BREVE ANÁLISE SOBRE A PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS NO CPP.

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Prevista no art. 366 do Código de Processo Penal, citado abaixo, a produção antecipada de provas é medida excepcional e deve ser fundamentada, nos termos do art. 93, IX, da CF/88 , vejamos:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. (grifo nosso).

Quanto ao tema, o Superior Tribunal de Justiça, assim já fixou seu entendimento, no tocante a necessidade de fundamentação, vejamos a súmula 455:

A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo. (grifo nosso)

Entendimento que deixa claro, que a simples menção ao decurso do tempo não é fundamento plausível para justificar a produção antecipada de provas. 

Quanto aos meios de provas, temos como exemplos: a prova testemunhal, a prova pericial, a prova documental, etc. Que segundo o doutrinador Paulo Rangel, os meios de prova são todos aqueles que o juiz, direta ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em lei ou não. Em outras palavras, é o caminho utilizado pelo magistrado para formar a sua convicção acerca dos fatos ou coisas que as partes alegam (1)  

No Brasil, dentre os meios de provas existentes, a mais comum de todas é a prova testemunhal, por consequência é a prova mais produzida antecipadamente, na forma do art. 366 do CPP. 

Apesar de já existir hipótese de oitiva antecipada de testemunhas, conforme o art. 225 do CPP:

Art. 225.  Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.

Quanto a este meio de prova, destacamos esta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TENTADO. RÉU FORAGIDO. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. TESTEMUNHAS POLICIAIS. ART. 366 DO CPP. SÚMULA 455 DO STJ. TEMPERAMENTO. RISCO DE PERECIMENTO DA PROVA. TEMPO E MEMÓRIA. JURISDIÇÃO PENAL E VERDADE. AFETAÇÃO DA MATÉRIA À TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Desconhecido o paradeiro do acusado após a sua citação por edital, pode o Juiz, fundamentadamente, determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes, visando a justamente resguardar a efetividade da prestação jurisdicional, comprometida com a busca da verdade, diante da possibilidade de perecimento da prova em razão do decurso do tempo.

2. (...)

3. (...)

4. Estudos recentes de Psicologia demonstram a ocorrência frequente do fenômeno psíquico denominado "falsa memória", em razão do qual a pessoa verdadeiramente acredita que viveu determinado fato, frequentemente distorcido, porém, por interpretações subjetivas, convergência de outras memórias e por sugestões externas, de sorte a interferirem no processo de resgate dos fatos testemunhados.

5. (...)

6. Este Superior Tribunal firmou o entendimento segundo o qual o simples argumento de que as testemunhas poderiam esquecer detalhes dos fatos com o decurso do tempo não autoriza a produção antecipada de provas, sendo indispensável fundamentá-la concretamente, sob pena de ofensa à garantia do devido processo legal. É que, muito embora tal esquecimento seja passível de concretização, não poderia ser utilizado como mera conjectura, desvinculado de elementos objetivamente deduzidos. Razão de ser da Súmula 455, do STJ e necessidade de seu temperamento na hipótese retratada nos autos.

7. A fundamentação da decisão que determina a produção antecipada de provas pode limitar-se a destacar a probabilidade de que, não havendo outros meios de prova disponíveis, as testemunhas, pela natureza de sua atuação profissional, marcada pelo contato diário com fatos criminosos que apresentam semelhanças em sua dinâmica, devem ser ouvidas com a possível urgência.

8. No caso sob análise, o Juízo singular, ao antecipar a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, salientou que, por ser a testemunha policial, sua oitiva deve realizar-se com urgência, pois "... o atuar constante no combate à criminalidade expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações conflituosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitude dos fatos, sem que isso configure violação à garantia da ampla defesa do acusado...".

9. A realização antecipada de provas não traz prejuízo ínsito à defesa, visto que, a par de o ato ser realizado na presença de defensor nomeado, nada impede que, retomado eventualmente o curso do processo com o comparecimento do réu, sejam produzidas provas que se julgarem úteis à defesa, não sendo vedada a repetição, se indispensável, da prova produzida antecipadamente.

10. Recurso em Habeas Corpus, afetado à Terceira Seção, desprovido.

(RHC n. 64.086/DF, relator Ministro Nefi Cordeiro, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 23/11/2016, DJe de 9/12/2016.) (grifo nosso). 

Nota-se, conforme a jurisprudência acima, que está justificado a produção antecipada de prova dos Policiais Militares por estarem mais sujeitos ao risco do perecimento da perda da memória em razão do tempo e da intensa rotina de trabalho. 

Porém, com a ressalva do caso acima, certo é que a produção antecipada de provas não pode aluir no subjetivismo. Sob pena de ferir o contraditório e ampla defesa. Independente de ser nomeado defensor para acompanhar o ato. 

Corroborando com esse entendimento, vejamos as brilhantes palavras do Ministro Cézar Peluso, quando no voto do HC 85824, 2ª Turma do STF, DJU de 22/08/2008, vejamos:

"Para o que penso, com o devido respeito, deva ser o entendimento correto do disposto no art. 366, caput, do Código de Processo Penal, há de sua nova redação, introduzida pela Lei n.Q 9.271/96, ser vista e interpretada à luz da norma constitucional inscrita no art. 5°, inc. LV, da qual aparece como inafastável conseqüência, dados estes termos peremptórios:

" aos ligantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

(...)

O argumento nevrálgico dos que defendem ou subentendem à prova testemunhal, na hipótese de que se cogita, essa urgência automática, capaz de lhe justificar sempre a colheita antecipada para fins de conservação, diz com as vicissitudes do transcurso do tempo, no sentido de que, como não há meios de prever quando nem se o réu ou seu defensor comparecerão ajuízo, teriam elas caráter de inexorável prejuízo à apuração da verdade processual.

Não convence. A prova testemunhal é, todos concordam, precária, decerto a mais precária das provas, mas é-o menos por força da distância temporal entre o fato e o testemunho em juízo do que pelas notórias e insuperáveis deficiências da capacidade humana de perceber, reter e relatar o passado com fidedignidade. O testemunho, posto que isento e insuspeito, nunca é reconstituição viva, nem sequer retrato da história, cujo distanciamento tende apenas a agravar-lhe a inata imperfeição. E é esta a razão mesma por que lhe não atribui a lei processual, como princípio, nenhuma precedência singular na ordem dos atos instrutórios. Se fora urgente por natureza, mandaria a lógica que antecedesse sempre à própria instauração do processo, despindo-se do cunho excepcional que tem na produção antecipada e na produção ad perpetuam rei memoriam."

Sendo de suma importância que o advogado criminalista, quando contratado para atuar no processo que estava suspenso pelas razões do art. 366 do CPP, observar se fora realizado alguma produção antecipada de provas, seus fundamentos e se fora obedecido os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa. 

Pois, certo é que, a urgência da prova testemunhal não decorre da sua natureza, mas das circunstâncias existentes em cada caso. Do contrário, a produção antecipada seria direito público subjetivo da acusação.

  1. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol. 1 Niterói: Impetus, 2011;


Sobre o autor
Arthur da Silva Fernandes Cantalice

Advogado criminalista. Contato: (83) 98748-1635

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