O direito fundamental às atividades físicas e esportivas e a recriação do Ministério do Esporte

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Segundo o Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano “Movimento É Vida” (2017), todas as pessoas, sem exceção, têm potencial para praticar atividades físicas e esportivas, devendo essa capacidade ser garantida e enriquecida ao longo de toda a vida. Não se deve pretender estabelecer uma relação entre as razões para se exercitar (como exclusivamente por saúde ou por lazer), mas sim construir condições de pleno e efetivo desempenho por todas as pessoas2.

Em novembro de 2022, a Assembleia Geral da ONU aprovou Resolução sobre o papel do esporte como importante propulsor do desenvolvimento sustentável e promotor da paz3, reconhecendo o seu impacto transformador em grupos como mulheres, pessoas com deficiência e jovens, além de contribuir para a obtenção de melhores níveis de qualidade de vida, saúde mental, educação e inclusão social.

Ressaltou-se como possibilidade agregadora o alinhamento de políticas públicas no plano nacional e internacional, incentivando a colaboração entre países, incluídas iniciativas dentro de blocos regionais, para maximizar o esporte a fim de atingir as metas de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030.

Iniciativas privadas locais, a exemplo de clubes formadores de atletas, centros de atividades físicas e escolas de esportes, precisam estar incluídas em uma abordagem holística, recebendo o apoio de gestores e sendo incentivadas a reforçar habilidades específicas como o trabalho em equipe e o espírito colaborativo4.

Com a recriação do Ministério do Esporte, o Brasil está diante de grande oportunidade para acelerar as discussões e a aprovação da Lei Geral do Esporte5. Além de escassas, as poucas normativas que se têm sobre a pauta estão vinculadas ao alto rendimento, especificamente ao futebol e ao antidoping, com pouca ou nenhuma aplicabilidade sobre as demais modalidades e práticas esportivas não profissionais.

Trata-se de clara omissão inconstitucional parcial6 que afeta o pleno exercício do direito fundamental ao esporte, à qualidade de vida e ao lazer, eis que o legislador insuficientemente atendeu aos anseios constitucionais (v. g. art. 5º, XXVIII, a; art. 6º, caput; art. 24, IX; art. 217; art. 225; art. 227). A problemática deve também ser analisada sob o viés de sua estruturalidade7, uma que vez se identifica uma situação de desconformidade com o estado de coisas considerado ideal8.

Ao comparar a realidade brasileira com a de outros países, nota-se o longo caminho que temos a percorrer. Em Portugal, criou-se Instituto Português de Desporto e Juventude (IPDJ), como forma de assegurar a coordenação operacional integrada de ambas as áreas, sem prejuízo de suas transversalidades com a saúde, a educação, medicina esportiva e outros9.

Exemplificativamente, há a previsão de seguro obrigatório para agentes esportivos10, como praticantes federados, árbitros, juízes, cronometristas, treinadores e dirigentes, sem prejuízo de outros. Nas interseções culturais, cita-se o Museu Nacional do Desporto11, a realização de concursos literários e de artigos científicos12, além da publicação de uma revista periódica, em suporte digital, com a cobertura integral das atividades do IPDJ13.

Assim, a reestruturação do Ministério do Esporte enfrentará a necessidade de se adequar aos parâmetros que estão sendo estabelecidos, sendo fundamental o implemento de ações articuladas interministeriais, o incentivo à participação social nos debates e o diálogo entre os distintos entes federativos.

No plano interno, será preciso enfrentar, dentre outros, o paradoxo de que projetos locais são aqueles mais afetados pela falta de recursos. Observa-se, especialmente no Brasil, que trabalhos realizados em escala municipal são geralmente os mais dependentes de investimentos dos setores público e privados, em que pese sua maior proximidade aos públicos que se pretendem atingir14.

Quanto às políticas de financiamento e incentivos fiscais, o Tribunal de Contas da União identifica a Lei de Incentivo ao Esporte como promotor do acesso ao esporte (visto como direito social). Todavia, é evidente a inexistência de planejamento real sobre as prioridades de investimento, “objetivando não só atender às determinações da LIE, mas também às políticas de esporte, social, saúde e segurança pública, de forma conjunta”15.

Na ótica internacional, é indispensável que o Brasil utilize da sua influência regional para incluir a pauta nas discussões entre países, de forma a identificar perspectivas de colaborações em objetivos comuns, maximizando os resultados e privilegiando a cooperação internacional.

Ante o contexto político atual, é plenamente viável que a América Latina, impulsionada pelo governo brasileiro, aumente a produção de normas internacionais sobre o direito ao esporte e suas ramificações, notadamente após o incentivo da ONU.

Os obstáculos são consideráveis, mas ficam os votos para que possamos, finalmente, construir um país em que seja respeitado o direito fundamental ao esporte, lazer e qualidade de vida.

Catharina Peçanha Martins Oroso .

Especialista em Direito Processual Civil. Bacharela em Direito pela UFBA. Membro do grupo de pesquisa “Transformações nas teorias sobre o processo e o Direito processual” UFBA/CNPQ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD. Membro da Associação Elas no Processo – ABEP. Assessora de Promotoria no Ministério Público da Bahia

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REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

BRASIL, Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 68/2017. Institui a Lei Geral do Esporte. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128465. Acesso: 22/01/2023.

______, Tribunal de Contas da União. Relatório de Levantamento nº 025.386/2021-2. Acórdão nº 1675/2022 – PLENÁRIO. Rel. Marcos Bemquerer. Data da sessão: 20/07/2020.

DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. In: Revista de Processo. São Paulo: Editora RT, vol. 303, 2020.

MENDES, Gilmar Ferreira. GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 16ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

ONU, Assembleia Geral. Sport as an enabler of sustainable development: resolution. Nova Iorque: ONU, 2022. Disponível para download em: https://digitallibrary.un.org/record/3997029?ln=en#record-files-collapse-header. Acesso: 23/01/2023.

______, Organização das Nações Unidas. Thematic paper: The contribution of sport to the Youth, Peace and Security agenda. Disponível em: https://www.un.org/development/desa/dspd/wp-content/uploads/sites/22/2022/06/Thematic-Paper_Sport-and-YPS_FINAL.pdf. Acesso: 13/01/2023.

______, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional. Movimento é vida: atividades físicas e esportivas para todas as pessoas. Brasília: PNUD, 2017.

OROSO, Catharina Peçanha Martins. Tutela extrajudicial de litígios estruturais: negociando direitos a partir da perspectiva de atuação do Ministério Público. Rio de Janeiro: Revista Científica Do CPJM, vol. 2, nº 05, 2022, p. 57–81.

PORTUGAL, Presidência do Conselho de Ministros. Decreto-Lei n.º 132/2014. Diário da República, nº 169, 03/09/2014, p. 4666/4671.

______, Presidência do Conselho de Ministros. Decreto-Lei n.º 10/2009. Diário da República, nº 07, 12/01/2009, p. 220/224.


Notas

  1. ONU, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional. Movimento é vida: atividades físicas e esportivas para todas as pessoas. Brasília: PNUD, 2017.

  2. ONU. Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Sport as an enabler of sustainable development: resolution. Nova Iorque: ONU, 2022. Disponível para download em: https://digitallibrary.un.org/record/3997029?ln=en#record-files-collapse-header. Acesso: 23/01/2023.

  3. Neste mesmo sentido, ONU. Organização das Nações Unidas. Thematic paper: The contribution of sport to the Youth, Peace and Security agenda. Disponível em: https://www.un.org/development/desa/dspd/wp-content/uploads/sites/22/2022/06/Thematic-Paper_Sport-and-YPS_FINAL.pdf. Acesso: 13/01/2023.

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  4. BRASIL, Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 68, de 2017. Institui a Lei Geral do Esporte. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128465. Acesso: 22/01/2023.

  5. MENDES, Gilmar Ferreira. GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 16ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 1251/1252.

  6. Sobre o tema: OROSO, Catharina Peçanha Martins. Tutela extrajudicial de litígios estruturais: negociando direitos a partir da perspectiva de atuação do Ministério Público. Rio de Janeiro: Revista Científica Do CPJM, vol. 2, nº 05, 2022, p. 57–81. Versão digital disponível em: https://rcpjm.emnuvens.com.br/revista/article/view/124. Acesso: 22/01/2023.

  7. DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. In: Revista de Processo. São Paulo: Editora RT, vol. 303, 2020, p. 45-81.

  8. PORTUGAL, Presidência do Conselho de Ministros. Decreto-Lei n.º 132/2014. Diário da República, nº 169, 03/09/2014, p. 4666/4671.

  9. PORTUGAL, Presidência do Conselho de Ministros. Decreto-Lei n.º 10/2009. Diário da República, nº 07, 12/01/2009, p. 220/224.

  10. Informação disponível em: https://ipdj.gov.pt/museu-nacional-do-desporto. Acesso: 14/01/2023.

  11. Informação disponível em: https://ipdj.gov.pt/-/candidaturas-abertas-para-concurso-literario-a-etica-na-vida-e-no-desporto. Acesso: 14/01/2023.

  12. Informação disponível em: https://ipdj.gov.pt/revista-dj. Acesso: 14/01/2023.

  13. Cita-se como exemplo, por todos, a situação vivida no Barueri Volleyball Club, capitaneado por José Roberto Guimarães, cujas quatro medalhas olímpicas (sendo três de ouro) não são suficientes para garantir patrocínios privados ao projeto de sua família. Na mídia: https://oglobo.globo.com/esportes/ze-roberto-faz-apelo-pelo-time-de-barueri-peco-socorro-porque-nao-vou-aguentar-mante-lo-por-muito-tempo-1-25253561 (acesso: 22/01/2023); https://www.lance.com.br/mais-esportes/tricampeao-olimpico-ze-roberto-recusa-propostas-de-turquia-e-russia-por-barueri-projeto-e-razao-de-viver.html (acesso: 22/01/2023).

  14. BRASIL, Tribunal de Contas da União. Relatório de Levantamento nº 025.386/2021-2. Acórdão nº 1675/2022 – PLENÁRIO. Rel. Marcos Bemquerer. Data da sessão: 20/07/2020.

Sobre a autora
Catharina Peçanha Martins Oroso

Especialista em Direito Processual Civil. Bacharela em Direito pela UFBA. Membro do grupo de pesquisa “Transformações nas teorias sobre o processo e o Direito processual” UFBA/CNPQ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD. Membro da Associação Elas no Processo – ABEP. Assessora de Promotoria no Ministério Público da Bahia.

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