A estrutura da proteção social não-contribuitiva no brasil

26/01/2023 às 18:31
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I - INTRODUÇÃO

Prefacialmente, cabe salientar que o presente ensaio teve como fonte literária a profícua obra elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento Social1 que trata da ´´Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil´´, obra esta que se mostra atual em relação a conceitos e como rica fonte de conteúdo relacionada à questão da proteção social no Brasil.

Como forma de reverenciar a referida obra, importante trazer a lume os ensinamentos lançados por Sposati (2009, p.12), para quem:

´´A Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, ao afiançar os direitos humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal, operou, ainda que conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou na agenda dos entes públicos um conjunto de necessidades até então consideradas de âmbito pessoal ou individual.´´

A proteção social não contributiva teve sua estrutura desenhada na Constituição Federal de 1988 como forma de dar guarida à política de proteção social.

Assim, restou definido na Constituição Federal as formas de políticas de proteção social que tem caráter não contributivo, sendo estas assim consideradas por não haver um pagamento específico como condição de acesso a um determinado serviço, haja vista que o custeio é financiado com recursos públicos destinados a famílias e indivíduos que são considerados em situação de risco ou de vulnerabilidade social.

II – DA ESTRUTURA DA PROTEÇÃO SOCIAL NÃO CONTRIBUTIVA NO BRASIL

O estudo da estrutura de proteção social não contributiva no Brasil envolve compreender a influência que a territorialidade tem sobre o sistema de seguridade social.

De acordo com Sposati (2009, P.2):

É preciso atentar que por vivermos em uma federação, por mais que se tente captar diversidades, a tendência é a de construir certa generalização que, certamente, terá que ser adequada às particularidades das regiões do país, dos Estados, dos municípios e das micro-regiões a que estes pertencem, especialmente nas áreas metropolitanas.

Para Sposati (2009, p.6):

´´A Política Nacional de Assistência Social – PNAS-2004 afirma que a proteção social a que ela deve responder deve afiançar:

• segurança de sobrevivência

o de rendimento

o de autonomia

• segurança de acolhida

• segurança de convívio

o de vivência familiar´´

A literatura aponta que a política de assistência social é direcionada para sujeitos da proteção social não contributiva, para os quais deve ser reguardada as garantias de sobrevivência, de acolhida e de convívio familiar, havendo aqui nítida necessidade de dissociação dos conceitos de políticas sociais daquelas inerentes à política de cunho previdenciário. (ALVES; SEMZEM, 2013. P. 149).

A estrutura da proteção social não contributiva no Brasil decorreu da guinada constitucional ocorrida com o advento da Constituição Federal de 1988, que tornou abrangente a proteção social desvinculada do emprego formal e sem correlação com a necessidade de contribuição precedente para o amparo por parte do Estado.

Segundo Sposati (2009, p. 19):

Trata-se de mudança qualitativa na concepção de proteção que vigorou no país até então, pois inseriu no marco jurídico da cidadania os princípios da seguridade social e da garantia de direitos mínimos e vitais à construção social´´, cabendo salientar que a Constituição Federal tornou desnecessário o vínculo empregatício contributivo no modelo de estruturação e concessão de benefícios inerentes à proteção social.

A importância da proteção social no Brasil restou consolidada em 2004 com a aprovação da Política Nacional de Assistência Social, tendo sido precedida da realização da IV Conferência Nacional de Assistência, realizada em 2003, momento a partir do qual nasceu uma nova concepção sobre a proteção social no Brasil com previsão dúplice de amparo (básica e especial), bem como a delimitação da responsabilidade de cada esfera de governo na condução da política social. (ANDRADE; FARIAS e VAITSMAN. 2009).

O que faz emergir a proteção social não contributiva de forma estruturada é a necessidade de se possibilitar a transferência de renda através de mecanismos condizentes com a realidade social, privilegiando o ser humano em detrimento do mercado de trabalho.

Conforme lição de Sposati (2009. P. 27), ´´No Brasil, o modelo de proteção social não contributiva é parte da seguridade social e tem centralidade na política de assistência social como dever de Estado e direito de cidadania.

As particularidades do sistema de proteção social no Brasil são expostas de forma didática por Sposati (2009, p. 28), para quem:

A primeira particularidade é a de que a assistência social tem como política de direitos que opera através de serviços e benefícios e não só uma área de ação, em geral de governos locais, baseada em dispositivos de transferência de renda ou de benefícios. A segurança de renda é parte da política de assistência social como garantia de sobrevivência. A segunda característica do modelo brasileiro é o seu caráter federalista, isto é, ele supõe a ação integrada de três níveis de gestão federal, estadual e municipal. A terceira característica é a de operar através de um sistema único como outras políticas sociais brasileiras. Uma quarta característica é a de combinar o processo de gestão com sistemas de participação e controle social. A quinta é o modelo pactuado de gestão entre os entes federativos, operado por coletivos representativos de gestores (municipais e estaduais) através de comissões intergestores, as CIB’s - comissões intergestores bipartites (representação estadual e municipal) e a CIT’s – comissões intergestores tripartes (Federal, Estadual e Municipal).

Ainda, segundo Sposati (2009, pg. 36):

A CF88 atribui o caráter de seguridade social à proteção social não contributiva, definindo os campos da previdência, saúde e assistência social. Todavia não existem ainda, mecanismos de articulação entre os três campos para além das condicionalidades do Programa Bolsa Família e do diálogo entre o BPC, a RMV e o INSS. Embora o modelo de seguridade social ainda não esteja consolidado, a área de segurança alimentar vem se estruturando como outra frente de proteção social.

Ao abordar a proteção social não contributiva, não se pode esquivar do fato de que a abordagem constitucional da seguridade social não se mostrou suficiente para resguardar a proteção social dentro de um sistema de seguridade social sólido.

Para Viana (2004. p. 3), quanto ao sistema de seguridade social:

Sua realização pressupunha explicitamente uma base expandida de financiamento, composta de impostos pagos de forma direta ou indireta por toda a sociedade – os recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – e de contribuições específicas. Pressupunha, ademais, ainda que implicitamente, um orçamento próprio e um órgão gestor único.

Segundo Vianna (2004, p. 4) se mostra necessário um juízo de ponderação acerca do fato da seguridade social existir constitucionalmente ao passo que inexiste institucionalmente, o que atrai consequências negativas, dentre as quais a de cunho orçamentário, haja vista que as fontes de financiamento passam a ser alocadas de forma aleatória na seguridade social e até mesmo passa a ser utilizado para outras finalidades com desvio de alocação orçamentária para a seguridade social.

Essa abordagem do sistema de proteção social desvinculado da contribuição exterioriza alguns princípios, os quais segundo Sposati (2009. P. 29) pode ser definidos da seguinte forma:

a) universalidade significando que ele pode ser acessado por todos os cidadãos que dele necessitem independente do território onde vivam e sob a diretriz ética de ser portador do direito à proteção social. Alcançar à universalidade para além do respeito ao princípio ético significa ter capacidade concreta de resposta institucional expressa por: instalação de infra-estrutura de dispositivos de atenção e de qualidade técnica de ação.

b) matricialidade sócio-familiar que parte da concepção de que a família é o núcleo protetivo integeracional, presente no cotidiano e que opera tanto o circuito de relações afetivas, como de acessos materiais e sociais. Fundamenta-se no direito à proteção social das famílias respeitando seu direito à vida privada.

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Assim, Sposati (2009. p. 37) informa que:

O modelo de proteção social não contributiva acaba se vinculando a programas de enfrentamento da pobreza e a perspectiva de alcance do desenvolvimento social. Estas duas perspectivas fluem mais da velha relação entre fome e pobreza do que a adoção de uma política redistributiva articulada com o modelo econômico.

Portanto, o que se abstrai é que o modelo de proteção social adotado no Brasil acaba fomentando a dependência em razão da ausência de uma estrutura de suporte que permita transferir renda sem mitigar a dinâmica de variação dos índices de pobreza.

O sistema de proteção social no Brasil, que prescinde de contribuição, encontra-se atrelado constitucionalmente ao campo das garantias previstas constitucionalmente referente à saúde e assistência social.

Assim, o que se constata é que a ausência de uma estrutura institucional e o alto grau de subjetividade dos elementos normativos inerentes à proteção social acaba tornando uma utopia os objetivos definidos na Constituição Federal, haja vista que a regulação da assistência social e até mesmo de toda estrutura de proteção social não contributiva acaba por depender de regulação normativa própria, o que desfigura todo o sistema de proteção social.

Para se ter noção da desfiguração do sistema de proteção social em razão da ausência de uma estrutura formal, importante a lição de Vianna (2009, p. 3), para quem:

Justamente a legislação que regulamentou a seguridade, contudo, pavimentou caminhos distintos para as áreas incluídas na Seguridade. A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080), de 1990, as Leis 8212 (Lei do Custeio da Previdência) e 8213 (Lei dos Planos de Benefícios da Previdência), de julho de 91, e a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742), de 1993, estabeleceram, cada uma, suas diretrizes específicas. Progressivamente, efetivou-se a segmentação das áreas. Em 1990 foi criado o INSS, para administrar os benefícios previdenciários6 . A assistência médica foi definitivamente transferida para o Ministério da Saúde com a extinção do INAMPS em 19937 . Até a assistência social, sempre sujeita a contínuos deslocamentos institucionais, vai paulatinamente ganhando foros de autonomia: embora abrigada no Ministério da Previdência e Assistência Social, à SEAS (Secretaria de Estado de Assistência Social), criada em 1999 como órgão do Governo Federal vinculado ao MPAS, foram atribuídas a responsabilidade pela coordenação da política nacional de assistência social e a gerência do Fundo Nacional de Assistência Social. Autonomia confirmada com o desmembramento do antigo Ministério da Previdência e Assistência Social em duas estruturas: o MPS (Ministério da Previdência Social) e o MAPS (Ministério da Assistência e Promoção Social), em janeiro de 2003, no início do governo Lula.

Conforme já salientado, essa ausência de estrutura formal, institucional e orçamentária da seguridade social traz prejuízos para políticas de proteção social.

Nesse sentido, veja-se que Viana (2009, p. 6) pondera que:

Em 2001, mais de 16 bilhões de reais oriundos de receitas constitucionalmente estabelecidas como receitas de seguridade foram alocados em rubricas alheias à seguridade e 19 bilhões ficaram à disposição do Tesouro. A utilização dos recursos da Seguridade Social para fins distintos das suas finalidades é uma prática que vem provocando, nos últimos dez anos, a queda da liquidez e os desequilíbrios do sistema.

Outro ponto que merece destaque é o de que todo mecanismo estrutural de proteção social no Brasil é dependente da política econômica, fiscal e monetária, haja vista que estas têm consequências diretas nas taxas de emprego, subemprego e informalidade, tornando escassos os recursos para despesas com todos os benefícios, o que reduz de forma drástica as possibilidades de alocação de recursos para políticas sociais de proteção social não contributiva em proporção inversa ao aumento da demanda por essas políticas.

III – CONCLUSÃO

O Brasil está inserido no rol de países que primam pelo estado de bem-estar, o que não dispensa a necessidade de um esforço voltado para assegurar mecanismos que possibilite ao cidadão usufruir da estrutura de proteção social do Estado nos casos de extrema necessidade, tudo isso sem anular a prestação dos serviços essenciais garantidos pela Constituição Federal.

Assim, mesmo diante da ausência de uma estrutura formal e das deficiências estruturais do sistema de proteção social, a importância desta está no fato de ser voltada à população pobre isenta da obrigação de trabalho, o que justifica a intervenção pública para que casos não atendidos de forma primária seja objeto de assistência na forma de proteção social.

Conforme assinalado de forma catedrática por Paiva (2006. p. 356):

Muito embora os grandes dilemas associados à questão da melhora do gasto sejam importantes, argumentou-se, neste trabalho, que a discussão mais específica e conseqüente do gasto público não pode prescindir da avaliação dos gastos setoriais – razão pela qual a avaliação das políticas públicas é instrumento fundamental e intimamente associado à melhoria do gasto público

Portanto, é necessário que o estado direcione esforços para que a proteção social seja estruturada como um sistema composto de políticas públicas integradoras, sempre convergentes para o bem estar social, haja vista que tem prevalecido no Brasil uma estrutura conjuctural de programas especificamente sociais e heterogêneos, o que acaba influenciando na qualidade do gasto público.

REFERÊNCIA

ANDRADE, Gabriele Rievera Borges de; FARIAS, Luiz Otávio & VAITSMAN, Jeni. Proteção social no Brasil: o que mudou na assistência social após a Constituição de 1988. Revista Ciênc. saúde coletiva vol.14 no.3 Rio de Janeiro May/June 2009.

BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações técnicas sobre o PAIF: serviço de proteção e atendimento integral à família – PAIF, segundo a tipificação nacional de serviços socioassistenciais. Brasília: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2012.

CONCEPÇÃO e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Proteção social, Brasília, p. 1-413, junho 2009. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/concepcao_gestao_protecaosocial.pdf. Acesso em: 26 nov. 2019.

PAIVA, L. H. A qualidade do gasto público e a avaliação das políticas sociais: o orçamento do Ministério do Trabalho no período 2000-2006. Revista do Serviço Público, v. 57, n. 3, p. p. 339-362, 20 fev. 2014. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/202. Acesso em 26 nov. 2019.

SEMZEZEM, Priscila; ALVES, Jolinda de Moraes. Vulnerabilidade social, abordagem territorial e proteção na política de assistência social. Proteção social, [s. l.], v. 16, ed. 1, p. 1-143, 2013. DOI 10.5433/1679-4842.2013v16n1p143. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&pid=S1414-8145201500010009300016&lng=en. Acesso em: 26 nov. 2019.

SPOSATI, Adaiíza. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. -- Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2009. p. 13/56.

VAITSMAN, Jeni; ANDRADE, Gabriela Rieveres Borges de; FARIAS, Luis Otávio. Proteção social no Brasil: o que mudou na assistência social após a Constituição de 1988. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 14, n. 3, p. 731-741,  jun.  2009. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000300009&lng=pt&nrm=iso.acessos em  26  nov.  2019. 

VIANNA, Maria Lucia Teixeira Werneck. Seguridade social e combate à pobreza no brasil: o papel dos benefícios não-contributivos. ENAP, 2004. Disponível em http://antigo.enap.gov.br/downloads/ec43ea4fprog_nao_contri.pdf. Acesso em 26 nov. 2019.


  1. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. -- Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2009.

Sobre o autor
Luiz Cesar Barbosa Lopes

Superintendente do Ibama no Estado do Ceará de 05/2021 a 12/2022; Secretário Executivo da Controladoria Geral do Município de Goiânia de 01/2023 a 07/2023; Mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, Ensino e Pesquisa - IDP; Pós-Graduado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC/Minas; Consultor Político e Eleitoral; Pós-graduado em Direito Penal; Especialista em Direito Eleitoral.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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