia que seria traído, inclusive deixou isso claro durante a Santa Ceia, logo, se assim o quisesse, poderia ter-se afastado do traidor. Contudo, se o fizesse, impediria o cumprimento das profecias do Velho Testamento e deixaria de cumprir seu papel predeterminado.
Daí uma corrente minoritária defender que na verdade ele não foi um traidor, mas um cúmplice. Um parceiro, alguém que fez o que deveria ser feito, que fez o que nenhum dos demais se prestaria a fazer, apesar de todas as consequências nefastas que atrairia para si. Inclusive, essa linha de raciocínio ganhou de destaque após a publicação pela National Geografic, eu 2006, de documentos descobertos no Egito (e que atualmente estão expostos no museu Fondation Martin Bodmer, localizado em Genebra, que foram chamados de O Evangelho de Judas.
Uma vez que o aprofundamento dessa matéria extrapolaria os objetivos o presente material, deixar-se-á de fazê-lo. Logo, se tiver interesse no assunto, pode deixar de preguiça e pesquisar no Google pelo Evangelho de Judas, ou ainda por Evangelhos Apócrifos. O que nos interessa é fazer o paralelo entre essa nova visão do Judas com a que se advoga aqui para que seja conferida aos puxa sacos.
Note-se que até há pouco, assim como em relação ao Judas Iscariotes, sua visão do puxa saco era completamente negativa. Um traidor sem escrúpulos, capaz de tudo por vantagens pessoais, alguém a ser escorraçado e queimado. Porém, assim como foi graças ao papel fundamental do Judas que, cumprindo-se as profecias do Velho Testamento, permitindo que todos fossem salvos pela Graça Divina, é graças ao papel fundamental do puxa saco que o chefe sacia as respectivas carências e inseguranças, permitindo que todos fiquem a salvo (ainda que por curtos lapsos de tempo) da desgraça terrena.
Parece lógico presumir que alguém que como Judas tem presenciado tantas maravilhas, não seria capaz de jugar tudo fora por qualquer montante em dinheiro. Da mesma forma, ciente de que é a união quem traz a força, jamais um ser humano revestir-se-ia de puxa saco, jogando por terra a respectiva dignidade, amor-próprio e imagem pública, apenas em troca de meras vantagens financeiras, diretas e indiretas.
Talvez por isso não sejam raros os casos de puxa sacos que, após anos de dedicação canina, tornem-se vítimas de problemas neuropsiquiátricos como a depressão. Porém, o que você nunca parou pra pensar é que, ao funcionar como uma espécie de para-raios das carências e inseguranças dos chefes, o puxa saco evita que os demais servidores acabem deprimidos.
E só para dar uma dimensão da relevância do sacrifício que eles fazem, saiba que segundo a Organização Panamericana de Saúde, a depressão está diretamente associada ao suicídio, sendo que cerca de 800 mil pessoas dão fim à própria vida todos os anos. Vê-se portanto que nem todos os heróis usam capas, alguns puxam sacos.
De modo que por todo o contexto apresentado, resta evidente que as pedras lançadas tanto contra Judas, como em face dos puxa sacos, deveriam ser substituídas por gratidão e preces de agradecimento, afinal, aceitam de bom grado receberem a pecha de traidores para que todos possam vir a serem salvos.