O Google, Nosso Direito de Escolha e o Direito de Amar

31/01/2023 às 23:16
Leia nesta página:

O uso de algoritmos de busca, poderia estar influenciando na nossa capacidade crítica de pensar? Até onde a escolha ditada pelos algoritmos pode influenciar nos nossos hábitos, escolhas e compreensão estética e sentimental?

Quais são as possíveis consequências de uma proliferação de serviços de busca de informações na rede baseados em algoritmos que retornam respostas escritas, sem dados adicionais ou explicações sobre sua origem, sem dizer o propósito a natureza de influencia e o fim comercial ou não?

Vejamos toda atenção que o uso do ChatGPT vem despertando, como se fosse um mecanismo de pesquisa, onde a resposta é aparentemente brilhante, concisa, escrita corretamente e, dependendo de quem você é e para o que você precisa, pronta para ser copiada e colada onde necessário, sem que você precise pensar muito, na lógica comercial da economia da desatenção.  Se compararmos com a resposta do Google, uma página de resultados (Search Engine Results Page, ou SERP) geralmente contém, pelo menos, informações sobre a origem da resposta, bem como um pequeno pedaço de texto (snippet) e, acima de tudo, a necessidade de usar o pensamento crítico para tomar uma decisão sobre em qual dos links clicar. Como podemos falar em pensamento crítico e no nosso Constitucional Direito a “Livre Escolha!”

Veja o que ocorre no momento com milhares de colegas, conhecidos, familiares e vizinho, isso para poupar os amigos. Quantos deles se contentam com as primeiras respostas do “Dr. Google”? E tente ousar discordar do dele, você arderá na fogueira santa das redes sociais.

E o que acontecerá quando as respostas às perguntas dos usuários forem textos escritos, redondos e sem fontes, ditados por uma “inteligência artificial que segue a lógica corporativa de uma Big Tech?

Esse comportamento de entrega a lógica de algoritmos nas respostas prontas, elimina a cada dia o pensamento crítico, se você duvida veja ao seu redor a quantidade de pessoas que acreditam nas inúmeras Fake News que circulam em muitos grupos e desses sociais, onde dois minutos de estudo sobre a informação errática já seriam suficiente para identificar a farsa? A crença nas Fake News sempre será a certidão de registro do casamento entre a pobreza de espírito e a falta do pensamento crítico, tendo a maldade e a ignorância como padrinhos dessa união.

Como destaca Henrique Dans em recente artigo no seu site, “O problema, além disso, não é apenas a perda da capacidade de pensar criticamente, algo cuja responsabilidade como tal não corresponde às empresas de tecnologia, mas sim ao sistema educacional e à educação que os pais transmitem a seus filhos, mas a capacidade aparentemente ilimitada de manipulação que poderia surgir de tal sistema.  simplesmente selecionando suas fontes com algum cuidado, algo que seria, além disso, extremamente discreto, ou selecionando suas respostas. Uma sociedade que recebe respostas completamente mastigadas para que não tenha que realizar nenhum processamento mental adicional.” Uma sociedade que pensa a cada dia menos, logo sempre estará de braços abertos e mente turva para acreditar em mitos e falsos messias.

A briga corporativa pelas ferramentas de busca e a inteligência por traz dela não tem nenhuma preocupação com a verdade ou com o seu pensamento crítico, não à toa a Microsoft, investiu dez bilhões de dólares, na incorporação do ChatGPT em seu mecanismo de busca Bing, basicamente, porque não tem nada a perder: se os resultados não forem bons, a culpa é de terceiros e afetaria apenas escassos 3% do mercado, afinal a lógica é sempre a mesma, a briga pelo mercado, sem nenhuma ou muito pouca preocupação com os danos colaterais, e claro o nosso Direito de Escolha e de pensamento crítico, vira apenas um detalhe.

Para o Google, no entanto, a mudança não é tão simples. O impacto potencial de um mecanismo de pesquisa do Google respondendo a barbaridades, falsidades ou erros em massa é muito maior e pode corroer a confiança que seus usuários têm nele.

Para onde seria razoável que o Google se mudasse agora? A partir de sua posição de liderança, e considerando o impacto que sabe que tem no futuro da web, seria lógico que colocasse no mercado não uma simples integração de tecnologia de terceiros, como o OpenAI, mas sua própria integração de um modelo de linguagem grande (LLM) com rastreabilidade de fonte.

A importância das ferramentas de busca acelera a construção de novos marcos regulatórios, na procura da neutralidade das buscas, o que já deixa os reguladores da União Europeia focados na implantação de mais controle, algo que já está adiantado na Alemanha, nos permitindo avançar nos estudos desse tema.

A medida desse controle pode ser aferida pelo tempo que ficamos conectados, em algum aparelho, seja ele celular, tablet, notebook ou qualquer outro dispositivo conectado à internet como os canais de tv por streaming?

Quanto do seu tempo é dedicado a essa interação? Quanto das escolhas de conteúdo visualizado e produtos e serviços adquiridos você poderia dizer que realizou sem nenhuma interferência do marketing digital?

A modulação algorítmica tem como propósito influenciar os comportamentos como a chamada manipulação de mídia. A internet registra nossas preferências, através de nossas curtidas, compartilhamentos, leituras, compras, comentários, tudo milimetricamente registrado, desde o assunto ao horário, ao intervalo de curtidas, os sites registram os intervalos, sabem perfeitamente distinguir das curtidas protocolares, aquelas que fazemos pra dizer apenas que vimos, ainda que não tenhamos a menor noção do que de fato curtimos, naquilo que antigamente chamaríamos “rir pra não perder o amigo”.

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E logo nessa economia da atenção(desatenção), curtimos o almoço na praia do amigo postado no Instagram, ou a foto da colega na praia, ou o passei de carro, de lancha, tudo que é postado e que tem relevância pra quem postou e que por isso mesmo ele acredita que seja relevante para o outro, quem melhor registra essa relevância é sempre o algoritmo, é ele que faz a leitura dos nossos sentimentos, vontades e por estatística edifica nossos perfis, propondo conteúdos, fotos, vídeos, produtos e serviços que gerem mais tempo de atenção, ou conversão através de clicks, comentários, compartilhamentos ou aquisição desses produtos e serviços que estão sendo ofertados.

Conforme passa o tempo e a nossa “pegada digital” é ampliada pela interconectividade das diversas plataformas os algoritmos vão calibrando a nossa “bolha social de convívio”.

Como lembra o ativista digital, Eli Pariser, no seu livro “O filtro invisível: O que a internet está escondendo de você”: “Com os novos métodos de “análise de sentimentos”, já é possível adivinhar como alguém está se sentindo. As pessoas usam muito mais palavras positivas quando estão se sentindo bem; analisando uma quantidade suficiente de mensagens de texto, postagens no Facebook e e-mails, é possível separar dias bons de dias ruins, mensagens sóbrias de mensagens bêbadas (muitos erros de ortografia, para começo de conversa). Na melhor das hipóteses, isso pode ser utilizado para oferecer conteúdo adaptado ao humor da pessoa: num dia ruim no futuro próximo, a rádio Pandora talvez aprenda a nos oferecer o álbum Pretty Hate Machine quando chegarmos em casa. Mas o método também pode ser usado para se aproveitar da nossa psicologia. Considere as implicações, por exemplo, de sabermos que certos clientes compram produtos compulsivamente quando estão estressados ou quando estão se sentindo mal consigo mesmos, ou até quando estão um pouco embriagados. Se o perfil de persuasão permite que um aparelho de coaching grite “você consegue” às pessoas que gostam de reforço positivo, em teoria isso também poderia ser usado por políticos, para que fizessem propaganda com base nos medos e pontos fracos de cada eleitor. “

O nosso tempo nos aparelhos digitais é sempre ditado na lógica da conversão, e assim são nossas buscas, sem qualquer limite legal ou ético.

A lógica comercial cria bolhas de iguais, sem Direito a escolha, seja do que vestir ou dos nosso amores, não há espaço pra viver o crítico e doloroso processo de construir o amor, o que me faz lembra de Shakespeare, Soneto LXXXVIII,: “Quando me tratas mal e, desprezado,

Sinto que o meu valor vês com desdém,

Lutando contra mim, fico a teu lado

E, inda perjuro, provo que és um bem.

Conhecendo melhor meus próprios erros,

A te apoiar te ponho a par da história

De ocultas faltas, onde estou enfermo;

Então, ao me perder, tens toda a glória.

Mas lucro também tiro desse ofício:

Curvando sobre ti amor tamanho,

Mal que me faço me traz benefício,

Pois o que ganhas duas vezes ganho.

Assim é o meu amor e a ti o reporto:

Por ti todas as culpas eu suporto.”

A lógica corporativa das Big Techs, não se importa com nada além da conversão, nada além da sua atenção, seja ao unir as pessoas pelo que elas odeiam e assim consumir seu tempo nas bolhas de ódios, ou influenciar em cada escolha, onde o amor ao diferente padece.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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