Contribuição de Stephen Van Evera para os métodos e técnicas de pesquisa jurídica

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Apoiados na versão espanhola de um guia metodológico de Van Evera, apresentaremos uma contribuição do autor para os métodos e técnicas de pesquisa jurídica, indicando (1) o que este autor considera uma boa teoria e (2) cinco critérios para estudos de caso

Stephen Van Evera é uma referência para a Ciência Política norte-americana, professor e pesquisador do MIT (Massachusetts Institute of Technology), autor do clássico Guide to Methods for Students of Political Science, infelizmente ainda não traduzido para o português.

Apoiados na versão espanhola deste guia, nosso objetivo com este artigo é apresentarmos uma contribuição de Stephen Van Evera para os métodos e técnicas de pesquisa jurídica, apresentando (1) o que este autor considera uma boa teoria e (2) cinco critérios indicados pelo pesquisador para escolha de estudos de caso.

1. Uma boa teoria segundo Van Evera

De acordo com Van Evera, uma boa teoria deve possuir alguns atributos específicos. Assim, o autor indica sete atributos principais que determinam a qualidade de uma boa teoria. Por exemplo, um desses atributos corresponde à necessidade de uma boa teoria estar claramente estruturada, podendo ser testada ou aplicada em situações concretas. Outro atributo corresponde a tal teoria ter de ser, a princípio, falseável, podendo ser definidos os dados que a falseiem. Um terceiro atributo determina que uma boa teoria deve explicar fenômenos importantes. E um quarto atributo é a teoria possuir riqueza prescritiva, ao produzir recomendações políticas (ou, no nosso caso, jurídicas) úteis. Acreditamos, porém, que três desses sete atributos sejam especialmente interessantes para escolha de um aporte teórico em uma pesquisa jurídica, e trataremos desses atributos a seguir.

1) O primeiro atributo especialmente interessante a uma pesquisa jurídica é de que uma boa teoria deve ter um grande poder explicativo, com sua variável independente possuindo grande efeito sobre uma ampla variedade de fenômenos sob uma grande variedade de condições. Para o jurista, assim como para o cientista, serão três as características que determinarão este poder explicativo: importância (uma teoria importante delimita uma causa que tem um grande impacto, que gera uma grande variação na variável dependente), alcance explicativo (quanto mais ampla é a variedade de fenômenos, maior é o poder explicativo da teoria. A maior parte das teorias em Ciências Sociais - aí incluídas as Ciências Sociais aplicadas, entre as quais o Direito - tem um alcance muito reduzido, mas poucas jóias explicam muitos fenômenos diversos) e aplicabilidade (quanto mais predominam as causas e condições da teoria, maior é seu poder explicativo). 

2) O segundo atributo é de que boas teorias esclarecem simplificando. Portanto, uma boa teoria é parcimoniosa. Utiliza poucas variáveis organizadas em uma forma simples para explicar seus efeitos. Apesar disso, para garantir a parcimônia, freqüentemente se requer algum sacrifício do poder explicativo: se esse sacrifício for muito grande, se tornará inútil e, logo, podemos tolerar algo de complexidade, se a necessitamos para explicar o mundo.

3) Finalmente, uma boa teoria é "satisfatória", ou seja, satisfaz nossa curiosidade. Uma teoria não é satisfatória se faz perguntarmo-nos o que é que provoca a causa proposta pela teoria. Van Evera nos oferece este exemplo: um político explicou uma vez sua derrota em uma eleição do seguinte modo: não obtive votos suficientes! Isto é verdade, mas insatisfatório, pois queremos saber exatamente por que não obteve suficientes votos. Quanto mais distante se encontra uma causa de seu efeito proposto, mais satisfatória é a teoria.

 

 2. Critérios para escolhas de estudos de caso

Van Evera no capítulo 2 de seu Guia, intitulado na versão espanhola "¿Que Són Los Estúdios de Caso?", aponta que os praticantes dos estudos de casos não produziram catálogos compreensivos dos possíveis desenhos de investigação deste método nem uma lista compreensiva dos métodos para a seleção de casos. Assim, ele próprio elaborou uma lista de onze critérios que julgou úteis para a seleção de casos, lista esta que, segundo diz, não esgota as possibilidades lógicas, mas inclui tudo o que lhe pareceu concreto.

Argumenta o autor que, entre os onze critérios possíveis para a seleção de casos, estão os cinco critérios a seguir: selecionar casos que possuam a) riqueza de dados, b) valores extremos na variável independente, dependente ou condicional, c) teorias competidoras que permitem conjecturas divergentes acerca do caso, d) semelhança com casos atuais e e) capacidade de serem um bom caso para replicar testes prévios.

Antes de analisarmos a cada um desses critérios, é importante ressaltar que Van Evera indica que os pesquisadores devem selecionar os casos que melhor sirvam aos propósitos de suas investigações, que podem ser, entre outros, investigar teorias ou até mesmo criá-las. Outro aspecto importante é que, ao testar teorias, os pesquisadores devem selecionar casos que maximizem a força e o número de testes que lhes sejam permitidos que realize: a melhor seleção de casos é a que permite os testes mais fortes com o menor esforço possível de investigação.

Analisando o primeiro dos critérios que apontamos acima, em relação a se selecionar casos ricos em dados, este critério é interessante devido à justificativa de Van Evera de que aprendemos mais com estudos de caso que nos permitem respondermos mais perguntas sobre o caso. Quanto mais dados temos, mais perguntas nós podemos responder nesse sentido. Portanto, mais testes são possíveis e, por conseqüência, os casos ricos em dados são preferíveis, se o resto se mantiver igual.

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Em relação ao critério de selecionarmos casos com valores extremos (altos ou baixos) da variável dependente, independente ou condicional, este é excelente para testarmos uma teoria. Diz Van Evera que para construirmos uma teoria, selecionamos casos com valores extremos da variável que estamos estudando. Se estes valores são muito altos, suas causas (ou efeitos, se é o que se busca) deveriam estar presentes com uma abundância incomum e, por conseguinte, estas causas (ou efeitos) deverão se destacar claramente do resto das condições gerais do caso, o que as tornará mais fáceis de serem detectadas. Do mesmo modo, se os valores da variável que está sendo estudada são baixos de uma forma incomum, suas causas (ou efeitos) deverão resultar mais notáveis por sua ausência.

A respeito do terceiro critério que selecionamos acima, de que devemos selecionar casos acerca dos quais as teorias competidoras permitem conjecturas divergentes, trata-se de um método de seleção apropriado se estamos mais interessados em determinar o poder relativo de duas teorias que em encontrar uma teoria contra a hipótese nula. Para obtermos melhores resultados, devemos selecionar casos que permitam testar conjecturas que sejam únicas e precisas, além de opostas.

Sobre selecionarmos casos que possuam semelhança com casos atuais, Van Evera nos diz que uma teoria que se infere a partir de um caso que é similar a um segundo caso, ou que se testa com ele, poderá ser transferida com mais freqüência ao segundo caso, quer dizer, operará também nesta situação. Portanto, as prescrições políticas (ou jurídicas, segundo nossa proposta) deduzidas do primeiro caso, poderão aplicar-se mais seguramente ao segundo. Os investigadores interessados em oferecer prescrições políticas ou jurídicas deverão, portanto, estudar casos cujas características gerais sejam paralelas às características de problemas políticos ou juridicos atuais ou futuros.

Por fim, o critério de se selecionar um caso que seja bom para replicar testes prévios diz respeito ao fato de que um teste minucioso de uma teoria requer repetir os testes iniciais para corroborar seus resultados. Quando fazemos isso, escolhemos os casos por sua adequação, como em laboratórios nos quais recriamos as condições para testes prévios. Uma replicação pode ser exata, que repete precisamente o teste, ou inexata (quase replicação), que repete um teste com alguma alteração no desenho da investigação, mas com casos selecionados por meio dos mesmos critérios de seleção usados para eleger os casos cujos testes se deseja replicar.

Enfim, esperamos com este artigo uma pequena contribuição epistemológica para pesquisadores do Direito interessados em critérios para escolhas de aportes teóricos e de estudos de caso, visando realização de pesquisas jurídicas a partir de métodos e técnicas das Ciências Sociais aplicadas. Van Evera parte da Ciência Política, mas sua contribuição pode ser útil a um jurista que esteja buscando um aporte teórico para sua análise ou mesmo um estudo de caso para tratar de uma hipótese de pesquisa.

Referência bibliográfica

VAN EVERA, Stephen. Guia para Estudiantes de Ciência Política. Barcelona: Gedisa, 2002.

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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