Médico, ou empresário? Uma questão de perspectiva

06/02/2023 às 13:29
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Profissão e carreira são coisas diferentes! E para empreender na saúde, é preciso ser um verdadeiro empresário, sob pena de ver o negócio ruir. E junto, a profissão de médico.

Doutor, você é médico ou empresário? Esta é uma pergunta que incomoda cada vez mais os profissionais da medicina, e nem sempre a pergunta é fácil de se responder. Pois muitos não sabem que profissão e carreira são coisas diversas, embora totalmente conectadas.

Durante muito tempo, eu tive a mesma dúvida. E embora até hoje responda que sou um advogado, na verdade me tornei um empresário do setor jurídico, dirigindo há 16 anos um relevante negócio nesta área. Para chegar até aqui, tive que estudar muito mais do que Direito, passando por ciências que embora diversas, possuem alguma conexão com o dia a dia do advogado. Por isto meu caminho não foi tão sinuoso, mas a realidade do médico é muito diferente. Quando conclui sua formação acadêmica, o estudante de medicina se habilita a atuar profissionalmente nos setores público e privado, exercendo a profissão de médico. Contudo, durante a sua formação profissional ele não estuda as ciências necessárias à administração de um negócio.

A atual febre do empreendedorismo tem levado cada vez mais profissionais a abandonar os empregos formais, abrindo seus próprios negócios. E isto inclui os médicos, sobretudo por atuarem em um dos setores que mais cresce no mundo, impulsionado pela tecnologia e pela constante inovação, aliado a uma imensa demanda represada nas últimas décadas. Assim, cada vez mais profissionais da saúde ultrapassam o papel de médico e empreendem no setor da saúde privada, como proprietários de empresas, como uma clínica, um hospital ou uma healthtech. E neste momento o médico precisa tomar uma importante decisão: ser um mero empreendedor, ou um legítimo empresário do setor da saúde. Sendo que nesta ótica, o mero empreendedor pode ser visto como um jovem entusiasta, que decide se aventurar no mercado com muita dedicação, mas levando consigo pouca ou nenhuma experiência em negócios, sem a assessoria necessária, e sem tempo para administrar a sua própria empresa.

Isto não significa que o médico precise se aprofundar nos estudos das ciências que não aprendeu na faculdade de medicina, como administração, finanças, direito, gestão, marketing e tantas outras. Pois é impossível que o médico estude tudo isto com a profundidade necessária, e se mantenha focado e atualizado na medicina e na sua especialidade. Na verdade, o médico deve planejar todos os aspectos do negócio, aprendendo o mínimo necessário sobre o dia a dia do empresário, e se cercando de profissionais com as competências necessárias, para que ele possa se concentrar no exercício da medicina com toda a tranquilidade que a atividade demanda.

Contudo, via de regra isto não acontece. Quando o jovem médico inicia seu próprio negócio ele costuma agir como um mero empreendedor, assumindo grandes riscos. Em alguns casos ele acaba se tornando um legítimo empresário muitos anos depois, pagando, contudo, um preço alto demais pelo aprendizado. Em outros casos ele acaba desistindo do negócio, acumulando prejuízos e insucessos, e voltando a atuar somente como médico, carregando uma grande frustração. Em casos extremos, os sucessivos erros podem o levar até mesmo a perder o direito de exercer a medicina.

O médico empresário precisa estar atento a temas como os mais abaixo relacionados, dentre vários outros inexistentes na formação médica:

  • A gestão do risco jurídico junto aos pacientes, e o gerenciamento de crises;

  • O regime tributário da empresa, e seus reflexos na pessoa física;

  • A qualificação e treinamento da equipe administrativa e clínica;

  • A gestão da comunicação, publicidade e marketing;

  • A gestão de contratos com fornecedores e prestadores de serviços;

  • O relacionamento com a imprensa e os meios de comunicação;

  • As políticas de armazenamento de documentos, dados e a LGPD;

  • A gestão da documentação médica e administrativa;

  • A gestão da equipe e do risco trabalhista;

Portanto, o médico que deseja empreender no setor da saúde, ou mesmo o que já o faz sem toda a organização necessária, precisa se preparar adequadamente e se cercar de profissionais à altura da demanda, e dos riscos do negócio. Pois é impossível empreender de forma 100% autônoma, com a segurança necessária. Se arriscar no setor da saúde privada sem o preparo necessário é um risco imensurável, por se tratar de um mercado competitivo, arriscado e altamente judicializado.

Ignorar os riscos inerentes à atuação do médico empresário, é o mesmo que realizar uma cirurgia, com os olhos vendados. A diferença é que neste caso, o risco é 100% do médico, e é ele quem arca com todas das consequências.

Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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