Ação de recuperação judicial e petição incial. Reflexões

27/01/2023 às 13:13
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Carlos Roberto Claro1

Prudentia: recta ratio agibilium [Tomás de Aquino]

O devedor [entidade] mergulhado em crise econômico-financeira se pode valer da Lei 11.101/05 para tentar o soerguimento, visando, em última análise, a sua mantença no mercado competitivo. O norte recuperacional está previsto no art. 47 da Lei 11.101/05.

Em termos de regime recuperatório judicial, a legitimidade ativa ad causam para a ação judicial recai na entidade jurídica e ação também pode ser ajuizada pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente (e depende do tipo societário do devedor [Lei 11.101/05, art. 48 e §1º]).

Portanto, no Brasil, o credor não tem o direito público subjetivo de demandar, de ajuizar de ação visando (impor) a reestruturação judicial do devedor que se encontra em crise. Esse direito público subjetivo, que pode ser exercitado pelo devedor que perde o equilíbrio econômico-financeiro, em decorrência de variados fatores internos e externos, é exercitado via ação judicial2 3.

Para tanto, considere-se a existência das condições de ação e presença de todos os requisitos de ordem formal e material [exigências estabelecidas em lei], que se traduzem nos pressupostos processuais4, não se desconsiderando das disposições do art. 48 da Lei 11.101/05 [pressupostos/requisitos formais], no tocante ao regular exercício da atividade econômica organizada por determinado período [aqui não há lugar para discussão acerca dos 2 anos de atividade], bem como regular registro, não ser falido, ausência de condenação por crime falimentar e assim por diante.

Não se olvide, por importante, dos requisitos que devem estar presentes na petição inicial5 6, a qual provoca a atuação estatal [CPC, art. 2º, princípio da demanda]. Nessa esteira vem bem a calhar o ensinamento de Pontes de Miranda:

Nada que melhor impressione aos juízes que a elegância discreta das petições, sem encômios, que vexam, e asperezas, que desagradam e às vezes pode ser interpretadas como exuberância advocatícia para avivar as cores de direito duvidoso. Os juízes sabem distinguir, pelo longo traquejo psicológico, a veemência sincera e a falsa indignação dos autores e dos réus. Não raro lhes é difícil extrair da ganga de considerações inúteis o que a parte diria melhor em proposições concisas, precisas, incisivas7

Portanto, aquele que pede a prestação jurisdicional há de observar os deveres impostos pelo art. 77 do CPC, se não descuidando do expresso no art. 78 do mesmo diploma legal. O devedor que anela a concessão da recuperação judicial (Lei 11.101/05, art. 58]8 há de praticar atos processuais segundo as regras legais estabelecidas, bem como se utilizar da linguagem apropriada, escorreita e respeitosa.

O discurso técnico-jurídico há de ser linear, pontuado pela clareza, e precisão técnica, objetiva, sem a linguagem absconsa, logogrífica, afastando-se da retórica inflamada, sem sentido.

Dentre as exigências previstas no art. 51 da Lei 11.101/05 está a necessidade de juntada da lista nominal de credores (inc. III), sendo este o aspecto principal do ensaio.

Em síntese, diz o art. 52 que, estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, obviamente, a lei é silente quanto a outras situações previstas no Código de Processo Civil.

Esta lista pode não ter sido juntada pelos mais variados motivos e a omissão haverá de ser suprida pelo devedor que realmente busca a tutela estatal [concessão da recuperação judicial].

Ora, eventual ausência de juntada de relação de credores [CPC, art. 320] quando da distribuição da ação pode muito bem ser suprida pelo devedor, caso queira, de fato, se valer do regime recuperacional e esteja atuando de boa-fé objetiva.

Eventuais discursos retóricos no sentido de que a relação de credores é imprescindível quando da propositura da ação, hão de ser recebidos cum grano salis, porquanto o próprio Código de Processo Civil estabelece regramento específico a ser observado em caso de não preenchimento dos requisitos específicos [ausência de documento indispensável].

Por outro lado, se não descuide que o próprio devedor, em sua petição inicial, poderá levantar a questão relevante e querer prazo para a juntada da documentação faltante. Nada mais normal e plausível.

Em resumo, só a analise do caso concreto poderá esclarecer o porquê da não juntada da referida lista de credores quando da distribuição da ação.

Partir de premissas equivocadas para fins de construção de posicionamento [teórico] jurídico acerca do tema - como sói amiúde ocorrer -, sem analise da situação concreta, é temerário, quer-se crer. Cabe lembrar Ovídio, em sua “Metamorfoses”: medio tutissimus ibis, de modo que os extremos hão de ser evitados, salvo engano.

Considerando a regra do art. 321 do CPC, haverá concessão do prazo de 15 (quinze dias) para que o devedor proceda a emenda à inicial. Caso não faça a juntada de tal lista, a petição inicial será indeferida, tão somente.

As hipóteses para a abertura judicial da falência estão previstas no art. 73 [numerus clausus] e dentre elas não consta, salvo engano, que, indeferida a petição inicial, poderá o devedor ingressar em outro regime, ou seja, o falimentar9, via decisão judicial.

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Na Lei 11.101/05 caberá observância dos princípios da celeridade e economia processual, de modo que o devedor certamente não aguardará o prazo de quinze dias para anexar a lista de credores. A simples distribuição da ação já é o bastante para mexer com o mercado e o devedor tem (ou deveria ter) ciência de tal aspecto.

Destarte, a urgência da decisão judicial que determina o processamento da recuperação judicial [art. 52 da Lei 11.101/05] certamente faz com que o devedor agilize a anexação da relação de credores em curto lapso temporal, de modo que eventual ausência de documentos indispensáveis não é algo que justifique certa irresignação.

Como se diz, a prudência determina e o bom senso sempre recomenda cautela na análise, especialmente de situações noticiadas pela mídia.

A partir do cumprimento ou descumprimento da determinação legal - art. 321 do CPC -, o procedimento judicial seguirá seu rumo, inclusive com eventual perícia prévia (Lei 11.101/05, art. 51-A).

Afinal, fata viam inveniunt [Virgílio].


  1. Advogado desde 1987; Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB-Paraná, desde 2013; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; parecerista, autor de várias obras jurídicas.

    http://lattes.cnpq.br/5264249545377944

    http://orcid.org/0000-0002-6589-9761

  2. A parte, diante do Estado-juiz, dispõe de um ‘poder jurídico’, que consiste na faculdade de obter a tutela para os próprios direitos ou interesses, quando lesados ou ameaçados, ou para obter a definição das situações jurídicas controvertidas. É o direito de ação, de natureza pública, para referir-se a uma atividade pública, oficial, do Estado. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume I. 58ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 150. Grifos no original. Esclarece o mesmo autor, acerca do princípio da demanda, que só se reconhece à parte o poder de abrir o processo; nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando requerida pela parte (NCPC, art. 2º), de sorte que não há instauração de processo pelo juiz ‘ex officio’. Op. cit., p. 73, grifo na obra. José Carlos Barbosa Moreira disserta: Chama-se ‘demanda’ ao ato pelo qual alguém pede ao Estado a prestação de atividade jurisdicional. Pela demanda começa a exercer-se o direito de ação e dá-se causa à formação do processo. Novo processo civil brasileiro. 19ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pp. 9-10. Destaque no original.

  3. Bem lembra Marlon Tomazette que o exercício dessa ação é condição imprescindível para se obter a solução da crise empresarial. Ela representará, em última análise, o pedido de recuperação judicial. Curso de direito empresarial, volume 3: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2016, p. 59.

  4. Pressupostos de existência [subjetivos e objetivos] e pressupostos existência e de desenvolvimento válido do processo

  5. A Lei 14.112/2020 incorporou a regra do §6º, inc. I.

  6. CPC, art. 319. Alguns requisitos legais estabelecidos nesta regra obviamente não carecem ser observados em a petição inicial, considerando a especificidade da ação de recuperação judicial. Por exemplo, caso não é de se especificar provas [ o processo de reestruturação não passa pela produção de provas, nos moldes estabelecidos pelo Código de Processo Civil. Também não é o caso de se formular pedido de audiência de conciliação ou de mediação [a propósito, art. 20-A e seguintes, da Lei 11.101/05].

  7. Comentários ao código de processo civil. Tomo IV, arts. 282 a 554. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 10.

  8. Até este momento processual não se apreciou, em tese, o direito da ação, no que diz com os benefícios jurídico-econômicos que a concessão da recuperação judicial poderá trazer ao devedor. Até então o magistrado condutor do processo analisa se estão presentes todas as condições da ação, os pressupostos processuais e os requisitos específicos estabelecidos em a lei de regência.

  9. O entendimento esposado por Luiz Inácio Vigil Neto acerca dos caminhos que poderão ser tomados pelo magistrado, é neste sentido: 1) ‘A petição inicial não se encontra em condições de deferimento’: se não deferir pelo não atendimento de um ou vários requisitos, deverá observar algumas situações:

    Se o indeferimento ocorreu da não-apresentação de documento ou não -atendimento de requisito indicado na lei, deverá o juiz conceder prazo razoável para complementação da petição inicial;

    Se o indeferimento decorreu da impossibilidade de cumprir com algum (ns) pressuposto (s) ou condição da lei, deverá o juiz indeferir a petição inicial, encerrando o processo. Nestas situações não haverá base jurídica para a decretação de ofício da falência;

    2) “A petição se encontra em condições de deferimento’: se todos os requisitos forem atendidos, o magistrado deferirá a petição inicial, autorizando o processamento do pedido. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.1101/05. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 163.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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