3. SUJEITOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
3.1. Sujeitos passivos
Segundo Daud (2022), são sujeitos passivos aqueles diretamente atingidos pelas condutas ilícitas. Podem ser encontrados no artigo 1° da Lei de Improbidade, do §5° ao §7°, podendo ser algum ente da Administração Pública, incluídos todos os órgãos da Administração direta e indireta, seja de direito público ou privado. Também são possíveis vítimas dos atos de improbidade algum ente privado que possua vínculo com o Poder Público, ou seja, deve haver algum vínculo com o Estado, atraindo assim a incidência de mecanismos da LIA.
Conforme Di Pietro (2018), também podem ser inseridos nessas categorias as organizações sociais, as organizações da sociedade civil de interesse público e serviços sociais autônomos como Sesi, Senai, Sesc.
Com o advindo da Lei 14.230/21, não existe mais a necessidade da diferença do percentual de contribuição do poder público para incremento das receitas ou do patrimônio do capital das entidades privadas. Previamente, havia uma distinção entre mais e menos de 50% de investimento da máquina pública. Atualmente, basta qualquer contribuição estatal, independentemente do percentual, que a instituição privada será alcançada pela LIA. Além disso, as empresas incorporadas ao patrimônio como sujeitos passivos, não se incluem mais de forma expressa.
3.2. Sujeitos ativos
Conforme Daud (2022), aqueles indivíduos que podem praticar atos de improbidade previstos na Lei de Improbidade são os chamados “sujeitos ativos”. Em regra, a norma é aplicada aos “Agentes Públicos”, denominados como sujeitos ativos próprios, pois tem consigo a representatividade do Estado. Entretanto, há de se falar nos sujeitos impróprios, sendo eles os particulares que tenham atuado na prática do ato ímprobo, induzindo o agente público a cometê-lo ou concorrendo com ele para sua prática. Ressalta-se necessário a existência do dolo para a concepção do ato de improbidade.
O dispositivo teve basicamente três alterações em decorrência da Lei n° 14.230/21, sendo uma delas a exclusão da possibilidade de o terceiro ser considerado sujeito ativo pelo simples fato de ter se beneficiado da conduta desonesta, ou seja, exige-se que tenha induzido ou concorrido. A segunda renovação foi a menção expressa da contribuição de forma dolosa para a prática do ato de improbidade.
Houve também a inserção do parágrafo único ao segundo artigo da LIA, no qual o legislador equiparou o particular que celebra convênio a administração pública ou instrumento equivalente, a agente público.
Consoante com Navarro (2021), também se incluiu de forma expressa o “agente político” como sujeito dos atos de improbidade, com exceção do Presidente da República, mostrando também a amplitude do alcance da lei, com entendimentos jurisprudenciais capazes de atingir até mesmo o estagiário de uma repartição pública, sendo ele remunerado ou não.
4. A NATUREZA JURÍDICA DA LEI DE IMPROBIDADE
Conforme diz Delgado (2008) há três correntes encontradas acerca da natureza jurídica da LIA. Daud (2022) ainda afirma que o regimento “prevê sanções de três naturezas”. Uma delas é de “Natureza Política”, sob pena de suspensão dos diretos políticos.
A segunda seria de “Natureza Administrativa” com punições de perda da função pública proibição de contratar com o poder público e de receber benefícios fiscais.
A terceira é a de “Natureza Civil”, onde se penaliza o infrator com ressarcimento ao erário, multa civil e perda dos valores adquiridos de forma ilícita ao patrimônio. Pode-se observar que não há sanções de natureza penal, como uma pena de reclusão, porém, estando o ato previsto em outro acordo, como crime ou contravenção penal, o autor estará sujeito a responder por ele criminalmente, por intermédio de um processo de natureza criminal, devido à independência de instâncias.
Destaca-se que o único crime antevisto na LIA é o do seu artigo 19:
“Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único. “Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.”
5. A AÇÃO JUDICIAL
5.1 Mudanças no rito processual
Em concordância com Fachini (2020) houve mudanças quanto aos ritos e caminhos processuais envolvendo a nova redação da Lei de Improbidade. Originalmente, o regramento previa que a ação judicial poderia ser proposta tanto pela Pessoa Jurídica, quanto do Ministério Público, em seu processo ordinário. Atualmente, com a Lei n° 14.230/21, a ação passou a ser exclusiva do MP, conforme o exposto:
“Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.”
Quanto à competência do juízo do qual a ação deverá ser apreciada, em congruência com Daud (2022), a ação sempre deverá ser proposta diante o juízo de 1° grau, mesmo em situações em que o réu for detentor de prerrogativa de foro, não havendo o que se questionar foro especial.
Em relação ao local de ajuizamento da ação, a lei diz que a ação deverá ser solicitada ao foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada, seguindo o que diz o artigo 17, §4°-A. Ainda, caso houver interesse da União ou de entidades da sua Administração indireta, a ação deverá ser proposta na Justiça Federal ou nos outros casos, na Justiça Comum.
Ainda à luz do que diz Daud (2022), outra mudança significativa no processo judicial, foi a admissão da celebração de acordo de não persecução civil, resguardado no artigo 17-B da LIA, podendo “deixar de condenar” o agente ímprobo, em troca de benefícios oferecidos ao poder público de forma voluntária.
6. IRRETROATIVIDADE DA NOVA LEI DE IMPROBIDADE
Diante de toda mudança promovida pela Lei n° 14.230/21 na Lei de Improbidade, trazendo benefícios aos réus e condenados em ações judiciais por cometimento de atos de improbidade administrativa, levantou-se o questionamento da possibilidade da aplicação retroativa da nova regra. Conforme explicado por Daud (2022) existem duas correntes distintas quanto á esse tema.
A primeira resguarda a impossibilidade de retroatividade, devido à consideração da probidade administrativa como um direito fundamental, além de que a LIA possuiria status de supralegal, ao ressalvar direitos protegidos por tratados e convenções internacionais subscritas pelo Brasil. Há uma segunda corrente que preza pela retroatividade, em face da aplicação de um dos princípios constitucionais do direito penal à improbidade, como a retroatividade da lei penal mais benéfica.
Para cessar a polemica a respeito desse tema, compreendido por Fachini (2020) em agosto de 2022, o Supremo Tribunal Federal julgou um Recurso Extraordinário de Agravo (ARE 843989), decidindo sobre a aplicação ou não da retroatividade da nova redação da lei. A corte suprema decidiu pela irretroatividade da lei, com exceção para casos culposos abarcados pela antiga definição da lei e que ainda não tenham transitado em julgado.
Segundo noticiado no portal do STF (2022), prevaleceu interpretação do ministro relator Alexandre de Moraes, que “a LIA está no âmbito do direito administrador sancionador, e não do direito penal.” Sendo assim, mesmo que a norma seja mais benéfica ao réu, ela não irá retroagir.
A tese formada no STF abordou os seguintes pontos:
“1). É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.
4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. ”
REFLEXÕES FINAIS
A proposta do presente ensaio jurídico visa entender quais foram as principais mudanças feitas na Lei de Improbidade Administrativa, elucidando quais efeitos jurídicos poderiam ser alcançados pelo novo regramento. Nota-se que as alterações causadas pela Lei n° 14.230/21 abrandaram as sanções aplicáveis aos infratores que cometem algum ato desonesto por utilizar o pretexto da representatividade estatal.
Como visto no artigo apresentado, a Lei de Improbidade Administrativa foi referenciada com respaldo constitucional regulamentado no §4° do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, cuja finalidade principal da legislação é o reparo do dano causado pelo ato desonesto, ímprobo, de forma a ferir os princípios da moralidade administrativa e legalidade. A LIA é um marco para o combate ao abuso de poder e à corrupção sistêmica entre o Poder Público e as entidades privadas, de forma a punir o agente que age de má fé ao executar sua função dentro do que se entende por servidor público.
É fato que condutas contrárias às que se espera e se exige de um representante do estado, geram enormes prejuízos para toda sociedade em geral, no qual se mostra necessária uma punição equiparada ao comportamento ilícito e reprovável por parte daqueles que jamais deveriam tê-la.
Ressalta-se a importância que a ação contra esses infratores tem como instrumento de controle moral e de justiça perante toda sociedade. Destarte, o presente texto ainda elucidou o alcance jurídico que as alterações causaram em algumas punições aplicáveis à servidores insinceros, além de enfatizar decisões de cortes supremas a respeito de temas polêmicos como a retroatividade ou não da LIA depois das mudanças elencadas pela Lei 14.230/21.
Como se percebe, este ensaio traz uma melhor análise de mudanças feitas recentemente e de como o novo regime trabalha a questão processual em cima de tamanhas alterações feitas em um dos principais regramentos do Direito Administrativo. Por certo, a gestão pública é uma atividade eminentemente risco, e por isso, pessoas boas estão fugindo da responsabilidade de se engajar na vida política, dados os riscos de uma conduta não querida se transformar em ato de improbidade administrativa ou até criminosa.
Doravante, com a necessidade da prova cabal de que o agente público agiu voluntaria e dolosamente para lesar o erário público, portanto, por meio de conduta humana, dolosa, reafirma-se, certamente, o risco diminui, e tudo isso pode fomentar cada vez mais a participação de profissionais, homens de bem, na gestão pública.
Por mais que o gestor público seja eficiente, zeloso, justo e comprometido com a transparência e lisura na atuação da Administração Pública, pode acontecer que nem sempre sua conduta vai agradar alguns órgãos de controle que se intitulam porta-vozes da razão, jamais se candidatam à vida política, mas querem intrometer na seara alheia, com grandes prejuízos para o andamento do serviço público.
É bem verdade que aquele desviante de conduta dolosa, que causar prejuízo ao erário público, violar princípios, ofender regras, agir temerariamente, deve ser punido exemplarmente, deve arcar com sua responsabilidade, qualquer que seja a sua esfera, cível ou penal, devendo ser suspenso ou inelegível se preciso for para a exercício de algumas funções públicas, o que não se tolera, definitivamente, são órgãos querendo funcionar como censores de outros, com grave violação do sistema de freios e contrapesos e do sistema da tripartição de funções.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei n. 8.429, de 02 de junho de 1992. Lei de Improbidade Administrativa. Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
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CUNHA, Ari. Blog do Ari. Correio Braziliense, 20 de agosto de 2022. Disponível em: <https://blogs.correiobraziliense.com.br/aricunha/probo-ma-non-troppo/>. Acesso em 02/11/2022.
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DELGADO, José Augusto. Improbidade administrativa: algumas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre a lei de improbidade administrativa. BDJur, Brasília, DF. 2007. Disponível em: Acesso em: 02/11/2022.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Ed. GenMétodo. 31ª ed. 2018. E-book. Tópico18.3.1. Acesso em 31/10/2022
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FERREIRA, Débora Vaz. ESTRATEGIA, 2022. Disponível em: <https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/nova-lei-improbidade-administrativa/>. Acesso em 25/10/2022.
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NAVARRO, Cecília. As principais alterações na Lei de Improbidade, 2021. Disponível em: <https://noticias.cers.com.br/noticia/principais-alteracoes-na-lei-de-improbidade-administrativa/>. Acesso em 30/10/2022.
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Notas
BOTELHO. Jeferson. Breves comentários sobre a novíssima Lei 14.230, de 2021:Aprimoramento ou enfraquecimento da Lei de Improbidade Administrativa? Disponível em https://jus.com.br/artigos/94417/breves-comentarios-sobre-a-novissima-lei-14-230-de-2021. Acesso em 04 de fevereiro de 2023, às 12:04 horas.