Notas sobre os direitos sociais previstos na Constituição de 1988

07/02/2023 às 08:10
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RESUMO: Após o período da ditadura militar, que compreende os anos de 1964 a 1985, o Brasil passou por uma grande reforma governamental para resgastar o que foi perdido durante os anos citados. Neste contexto, para não deixar que o passado se repita, surge a Constituição de 1988, um marco histórico para a democracia brasileira. Conhecida como “constituição cidadã”, trazia em seu texto uma série de inovações e avanços legais e se comprometia a ser um reflexo da vontade do povo. Reconhecida mundialmente como um exemplo de Constituição a ser seguida devido aos seus princípios e garantias que tratavam assunto muito inovadores para a época, a Carta de 88 é um símbolo da reestruturação democrática do Estado, modelo que continua a ser seguido nos dias atuais. Uma das características que mais chamou atenção para a Constituição e que será utilizada para o presente estudo deste artigo, são as garantias constitucionais voltadas para os direitos sociais presentes na referida Carta Magna. Dito isso, passados mais de 30 anos de existência da nossa Constituição atual, passa-se a analisar se os direitos sociais descritos nela fazem jus a realidade brasileira atual e se, de fato, estão sendo protegidos não só por ela, mas também se existem leis de apoio para que sejam mantidos os princípios fundamentais elencados na escrita do referido texto legal, já que, afinal, é a nossa lei base para as demais legislações e nada está acima dela. Além disso, analisa-se também o impacto que acordos internacionais tiveram na Constituição de 1988, como a influência da Comissão de Direitos Humanos e demais trataods. Esse trabalho tem como objetivo mostrar a origem da Constituição Federal de 1988, bem como os embasamentos para sua construção e o processo de promulgação dela, e, sendo assim, analisar minunciosamente o que diz acerca dos direitos sociais em seu texto legal e se os mesmos estão sendo protegidos nos dias de hoje, considerando ser um princípio fundamental desta legislação. A metodologia consiste em pesquisas bibliográficas, fazendo uma análise histórica da Constituição.  Portanto, faz-se necessário compreender se, o que a Carta Magna se propôs a proteger a mais de 30 anos atrás, continua sendo respeitado e seguido na atualidade.

Palavras chave: Constituição. Estado. Princípios. Democracia. Fundamental.


INTRODUÇÃO

O ano de 1988 é um marco histórico na democracia brasileira, pois representa o ano da promulgação da nossa atual Constituição, a Carta de 88. Conhecida como constituição cidadã, teve o papel de resgatar os direitos renegados no período ditatorial que a precedeu, de forma a recuperar e construir um terreno sólido para a proliferação da democracia. Com a formação da Assembleia Constituinte e participação ativa do povo, a presente constituição foi responsável por trazer uma série de inovações com base no regime democrático, fundamentando-se conjuntamente com os tratados internacionais realizados, como o caso do Pacto da Costa Rica.

Contudo, o principal impacto causado pela Constituição de 88 foi no que concerne aos direitos sociais, incluindo várias garantias e princípios que visam respeitar e representar os desejos e vontades da sociedade. Neste sentido, foi incluído o rol do art. 5º, artigo responsável por elencar os direitos fundamentais da Constituição.

Agora, passados 30 anos de sua promulgação, é hora de recapitular se, os direitos sociais previstos e amparados pela carta magna permanecem sendo, de fato, respeitados na atualidade. Além disso, vale analisar se apenas a Constituição tem sido suficiente para protegê-los ou se temos legislações que sirvam como apoio para que eles sejam em sua totalidade respeitados e garantidos. Afinal, embora a nossa Constituição seja a base de todas as demais leis, sem apoio legislativos, políticas públicas e ações afirmativas, estes direitos carecem de amparo legal.

A FORMAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E SEU CONTEXTO HISTÓRICO

Antes de falar sobre os direitos sociais em si previstos na Constituição, é preciso entender como a mesma surgiu, para compreender o contexto em que se criou e como tal refletiu na composição dela.

A Constituição de 1988, nossa atual Carta Magna, surgiu após um período muito conturbado da história brasileira, conhecido como ditadura militar, que durou cerca de duas décadas entre os anos 60 e 80 e foi responsável por dizimar e renegar uma série de conquistas democráticas alcançadas pelas constituições anteriores, sendo este um período marcado pelo autoritarismo de quem estava no poder.

As lutas pela democracia são antigas, porém, foram bruscamente interrompidas devido ao período supracitado. Assim, a Constituição de 1988 adentra como um suspiro de alívio e uma maneira de combater o autoritarismo imposto por anos no país, sendo, portanto, este momento visto historicamente como precursor da reconstrução democrática no Brasil.

Desta forma, nasceu o texto constitucional de forma pragmática e extensa, contemplando em seu teor mais de 200 artigos que resultam de conquistas promissoras e revolucionárias para a época, indo muito além do que era compreendido como norma básicas da convivência democrática para que pudesse evoluir no terreno concreto das políticas públicas (Coutos & Arantes, 2006), sendo, consequentemente, um conjunto de regras do jogo e ao mesmo tempo um projeto detalhado e generoso da sociedade, justificando a característica atribuída a si como “cidadã” (Almeida, 2018).

Contudo, precisamos compreender que o clima do período em que foi promulgada a Constituição é repleto de incertezas e receios, oriundos dos terrores e represálias experimentados pela ditadura militar. Maria Herminia, em seu artigo “A Constituição Cidadã aos Trinta Anos”, descreve como era o cenário vivenciado na época da elaboração da carta constitucional:

As circunstâncias do nascimento do novo regime deixaram marcas fundas no documento. De um lado, a feitura da Constituição foi um processo aberto ao público. Durante os dois anos em que os constituintes estiveram reunidos, chegaram ao Congresso nacional manifestações e demandas as mais diversas, espelhando as múltiplas aspirações sociais que agora podiam vir à luz. De outro, ninguém estava seguro de que a democracia prosperaria sem retrocessos. (Almeida, 2018)

Contudo, com o passar do tempo, percebe-se que a Constituição passou a ser apreciada de maneira mais madura, enxergando avaliativamente suas qualificações e limitações. Sendo assim, passa-se a ver que de um lado, teremos os constituintes que foram responsáveis por promover a constitucionalização de temas que melhor se encaixavam nas agendas de políticas governamentais, consignaram as emendas constitucionais como um recurso em posse de presidentes capazes de formar maioria qualificada no Congresso. Já de outro, asseguraram representatividade abundante no que concerne ao reconhecimento de direitos de minorias que antes eram marginalizadas e excluídas, além de promoverem a reforma progressista do sistema de proteção social (Almeida, 2018).

Ainda, analisando o texto de 88, percebe-se que muito do mesmo já havia sido insinuado nas constituições de 1946 e 1967, porém, ele é responsável por consagrar direitos que conhecemos como “terceira dimensão”, ressaltando temas como solidariedade e fraternidade.

Destaca-se que o final da década 80 e início da década de 90 foi marcado pela implementação do conceito de neoliberalismo no Brasil, pois durante o governo Collor foram implantadas ideias acerca de políticas econômicas e sociais com caráter neoliberal, sendo estas intensificadas no governo do FHC. O processo conhecido como globalização e sua expressão política teve como protagonismo a ascensão do neoliberalismo, que resultou em profundas transformações no cenário político, econômico e social, tanto no Brasil quanto no resto do mundo (Ferrer, 2018, p. 12).

Ainda, em seu artigo “Constituição Federal e Direitos Sociais: uma análise econômica e social do atual Estado brasileiro”, Walkiria Ferrer (2018), aduz sobre como a influência do neoliberalismo e a exponenciação da valorização da demanda social afetaram os anos seguintes aos governos citados anteriormente:

Tendo a demanda social como expressão máxima, inaugura-se no país um novo ciclo político econômico, com a ascensão do bloco de poder político denominado neodesenvolvimentismo, com a ascensão de Luiz Inácio da Silva à presidência da República, inaugurando uma nova fase da política econômica brasileira.

Inicialmente como um reflexo do programa neoliberal, tal movimento político surgiu com a proposta do crescimento econômico associado à inclusão social e a redução da desigualdade social no país. Esse período, associado aos governos de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef foi marcado por políticas também denominadas neokeynesianas, com o poder público direcionado à solução de históricos problemas de cunho social, o que, de certa forma, obteve êxito. (Ferrer, 2018, p. 13)

Portanto, essa valorização das demandas sociais iniciadas na Constituição de 1988 e repercurtida nos anos seguintes ao longo dos governos com positiva influência do neolliberalismo, trouxe resultados positivos para os dias atuais. Sem dúvidas, o Brasil vislumbrou melhoras significativos nos indicadores sociais, dando ênfase aos que representam as camadas pobres do proletariado brasileiro atendidas pelos programas sociais dos governos Lula e Dilma, visto que, de 2003 a 2012, houve diminuição do índice de desigualdade social em consequência da redução da pobreza extrema, além de aumentar o consumo dos pobres com o aumento da posse de bens duráveis e o acesso a serviços públicos (Alves, 2014, p. 170).

Contudo, Ferrer ressalta que: “não podemos esquecer que a lógica do mercado livre nem sempre vai conseguir garantir os direitos sociais a toda a população, sendo fundamental sua previsão no texto constitucional e ação do Estado no sentido de estabelecer políticas públicas que os garantam” (Ferrer, 2018, p. 15).

Ademais, além das influências decorrentes de ideologias políticas, a Constituição recebeu grande apoio de tratados internacionais e dos Direitos Humanos, tópico que será apresentado a seguir.

A INFLUÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO E SEUS IMPACTOS

A necessidade de construção de direitos com alcance universal existe há anos, com princípios históricos na Revolução Francesa. Contudo, a Declaração Universal de Direitos Humanos surgiu em um momento como uma forma de resgatar a pauta da humanidade que fora interrompida pelo nazismo avassalador decorrente da Segunda Guerra Mundial. Desta maneira, tal Declaração significa o momento fundador da reconstrução dos direitos humanos (Lafer & Fonseca Júnior, 1994).

Como uma maneira de reunir as nações após o período conturbado pós-guerra, para que tal situação não se repetisse, é que houve a elaboração da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1946, visando manter a paz entre os países e, como ressaltado no parágrafo anterior, aproximar a humanidade que se viu separada por anos no século XX com duas guerras mundiais que dizimaram diversas vidas. No âmbito jurídico, destacam-se dois processos: o primeiro sendo da internacionalização dos direitos humanos pós-segunda guerra. O outro se refere a internalização dos direitos humanos nos direitos reconhecidos e positivados em nível nacional, que está em processo no Brasil e nos demais países que assinaram a Declaração Universal.

Contudo, deve-se ressaltar que esta reunião entre países visando determinar regras de consenso universal para que sejam igualmente aplicadas e respeitadas nas nações signatárias seria um trabalho de longo tempo, pois trata-se de uma longa e árdua tarefa. Ainda, neste sentido, pode-se dizer que a Declaração Universal de Direitos Humanos é volátil, estando sujeita a alterações, modificações e inclusões com base nas negociações feitas entre os países participantes.

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Analisando sob a perspectiva da nossa Constituição, é perceptível que ela também foi impactada pela Declaração, começando pelo próprio parágrafo 1º que estabeleceu o poder constituinte do povo, aplicando um dispositivo progressista democrático ao afirmar o exercício da democracia para eleger o representante do povo: (“Art. 1º, p.ú. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”).

Sendo assim, sob a égide do processo de internalização dos direitos humanos, a Constituição provou estar muito a frente do seu tempo ao redigir em seu texto legal direitos dedicados aos cidadãos e cidadãs brasileiros. Nas palavras de Roseli Fischmann, tal previsão é resultado do processo de luta e conquista por um Estado democrático e que a influência dos direitos humanos foi crucial para sua elaboração, descrevendo que

A Constituição teve como característica resultar de processo de lutas e reivindicações que mobilizaram a sociedade civil organizada em oposição à ditadura. O recurso aos documentos internacionais de proteção dos direitos humanos foi fundamental e muitas vezes crucial tanto para invocar direitos cujo respeito se tinha como evidentes, denunciando assim o arbítrio, como para garantir mesmo a vida dos ativistas que se envolveram no confronto direto com as forças da repressão - e, muitas vezes, nem esse recurso teve como evitar o pior. De certa forma, é como se os aspectos que, da complexa negociação, resultaram mais progressistas da Constituição de 1988 fossem já afiliados à Declaração Universal, direta ou indiretamente, gerando entre os dois documentos ligações indeléveis (Fischmann, 2009).

Ainda, segue falando sobre alguns exemplos de impactos causados pela Declaração no que tange aos direitos sociais da nossa Constituição, vejamos

No campo social mais amplo e em sua relação com as conquistas internacionais que tiveram repercussão na educação, uma primeira vertente a mencionar é o fortalecimento dos movimentos indígenas, a partir da realização da Conferência Mundial dos Povos Indígenas, que se realizou como organização politicamente autônoma, em paralelo à Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a "Rio-92". Marcos Terena, líder indígena brasileiro, foi o coordenador geral dessa Conferência, da qual resultou a "Carta da Terra", que incorporou 109 recomendações feitas por 700 indígenas de todo o mundo, e a "Declaração da Kari-Oca", assim denominados os resultados da reunião por haver sido realizada na denominada "Aldeia Kari-Oca", a trinta quilômetros da cidade do Rio de Janeiro (Terena, 2008).1 Essa conferência, que se afirmou como marco internacional, fortaleceu a emergência de novos participantes indígenas e de novas relações políticas na arena social, sendo que alguns dos protagonistas têm gradativamente sido reconhecidos como interlocutores na arena educacional, assumindo cada vez mais significado e espaço nos debates sobre a educação nacional. Para analisar as relações entre o nacional e o internacional, vale lembrar que a Constituição Federal de 1988 já havia incorporado grandes conquistas de direitos dos indígenas, em particular com relação ao respeito aos seus modos próprios de educação e aprendizagem, de valorização das línguas e culturas indígenas. Contudo, a presença internacional tratando do tema fortaleceu o que já era, então, aqui, letra constitucional. (Fischmann, 2009).

Dando especial atenção ao âmbito educacional, a maneira que foi surgindo a mobilização polítco-educacional, assim como as pautas que foram inicialmente discutidas em 1932, com o Manifesto dos Pioneiros, e na década de 50, com a Campanha em Defesa da Escola Pública, foram responsáveis por incentivar a criação do modo próprio de trabalho pelos educadores participantes. Dito isso, é que se nota uma diversidade interna, construindo diferentes articulações internacionais, no auxílio para propor temas, ou até mesmo na influência na escolha das pautas, resultado esse da busca por um currículo acadêmico impecável porém em equilíbrio com o constante diálogo com as forças sociais (Fischmann, 2009).

Contudo, sobre este tema, existe a controvérsia da presença do ensino religioso nas escolas, disciplina presente nos currículos escolares de forma obrigatório durante anos devido a grande influência da Igreja Católica na história do país. Este conflito surge pois a Constituição de 1988 declarou que o Estado é laico, ou seja, desprovido de uma religião oficial e retirando assim, o poderio da Igreja Católica sobre as decisões a serem tomadas pelos representantes elegidos democraticamente para representar o povo. Afinal, o Brasil é conhecido pela sua variedade de crenças, portanto, a obrigatoriedade de lecionar tal matéria fere o direito constitucional fundamental de liberdade religiosa.

Devido a Constituição, essa matéria passou a ser facultativa nos currículos escolares, dando liberdade aos pais para decidirem se seus filhos irão acompanhar ou não essa disciplina. Ocorre que tal princípio não tem sido efetivamente correspondidos nas localidades em que se aplica, estando muitas vezes sem ter o devido conhecimento pelos pais e alunos de que possuem tal escolha. Fischmann (2009) explica de forma didática a problemática desta situação

Estudos recentes demonstram que os estudantes sequer são informados dessa liberdade que têm garantida, de escolher se querem ou não assistir a aulas de ensino religioso; ou, pior ainda, a estrutura como o ensino religioso é oferecido sequer permite que os estudantes, em particular os mais jovens, das séries iniciais, tenham qualquer possibilidade à facultatividade, tornando o ensino religioso evidentemente inconstitucional. O constrangimento é a norma na prática, como se todos estivessem automaticamente matriculados, e manifestar sua discordância pode se constituir em tarefainglória, a menos que se recorra à Justiça. (Fischmann, 2009).

Outra importante temática responsável por acirrados debates é a questão das cotas raciais em concurso públicos e acesso a universidade. Há quem diga que se trata de algo inconstitucional por ferir o direito de igualdade material, gerando uma espécie de “desigualdade” entre os candidatos por dar “vantagem” aos candidatos negros na conquista das vagas. Ocorre que tal entendimento é reflexo de uma ideologia racista perpetuada por anos de escravidão e de práticas reforçadas e incentivadas pela sociedade para diminuir e marginalizar a população negra brasileira, afinal, não é a toa que fomos o último páis da América do Sul a abolir a escravidão. Sobre este tema, Fischmann (2009) fala sobre o papel cabível aos pesquisadores como ela ao discorrer sobre o assunto

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Mas no contexto das análises que nós, pesquisadoras e pesquisadores, podemos oferecer, é preciso reafirmar o direito à igualdade material, que pede que sejam adotadas ações afirmativas - e as cotas aí se encontram - voltadas para atender grupos nas singularidades e necessidades historicamente construídas de cada um. Isso de forma a garantir bases efetivas para a democracia, pelo reconhecimento do valor insubstituível da contribuição de cada grupo à composição política da sociedade. Esse debate vem amparado em documentos internacionais, como a já citada Convenção contra o Racismo, bem como a Convenção e Programa de Ação de Durban que resultou da Conferência Mundial contra o Racismo realizada na África do Sul em 2001.

Portanto, pode se concluir que a Constituição e o país como um todo estão:

a) plenamente inseridos na internacionalização dos direitos humanos, inclusive no caso da educação (participação em Jomtien, influência na convenção dos direitos das crianças etc.); (b) o processo de internalização dos direitos humanos no Brasil é antigo e, no caso da educação, seu atendimento vem sendo buscado, embora com pontos ainda de conflito, de complexidade variável; (c) a participação brasileira permitiria falar em uma "externalização" de nossas conquistas e processos nacionais. (Fischamnn, 2009)

O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS

Os direitos sociais previstos na Carta de 1988 possuem um capítulo próprio, que engloba os artigos 6º ao 12º, tendo cada uma finalidade específica, o qual passaremos a analisar minunciosamente cada um, para compreender o impacto do texto legal na sociedade brasileira da época e atual.

Começando pelo artigo 6º, que define de forma ampla os direitos sociais, citando a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Ou seja, ele elenca uma série de assuntos pertinentes ao âmbito social e reafirmando a necessidade de protegê-los e garanti-los por meio do texto constitucional.

O artigo 7º e seus incisos é responsável por concentrar os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, totalizando cerca de 34 incisos de garantias para a classe trabalhadora. Dentre os incisos, destacam-se: o inciso I, que protege a relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar que preverá indenização compensatória; inciso II, que garante o seguro-desemprego em caso de demissão involuntária; inciso IV que fala sobre o salário-mínimo fixado em lei capaz de atender as necessidades vitais básicas; inciso IX, que aborda o PLR (participação nos lucros ou resultados da empresa) para os trabalhadores; inciso XIII, sobre a fixação da carga horária de trabalho não superior a oito horas diárias e 44 semanais, importante avanço no âmbito trabalhista brasileiro onde antes os funcionários estavam sujeitos a trabalharem mais de 12 horas diárias sem respeitar a integridade do funcionário; inciso XIV, que estabeleceu a jornada de trabalho de seis horas diárias em turnos initeruptos de revezamento; inciso XVI, que determinou a remuneração em caso de serviço extraordinário superior a, no mínimo, cinquenta por cento do normal; inciso XVII, sobre o direito a férias; inciso XVIII e XIX que determinou a licença a maternidade e paternidade; inciso XXVII, acerca da proteção face a tecnologia e, por fim, o inciso XXIX, que ampliou os prazos de prescrição dos direitos do trabalhador urbano.

O artigo 8º representa um grande avanço, embora ainda muito precário, na questão sindical, pois proibiu qualquer intervenção do Estado na vida sindical, o que não ocorria até o momento da Constituição de 1988. Contudo, a liberdade deste setor é restrita no que concerne a sua forma de organização, eliminando qualquer possibilidade de que os trabalhadores escolham entre uma estrutura unicista ou pluralista. Ademais, com adição do artigo 37 da Constituição, também foi amplidada a representação sindical para os servidores públicos, porém, não lhe dando poder de negociação, o que gera um fator controverso neste assunto.

O artigo 9º possivelmente é o que representa maior avanço ao legislar sobre o direito de greve, tendo em vista que o ato de fazer greve sempre fora fortemente reprimido nas Constituições anteriores. Entretanto, existe uma controvérsia sobre esse ponto devido a Lei nº 7.783 de 1989 proveniente de uma Medida Provisória feita durante o governo Sarney, onde tal direito fora restringido para alguns setores e tendo que passar por uma série de procedimentos para que a greve ocorra, contrariando o dispositivo constitucional. Essa lei segue em vigor e, por ser inconstitucional, deveria ser revogada.

Por fim, temos o artigo 11º, que prevê a eleição de um representante dos trabalhadores em empresas com mais de duzentos empregados. Juntamente com o direito a greve e os direitos trabalhistas protegidos no rol do artigo 7º, o artigo 11º reforça o avanço trabalhista advindo pela Carta de 1988. Contudo, o entendimento majoritário é que tal dispositivo legal depende de regulamentação, fato que não se concretizou até os dias atuais.

Ainda, denota-se que a Constituição também obteve papel importante no tocante a seguridade social, onde o artigo 194 determina esse termo como um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a garantir os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (Oliveira, Oliveira, 2011).

Sendo assim, embora fique claro que a Constituição de 1988 pelo seu caráter social trouxe avanços neste aspecto e fora responsável por redigir e garantir uma série de direitos pertencentes ao assunto, ainda carece de apoio legislativo para que tais dispositivos se concretizem, tendo em vista que ela foi feita para o povo e pelo povo.

CONCLUSÃO

O avanço experimentado pela Constituição de 1988 no tocante aos direitos sociais segue enfrentando desafios até os dias atuais. Indubitável é de que ela significou um grande marco para a reforma democrática instaurada no país pós-ditadura, tendo uma enorme representatividade para o movimento progressista democrático brasileiro. Afinal, além de contemplar os direitos e garantias fundamentais, também libertou as amarras oriundas do autoritarismo presente nas Constituições anteriores, visando também um futuro aparentemente incerto ao garantir uma ampla gama de direitos sociais, políticos e civis ao transformá-los em dispositivos legais.

No decorrer dos anos, a Constituição mostrou-se capaz de acompanhar o ritmo das agendas públicas políticas, dando um rumo para o caminho em direção ao progresso social enquanto oferecia amparo para que conflitos de interesses na sociedade pudessem ser debatidos e processados dentro das normas democráticas.

Todavia, embora dotada de superioridade legal, a Constituição de 1988 ainda encontra brechas para que se veja amplamente internalizada e respeitada pelas legislações que a acompanham. Pois, apesar de previsto como dispositivo constitucional, resta claro que carecem de regulamentação e de ações afirmativas que os apoiem para que possam exercer sua função. Afinal, não basta apenas o texto constitucional, mas também a sua aplicação deve se fazer valer, visto que foram anos de luta para transformarmos o Brasil em um estado democrático.

Ademais, considerando o que preconiza o primeiro artigo da Constituição de 1988, todo o poder emana do povo e deve ser para ele, portanto, as leis precisam estar em consonância com os direitos e garantias da população brasileira.

Neste sentido, a Constituição, apesar de muito progressista para a época em que foi redigida, se vê dependente de leis que acompanhem o seu pensamento e, principalmente, primem pela sua soberania e proteção a qual se dedica a existir.

Logo, a esperança que se cria é que os direitos sociais previstos no texto constitucional passem a ser melhor representados pelos poderes do Estado e que sejam amplamente vistos e divulgados através de políticas públicas e ações afirmativas que reforçem o seu poder e representatividade. Afinal, o que é um país sem um povo para apoiá-lo?


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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