Dolo Eventual x Culpa Consciente

Resumo:


  • A popularização dos termos jurídicos no Brasil é impulsionada pelas redes sociais, mas muitas pessoas não conhecem seus significados, causando confusão.

  • O dolo eventual e a culpa consciente são conceitos jurídicos importantes, sendo o primeiro quando o agente assume o risco do resultado e o segundo quando espera que o resultado não ocorra, mas não faz nada para evitá-lo.

  • No caso da Boate Kiss, a distinção entre dolo eventual e culpa consciente foi crucial para a definição das penas dos réus, demonstrando a importância de compreender esses conceitos no sistema jurídico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Com avanço da tecnologia, os termos jurídicos têm cada vez mais se espalhado entre a população brasileira, isso se dá pela rapidez que as informações se propagam, sendo as redes sociais, sem dúvidas, o grande percussor. A problemática, está no fato de que embora grande parte do povo esteja em direto acesso a esses termos jurídicos, raramente conhecem seus significados, o que certamente causa confusão.

O caso da Boate Kiss, ocorrido em 2013, recentemente voltou a tomar espaço nas mídias, devido a minissérie lançada pela plataforma Netflix. À época do julgamento deste caso, em 2021, muito se discutiu se aos réus deveria se aplicar "dolo eventual" ou "culpa consciente", a população naturalmente ficou perdida, pois não sabiam o que isso significava.

Sendo assim, o artigo tem como missão desmitificar os conceitos de ambos na tentativa de elucidá-los, diferenciando o dolo eventual da culpa consciente, baseando-se nas fontes do Direito, com intuito de simplificar não somente para os operadores do Direito, mas para o público geral, que cada vez mais participa e se interessa por esse tipo de discussão.

Certamente haverá uma grande dificuldade em simplificar de modo que o leitor conclua esta leitura completamente esclarecido, isso se dá devido a tênue linha que separa os conceitos, valendo-se muitas vezes da necessidade de adentrar na psique mais íntima do indivíduo para conseguir resolver o caso concreto.

Em 1948, o grande penalista Nelson Hungria já alertava sobre esse traço comum:

Sensível é a diferença entre essas duas atitudes psíquicas. Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente presta a anuência ao advento dêsse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de supereminência do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que êste não ocorrerá. (HUNGRIA, 1978, p. 116)

Assim, ainda que não exaustiva, vamos a diferenciação. Nas palavras do renomado autor de obras de Direito Penal, Rogério Sanches, a culpa consciente se demonstra no momento em que:

[...] o agente prevê o resultado, mas espera que ele não ocorra, supondo poder evitá-lo com a sua habilidade (mais previsibilidade, existe previsão). (CUNHA, 2012).

Neste viés, a culpa consciente tem sua classificação analisada e caracterizada mediante análise da intenção do agente, vejamos um exemplo prático de culpa consciente:

Um motorista está dirigindo em alta velocidade. Ele vê um pedestre atravessando a rua correndo, em sua frente. Ele sabe que poderá atropelar a pessoa, mas acredita que o pedestre conseguirá atravessar. (NASCIMENTO).

Diante dessa situação, constata-se que a vontade do agente, combinado com o risco que assumiu produzir, é o que torna culposa a infração, mostrando-se que o infrator na culpa consciente:

1ºNão pretendia que o resultado ocorresse;

2ºPreviu que o resultado poderia ocorrer, porém;

3ºNão assumiu o risco de produzir o resultado.

Já no que concerne ao dolo eventual, nos ensina Damásio de Jesus, que este acontece, quando o agente quer determinado resultado, sabendo que pode atingir outro e assume o risco de que este outro resultado venha a prosperar. Clássico exemplo doutrinário, é o do agente que causa lesões corporais, sabendo que pode matar a vítima, e assume este risco. Exemplificando:

Uma pessoa achou um relógio na praia, e o pegou para si. Ela sabe que aquele relógio pode ter sido perdido, ou pode ser de um banhista que está na água, mas ela o pega mesmo assim. O agente então assume o risco desse relógio ser de alguém, aceitando a possibilidade de cometer furto, apesar de não querer que seja. (NASCIMENTO).

Dessa forma, no dolo eventual, embora não pretendesse que o resultado ocorresse, o agente previa e assumiu o risco, devendo ser responsabilizado como se o quisesse:

1ºNão pretendia que o resultado ocorresse, mas;

2ºEle previu este resultado e;

3ºAssumiu o risco de produzir este resultado.

Restou evidente o quanto é tênue a linha que os separa, sendo que o que mais diferencia o dolo eventual da culpa consciente, é que no primeiro, o sujeito aceita a possibilidade do resultado, enquanto, no segundo, o agente acredita piamente que este resultado não irá acontecer.

Com intuito de demonstrar como a configuração de um, ou outro instituto pode acarretar mudanças radicais na pena em caso de condenação, vamos utilizar de exemplo o caso da Boate Kiss.

Como foi noticiado, e é de saber público, os réus do processo da Boate Kiss foram condenados pelo Tribunal do Júri de Porto Alegre, que admitiu a tese da acusação, de que houve sim o dolo eventual, sendo as penas fixadas entre 18 e 22 anos.

Isso aconteceu porque a legislação prevê uma pena de 6 a 30 anos quando se trata do homicídio doloso. Contrapartida, se a tese da defesa fosse admitida pelos jurados, e se reconhecessem que os réus agiram com culpa, a pena imposta aos réus não poderia ser superior a três anos. É o que diz o artigo 121 do Código Penal:

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Art 121. Matar alguém: Homicídio simples Pena – reclusão, de seis a vinte anos. Homicídio qualificado Pena – reclusão, de doze a trinta anos. Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965) Pena – detenção, de um a três anos.

Notamos assim, que embora a popularização dos assuntos jurídicos esteja cada vez mais evidente, ao se tratar do impacto resultante na vida dos indivíduos é necessário que haja cautela.

O pré-conceito é natural da sociedade brasileira, bem como dos seres humanos, isso, em consonância com a vulgarização dos termos jurídicos e a divulgação desenfreada de informações, que condenam antes do julgamento, são dos tantos, os mais novos desafios que os operadores do Direito estão tendo que aprender a lidar.

Referências:

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Acesso em 30/01/2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

CUNHA, Rogério Sanches. 4º dia do grupo de estudos para o MP. 2012. Acesso em 30/01/2023. Disponível em: https://rogeriosanches2.jusbrasil.com.br/artigos/121814948/4-dia-do-grupo-do-estudos-para-o-mp

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, Tomo II. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

JESUS, Damásio de. Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2011.

NASCIMENTO, Raphael. Dolo direto, dolo eventual, culpa consciente e culpa inconsciente. Acesso em 30/01/2023. Disponível em: https://www.diferenca.com/dolo-direto-dolo-eventual-culpa-consciente-e-culpa-inconsciente/

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos