Uma análise do exercício do direito à educação no âmbito da educação básica no Contexto da Pandemia da Covid-19

18/01/2023 às 20:51
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Isabella Thalia da Costa Corrêa1

Bruno Marini2

SUMÁRIO: Introdução. 1 Teoria geral dos direitos humanos. 2 O direito à educação. 3 Direito à educação no contexto da pandemia da Covid-19. 3.1 Do contexto geral da pandemia do Covid-19. 3.2 Ensino remoto emergencial, educação básica e desafios enfrentados no brasil no contexto da crise sanitária. 4 Considerações finais. Referências.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo o estudo do direito à educação no âmbito da educação básica considerando os efeitos causados pela pandemia do Covid-19. O direito à educação, direito humano fundamental, é de suma importância ao exercício de institutos consagrados no ordenamento jurídico brasileiro, como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, que é também fundamento da República Federativa do Brasil. Contudo, o acesso democrático ao referido direito foi afetado, de maneira extensa, pela maior crise sanitária do século XXI, causada pelo vírus da Covid-19. Desta maneira, este trabalho se propõe a analisar tais efeitos, observados diante de uma perspectiva social e jurídica, com o objetivo de compreender a extensão destes, bem como analisar as medidas tomadas pelo Poder Público na tentativa de mitigar estes. Assim, tem-se como objetivos específicos: a) entender o direito à educação dentro da teoria geração dos direitos humanos, e como este evoluiu e está inserido no ordenamento jurídico brasileiro; b) examinar o contexto geral da pandemia do Covid-19; e, c) analisar, de maneira conjugada, os efeitos e consequências da situação pandêmica no exercício e acesso ao direito à educação. Quanto ao método, este é dedutivo, agrupado à abordagem quantitativa e qualitativa.

Palavras-chave: Direitos humanos. Direito à educação na pandemia. Educação básica.

ABSTRACT: The present work aims to analyze the right to education in the context of primary education, considering the effects caused by the Covid-19 pandemic. The right to education, a fundamental human right, is of paramount importance to the exercise of important pillars to the Brazilian legal system, such as, for example, the principle of human dignity, which is also the foundation of the Federative Republic of Brazil. However, democratic access to that right was extensively affected by the biggest health crisis of the 21st century, caused by the Covid-19 virus. In this way, this work proposes to analyze such effects, observed from a social and legal perspective, with the objective of understanding their extension, as well as analyzing the measures taken by the Government in an attempt to mitigate them. Thus, the specific objectives are: a) to understand the right to education within the generation theory of human rights, and how it has evolved in the Brazilian legal system; b) examine the general context of the Covid-19 pandemic; and, c) analyze, in a combined way, the effects, consequences and extent of the pandemic in the exercise and access to the right to education. As for the scientific methodology, it is the deductive reasoning, grouped with quantitative and qualitative research.

Key-words: Human rights. Right to education in pandemic. Primary education.

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019 a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre o surgimento de casos, na cidade de Wuhan, na China, de uma doença respiratória causada por uma cepa não identificada de coronavírus; pouco mais de 3 meses após o alerta, no dia 11 de março de 2020, a Covid-19 seria caracterizada como pandemia. Por ser uma doença com alto grau de contágio, o isolamento social tornou-se uma das mais importantes medidas sanitárias de prevenção à doença. Uma das consequências dessa nova necessidade de isolamento social foi o estabelecimento do Ensino Emergencial Remoto (ERE), e a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais.

Desta feita, por entender que a referida crise de saúde pública afetou, de maneira dura, diversos setores importantes ao funcionamento social, sendo a educação um destes, o presente trabalho não tem por escopo questionar a necessidade, ou não, do Ensino Remoto Emergencial, mas sim visa compreender como se deu o exercício do direito à educação, na educação básica à nível nacional, no período de pandemia, considerando-se o recorte temporal de 2020 a 2021, com o fim encontrar quais efeitos foram observados e qual a extensão destes, além de analisar algumas das medidas tomadas pelo Poder Público diante de tal emergência.

Salienta-se que a presente pesquisa encontra sua justificativa justamente na importância de se compreender as ramificações dos efeitos da pandemia da Covid-19 que vão além do sistema de saúde pública, sendo o enfoque do presente estudo a educação e o direito a esta.

Portanto, têm-se como objetivos: entender o direito à educação dentro da teoria geração dos direitos humanos, e como este evoluiu e está inserido no ordenamento jurídico brasileiro; examinar o contexto geral da pandemia do Covid-19; analisar, de maneira conjugada, os efeitos e consequências da situação pandêmica no exercício e acesso ao direito à educação.

Quanto ao método, será utilizado o método dedutivo, agrupado à abordagem qualitativa, quantitativa e caráter descritivo, partindo de uma análise de caráter geral da teoria dos direitos fundamentais e do direito à educação no ordenamento jurídico brasileiro para, desta feita, ser realizado o exame específico do exercício do direito à educação na perspectiva da pandemia do Covid-19, no período de 2020 a 2021. Quanto aos procedimentos, objetiva-se utilizar a pesquisa bibliográfica, em especial por meio de livros, artigos científicos; e a pesquisa documental, a partir da análise de normas jurídicas e dados estatísticos.

1 TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS

Antes de se iniciar, propriamente, a discussão sobre o tema do presente trabalho, é importante tecer algumas considerações teóricas pertinentes aos direitos humanos em geral. Conforme define Ramos (2021): “os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. [...] São os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna”.

Tais direitos, ainda nos termos de Ramos (2021) não podem ser limitados a um rol exaustivo de direitos essenciais a vida digna. Isto pois, como leciona Mbaya (1997), antes de serem escritos e positivados, seja em uma Constituição, uma Declaração, estes nascem no espírito do povo, pela forma dos “[...] movimentos sociais, de tensões históricas, de tendência insensível das mentalidades evoluindo para outra maneira de sentir e pensar”. (MBAYA, 1997). Salienta-se que “as necessidades humanas variam e, de acordo com o contexto histórico de uma época, novas demandas sociais são traduzidas juridicamente e inseridas nas listas de direitos humanos”. (RAMOS, 2021).

No que pese a impossibilidade de catalogação exaustiva dos direitos fundamentais, estes podem ser divididos e estudados, classicamente, em três gerações: primeira geração, compreendida pelas liberdades individuais; segunda geração, compreendida pelos direitos sociais; e, terceira geração, compreendida pelos direitos de solidariedade. Tal classificação foi criada pelo jurista francês Karel Vasak, no ano de 1979, como leciona Ramos (2021).

Sobre as gerações de direitos humanos, Filho (2011) as define como:

As três gerações, como o próprio termo gerações indica, são os grandes momentos de conscientização em que se reconhecem “famílias” de direitos. Estes têm assim características jurídicas comuns e peculiares. Ressalve-se, no entanto, que, no concernente à estrutura, há direitos que, embora reconhecidos num momento posterior, têm a que é a típica de direitos de outra geração. (FILHO, 2011).

Os direitos de primeira geração, nos termos de Mazzuoli (2021), são os direitos que compreendem as liberdades em latu sensu, possuindo como titular o indivíduo. Ramos (2021) explica que as liberdades individuais possuem por característica o fato de serem direitos que englobam prestações negativas; por este motivo, também são conhecidas como direitos de defesa, haja vista serem oponíveis ao Estado, que deve objetivar proteger a esfera de autonomia privada do titular desses direitos, o indivíduo.

As liberdades individuais, ainda segundo Ramos (2021), surgem no contexto das revoluções liberais do início do século XVIII, a exemplo da Revolução Francesa. Urge, neste cenário, a demanda de limitar a ação estatal e, como aponta Filho (2011), criar um governo de leis. Os direitos de primeira geração, assim, pautam os limites às ações do indivíduo, bem como buscam organizar a forma de exercício do poder do Estado, abrangendo, desta feita, os direitos civis e políticos, a citar: o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade etc.

Por seu turno, os direitos de segunda geração são compostos pelos direitos econômicos, sociais e culturais. Os referidos direitos surgem, conforme contextualiza Filho (2011), como resposta a um momento de grande concentração de riquezas na mão da classe burguesa, enquanto em contrapartida a classe trabalhadora se via em um momento de miséria, diretamente causado, também, pela inação do Estado. Segundo a doutrina de Ramos (2021), diante de tal conjuntura social e política, fez-se necessário para garantia dos direitos já consagrados formalmente, a mencionar os direitos de primeira geração, demandar um papel mais ativo do Estado, de modo a assegurar melhores condições de sobrevivência.

Assim, frente a esta nova concepção da maneira de ingerência do Estado, consoante bem coloca Filho (2011), os direitos de segunda geração, que assim como as liberdades individuais de primeira geração também possuem como titular o indivíduo, não podem ser considerados meros poderes de agir, mas sim verdadeiros poderes de exigir, da máquina estatal, “uma contraprestação sob a forma da prestação de um serviço” (FILHO, 2011).

A forma de garantir à coletividade o acesso aos direitos de segunda geração é através do serviço público. Nas palavras de Filho (2011):

A garantia que o Estado, como expressão da coletividade organizada, dá a esses direitos é a instituição dos serviços públicos a eles correspondentes. Trata-se de uma garantia institucional, portanto. Foi aliás a obrigação de atender a esses direitos que ditou a expansão dos serviços públicos, dos anos vinte para frente. (FILHO, 2011).

A segunda geração de direitos compreende: o direito à seguridade social, ao trabalho, à associação sindical, à saúde, ao repouso, ao lazer, à vida cultural, e, também, o direito à educação, tema central do presente artigo.

Por fim, a terceira geração de direito compreende direito como o direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito à autodeterminação e, principalmente, direito ao meio-ambiente. Conforme ensina Ramos (2021), tais direitos, de forma oposta às gerações anteriores, são de titularidade da coletividade, e surgiram como construção da doutrina internacional; ressalta-se que, para Filho (2011), o fundamento de existência dos direitos de terceira geração é a solidariedade entre os povos, razão pela qual são conhecidos como direitos de solidariedade.

Importante mencionar, de maneira breve, que há discussões sobre a possibilidade de existência de outras gerações de direitos humanos. Contudo, o tema não é pacificado, existindo divergência tanto no que tange a existências destas, quanto aos direitos que seriam abrangidos por estas.

No que pese cada geração de direitos fundamentais possuir características intrínsecas aos direitos que lhe são pertencentes, é importante frisar que existem características que são comuns aos direitos humanos em geral, que, segundo Ramos (2021), são elas: 1) a universalidade, que consiste na atribuição de tais direitos a todos os seres humanos, independendo de qualquer outra qualidade; 2) indivisibilidade, interdependência e unidade, que consiste na proteção igualitária a todos os direitos humanos; salienta-se que, além da faceta da proteção, tal característica também compreende a ideia de que não é possível assegurar apenas uma parcela dos direitos humanos; 3) não exauribilidade, que reconhece que os direitos reconhecidos, seja na Constituição, tratados ou declarações, são meramente exemplificativos, existindo, sempre, a possibilidade de ampliação do rol de direitos de modo a assegurar uma vida digna; e, 4) imprescritibilidade, inalienabilidade e indisponibilidade, características estas que consistem na ideia de que: os direitos humanos não se perdem e não são afetados pela passagem do tempo, sendo estes impassíveis de serem avaliados em e atribuídos valores pecuniários, bem como de que seus titulares não podem deles dispor.

Cabe citar outra importante característica dos direitos humanos: a historicidade. Conforme leciona Mazzuoli (2021), os direitos humanos são históricos por serem direitos que se constroem com a passagem do tempo. Frisa-se que é tal característica que, inclusive, justifica o presente trabalho, conforme abordado à frente.

Feitas estas considerações, outra distinção significativa a ser realizada diz respeito a diferença entre as expressões direitos humanos e direitos fundamentais, distinção importante para o presente trabalho. Desta maneira, veja-se o que Ramos (2021) leciona sobre o assunto:

Inicialmente, a doutrina tende a reconhecer que os “direitos humanos” servem para definir os direitos estabelecidos pelo Direito Internacional em tratados e demais normas internacionais sobre a matéria, enquanto a expressão “direitos fundamentais” delimitaria aqueles direitos reconhecidos e positivados pelo Direito Constitucional de um Estado específico. (RAMOS, 2021).

Todavia, imperioso esclarecer que, no que concerne à Constituição Federal de 1988, esta utiliza de vários termos para referir-se a tais direitos: por ora, menciona direitos humanos; outrora, fala em direitos e garantias fundamentais, ou, até mesmo, em direitos fundamentais da pessoa humana; tais direitos são classificados pelo Estatuto Fundamental Brasileiro em: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos; e, partidos políticos, como aponta Ramos (2021). Faz-se mister frisar que o direito à educação é direito humano pertencente ao rol dos direitos sociais

Desta maneira, feitos os apontamentos gerais sobre os direitos humanos, passa-se a examinar o direito à educação e sua evolução histórico-social.

2 DO DIREITO À EDUCAÇÃO

O direito à educação, como já mencionado em linhas pretéritas, cuida de direito pertencente à categoria dos direitos sociais. Não se questiona, ademais, sua classificação como direito fundamental, pois trata-se de direito com fundamento constitucional, previsto – em caráter geral – nos artigos 6º e 205 da Constituição Federal de 1988, veja-se:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[...]

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Como todo e qualquer direito fundamental, o direito à educação é diretamente influenciado pelo conjunto de fatores históricos e sociais sob o qual está inserido. Sua análise deve ser feita, desta maneira, sob a ótica dos fenômenos histórico-sociais que exercem influência em tal direito, os que implicam em alterações no exercício e acesso a este, sejam estas alterações diretas ou indiretas.

Nesse prisma, torna-se imperioso, para cumprir-se com os objetivos propostos pelo presente trabalho, examinar a evolução histórica do direito à educação de maneira geral, bem como observar como esse está inserido no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, ressalta-se que, inicialmente, a educação é concebida numa perspectiva totalmente voltada ao seio familiar, única instituição responsável pelos ensinamentos necessários, não havendo que se falar em responsabilidade do Estado. Contudo, a partir da evolução das relações humanas, a entidade familiar deixa de ser suficiente. Veja-se o que disserta Oliveira (2021) sobre o assunto:

No início dos primórdios a educação era voltada ao seio familiar, ou seja, as experiências de desenvolvimento humano, culturais e conhecimentos importantes para a manutenção da vida, relacionavam-se por meio da reprodução transmitida de geração em geração, sendo produzida de forma espontânea, não apresentando um processo sistemático. Nesse sentido, não havia uma entidade responsável pelo ensino das pessoas, no entanto, no decorrer do desenvolvimento da sociedade a instituição familiar deixou de ser suficiente na disseminação da cultura, e só as experiências vivenciadas no seio da família tornaram-se insuficientes, surgindo assim às instituições educacionais, objetivando complementar e fortalecer esse processo de desenvolvimento do ser humano, apresentando um ensino sistemático formal institucional (OLIVEIRA, 2021).

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Percebe-se da leitura do art. 205 da Constituição Federal que o Estado Brasileiro ainda concebe a educação como direito que não é de responsabilidade única e exclusiva do Estado, mas que deve ser promovido de forma concorrente com a família e sociedade em geral, não abandonando a perspectiva do seio familiar na concepção do direito à educação.

Na Idade Média, ainda segundo Oliveira (2021), a educação passa a ser realizada pela Igreja: o ensino era de cunho religioso, ocorria nos mosteiros e era oferecida de maneira exclusiva a parcela da população detentora do poder econômico, sendo que somente começa a ser efetivamente tratada como importante ferramenta à vida humana no período do iluminismo. Assim, conforme Gorczevsk (2006):

É nesse momento, de grandes transformações, que a educação vai ocupar papel de destaque no interesse e na preocupação de intelectuais e políticos que passam a considerá-la como a ferramenta única para se transformar a natureza humana no sujeito exigido pelos novos tempos. Os iluministas depositam na educação boa parte da sua esperança na construção de um mundo novo (GORCZEVSK, 2006)

No contexto da história e ordenamento jurídico brasileiro, a primeira Constituição Brasileira, a Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, traz em seu artigo 179, que:

Art. 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte:

[...]

XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.

XXXIII. Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes. (BRASIL, 1824)

Nos termos de Cattani e Terra (2017), a Constituição Imperial foi outorgada por D. Pedro I de acordo com o “ideário liberal emergente na época, ao assegurar os direitos de primeira geração, tanto os de liberdade, quanto os de igualdade” (CATTANI E TERRA, 2017). Desta feita, mesmo que os direitos sociais estejam referidos, não eram estes a prioridade da referida Carta Magna. Ademais, como ensina Ghiraldelli Jr. (2009), no que pese a consolidação a nível constitucional do direito à educação, e a concepção de um sistema nacional de educação, na realidade prática o mencionado direito não possuía muita eficácia, não havendo qualquer integralização ou uniformização do ensino entre o governo central do país e as províncias.

Já na Era Republicana, importante destacar que, como bem colocam os autores Luna e Oliveira (2018), apesar da mudança pertinente à forma de Estado e Governo, não existem grandes diferenças ideológicas em relação a Constituição Imperial e a Constituição de 1891. Contudo, apesar de ambas estarem alicerçadas em ideais liberais, a Constituição de 1891 apresenta certo nível de retrocesso no que tange ao direito à educação, a partir da retirada da obrigação do Estado de oferecer o ensino primário. Nesse sentido é que dissertam Cattani e Terra (2017):

Os constituintes de 1891 estavam motivados pelo liberalismo ortodoxo já superado em outros países. Houve, então, um considerável retrocesso na seara educacional, quando a assembleia retirou do Estado a obrigação de oferecer educação primária, constante da Constituição de 1824. (CATTANI E TERRA, 2017).

Por seu turno, a Constituição de 1934, ainda conforme os autores Cattani e Terra (2017), inova ao inaugurar o Estado Social de Direito; bem como, diferentemente de suas antecessoras, dedica-se a positivar direitos sociais, consagrando-se como uma das primeiras a dedicar capítulo exclusivo à educação, estabelecendo esta como direito de todos e dever da família e do Poder Público:

Art. 148. Cabe à União, aos Estados e aos Municipios favorecer e animar o desenvolvimento das sciencias, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objectos de interesse historico e o patrimonio artistico do paiz, bem como prestar assistencia ao trabalhador intellectual.

[...]

Art. 149. A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela familia e pelos poderes publicos, cumprindo a estes proporcional a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no paiz, de modo que possibilite efficientes factores da vida moral e economica da Nação, e desenvolva num espirito brasileiro a consciencia da solidariedade humana. (BRASIL, 1934)

Salienta-se que a Constituição de 1934 teve, como grande influência de seu texto, a Constituição do México, de 1917, a Constituição Russa, de 1919, e a Constituição de Weimar, de 1919, como apontam Luna e Oliveira (2018). Segundo Pinheiro (2006), os textos constitucionais mexicano e alemão marcam a “inicialidade do constitucionalismo social” (PINHEIRO, 2006).

Todavia, a Carta Magna de 1934 não vigorou por muito tempo: em 10 de novembro de 1937, durante o Estado Novo, na Era Vargas, fora outorgada nova Constituição, produto de um regime autoritário. O Estatuto Fundamental de 1937 representou, na área do direito à educação enorme retrocesso: este eximiu o Estado da responsabilidade quanto a educação, atribuindo-lhe papel subsidiário, e condicionando a gratuidade do ensino a comprovação de escassez de recursos:

Art. 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular.

[...]

Art. 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar. (BRASIL, 1937)

Sobre o tema, Ghiraldelli Jr. (2009):

O Estado Novo praticamente abriu mão de sua responsabilidade para com a educação pública por meio de sua legislação máxima, assumindo apenas um papel subsidiário em relação ao ensino. O ordenamento democratizante alcançado em 1934, quando a letra da lei determinou a educação como direito de todos e obrigação dos poderes públicos, foi substituído por um texto que desobrigou o Estado de manter e expandir o ensino público. Também a gratuidade do ensino, conseguida na Carta de 1934, ficou maculada na Constituição de 1937 [...] (GHIRALDELLI JR., 2009)

No período da redemocratização, a Constituição de 1946 manteve os princípios estabelecidos pela Constituição de 1934. Nos termos de Cattani e Terra (2017), esta foi promulgada inspirada por uma base ideológica heterogênea e no ideário liberal democrático, possuindo por referência a Carta de 1934. Consoante Luna e Oliveira (2018):

O retorno à democracia foi considerado marco para a nova constituição. No texto constitucional, a educação foi definida como um direito de todos, baseada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. [...] Diferentemente da constituição anterior, a liberdade das ciências, das letras e das artes foi garantida pela Carta de 1946, assim como o compromisso do Estado de incentivar a cultura. (LUNA E OLIVEIRA, 2018).

Igualmente a Constituição de 1934, a Constituição de 1946 também foi sucedida por um Estatuto Fundamental produto de um regime autoritário; isto pois, em 31 de março de 1964 iniciou-se no Brasil uma ditadura civil-militar, período este marcado pela supressão de diversos direitos e garantias fundamentais, em especial no que concerne aos direitos civis e políticos.

Conforme Cattani e Terra (2017), a Constituição de 1967 estava “fundamentada na “Doutrina da Segurança Nacional [...]. A respeito da educação, o documento foi reconhecido por enfatizar demasiadamente o caráter cívico e mitigar a liberdade de pensamento e expressão nos estabelecimentos de ensino” (CATTANI E TERRA, 2017). Salienta-se que a Carta de 1967, a despeito de ter mantido a estrutura educacional nacional, limitou a liberdade acadêmica, diminuiu o percentual de receitas previstas ao ensino e deu preferência ao ensino privado. Contudo, ainda nos termos dos autores Cattani e Terra (2017), a Constituição de 1967 garantiu a obrigatoriedade do ensino primário e a liberdade de cátedra dos docentes.

Após o novo processo de redemocratização, contudo, o constituinte da Carta Constitucional de 1988 optou por seguir a mesma linha de raciocínio já observada em constituições anteriores, ao estabelecer, em seu artigo 205, a educação como direito de todos e dever da família e do Estado, conforme se observa da leitura do mencionado dispositivo legal, já retro transcrito.

Pontua-se que a proteção a nível constitucional da educação justifica-se pela importância de tal direito ao exercício da cidadania, como ensina Cury (2002) ao afirmar que à educação é “espaço fundante da cidadania [...] indispensável para políticas que visam à participação de todos nos espaços sociais e políticos [...]”, e do papel transformador da realidade da educação como prática de liberdade, conforme Freire (2021). Ademais, a positivação dos direitos fundamentais é, conforme os ensinamentos de Mendes e Branco (2021), núcleo essencial de proteção à dignidade da pessoa humana, princípio estrutural da República Federativa do Brasil.

Além da importância teórica das considerações feitas, forçoso reconhecer a influência das forças sociais sobre o direito à educação, como demonstrado pela breve análise da evolução histórica deste, não só em sua forma positivada, mas também na realidade prática. Isto pois, não somente o direito à educação, mas os direitos fundamentais como um todo são produtos de um processo dialético e dinâmico de construções históricas e jurídicas: é a característica da historicidade dos direitos humanos, já mencionada no presente trabalho. Nesse sentido, para Bobbio (2004):

Do ponto de vista teórico, sempre defendi—e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos—que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdade contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 2004)

Desta feita, não poderia se conceber o estudo de como se deu o exercício do direito à educação considerando-se os efeitos percebidos da pandemia da Covid-19 sem pensar a evolução histórica do direito à educação. Isto pois, como pretende demonstrar ao decorrer da presente pesquisa, mais do que nunca, dentro deste cenário de crise que se instalou, a colaboração entre Estado e família foi de suma importante para a continuidade do ensino e acesso ao direito à educação.

Superadas, então, as considerações teóricas a respeito da história do direito à educação, passa-se a analisar o direito à educação no contexto da pandemia de 2020 a 2021.

3 DIREITO À EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19

Conforme já constatado algumas vezes no decorrer do presente trabalho, o direito à educação, por se tratar de direito fundamental, é diretamente influenciado pelo contexto histórico-social que está inserido. Indispensável ao estudá-lo, considerar e compreender os efeitos de uma das maiores crises sanitárias enfrentadas pela humanidade, em especial durante o século XXI: a pandemia do Covid-19.

3.1 DO CONTEXTO GERAL DA PANDEMIA DA COVID-19

No ano de 2019, durante o mês de dezembro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi alertada sobre diversos casos de uma doença respiratória causada por uma cepa não identificada de coronavírus. Pouco mais de 3 meses após o alerta, no dia 11 de março de 2020, a Covid-19 foi caracterizada como pandemia.

Os efeitos são, no geral, devastadores; não somente no que pertine ao sistema educacional, mas em todos os ramos da sociedade. Segundo dados fornecidos pelo Our World in Data, o número de óbitos, globalmente, na data de 30 de setembro de 2022, é de 6,54 milhões; no Brasil, os números chegam a 686 mil mortos (RITCHIE, et at., 2020).

Diante do alto grau de contágio do vírus da covid-19, o SARs-CoV-2, bem como a possibilidade de colapso do sistema de saúde, urge, neste contexto, a necessidade de frear o avanço da doença, com a contenção do vírus; o isolamento social, os lockdowns tornaram-se, assim, importantes medidas sanitárias de prevenção à doença. Uma das consequências dessa nova necessidade de isolamento social foi o estabelecimento do Ensino Remoto Emergencial (ERE), e a substituição das aulas presenciais por aulas e atividades educacionais nos meios digitais.

3.2 ENSINO REMOTO EMERGENCIAL, EDUCAÇÃO BÁSICA E DESAFIOS ENFRENTADOS NO BRASIL NO CONTEXTO DA CRISE SANITÁRIA

O Ensino Remoto Emergencial (ERE) de acordo com Hodges et al., (2020), pode ser definido como uma medida alternativa e temporária de ensino a ser ministrada durantes períodos de crise, a citar a pandemia da covid-19. Ainda nos termos dos referidos autores, este envolve o uso de metodologias de ensino remotas, utilizadas para ministrar conteúdos que seriam, por ora, ministrados face a face ou em cursos híbridos, sempre com o objetivo de retornar ao formato inicialmente planejado a partir do momento que a crise e/ou emergência estiver sob controle.

Como apontam os autores, o Ensino Remoto Emergencial não possui por objetivo uma alteração no formato de ensino à longo prazo, mas procura prover um acesso temporário à instrução e ensino de uma maneira que rápida de configurar e que esteja disponível, de maneira confiável, no momento em que uma emergência ou crise surjam.

Em 2020, no contexto pandêmico no Brasil, conforme orientações do Ministério da Educação, as aulas, até então presenciais, deveriam ser substituídas, da educação básica ao ensino superior, por atividades não presenciais e encontros através das tecnologias da informação (TICs), através do Ensino Remoto Emergencial.

A portaria nº. 343/2020 do MEC, de 17 de março de 2020, foi a primeira norma a dispor sobre o Ensino Remoto no Ensino Superior após a caracterização do Covid-19, pela OMS, como pandemia:

Art. 1º Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017.

[...]

Art. 2º Alternativamente à autorização de que trata o art. 1º, as instituições de educação superior poderão suspender as atividades acadêmicas presenciais pelo mesmo prazo. (BRASIL, 2020).

A responsabilidade de organização da substituição das aulas presenciais por aulas remotas no âmbito da educação básica, recorte principal deste trabalho. Recaiu aos Estados e Municípios, a partir da emissão de resoluções e/ou pareceres para instituições de ensino pertencentes aos seus respectivos sistemas institucionais, conforme Parecer n. º 5/2020 do Conselho Nacional de Educação.

Em que pese a importância da substituição do ensino presencial pelo Ensino Remoto Emergencial, haja vista necessidade de preservação da saúde e da vida, imperioso reconhecer que tal substituição não parece levar em conta diversos fatores: o acesso à internet de qualidade e as tecnologias necessárias à participação nos encontros virtuais. Nas palavras de Hage e Sena (2021):

Diante da naturalização do ensino remoto como única alternativa a ser utilizada nos sistemas de ensino neste período pandêmico, temos assistido a um intenso processo de negligência com a formação/escolarização dos estudantes. Redes de ensino públicas e escolas privadas adotaram medidas diversas que não levam em conta fatores como a falta de acesso e as condições precárias de conexão com a internet; a inapropriação pedagógica dos dispositivos disponíveis pelos estudantes e professores, como a exemplo do celular; bem como, as questões de saúde, socioeconômicas e psicológicas decorrentes do contexto pandêmico. (HAGE e SENA, 2021)

Na educação básica, de acordo com dados do IBGE (2021), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, com base em dados do período de março de 2020 a maio de 2021, o Brasil é o segundo colocado na lista de países com o maior número de suspensão das aulas presenciais, com um total de 190 dias.

Ainda segundo o Instituto, dentre os 92,2% de alunos da faixa etária de 6 a 17 anos, 88,6% contavam com aulas online, deveres, estudo dirigido etc., enquanto 10,8% sequer tiveram atividades disponibilizadas; salienta-se que a grande maioria era pertencente à rede pública de ensino.

FONTE: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios COVID-19.

Como se pode observar na figura acima, o estabelecimento do Ensino Remoto Emergencial não encontra problemas apenas quando se compara a Rede Pública com a Rede Privada, mas também quando se compara as diferentes unidades da federação; isto pois, consoante IBGE (2021), devem ser levadas em conta as diferentes internas entre cada sistema de ensino, densidade populacional, infraestrutura de comunicação e de transporte, vulnerabilidade socioeconômica da população etc.

Salienta-se que, de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE, realizada pelo IBGE em 2019, dentre os estudantes de 15 a 17 anos da rede pública, 85,3% possuíam acesso à Internet em seus domicílios; todavia, somente 50,4% possuíam acesso a um computador ou notebook em casa. Na rede privada, os números chegam a 98,9% para acesso à Internet, e 91% para acesso a um computador ou notebook em casa (IBGE, 2021).

Assim, no ano de 2019, ano anterior ao início da pandemia da Covid-19, independentemente da rede de ensino, somente 54% dos estudantes possuíam acesso simultâneo a Internet e computador.

FONTE: IBGE, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019.

Como apontam Hage e Sena (2021), “a igualdade de acesso ao sistema escolar geralmente é a primeira meta dos sistemas públicos de ensino que buscam a universalização da educação”. A disparidade de acesso à internet e computadores ou notebooks em casa entre alunos da rede pública e da rede privada foi observada, como já apontado anteriormente, no anterior à pandemia da Covid-19; quando se considera um contexto de crise, o amplo acesso ao direito à educação torna-se uma realidade ainda mais distante, ainda segundo os mencionados autores.

Ainda que tais números sejam extremamente importantes, ressalta-se que estes refletem o ano de 2019, anterior a pandemia, e que medidas de apoio tecnológico foram adotadas visando dar continuidade ao ensino durante o período de suspensão das atividades presenciais. Segundo dados de pesquisa elaborada pelo INEP (2022), que teve como objetivo identificar a resposta educacional à pandemia da Covid-19 no Brasil e foi respondida por um total de 168.739 mil escolas, sendo 134.606 mil da rede pública e 34.133 mil da rede privada: 92,12% por cento das escolas estaduais brasileiras, e 77,1 das municipais disponibilizaram a seus alunos manutenção de canal de comunicação com a escola; 93,9% das estaduais, e 82,32% das municipais, proporcionaram canal de comunicação direto com os docentes; 21,2% das estaduais e 2,5% das municipais forneceram acesso gratuito ou subsidiado à internet; e, 22,64% das estaduais e 4,33% das municipais disponibilizaram equipamentos para uso do aluno.

É fundamental esclarecer que o apoio tecnológico, por si só, não facilita o acesso ao direito à educação no cenário analisado, qual seja a pandemia. A instauração do Ensino Remoto Emergencial traz consigo dificuldades atípicas: há de se citar a questão da privacidade, e o fato de que às linhas que dividem o ambiente caseiro do ambiente escolar ficam cada vez menos claras; menciona-se, também, o papel que pais e responsáveis passam a ser incumbidos de assumir, o de auxiliar, ensinar, apoiar etc., papel este que, em condições típicas é desempenhado por profissionais da educação preparados para tanto.

Por derradeiro, a continuidade do ensino depende diretamente da elaboração de atividades possíveis de serem realizadas nestas condições, bem como torna-se primordial o oferecimento de outros tipos de apoio a discentes e seus respectivos responsáveis. Desta feita, consoante dados da já mencionada pesquisa do INEP (2022), 95,31% das escolas estaduais e 94,13% das municipais disponibilizaram materiais de ensino-aprendizados em forma impressa; 84,99% das estaduais e 58,62% das municipais realizaram testes e avaliações periódicas pela internet/e ou com devolução de material físico; 77,16% das estaduais e 55,27% das municipais ofereceram atendimento virtual ou presencial com alunos, pais e/ou responsáveis; 68,82% das escolas estaduais e 50,26% das escolas municipais ofereceram suporte a pais e alunos para elaboração de plano de estudo; 63,3% das estaduais e 27,4% das municipais realizaram aulas síncronas mediadas pela internet com possibilidade de interação entre aluno e professor; e, 43,82% das estaduais e 18,14% das municipais realizaram treinamento, juntamente com pais e alunos, para uso dos materiais de ensino não-presencial.

Além das mencionadas medidas de apoio, as escolas monitoraram a participação dos alunos nas atividades desenvolvidas no período de suspensão das aulas presenciais. Veja-se o gráfico abaixo com dados do INEP (2022), sendo (1) para “recolhimento de atividades pedagógicas realizadas pelos alunos”, (2) para “comunicação do professor com os alunos, seus pais ou responsáveis”, (3) para “relatórios de acesso à plataforma virtual”, (4) para “lista de presença eletrônica” e (5) para “não houve monitoramento da participação dos alunos”:

Percebe-se que a maioria das escolas que responderam a pesquisa acompanharam as atividades desenvolvidas por seus discentes, sendo o percentual de escolas que não monitoraram a situação extremamente baixo. Não obstante, forçoso reconhecer que, apesar das medidas positivas realizadas pelo Poder Público para que o acesso ao direito à educação fosse minimamente afetado pela crise da Covid-19, estragos foram causados ao sistema educacional.

Consoante pesquisa qualitativa divulgada pelo Instituto DataSenado (2022), realizada por meio de 15 grupos focais nas cidades de Brasília (DF), Curitiba (PR), Salvador (BA), São Paulo (SP) e Manaus (AM) no período de 2 a 14 de dezembro, com grupos mistos pertencentes à classe C com filhos em idade escolar, os maiores impactos percebidos foram: a) em casa, sendo que os pais relataram ter sentido “que a responsabilidade pelo ensino tenha sido inteiramente repassada para eles, deixando com a escola o papel secundário de apenas acompanhar a realização das tarefas.” (INSTITUTO DATASENADO, 2022); no ensino, de forma que a percepção da maioria é de os anos de 2020 e 2021 foram anos perdidos para a educação; c) na sociabilidade, com efeitos negativos no emocional das crianças e adolescentes.

Os participantes também foram questionados quanto às barreiras ao processo de aprendizado, sendo que, segundo DataSenado (2022), para a maioria o maior obstáculo teria sido a falta de estrutura e equipamentos adequados para o Ensino Remoto Emergencial, o que corrobora os dados já colacionados; bem como, cita-se a ineficácia do meio online, em especial no que concerne “[...] as crianças mais novas. Segundo os pais, elas não têm ainda capacidade de concentração suficiente para ficar muito tempo focadas na tela do celular ou televisão para a absorção do conteúdo pedagógico” (INSTITUTO DATASENADO, 2022).

Imperioso, então, passar-se a pensar nas estratégias e políticas públicas a serem criadas com o objetivo de manejar-se e mitigar os efeitos da covid-19 na educação. Faz-se referência, portanto, ao PL n.º 3520, aprovado pela Comissão de Educação (CE) e que atualmente aguarda deliberação da Câmara dos Deputados.

O texto inicial do projeto de lei visa “A implementação das ações decorrentes do plano de que trata esta Lei serão adotadas com base na colaboração entre os entes da Federação, de forma a assegurar o alinhamento e a harmonia entre as iniciativas do Poder Público” (BRASIL, 2021). O PL busca, desta maneira, a colaboração entre os entes da federação, acolhimento social e emocional aos estudantes e profissionais da educação, o mapeamento dos objetivos de aprendizagem não trabalhados adequadamente, e, principalmente, “garantir a igualdade de oportunidades educacionais no contexto da pandemia de Covid-19” (BRASIL, 2021).

Por fim, é importante mencionar que, apesar do exposto, a pandemia somente acentuou uma crise na educação já existente há muito tempo. Nas palavras de Eyng et al., (2021):

Os contextos desiguais acentuaram a fragilidade da democratização do conhecimento ao romper-se o vínculo físico com a escola Alguns abismos tornaram-se ainda mais fundos, como o do acesso aos bens culturais e simbólicos, que refletiram a grande desigualdade já presente nas múltiplas realidades. (EYNG et al., 2021)

Desta feita, como já afirmado no presente trabalho, a educação, direito humano fundamental, representa espaço fundante da cidadania e é extremamente importante como pilar do princípio da dignidade da pessoa humana. Há de se pensar, então, diante dos erros e acertos, o papel da escola e da educação, como este vinha sendo desempenhado e como este o é, hoje, no contexto do pós-pandemia, pois tais considerações são importantes, diante do processo dialético pelo qual os direitos fundamentais se submetem, para a democratização do direito à educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou compreender como se deu a continuidade da educação, em território nacional, no âmbito da educação básica, durante a maior crise sanitária do século XXI: a pandemia de Covid-19.

Para isto, inicialmente fora abordada a teoria geral dos direitos humanos, na tentativa de se compreender o direito à educação quando considerado como verdadeiro direito social que é, bem como buscou-se entender como este evoluiu dentro do ordenamento jurídico brasileiro até chegar-se a concepção hoje consagrada pela Constituição Federal de 1988.

Ademais, para chegar-se ao objetivo proposto, descreveu-se, em termos gerais, a crise sanitária da Covid-19, considerada entre os anos de 2020 a 2021, de modo a propiciar a compreensão do quadro emergencial que levou ao isolamento social, aos lockdowns e a necessidade de implemento do Ensino Remoto Emergencial (ERE) para acesso ao ensino e a instrução formal.

Diante de tais apontamentos, foi possível observar, através da pesquisa bibliográfica e documental, as dificuldades encontradas pelo sistema de ensino brasileiro no que tange ao Ensino Remoto Emergencial. Isto pois, verifica-se que o Ensino Remoto Emergencial depende de uma série de condições: o acesso à internet e a equipamentos tecnológicos; acesso este que não é igualitário, tanto em termos de diferentes unidades da Federação, quanto no que pertine à rede de ensino estadual e municipal. Imperioso mencionar, também, a disparidade entre a rede de ensino pública e a privada.

Desta feita, foi possível perceber que as estratégias adotadas pelo Poder Público na tentativa de mitigar os efeitos negativos da pandemia no exercício do direito à educação abrangem desde o fornecimento de internet e equipamentos capazes de permitir o acesso ao conteúdo ministrado via ERE quanto ao treinamento de pais, responsáveis e alunos de como utilizar o material de ensino não-presencial.

Por fim, observa que além da resposta do Poder Público durante a pandemia, verifica-se que o Poder Legislativo já começa a se movimentar, com a criação de projetos de lei que visam manejar os efeitos da Covid-19 no Sistema Educacional Brasileiro.

As ações já tomadas são de suma importância, todavia, importante destacar que, apesar do que já é possível perceber, os resultados destas só poderão ser analisados e verdadeiramente compreendidos no futuro. Por ora, necessário manejar os efeitos que já podem ser percebidos, sem comprometer, ainda mais, o acesso igualitário ao direito à educação.

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  1. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

  2. Mestre em Desenvolvimento Local pela UCDB (Campo Grande, MS), Especialista em Direito Constitucional pela UNIDERP (Campo Grande, MS) e Professor de Direito na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Sobre o autor
Bruno Marini

Professor de Direitos Humanos, Biodireito e Bioética na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande (MS), Doutorando em Saúde (UFMS), Mestre em Desenvolvimento Local (UCDB) e Especialista em Direito Constitucional (UNIDERP).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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