Acordo de leniência e o papel do controle interno

02/01/2023 às 15:55

A relevância do instituto jurídico do Acordo de Leniência juntamente com o papel do Sistema de Controle Interno.

Trata-se de um breve comentário sobre o importante instituto jurídico denominado de Acordo de Leniência e sua interface com o Controle Interno.

A lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção, dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Nesse sentido, os atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira são elencados no art. 5º da lei anticorrupção, vejamos:

Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:

I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;

II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;

III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

IV - no tocante a licitações e contratos:

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;

f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;

V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

§ 1º Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro.

§ 2º Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais.

§ 3º Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.

A lei anticorrupção instituiu a possibilidade de realização do chamado Acordo de Leniência com as pessoas jurídicas responsáveis que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, como bem demonstra o artigo 16 da lei citada.

Vale ressaltar que ao realizar o Acordo de Leniência, a pessoa jurídica envolvida obtém redução das sanções que possivelmente lhe seriam aplicadas, resultando em informações que ajudarão nas investigações inerentes ao caso concreto.

A responsabilização de empresas é mais uma arma no combate à corrupção, permitindo a punição, em outras esferas além da judicial, de pessoas jurídicas que corrompam agentes públicos, fraudem licitações e contratos ou dificultem atividade de investigação ou fiscalização de órgãos públicos, entre outras irregularidades.

Segundo regulamenta o art. 16 da lei nº 12.846/2013, o resultado dessa colaboração seria:

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;

II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;

III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

§2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.

§ 3º O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.

§ 4º O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.

§ 5º Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.

§ 6º A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.

§ 7º Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.

§ 8º Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.

§ 9º A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.

§ 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.

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Como vemos acima, o § 10 do art. 16 diz textualmente que a Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. Ademais, a CGU detém sua competência exclusiva para celebrar tais acordos.

Aliás, a CGU, é o órgão de controle interno do Governo Federal responsável pela defesa do patrimônio público e pelo incremento da transparência na gestão, por meio de ações de auditoria e fiscalização, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria.

A sua atuação se dá em todo o país para casos de corrupção e má gestão dos recursos públicos federais.

Ademais, o Controle Interno, é o ato de planejar, executar e controlar os recursos para atingir os objetivos da gestão. O Controle Interno na Administração Pública deve ser formado por servidores públicos de carreira, que tenham grande conhecimento sobre a gestão, administração e legislação.

A correta utilização do sistema de controle interno na administração pública é de extrema importância para a melhor aplicação dos recursos públicos pelos governantes em prol da população.

Nesse contexto, o Controle Interno exerce papel preponderante para a feitura e o bom andamento do Acordo de Leniência.

Com o acordo, as empresas podem ter as sanções isentas ou atenuadas - o que inclui a aplicação de multa e também a pena de inidoneidade (proibição de contratar com o poder público) - desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo.

O acordo é um instrumento sancionador negocial, celebrado com uma pessoa jurídica, que colabora, de livre e espontânea vontade, entregando informações e provas sobre os atos de corrupção de que tem conhecimento e sobre os quais assume a sua responsabilidade objetiva.

Destarte, a grande razão do instituto do Acordo de Leniência, como lecionou Benjamin Zymler e Laureano Dios: é estimular a colaboração daqueles envolvidos na prática de atos ilícitos de forma a identificar outros infratores e evitar a reiteração das condutas ilícitas (Lei Anticorrupção. Uma visão do Controle Externo Ed. Fórum, 2016).

Trata-se de importante instrumento de investigação apto a dotar as autoridades de informações relevantes sobre atos ilícitos que não necessariamente seriam obtidas sem a celebração dos acordos.

Nesse diapasão, como a CGU é órgão de Controle Interno, é necessário cada vez o seu aperfeiçoamento, aprimoramento, cada vez mais valorizando o seu capital intelectual, juntamente com sua estrutura administrativa, que servirá de base para replicação aos modelos das Controladorias estaduais e municipais.

É de bom alvitre destacar também o Acordo de Cooperação Técnica celebrados entre o Ministério Público Federal (MPF), Controladoria Geral da União (CGU), Advocacia Geral da União (AGU), Ministério da Justiça (MJ) e o Tribunal de Contas da União (TCU), em matéria de combate a corrupção no Brasil, especialmente no tocante aos Acordos de Leniência (https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/combate-a-corrupcao/acordo-leniencia/arquivos/ACTversofinalassinada11.pdf)

Destacamos também o Mandado de Segurança 35.435 Distrito Federal, que trata do tema trazido nesse artigo e que pontua claramente em vários momentos, vejamos alguns deles:

Nos últimos anos, o ordenamento jurídico pátrio assistiu a um verdadeiro espraiamento da figura dos acordos de Leniência Administrativa, em paralelo ao uso de institutos análogos na seara criminal. Esse movimento foi de certo modo influenciado por um esforço internacional de convergência na adoção de políticas judiciais e legislativas de combate à corrupção.

Os acordos de leniência configuram relevantes instrumentos de instrução probatória voltados ao fortalecimento de uma política de combate a infrações econômicas na desarticulação de ilícitos administrativos e criminais de natureza colusiva, isto é, que envolvem a atuação concertada de diversos agentes econômicos com o intuito de restringir a concorrência ou de fraudar as regras de processos de seleção pública.

Ressalta-se também, que a celebração do Acordo de Leniência, o prazo prescricional do ato ilícito previsto na lei anticorrupção é interrompido.

Outro ponto altamente importante é o caráter sigiloso da proposta de acordo, onde, os seus desdobramentos somente se tornarão públicos depois da celebração formal do mesmo, salvo, se a proponente autorizar a divulgação e tenha anuência da CGU.

Nesse contexto, o Acordo de Leniência veio em boa hora e momento para o âmbito do sistema legal nacional, pois tem sido bastante utilizado, pelas pessoas jurídicas envolvidas no âmbito nacional.

Por outro norte e por fim, também é necessário repisar que o Controle Interno é instrumento essencial para o bom andamento da administração pública.


Referências Bibliográficas

Lei nº 12.846, de 1º de Agosto de 2013. (Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm);

ZYMLER, Benjamim e DIOS Laureano. Lei Anticorrupção. Uma Visão do Controle Externo. Ed. Fórum. 2016).

Sobre o autor
Júlio Cesar Lopes Serpa

Advogado e Perito Contador; Doutor em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Tributário, Auditoria e Perícia Contábil; Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados Associados; Coordenador Jurídico da Controladoria Geral do Estado da Paraíba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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