As 7ª Ondas de “Acesso à Justiça” por Cappelletti e Garth e o papel da Defensoria Pública na efetivação dessas ondas em favor das minorias e dos grupos vulneráveis

29/12/2022 às 16:29

Resumo:


  • O direito ao acesso à justiça é fundamental e está garantido pela Constituição Federal de 1988, sendo essencial para a concretização de direitos e a promoção da dignidade humana.

  • A Defensoria Pública tem papel crucial na assistência jurídica gratuita aos necessitados, promovendo os direitos humanos e atuando em defesa dos direitos individuais e coletivos.

  • A evolução do acesso à justiça é marcada pelas ondas renovatórias propostas por Cappelletti e Garth, que destacam a necessidade de superar barreiras econômicas, sociais e organizacionais, e a Defensoria Pública desempenha um papel ativo na concretização dessas ondas, adaptando-se às demandas contemporâneas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

INTRODUÇÃO:

Dentre o extenso rol de direitos fundamentais previstos expressamente nos dispositivos da Carta Magna, o direito ao acesso à justiça é, indubitavelmente, dos mais relevantes e debatidos nos dias atuais. Esta importância se dá pela busca não só da efetivação do princípio da inafastabilidade da jurisdição, insculpido no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988, que assegura ao cidadão o direito de acesso ao Poder Judiciário diante de lesão ou ameaça a direito seu, identificando o papel do Estado Juiz na concretização de direitos, promovendo, entre outros, a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, da CFRB/88) e busca do bem de todos, independentemente de sexo, raça, cor ou idade como objetivo da nação (art. 3º, inciso IV, da CFRB/88).

Entretanto, o acesso à justiça não é automático, principalmente tendo em conta a inércia da Jurisdição e as taxas e custas que existem para contratar um advogado, iniciar uma ação judicial e movimentá-la até o deslinde final. Aí surge outro mandamento constitucional, direito humano universal, o direito à assistência jurídica para aqueles que comprovarem insuficiência de recursos (CF/88, art. 5º, LXXIV). Esse direito é assegurado através da instituição Defensoria Pública como instituição permanente, essencial ao exercício da jurisdictio, função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, entre outras tarefas, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos (CF/88, art. 134).

Inobstante esta clássica busca pela concretização de direitos dos vulneráveis/hipossuficientes financeiros, novas nuances históricas e a modernização do pensamento jurídico como uma ciência humana contextualizada trazem ao debate a necessidade de se ampliar a tutela para alcançar grupos historicamente relegados ao descaso - minorias e vulneráveis jurídico-sociais.

É neste contexto que exsurge - inclusive a nível internacional - a necessidade de implementação de medidas e a criação de instituições que tenham como função precípua a integração e acesso de minorias e grupos vulneráveis à jurisdição estatal. Mas não só: além do acesso ao judiciário, é necessária uma abordagem que leve em consideração as particularidades de tais grupos e que reconheça a vulnerabilidade que lhes é inerente.

Isto considerado, o presente estudo visa analisar o papel da Defensoria como garantidora dos direitos das minorias e grupos vulnerabilizados, sob o enfoque do acesso à justiça e sua evolução no decorrer histórico.

Primeiramente, conceituar-se-à minorias e grupos vulneráveis, com o fito de se delimitar quem são os destinatários da legal aid como instrumento do acesso à justiça dimensão subjetiva da assistência jurídica, bem como se analisará as características que são comuns a estas coletividades. Em seguida, serão tecidos comentários acerca das ondas renovatórias de acesso à justiça, temas essenciais para se entender a evolução na garantia de direitos, inclusive no âmbito internacional. Concomitantemente a isto, se discutirá o papel da Defensoria Pública brasileira no referido contexto, anotando-se brevemente o que diz a lei a jurisprudência pátria acerca da legitimidade, atribuições e abrangência da sua atuação, bem como se exemplificará ações concretas realizadas por esta instituição, correlacionando-as com as ondas renovatórias de acesso à justiça.

MINORIAS E GRUPOS VULNERÁVEIS: QUEM SÃO?

O acesso à justiça no que diz respeito às minorias e grupos vulneráveis é o cerne do presente estudo, razão pela qual a análise fatalmente deve tratar de delimitar e descrever quem faz parte destes grupos de pessoas e quais os fenômenos sociais os fazem assim ser considerados. Evidentemente, descrever e conceituar tais grupos não é tarefa fácil, mas tanto a sociologia jurídica quanto os direitos humanos trazem standards que elucidam o tema.

Minorias são grupos de pesoas que não têm a mesma representação política que os demais cidadãos de um Estado ou, ainda, que sofrem histórica e crônica discriminação por guardarem entre si características essenciais à sua personalidade, língua, religião ou condição pessoal; trata-se de grupos de pessoas com uma identidade coletiva própria, que os torna diferentes dos demais individíuos de um mesmo Estado (v.g., os povos indígenas, a comunidade LGBTQIA+, os refugiados etc.)

Grupos vulneráveis, por sua vez, são coletividades mais amplas de pessoas que, apesar de não pertencerem propriamente às minorias, eis que não possuidoras de uma identidade coletiva específica, necessitam, não obstante, de proteção especial em razão de sua fragilidade ou indefensabilidade (v.g., as mulheres, idosos, as crianças e adolescentes, as pessoas com deficiência, os consumidores, etc.).[2]

No site das Nações Unidas se faz referência a um conceito doutrinário de minorias que parte basicamente de cinco características definidoras.

Os antropólogos Wagley e Harris resumem como sendo 5 as características de minorias: 1) são segmentos subordinados de sociedades estatais complexas; 2) as minorias têm traços físicos ou culturais especiais que são tomadas em pouca consideração pelo segmento dominante da sociedade; 3) as minorias são unidades auto-conscientes ligadas pelos traços especiais que seus membros partilham e pelas restrições que os mesmos produzem; 4) a qualidade de membro de uma minoria é transmitida pela regra de descendência a qual é capaz afiliar gerações sucessivas mesmo na ausência de prontamente aparentes traços físicos ou culturais; 5) os povos minoritários, por escolha ou necessidade, tendem a casar dentro do grupo.[3]

Como visto, essa definição das Nações Unidas vai ao encontro do conceito mais aceito de minoria pautado no critério da não dominância, não do critério quantitativo.

A Declaração Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Lingüísticas das Nações Unidas assegura:

Artigo 2º

1. As pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas (doravante denominadas pessoas pertencentes a minorias) terão direito a desfrutar de sua própria cultura, a professar e praticar sua própria religião, e a utilizar seu próprio idioma, em privado e em público, sem ingerência nem discriminação alguma.

2. As pessoas pertencentes a minorias tem o direito de participar efetivamente na vida cultural, religiosa, social, econômica e pública.

3. As pessoas pertencentes a minorias terão o direito de participar efetivamente nas decisões adotadas em nível nacional e, quando cabível, em nível regional, no que diz respeito às minorias a que pertençam ou as regiões em que vivam, de qualquer maneira que não seja incompatível com a legislação nacional.

4. As pessoas pertencentes a minorias terão o direito de estabelecer e de manter as suas próprias associações.

5. As pessoas pertencentes a minorias terão o direito de estabelecer e de manter, sem discriminação alguma, contactos livres e pacíficos com os outros membros de seu grupo e com pessoas pertencentes a outras minorias, bem como contactos transfonteiriços com cidadãos de outros Estados com os quais estejam relacionados por vínculos nacionais ou étnicos, religiosos ou lingüísticos.[4]

Nota-se, de pronto, que o conceito de grupos vulneráveis é naturalmente mais amplo que o de minorias, visto que se funda não em características coletivas com certo grau de especificidade, mas na necessidade de sua proteção por um grau maior de desproteção fática, jurídica ou social.

Apesar da sutil diferença conceitual, o que se nota é que tais agrupamentos sociais muitas vezes se confundem, já que não raro as minorias estão em situação de vulnerabilidade - e os grupos vulneráveis podem também constituir minorias. Isso se dá por diversas causas sociais que podem decorrer de fenômenos econômicos, políticos, ideológicos - mas sempre estruturais, pois se perduram no tempo.

A diferença entre minorais e grupos vulneráveis merece nota:

Grupo vulnerável

Minoria

Classificação

Gênero

Espécie

Natureza

Sofrem exclusão social, mas não possuem uma relação de dependência e interesse com o objeto de discriminação

Objetivam guardar o traço - objeto da discriminação -, pois esse traço é o formador da identidade de cada minoria

Objetivo

Exercer o seu direito

Primeiro buscam o reconhecimento do direito, e depois o seu exercício

Fonte: Mônia Clarissa Hennig Leal; Sabrina Santos Lima. O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E A PROTEÇÃO DE MINORIAS E DE GRUPOS VULNERÁVEIS1 Revista de Direito Brasileira | Florianópolis, SC | v. 29 | n. 11 | p. 144-163 | Mai./Ago. 2021.

Importante perceber que já há muitas décadas o direito internacional dos direitos humanos se atenta para a causa dos grupos vulnerabilizados. Prova disso são algumas convenções internacionais que tratam especificamente sobre tais temas. Alguns exemplos são: Convenção nº. 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais[5]; Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, que fora internalizada no ordenamento jurídico nacional com status de emenda constitucional no ano de 2022; além de outras que tratam sobre a defesa das mulheres, crianças, etc. Ademais, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos possui cláusula geral nos seguintes termos: Artº 27º: Nos Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não devem ser privadas do direito de ter, em comum com os outros membros do seu grupo, a sua própria vida cultural, de professar e de praticar a sua própria religião ou de utilizar a sua própria língua.

Igualmente, o ordenamento jurídico interno brasileiro não ficou alheio a tais questões. Prova disso é o prestígio que conferiu o Constituinte à dignidade da pessoa humana e a busca do bem de todos, independentemente de raça, cor, sexo ou religião. Além disso, a Carta Magna reserva alguns de seus capítulos a grupos sociais considerados minorias ou vulnerabilizados, tais como as crianças, adolescentes, jovens e idosos (capítulo VII), e os índios (capítulo VIII).

Ademais, o cerne da questão é que busca pelos direitos desses agrupamentos perpassa obrigatoriamente pela noção de igualdade material - com equidade - e não meramente formal, na forma preconizada pelo caput do art. 5º da Constituição Federal. Por esse motivo, a persecução do devido acesso à justiça a estes grupos se submete ao que podemos considerar como um regime diferenciado: prova disso é a legitimidade extraordinária de algumas instituições para tutelar, em nome próprio, direito de minorias, buscando a devida efetivação de direitos, o que será devidamente tratado adiante.

Em suma, pode-se defender que apesar de amplo, o critério para a aferição desses grupos de pessoas sempre perpassa por um conceito: o de vulnerabilidade - seja jurídica, social, econômica, informacional, etc.

AS 7 (SETE) ONDAS RENOVATÓRIAS DE ACESSO À JUSTIÇA POR CAPPELLETTI E GARTH

O acesso à justiça como direito fundamental está previsto expressamente não só na Carta Política brasileira, mas em diversos diplomas normativos internacionais, o que denota a preocupação da comunidade jurídica com o tema. Como exemplo, cite-se o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), devidamente internalizado no ordenamento jurídico nacional pelo Decreto nº. 592/92[6], que em seu art. 14.1 assim aduz:

Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tornar-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito à controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores.

Sem embargo, é importante elucidar que esse reconhecimento ocorreu paulatinamente no decorrer da história e têm-se que o acesso à justiça está em constante evolução, devido ao fato de que precisa sempre se especializar para atingir os seus devidos fins em uma sociedade cada vez mais complexa e interligada. Partindo de uma ideia de progressividade, principalmente quando se trata de direitos prestacionais - ou de segunda dimensão - a efetivação deste direito atravessa a chamada pós-modernidade necessitando de constantes evoluções para se amoldar aos problemas da realidade fática. É neste contexto que surge o Projeto de Florença de Acesso à Justiça, amplo e emblemático estudo capitaneado pelos professores Mauro Cappelletti e Bryan Garth ainda na década de 70, cujas conclusões resultaram na divulgação das três primeiras ondas de acesso à justiça.[7]

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Neste estudo, o cerne da questão foi analisar os obstáculos que dificultam ou obstam o efetivo acesso à justiça - segundo os autores, obstáculos econômicos, sociais e organizacionais - para, assim, alicerçar que existem marcos na efetivação do acesso à justiça - ondas renovatórias -. Conforme Bruno del Preti (2021), aludindo aos autores supramencionados, o exame das barreiras ao acesso à justiça revelam um padrão: os obstáculos existentes nos sistemas jurídicos são mais pronunciados nas pequenas causas e para autores individuais, especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial para obterem seus próprios interesses. Cappelletti e Garth aduziram primeiramente a existência de três ondas renovatórias que explicam a superação de barreiras específicas em busca da efetividade de direitos consagrados.

Na esteira da obra dos citados autores (passim), a primeira onda diz respeito à assistência judiciária aos pobres, visando à superação dos obstáculos financeiros àqueles que necessitam de acesso à justiça. Trata-se, realmente, do ponto de partida na busca da efetivação deste direito fundamental, tendo em vista que, como já supramencionado, os obstáculos existentes afetam mais os litigantes individuais e pobres, sujeitos vulneráveis por natureza (podendo ou não serem considerados minorias):

Medidas muito importantes foram adotadas nos últimos anos para melhorar os sistemas de assistência judiciária. Como consequência, as barreiras ao acesso à Justiça começaram a ceder. Os pobres estão obtendo assistência judiciária em números cada vez maiores, não apenas por causas de família ou defesa criminal, mas também para reivindicar seus direitos novos, não tradicionais, seja como autores ou como réus. É de esperar que as atuais experiências sirvam para eliminar essas barreiras.[8]

Quanto à segunda onda do acesso à justiça preconizada por Cappelletti e Garth, esta tem maior correlação com o obstáculo organizacional, razão pela qual se traduz pela busca da proteção de direitos metaindividuais (difusos e coletivos). Segundo já tratado em obra própria por este autor, esta onda reforçou a reflexão tradicional sobre o papel do processo civil e sobre o papel dos tribunais, passando de uma visão individualista para uma visão macro, coletiva, de resolução de demandas no atacado, quando elas sejam caras a um grupo determinado ou mesmo indeterminado de pessoas, evitando-se com isso a proliferação de ações judiciais e o congestionamento do Judiciário.[9]

A terceira onda propõe um novo paradigma ao acesso à justiça: técnicas processuais efetivas e meios alternativos de solução de conflitos. Busca não só facilitar o exercício da jurisdição estatal, mas a prática da educação em direitos e o fomento à autocomposição, o que é desejável. Nessa onda, poderíamos enquadrar as atuais conciliação, mediação e arbitragem, mas na visão original dos autores[10]:

Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. (p.67);

[...] o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais, tanto como juízes quanto como defensores, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados ou informais de solução de litígios. [...] inovações radicais e compreensivas, que vão muito além da esfera de representação judicial. (p.71);

[...] Ademais, esse enfoque reconhece a necessidade de correlacionar e adaptar o processo civil ao tipo de litígio (p.71).

Em uma evolução aos estudos quanto à matéria, em 2019 Bryant Garth idealizou o Global Access to Justice Project, projeto ainda em desenvolvimento, tratando de mais quatro novas ondas renovatórias à luz dos paradigmas do novo século.

[...] 4. A quarta onda (dimensão): ética nas profissões jurídicas e acesso dos advogados à justiça

5. A quinta onda (dimensão): o contemporâneo processo de internacionalização da proteção dos direitos humanos

6. A sexta onda (dimensão): iniciativas promissoras e novas tecnologias para aprimorar o acesso à justiça

7. A sétima onda (dimensão): desigualdade de gênero e raça nos sistemas de justiça.[11]

O projeto se autodefine como:

Acesso à Justiça

Uma Nova Pesquisa Global

Por intermédio da colaboração dos maiores especialistas do planeta, representando diversas culturas, disciplinas e nações, o Global Access to Justice Project está reunindo as mais recentes informações sobre os principais sistemas de justiça do mundo, analisando as barreiras econômicas, sociais, culturais e psicológicas que impedem ou inibem muitos, e não apenas os mais pobres, de acessarem e fazerem uso do sistema de justiça. E devido à sua abordagem epistemológica multidimensional única e ao amplo alcance geográfico, o projeto possui a ambição de se tornar a pesquisa mais abrangente já realizada sobre o acesso à justiça.[12]

Da análise das quatro novas ondas renovatórias, nota-se que as novas ondas (ou dimensões) do acesso à justiça se revelam como uma verdadeira continuação do projeto original, agora com a análise de temas recentíssimos que urgem estudo apurado à luz dos temas da modernidade. Denota-se, assim, a necessidade de que o acesso à justiça não se fossilize em mero dever-ser, mas que se adapte e busque efetivação frente aos problemas contemporâneos.

Ademais, o novel projeto se propõe a analisar o acesso à justiça a partir de: a) uma abordagem sociológica: necessidades jurídicas (não atendidas) e a sociologia da (in)justiça; b) uma abordagens antropológica e pós-colonial: dimensões culturais do problema de acesso e o aprendizado dos povos das primeiras nações. Pretende ainda verificar como vem sendo desenvolvida a educação jurídica e quais são esforços globais na promoção do acesso à justiça[13].

O relatório de acesso à justiça nos Estados Unidos da América confirma a abordagem que este autor fez na obra Elementos internacionais para um modelo global de assistência jurídica. Nas demandas civis, o pobre não tem direito a defensor público:

5. SISTEMA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

[...] Essa estrutura básica continuou em 2011, quando a Suprema Corte decidiu Turner v, Rogers, 131 S.Ct.2507 (2011), que considerou que um pai preso por desacato civil devido ao não pagamento de pensão alimentícia não tem categoricamente direito a advogado quando (1) o estado fornece outras garantias processuais; (2) o oponente do contendor não é o estado nem representado por um advogado; e (3) o assunto não é excepcionalmente complexo.

[...] Nenhuma constituição estadual estabelece explicitamente um direito financiado pelo estado a um advogado em casos civis.

[...] Assim, na grande maioria dos casos civis, não há direito constitucional ou estatutário a um advogado financiado pelo Estado.[14]

Apenas em demandas cíveis pontuais, os tribunais estaduais e estatutos estaduais ou regras judiciais, bem como alguns estatutos federais, asseguram ao jurisdicionado o direito de advogado, entre eles rescisão de direitos parentais e adoção[15].

Ademais, ainda de acordo com o Global Acess to Justice Project o sistema estadunidense é de baixa qualidade e de baixíssima cobertura:

13. CONCLUSÕES

[...] Pessoas acusadas que são incapazes de pagar um advogado não recebem o mesmo tipo de advogado competente, bem apoiado e consciencioso que toda pessoa com recursos financeiros procura contratar quando acusada de conduta criminosa e confrontada com a perda da liberdade.

[...] Não há financiamento suficiente ou assistência pro bono disponível para fornecer às pessoas de baixa renda que precisam aconselhamento jurídico, serviço breve, e, mais particularmente, representação estendida. Não há advogados efetivos suficientes, paralegais, advogados leigos, estudantes de direito e advogados particulares disponíveis para atender às enormes necessidades de aconselhamento, serviço breve e representação completa das pessoas de baixa renda.[16]

No Brasil, sem prejuízo de outras instituições e medidas afeitas à consecução do acesso à justiça, a Defensoria Pública possui papel de protagonismo na efetivação deste direito fundamental.

DEFENSORIA PÚBLICA E EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA COM BASE NAS ONDAS RENOVATÓRIAS DE CAPPELLETTI E GARTH:

A Constituição Federal de 1988 instaurou uma nova ordem no ordenamento jurídico brasileiro: superado o período autoritário, o Estado Brasileiro doravante deve se caracterizar como Estado Democrático Social de Direito. Tal condição perpassa, necessariamente, pelo cuidado especial do poder público para com os necessitados e vulneráveis, à luz dos direitos humanos. É daí que surge a Defensoria Pública como instituição aglutinadora desses anseios.

A assistência jurídica aos necessitados fora inicialmente prevista na Constituição brasileira de 1934, o que se repetiu em todas as seguintes, com exceção da de 1937. Entretanto, só com a promulgação da Carta Cidadã, em 1988, previu-se uma instituição de Estado, organizada e mantida pelo poder público, com a incumbência específica de assegurar o acesso à justiça daqueles necessitados. Eis a redação atual do art. 134 da CF/88, após diversas emendas constitucionais:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

Note-se, de pronto, que a redação amplia o espectro de atuação da Defensoria, de forma que incumbe a ela não só a assistência jurídica gratuita dos necessitados, mas, por ser também expressão e instrumento do regime democrático, lhe cabe a promoção dos direitos humanos e a busca dos direitos dos necessitados, inclusive extrajudicialmente, na forma individual e coletiva. Conforme se analisará adiante, a Defensoria Pública brasileira vem cumprindo relevante papel na concretização do acesso à justiça, inclusive tendo como parâmetro as ondas renovatórias propostas por Cappelletti e Garth.

Como já detalhado alhures, a primeira onda renovatória do Projeto de Florença diz respeito à assistência jurídica aos hipossuficientes financeiros. Pode-se dizer que a própria instituição da Defensoria Pública é uma decorrência e concretização desta onda. Deve-se pontuar que assistência jurídica é um conceito mais amplo que simplesmente assistência judiciária: este denota a ideia de assistência somente perante o poder judiciário; aquele, diz respeito a uma assistência de cunho mais integral, inclusive extrajudicial, abrangendo também a consultoria orientação em direitos.

No âmbito interamericano, esta correlação foi explicitada pela Resolução nº. 2656 da Organização dos Estados Americanos (OEA), que reconheceu, de forma expressa, o direito ao acesso à justiça como direito fundamental, uma vez que somente por meio de sua garantia é possível restabelecer o exercício de direitos uma vez ignorados e violados. Junto a isso, a resolução também tratou da importância das instituições de assistência jurídica gratuita nos países membros da Organização, apoiando a cooperação internacional para o intercâmbio de experiências e boas práticas na matéria, além do fortalecimento e da maior estruturação, pelos estados, de defensores públicos:

1. Afirmar que o acesso à justiça, como direito humano fundamental, é, ao mesmo tempo, o meio que possibilita que se restabeleça o exercício dos direitos que tenham sido ignorados ou violados.

2. Apoiar o trabalho que vêm desenvolvendo os defensores públicos oficiais dos Estados do Hemisfério, que constitui um aspecto essencial para o fortalecimento do acesso à justiça e à consolidação da democracia.

3. Afirmar a importância fundamental do serviço de assistência jurídica gratuita para a promoção e a proteção do direito ao acesso à justiça de todas as pessoas, em especial daquelas que se encontram em situação especial de vulnerabilidade.

4. Recomendar aos Estados membros que já disponham do serviço de assistência jurídica gratuita que adotem medidas que garantam que os defensores públicos oficiais gozem de independência e autonomia funcional.

5. Incentivar os Estados membros que ainda não disponham da instituição da defensoria pública que considerem a possibilidade de criá-la em seus ordenamentos jurídicos.

6. Instar os Estados a que promovam oportunidades de cooperação internacional para o intercâmbio de experiências e boas práticas na matéria.

7. Incentivar os Estados e os órgãos do Sistema Interamericano a que promovam a celebração de convênios para a oferta de capacitação e formação dos defensores públicos oficiais.

8 Apoiar o trabalho da Associação Interamericana de Defensorias Públicas (AIDEF), no fortalecimento da defesa pública nos Estados membros.[17]

(sem grifos e negritos no original)

Já a segunda onda de acesso à justiça, que se refere à proteção dos direitos metaindividuais - difusos ou coletivos - também possui aporte na atuação da Defensoria brasileira - embasada tanto na lei quanto na jurisprudência nacionais. Exemplo disso é a legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública (art. 5º, inciso II, da Lei da ACP); a possibilidade de impetração de habeas corpus coletivo (HC 143.641/SP, STF) e de mandado de injunção coletivo (art. 12, IV, da Lei do Mandado de Injunção); entre outros.

A consolidação deste tipo de atuação pela Defensoria tem sido reforçada de maneira pelas cortes superiores nacionais. Prova disso é o entendimento do STJ acerca da amplitude termo necessitados, constante no art. 134 da CF/88, que representa o grupo a ser protegido pela Defensoria Pública. Segundo a corte:

2. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos, entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos, como é o caso, por exemplo, quando exerce a função do curador especial, previsto no art. 9.º, inciso II, do Código de Processo Civil, e do defensor dativo no processo penal, conforme consta no art. 265 do Código de Processo Penal.

3. No caso, o direito fundamental tutelado está entre os mais importantes, qual seja, o direito à saúde. Ademais, o grupo de consumidores potencialmente lesado é formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constituição Federal, que dispõe no seu art. 230, sob o Capítulo VII do Título VIII ("Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso"): "A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida." 4. "A expressão 'necessitados' (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros - os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana" (REsp 1.264.116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012).

Este entendimento também é encampado pelo STF, que nos autos do RE 733433 aduziu que a Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pública que vise a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas. Trata-se de entendimento que prestigia as funções institucionais da Defensoria, pois oportuniza que a instituição atue em situações que possam beneficiar também pessoas não hipossuficientes economicamente, desde que haja, em tese, beneficiários necessitados juridicamente.

Aludida decisão originou o tema 607 de repercussão geral:

Tema 607 - Legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública em defesa de interesses difusos.

Há Repercussão? Sim

Relator(a): MIN. DIAS TOFFOLI

Leading Case: RE 733433

Descrição: Recurso extraordinário com agravo em que se discute, à luz do inciso LXXIV do art. 5º; bem como dos arts. 59, 129 e 134, todos da Constituição Federal, a legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública em defesa de interesses difusos.

Tese: A Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pública que vise a promover a tutela judicial de direitos difusos ou coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas.[18]

No que tange à terceira onda renovatória de acesso à justiça - a busca de meios alternativos de solução de conflitos -, esta também é cumprida pela Defensoria Pública, inclusive com supedâneo legal. O inciso II do art. 4º da LC 80/94[19] dispõe que é função institucional da instituição promover, inclusive de forma prioritária, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos. Exemplo prático desta premissa é a execução de projetos que visam incentivar o público alvo da Defensoria a conciliar seus conflitos. A DPE/PI, por exemplo, executou em 2016 o projeto Defensores pela Conciliação[20].

A quarta onda não possui relação direta com a Defensoria Pública, razão pela qual não se promove comentários ou subsunção nas atuações defensoriais.

A quinta onda, por sua vez, se refere ao processo de internacionalização da proteção dos direitos humanos. Inegável a importância da Defensoria neste ponto. A um, pois a garantia de um defensor custeado pelo poder público como direito do cidadão está prevista no art. 8.2, alínea e, do Pacto de São José da Costa Rica[21], que assevera ser direito irrenunciável do acusado ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, se o acusado não se defender por si só nem nomear defensor no prazo legal. A dois, pois a instituição pode peticionar perante entes internacionais, tais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, à luz do art. 44 do Pacto de São José da Costa Rica:

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-Membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-Parte.[22].

No mesmo sentido, mencione-se a figura do defensor interamericano - DPI. Segundo Bruno Del Preti, o DPI é responsável pela assistência jurídica e representação legal das vítimas vulneráveis ou sem representação legal perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos[23]. Segundo o artigo 2.11 do Regulamento da Corte IDH, o defensor interamericano é a pessoa que a Corte designe para assumir a representação legal de uma suposta vítima que não tenha designado um defensor por si mesma[24].

No que concerne à sexta onda (iniciativas promissoras e novas tecnologias para aprimorar o acesso à justiça), advinda da necessidade de compatibilização entre os trabalhos da justiça com a evolução tecnológica e maior acessibilidade, há de se perceber a constante evolução dos trabalhos da Defensoria Pública. O atendimento on-line foi muito popularizado durante a época de pandemia da COVID-19, além de outras iniciativas demonstram a adesão da instituição à tecnologia. Reforçando este tipo de atuação, conforme aduzido em obra própria deste autor, mesmo no contexto da crise pandêmica, a Defensoria realizou mais de 13 milhões de atendimentos[25], o que fora impulsionado pela virtualização do atendimento:

Acompanhando a tendência global de tecnologização da assistência jurídica, 90,3% dos membros da Defensoria Pública atualmente prestam atendimento ao público por via remota. Aplicativos de mensagem (78%), e-mail (68%) e aparelhos de telefonia celular (65,5%) foram os meios de comunicação apontados como os mais utilizados, superando a tradicional comunicação por telefone (49%), assim como os aplicativos que permitem a realização de videoconferência (40,9%).[26]

Outro exemplo prático de cumprimento da sexta onda renovatória de acesso à justiça é o projeto Assistência Legal e Visita Virtual no Sistema Prisional, da Defensoria do Estado do Maranhão, que possibilita aos reeducandos do sistema penitenciário o contato com familiares na forma de videoconferência, prestigiando a segurança, a dignidade humana e a comodidade aos serviços penitenciários.[27]

Por derradeiro, a sétima onda renovatória do acesso à justiça, que trata da desigualdade de gênero e raça nos sistemas de justiça. Note-se que o enfoque da referida onda é a proteção de grupos culturalmente vulnerabilizados por questão de raça e gênero. De pronto, já se verifica que tais grupos são o público alvo de proteção do trabalho da Defensoria Pública: seja por serem considerados necessitados juridicamente, na forma do art. 134 da CF/88 e à luz da jurisprudência dominante, seja pela expressa previsão do art. 4º, inciso IX, da LC 80/94, que diz ser função institucional da Defensoria Pública

exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado.

Como exemplo prático desta forma de atuação, mencione-se a existência de núcleos especializados de proteção à mulher vítima de violência doméstica no âmbito da Defensoria Públicas Estaduais, entre elas da do Estado do Piauí. O atendimento especializado ajuda no acolhimento e na celeridade na busca das medidas judiciais em favor da mulher vítima de violência doméstica. Ressalte-se que a Resolução nº 26/2012 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Piauí, em seu art. 1º, § 7º, permite o atendimento da Defensoria do Piauí sem a necessária comprovação de hipossuficiência financeira em casos de indivíduos considerados juridicamente vulneráveis (mulheres vítimas de violência doméstica inclusas), mais notadamente aqueles constantes do inciso XI do art. 4º da LC 80/94, supramencionado. Trata-se de louvável normativa institucional que prestigia o verdadeiro espírito da instituição, visando à defesa e promoção de direitos dos grupos sociais vulneráveis, conceituados no início do texto.

Exemplificando uma forma de proteção aos grupos étnicos e raciais, cumprindo a segunda parte da sétima onda renovatória, aponte-se o projeto Vozes dos Quilombos, também da Defensoria Pública do Piauí, recentemente premiado no CONADEP 2022. Segundo o site

O Projeto, desenvolvido pela Defensoria Pública do Estado do Piauí, que foi idealizado e é coordenado pela Defensora Pública Karla Andrade Leite, tem por objetivo é estreitar laços entre a Defensoria Pública e as Comunidades Quilombolas, garantindo uma atuação satisfatória e efetiva, atendendo as demandas e necessidades sociais das comunidades tradicionais, além de atuar como intermediador, junto aos gestores públicos, na integração de políticas públicas para essas Comunidades.[28]

Diante de todo o exposto e considerando que existem ainda inúmeras ações e projetos perpetuados pelas Defensorias que aqui não foram mencionadas, têm-se que a instituição está em plena evolução e conectada com as demandas do mundo hodierno - inclusive no cumprimento das chamadas 7 (sete) ondas renovatórias do acesso à justiça.

CONCLUSÃO:

O presente trabalho visou tratar da correlação entre as minorias e grupos vulneráveis, as ondas renovatórias de Cappelletti e Garth e a atuação das Defensorias Públicas no que concerne à efetivação do direito fundamental de acesso à justiça. Viu-se que, apesar de muitas características comuns, os conceitos de minoria e grupo vulnerável não se confundem, sendo estas as pessoas objeto de maior proteção pelos mecanismos e instituições que visam superar as barreiras ao acesso à justiça.

Ora, restou constatado que tais grupos são justamente os que enfrentam as maiores óbices para acessar e defender seus direitos perante a jurisdição estatal, sendo esta uma desproteção estrutural, conforme documentado nos estudos do Projeto de Florença. Não por outro motivo todas as ondas renovatórias de acesso à justiça possuem - direta ou indiretamente - influência incisiva na tentativa de promover a justiça em favor dos vulnerabilizados.

Ademais, constatou-se no presente estudo a relevantíssima atuação da Defensoria Pública como garantidora de direitos dos necessitados e de maior viabilizadora do acesso à justiça no ordenamento jurídico nacional. Supera-se a visão de que cabe à Defensoria tão somente levar os hipossuficientes econômicos à presença de um magistrado e nasce a concepção de que lhe compete, na verdade, a promoção dos direitos humanos numa perspectiva geral - assim como dita o art. 134 da Constituição Federal.

Dessa forma, conclui-se que a Defensoria, como instituição de Estado, muito bem evoluiu durante as últimas décadas, a ponto de cumprir todas as ondas renovatórias de acesso à justiça até então aduzidas. Nítido também é o alinhamento da atuação da instituição com os anseios nacionais e internacionais no que concerne ao tema. Trata-se, na verdade, de um dever de evolução frente às rápidas mudanças do mundo atual, característica peculiar da pós-modernidade em que se vive. Não se olvida reconhecer que sempre é possível avançar, mas certamente o que já fora construído é digno de nota e não se pode aceitar quaisquer retrocessos.

REFERÊNCIAS:

1. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. 8 ed. São Paulo: Gen-Método, 2021. p. 225.

2. MAIA, Luciano Mariz. Os Direitos das Minorias Étnicas. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lucianomaia/lmaia_minorias.html. Acesso em: 29 dez. 2022.

3. ONU. Resolução 47/137, de 18 de dezembro de 1992. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/discrimina/dec92.htm. Acesso em: 29 dez. 2022.

4. OIT. Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1989%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20Povos%20Ind%C3%ADgenas%20e%20Tribais%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20OIT%20n%20%C2%BA%20169.pdf. Acesso em: 23 dez. 2022.

5 BRASIL. DECRETO Nº 592, DE 6 DE JULHO DE 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 29 dez. 2022.

6. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Nothfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.

7. OLIVEIRA, Marcos Martins. Elementos internacionais para um modelo global de assistência jurídica. Nova York: Lawinter editions, 2022. p.19-20.

8. GLOBAL ACCESS TO JUSTICE PROJECT. Panorama Estrutural do Livro. 2021. Disponível em: http://globalaccesstojustice.com/book-outline/?lang=pt-br. Acesso em: 22 ago. 2021.

9. GLOBAL ACCESS TO JUSTICE PROJECT. Acesso à Justiça - Uma Nova Pesquisa Global. Disponível em: https://globalaccesstojustice.com/global-access-to-justice/?lang=pt-br. Acesso em: 29 dez. 2022.

10. GLOBAL ACCESS TO JUSTICE PROJECT. Estados Unidos da América. Disponível em: https://globalaccesstojustice.com/global-overview-united-states-of-america/?lang=pt-br#_ftnref1. Acesso em: 29 dez. 2022.

11. OEA. Resolución 2656/OEA, de 07.07.2011. Disponível em: http://www.oas.org/dil/esp/AG-RES_2656_XLI-O-11_esp.pdf. Acesso em: 11 jan. 2016.

12. BRASIL. Tema 607 de repercussão geral. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4362356&numeroProcesso=733433&classeProcesso=RE&numeroTema=607. Acesso em: 29 dez. 2022.

13. BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp80.htm. Acesso em: 29 dez. 2022.

14. DEFENSORIA PÚBLICA DO PIAUÍ. Projeto Defensores pela Conciliação inicia com significativo atendimento. 2016. Disponível em: http://www.defensoria.pi.def.br/projeto-defensores-pela-conciliacao-inicia-com-significativo-atendimento/. Acesso em: 29 dez. 2022.

15. OEA. Convenção Americana de Direitos Humanos. 1969. Disponível em https://www.cidh. oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 22 abr. 2021.

16. PRETI, Bruno del. Princípios institucionais da Defensoria Pública. Salvador-Ba: Juspodivm, 2021.

17. Corte Interamericana de Direitos Humanos. REGULAMENTO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Aprovado pela Corte no seu LXXXV Período Ordinário de Sessões celebrado de 16 a 28 de novembro de 2009. Disponível em https://www.corteidh.or.cr/sitios/reglamento/nov_2009_por.pdf. Acesso em: 22 abr. 2021.

18. CONDEGE. Pesquisa Nacional da Defensoria Pública (2021): 7. RECURSOS TECNOLÓGICOS: 7.1. ATENDIMENTO POR VIA REMOTA. 2021. Disponível em: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-nacional/. Acesso em: 13 out. 2021.

19. DEFENSORIA PÚBLICA DO MARANHÃO. Projeto pioneiro de assistência e visita virtual implantado pela DPE/MA e Depen será ampliado para todo Brasil. Disponível em: https://defensoria.ma.def.br/dpema/portal/noticias/7604/projeto-pioneiro-de-assistencia-e-visita-virtual-implantado-pela-dpema-e-depen-sera-ampliado-para-todo-brasil. Acesso em: 29 dez. 2022.

20. Defensoria Pública do Estado do Piauí. Projeto Vozes dos Quilombos é ovacionado pela plateia durante o Concurso de Práticas Exitosas do XV CONADEP. 2022. Disponível em: http://www.defensoria.pi.def.br/projeto-vozes-dos-quilombos-e-ovacionado-pela-plateia-durante-o-concurso-de-praticas-exitosas-do-xv-conadep/. Acesso em: 29 dez. 2022.

NOTAS DE REFERÊNCIAS:

Sobre o autor
Marcos Martins de Oliveira

Defensor Público do Estado do Piauí Professor Efetivo da Universidade Estadual do Piauí Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos Autor do livro: Elementos Internacionais para um Modelo Global de Assistência Jurídica. Lawinter Editions, Nova York - EUA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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