RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a questão da possibilidade de o devedor embargar a execução fiscal sem garantia, parcial ou integral, ao valor da dívida, com base no texto legal, na jurisprudência e doutrina.
Palavras chaves: Direito Tributário; Execução Fiscal; Garantia; Embargos à Execução.
INTRODUÇÃO
Na execução fiscal busca-se satisfazer o interesse da Fazenda Pública, com o pagamento do débito pelo contribuinte. Em face disso, o devedor dispõe dos embargos à execução como uma forma de exercer sua defesa. Todavia, pela letra fria da lei, para usar dos embargos deve-se antes realizar a garantia do juízo.
O exercício do direito de defesa deve ser garantido a todos, e pela análise da jurisprudência tem-se notado uma tendência para ampliar o uso dos embargos, abrangendo situações especiais que acabariam não sendo amparados pela letra seca da lei.
EXECUÇÃO FISCAL
Seguindo a linha do tempo, tem-se primeiramente a hipótese de incidência que consiste na descrição normativa, depois tem-se a ocorrência fática dessa previsão normativa, seguido pelo lançamento, no qual ocorrerá a constituição da obrigação tributária. Feito isso, ocorre a inscrição em dívida ativa, transformando o lançamento em um título executivo, e, após essa inscrição, o Estado poderá ajuizar ação de execução fiscal, tendo lastro no título executivo extrajudicial que é a certidão de dívida ativa.
A execução fiscal é regulamentada em lei própria, Lei 6.830 de 1980 (LEF), sendo aplicado o Código de Processo Civil de forma subsidiária, conforme determina o artigo 1° da lei em questão. Ela serve para satisfazer o interesse do credor, ou seja, para cobrar dívida ativa tributária ou não tributária dos entes federados (União, Estados e Municípios) e suas autarquias, conforme preceitua o artigo 2° da LEF (BARREIRINHAS, 2019).
Essa ação de cobrança depende de título executivo extrajudicial, o qual se trata da certidão de dívida ativa, e em princípio corresponde à inicial, de acordo com o artigo 6° § 2° da lei 6.830/80 (BARREIRINHAS, 2019). Esse documento deve conter, como requisitos, conforme determina o artigo 2°, § 5° da lei 6.830/80, o nome do devedor, valor da dívida, origem do débito, nome do credor, lei que fundamenta a cobrança, juros e multa com fundamento legal, e o número do processo administrativo (caso haja). Vale observar também que a CDA poderá ser emendada ou substituída para a correção de erro material ou formal, até a prolação da sentença de embargos, sendo vedada a modificação do sujeito passivo, conforme ditame da súmula 392 do STJ.
Não é preciso instruir a petição inicial com demonstrativo de cálculo do débito, por não se tratar de requisito previsto no artigo 6° da lei 6.830/80, de acordo com a súmula 559 do STJ, e, também, a falta de indicação do CPF e/ou RG ou CNPJ da parte executada, não é argumento para indeferimento da inicial, conforme súmula 558 o STJ (BARREIRINHAS, 2019).
Em consonância com o artigo 4° da lei 6.830/80, a execução fiscal pode ser promovida contra o devedor, fiador, espólio, massa, responsável ou sucessores a qualquer título. Devem, também, as intimações aos representantes da Fazenda Pública serem sempre pessoais, conforme preceitua o artigo 25 da lei 6.830/80 (BARREIRINHAS, 2019).
Além disso, a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores, e a competência para a execução fiscal exclui a de qualquer outro juízo, inclusive o da falência e do inventário, de acordo com o artigo 29 da LEF (BARREIRINHAS, 2019). O juiz também, em consonância com o artigo 28 da lei 6.830/80 e súmula 515 do STJ, poderá, a requerimento das partes, por conveniência da unidade da garantia da execução, ordenar a reunião de processos contra o mesmo devedor, sendo que nessa situação, os processos serão redistribuídos ao juízo da primeira distribuição.
De acordo com o artigo 8° da LEF, o despacho do juiz que defere a inicial, determina a citação, que em regra será feita pelo correio, para que devedor pague a dívida, ou garanta a execução em 5 dias. Vale observar que o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição, isto é, o Fisco deve se precaver para que intente a execução observando o prazo de 5 anos (BARREIRINHAS, 2019).
Sendo citado o devedor, transcorrido o prazo de 5 dias, e mesmo assim não apresentar garantia, nem pagar o débito, a Fazenda Pública poderá realizar uma penhora livre, que poderá recair sobre qualquer bem do executado, exceto os que a lei declarar absolutamente impenhoráveis, de acordo com o artigo 10 da LEF.
GARANTIA
Para garantir a execução, conforme estabelece o artigo 9° da lei 6.830/80, o executado poderá efetuar depósito judicial em dinheiro, oferecer fiança bancária ou seguro garantia, sendo que nessas situações garante-se o valor independentemente da anuência do credor. Poderá, também, o devedor nomear bens à penhora, ou indicar bens oferecidos por terceiros à penhora (se casado precisa do consentimento expresso do cônjuge, e se for pessoa jurídica, precisa da carta de anuência) sendo que nessas hipóteses depende da aceitação do credor para que o juiz possa assim determinar. Vale ressaltar também que, de acordo com o § 3°, do artigo 15 da LEF, a garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora.
A penhora de bens deve respeitar a seguinte ordem determinada pelo artigo 11 da LEF: dinheiro; título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa; pedras e metais preciosos; imóveis; navios e aeronaves; veículos; móveis ou semoventes; e direitos e ações.
Observa-se que em relação a cláusula de impenhorabilidade e inalienabilidade, em consonância com o artigo 184 do Código Tributário Nacional, o débito tributário passa por cima disso, atingindo o bem independentemente dessas cláusulas. Todavia, quando isso é gerado por imposição legal como no caso da impenhorabilidade do bem de família (artigo 1° da lei 8.009/90), o direito tributário respeita isso, não atingindo o bem, salvo os débitos decorrentes da própria natureza do bem, como a incidência do IPTU e débitos de condomínio em imóvel urbano.
O artigo 9°, § 6° da lei 6.830/80 dispõe que o executado poderá pagar parcela da dívida, que julgar incontroversa, e garantir a execução do saldo devedor. Além disso, o executado poderá, também, requerer, em qualquer fase do processo, a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, o que será deferido pelo juiz, de acordo com o artigo 15, inciso I da LEF. Se quiser fazer qualquer outra substituição, dependerá da concordância do Fisco. Além do mais, a Fazenda Pública poderá recusar a substituição de bem penhorado por outro menos líquido, como estabelece a súmula 406 do STJ sobre a substituição por precatório (BARREIRINHAS, 2019).
Percebe-se também que, em consonância com o artigo 15, inciso II da LEF, em qualquer fase do processo, a Fazenda Pública poderá requerer a substituição do bem penhorado por qualquer outro, independentemente da ordem do artigo 11, bem como o reforço da penhora insuficiente, o que será deferido pelo juiz. Assim, na situação de pedido de substituição formulado pelo Fisco, não será necessária a concordância do devedor (BARREIRINHAS, 2019). Além disso, o juiz, em qualquer fase do processo, ordenará a remoção do bem penhorado para depósito judicial, particular ou da Fazenda Pública exequente, sempre que esta o requerer, conforme ditame do artigo 11, § 3° da LEF.
Por fim, a alienação ou oneração de bens ou rendas sem deixar reserva de recursos para satisfazer o crédito inscrito em dívida ativa, presume-se fraudulenta. Além de que sendo esgotadas todas as diligências, o juiz poderá determinar a indisponibilidade universal de bens e direitos do executado, de acordo com o artigo 185-A do CTN (BARREIRINHAS, 2019).
EMBARGOS À EXECUÇÃO
Realizada a garantia, surgem os prazos para a oposição de embargos, sendo de 30 dias contados da data de efetivação do depósito; da data da juntada da prova de fiança bancária ou do seguro garantia aos autos do processo; ou da data da intimação da penhora (da efetivação da penhora, não da indicação dos bens), conforme estabelece o artigo 16 da lei 6.830/80. Porém, não são admissíveis os embargos do devedor antes de garantida a execução, de acordo com o § 1° do mesmo artigo.
Em se tratando de um momento para o particular defender-se contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda Pública, é possível alegar toda matéria de defesa em sede de embargos, assim, o executado deverá alegar toda matéria útil à sua defesa, requerer provas, arrolar testemunhas (até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite) e juntar aos autos os documentos que julgar pertinentes, de acordo com o § 2° do artigo 16 da LEF.
Observa-se que o § 3° do artigo 16 determina que não será admitida reconvenção ou compensação, pois, no que se refere à compensação, não se admite que o devedor pleiteie a extinção do crédito durante o curso da execução, podendo apenas comprovar que o crédito já havia sido extinto em compensação na esfera administrativa ou em uma demanda judicial anterior, antes do ajuizamento da execução que está sendo embargada, de acordo com a lei do próprio ente tributante. Além disso, estabelece que as exceções (salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos) serão arguidas como preliminar, e processadas e julgadas com os embargos (BARREIRINHAS, 2019).
Os embargos ganham autonomia em relação ao processo de execução, e pela aplicação do artigo 919 do Código de Processo Civil, o STJ tem entendido que os embargos não suspendem, necessariamente, de forma automática o curso da execução (BARREIRINHAS, 2019). Para tanto, deve o executado demonstrar os requisitos do fumus boni iuris e o periculum in mora da tutela provisória para que possa ser concedido o efeito suspensivo aos seus embargos, junto com a garantia do juízo.
De acordo com o artigo 17 da LEF, uma vez recebidos os embargos, o juiz intimará a Fazenda Pública, para impugná-los no prazo de 30 dias, designando, em seguida, audiência de instrução e julgamento.
EMBARGAR EXECUÇÃO FISCAL SEM GARANTIA AO VALOR DA DÍVIDA
Primeiramente, é fato que está em pleno vigor o dispositivo legal da LEF (artigo 16, § 1° da lei n. 6.830/80) o qual exige a garantia do juízo para a admissão dos embargos à execução opostos pelo executado.
No entanto, com base na análise dos precedentes: TJ-MG-AI: 10024160973616001, STJ-REsp: 1.127.815, STJ-REsp: 1.487.772, e STJ-REsp: 1.681.111, podem ser observados os entendimentos jurisprudenciais explicados a seguir.
O Poder Judiciário tem decidido por afastar essa exigência da garantia integral do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, desde que o executado comprove inequivocamente que não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo, isto é, comprove a sua hipossuficiência.
Além disso, a jurisprudência do STJ afirma que não se deve obstar a admissibilidade ou apreciação dos embargos à execução pelo fato de o valor do bem penhorado ser inferior ao valor total da dívida, devendo o juiz intimar o devedor para reforçar a penhora. Desse modo, a necessidade de reforçar a penhora, pela garantia parcial do juízo, não resulta na rejeição dos embargos já opostos pelo executado, devendo haver comprovação inequívoca de sua insuficiência patrimonial.
Assim, admite-se os embargos para a defesa do executado, porém dando continuidade à execução até alcançar a integralidade do valor da dívida. Cabe salientar que é necessária a contínua investigação por parte da Fazenda Pública, no curso do processo de embargos à execução, à procura da existência de bens ou direitos de propriedade do embargante que sejam aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.
No que se refere ao efeitos suspensivo dos embargos, caso a parte embargante não tenha garantido o juízo, mesmo que tenha demonstrado a probabilidade de seu direito, bem como o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, será negado a concessão do efeito suspensivo posto que os requisitos determinados pelo artigo 919, § 1° do CPC são cumulativos ao preceituar que será atribuído efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.
Por fim, observa-se que o fato de o devedor ser beneficiário da assistência judiciária gratuita, não significa uma autorização para oposição de embargos sem garantia do juízo, posto que não há previsão expressa permitindo isso na lei 1.060/50 que estabelece as normas para a concessão da gratuidade judicial. Assim, nessa situação do executado ser beneficiário da gratuidade judicial, pelo critério da especialidade, prevalece a lei 6.830/80 pela exigência da garantia do juízo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, nota-se que a mitigação da obrigatoriedade de garantia do crédito executado quando o devedor não possuir bens para garantir total ou parcialmente o juízo, desde que devidamente comprovada sua hipossuficiência, mostra-se uma atitude do Poder Judiciário para resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso à Justiça, ao contraditório e à ampla defesa, consagrados no artigo 5° da Constituição Federal, sendo tais princípios constitucionais a base para a própria dignidade humana.
Caso assim não fosse o entendimento, e seguir-se literalmente a letra fria da lei, estaria permitindo apenas o direito de defesa na execução fiscal àquele que possui patrimônio suficiente para garantir o juízo, sendo retirado o mesmo direito de defesa daquele cujo patrimônio é insuficiente, quebrando o princípio da isonomia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARREIRINHAS, Robinson. Direito tributário. In: GARCIA, Wander (org.) Super-revisão para a OAB/Wander Garcia... [et al.]. 9. ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2019, p. 617-676.
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