Desconsideração da proteção da criança e do adolescente no espaço virtual cultural

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PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO VIRTUAL

INTRODUÇÃO

Neste trabalho será abordado o tema da desconsideração da proteção da criança e do adolescente no espaço virtual e cultural com ênfase nos princípios dos Direitos da Infância e da Juventude, e do Estatuto da Criança e do Adolescente, em vista da atual sociedade imersa em um mundo virtual com acesso desenfreado aos diversos conteúdos (bons e maus), e ao meio cultural.

Sabe-se que o acesso à internet a todas as pessoas vem sendo uma conquista para a inclusão de todos da sociedade. Atualmente este acesso está inserido em um meio cultural que vivemos, principalmente nesta última década, onde as maiores reproduções midiáticas são reproduzidas por plataformas desenvolvidas para funcionarem especialmente com o uso da internet como os chamados Streamings que é a tecnologia de transmissão de dados nos meios virtuais, em especial na reprodução de áudio e vídeo como os videoclipes musicais, filmes, séries, desenhos, reality show, etc. Além das famosas redes sociais que as pessoas físicas e jurídicas podem criar seus perfis e adentrarem em uma rede de comunicação com todo o mundo.

Este meio virtual oferece inúmeros benefícios para a sociedade, seja na facilitação da comunicação, aproximando pessoas de até mesmo continentes diferentes, seja na revolução do meio de compra e venda nos meios virtuais que aumentaram significativamente uma vez que durante a pandemia muitos comércios de cunho não necessário se fecharam e as pessoas se viram em situação de isolamento fazendo com que a internet se fizesse útil para manter as relações consumeristas; seja para estudos, informação, etc.

Porém, deve-se observar que além dos inúmeros benefícios ofertados pelo meio virtual, há também os malefícios. Malefícios estes que atingem a todos os usuários virtuais, entretanto, há um público que fica demasiadamente exposto às malícias decorrentes da internet e este público é justamente àqueles que ainda não possuem formação mental adequada e madura para distinguir os

conteúdos a serem absorvidos e nem a capacidade para compreenderem certas circunstâncias a qual são submetidas virtualmente, ou seja, as crianças e os adolescentes. Estes, sem a devida proteção no ambiente virtual ficam expostos aos perigosos conteúdos que podem deformar a formação saudável de suas mentalidades, causando sérias implicações em seu meio comportamental e pleno desenvolvimento, atingindo áreas como a sexualidade, o convívio com os familiares e com a comunidade, o amadurecimento, a educação e vários outros aspectos que compõem a personalidade e comportamento de um ser humano.

Infelizmente, além dos conteúdos impróprios para a criança e para o adolescente oferecidos deliberadamente na internet, é necessário expor que a falta de proteção no ambiente virtual também faz jus aos crescentes casos de pedofilia infantil e de violência sexual e moral. Onde os criminosos têm a facilidade de se esconderem atrás das telas e atraírem estas ingênuas vítimas de diversas formas.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

“Mas, se alguém fizer cair em pecado um destes pequenos que creem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem no fundo do mar.” (Mt 18, 6. Bíblia Sagrada, editora Ave-Maria, 217° edição, edição Claretiana-2021, p. 1.306). Um dos livros mais antigos, escrito em média de dois mil anos atrás, nos revela o estrito cuidado e dever de zelar daqueles chamados “pequenos”, as crianças e os adolescentes. Religioso ou não, há de se concordar que o versículo apresenta o dever legal que conhecemos a partir do princípio da proteção integral da criança e do adolescente que visa garantir desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade; e aquele que, porventura, violar por ação ou omissão, qualquer um destes direitos deverá responder, em conformidade justa e legal, por seus atos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ascendeu no Brasil como norma revolucionária no trato do direito infantojuvenil. Crianças e adolescentes que eram, arcaicamente, tratados como meros objetos de tutela passaram a ser verdadeiros sujeitos de direito.

Talvez hoje pareça ser estranho e até mesmo repugnante pensar que seres humanos em corpos de crianças e adolescentes não eram considerados dignos de receberem a tutela e garantia que eram concedidos aos adultos, uma vez que em nossa atual sociedade Estado damos especial proteção e preferência a estes seres que são considerados por nós como pessoas que, devido a sua especial condição de desenvolvimento etário, merecem ser tratadas conforme sua peculiaridade o exige.

Não há o que se falar em igualdade de direitos entre crianças e adolescentes com os adultos, uma vez que este último, em condições psíquicas saudáveis, já tenha suas faculdades mentais formadas para serem conhecedores de seus direitos e deveres sociais e pessoais, enquanto os menores não possuem tal mentalidade formada, mas sim em desenvolvimento, que a depender da idade sequer podem reconhecer ato de violência cometido sobre si próprias.

Na realidade, o instituto de tratamento deve ser a equidade que tratará as diferenças entre adultos e menores conforme as desigualdades entre as mesmas, dando a cada um a tutela necessária para garantir proteção dentro das necessidades e especificidades que cada pessoa tem nas fases de vida da infância, da juventude e da maioridade, que são claramente diversas devido a diferença de idade. Portanto, resta justificado o espanto sobre as crianças e os adolescentes serem tratados anteriormente como meros objetos de tutela.

Linha do Tempo dos Direitos da Criança e do Adolescente: Traçado Histórico ao Reconhecimento de Direitos e Garantias Fundamentais.

Atualmente as crianças e os adolescentes são tratados como sujeitos de direito. Em Francisco Amaral, em sua obra “Direito Civil: introdução”, podemos destacar a definição do que é ser sujeito de direito in litteris: Elemento subjetivo das relações jurídicas são os sujeitos de direito. Sujeito de direito é quem participa da relação jurídica, sendo titular de direitos e deveres. A possibilidade de alguém participar de relações jurídicas decorre de uma qualidade inerente ao ser humano, que o torna titular de direitos e deveres.

Em uma entrevista para a instituição “Livre de Trabalho Infantil”. o desembargador Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, que é vice-coordenador da Infância e Juventude no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e membro fundador da Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente (NECA); explica que a ideia do sujeito de direito como uma criança ou jovem protegido integralmente pela lei e capaz de exercer direitos em nome próprio só passou a ser considerada efetivamente no país a partir da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990:

“Antes do ECA, a criança e o adolescente eram tidos como incapazes e qualquer direito era exercido por quem detinha o poder familiar, como pais ou tutores. Agora, eles deixam de ser objetos e passam a ser sujeitos, detendo direitos próprios e sendo considerados cidadãos.”. (ECA, 1990)

O desembargador ainda cita na entrevista, como exemplo prático, um processo judicial que envolve adoção ou destituição familiar dizendo que hoje,

em uma situação familiar, a criança ou o adolescente deve ser ouvido, obrigatoriamente, e que sua vontade precisa ser considerada pelo juiz.

Entretanto, existe uma evolução histórica, social e normativa, para que a criança e o adolescente adquirissem a personificação como sujeitos de direito. Dentro desta evolução há fatos sociais e lutas que vieram pouco a pouco mudando a maneira como os menores eram tratados pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Parece ser possível delimitar o tratamento dado à criança e ao adolescente dentro do ordenamento jurídico brasileiro em três fases: na primeira fase, aproximadamente entre os séculos XVI ao século XIX (1501 a 1900), conforme retrata Ariès (1978), em regra, a criança e o adolescente eram reconhecidos pelos adultos como “bichinhos de estimação”. Na segunda fase, aproximadamente a partir da primeira metade do século XX (1901 a 1950), passam a ser tratados como “objetos” de tutela do Estado. E, por fim, na segunda metade do século XX, até os tempos atuais, passam a receber maior proteção tanto da sociedade quanto do Estado, tornando-se alvo de proteção integral e prioritária (revista online: Revista Brasileira de Políticas Públicas. volume 7, nº 2, 2017 p. 315).

  1. Primeira fase: crianças e adolescentes considerados adultos em corpos de crianças

Na primeira fase, aproximadamente, entre os séculos XVI ao século XIX, as crianças e adolescentes eram tratados, na maioria das vezes, como seres sem relevância. A alta taxa de mortalidade fazia com que as famílias não tivessem muito apego às crianças e, conforme o autor Scarano, a morte não era encarada como uma tragédia, outras crianças poderiam nascer substituindo as que se foram. Era aceita como uma fatalidade, tantas nasciam e morriam, sendo substituídas por outras. Não era vista como um ser que fazia falta.

Para vislumbrar a taxa de mortalidade da época, seguimos as palavras de Chalmel:

“De fato, nesse fim do século XVIII, o bebê que vem à luz tem pouco mais que 50% de chance de ultrapassar o marco dos dois anos. A falta de cuidados e de higiene, a desnutrição e a deficiência da medicina, os abandonos de crianças quando as condições econômicas se tornam duras demais para as classes populares são alguns dos fatores que favorecem essa pavorosa mortalidade (...). O único remédio conhecido é (...) ter muitos filhos e ele é seguido à risca. O estatuto do lactente é pouco invejável ele incomoda a burguesia nas suas atividades mundanas e estorva a operária obrigada a trabalhar do raiar do sol ao anoitecer: “Das vinte e uma mil crianças que nascem a cada ano, menos de mil são alimentadas por suas mães e mil são alimentadas em domicílio por uma ama. Todas as outras, ou seja, dezenove mil, são confiadas a uma criadeira”. Esta é a terrível conclusão estatística à qual chega, em 1780, Lenoir, tenentegeral de polícia em Paris (...). Independentemente de seus meios de origem, verdadeiras organizações de aliciamento encaminham as crianças para casas de amas-de-leite mercenárias. Durante o transporte, a mortalidade é grande. Entretanto, essa mortalidade muito elevada, em si, não basta para desculpar a falta de investimento, pelas mães, “na particularidade infantil”.”. (CHALMEL, 2004, p. 62).

Ainda sobre o desapego das famílias com as crianças:

“Ninguém pensava em conservar o retrato de uma criança que tivesse sobrevivido e se tornado adulta ou que tivesse morrido pequena. No primeiro caso, a infância era apenas uma fase sem importância, que não fazia sentido fixar na lembrança; no segundo, o da criança morta, não se considerava que essa coisinha desaparecida tão cedo fosse digna de lembranças: havia tantas crianças, cuja sobrevivência era tão problemática. Ainda no século XVIII, vemos uma vizinha, mulher de um relator, tranquilizar assim uma mulher inquieta, mãe de cinco “pestes”, e que acabara de dar à luz: “Antes que eles te possam causar muitos problemas, tu terás perdido a metade, e quem sabe todos”. Estranho consolo! As pessoas não se podiam apegar muito a algo que era considerado uma perda eventual.”. (ARIÈS, 1978, p. 56-57).

Em território brasileiro, no período colonial, além de adultos, as embarcações marítimas portuguesas traziam consigo para povoar a Terra de Santa Cruz algumas categorias de crianças como: grumetes, pajens, órfãs do Rei ou somente passageiros acompanhados de seus pais ou responsáveis.

Conforme ressalta Ramos (2010), com a comparência feminina escassa, as crianças (ainda que acompanhadas por seus responsáveis) eram violentamente submetidas a abusos sexuais de marujos. Ademais, as órfãs do Rei (virgens destinadas a casar com os membros da Coroa e, consequentemente, contribuir com a proliferação e constituição da família em terras brasileiras) eram diuturnamente guardadas e vigiadas para não serem violentadas e, assim, não perderem o que tinham de mais valioso à época, qual seja, a virgindade.

Sobre isso, Ramos levanta o seguinte questionamento:

“Em uma época em que meninas de quinze anos eram consideradas aptas para casar, e, meninos de nove anos plenamente capacitados para o trabalho pesado, o cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas era extremamente penoso para os pequeninos. Os meninos não eram ainda homens, mas eram tratados como se fossem, e ao mesmo tempo eram considerados como pouco mais que animais cuja mão de obra deveria ser explorada enquanto durasse sua vida útil. As meninas de doze a dezesseis anos não eram ainda mulheres, mas em idade considerada casadoura pela Igreja Católica, eram caçadas e cobiçadas como se o fossem. Em meio ao mundo adulto, o universo infantil não tinha espaço: as crianças eram obrigadas a se adaptar ou perecer. Neste sentido, seriam os grumetes e pajens considerados crianças ou eram vistos como adultos em corpos infantis?”. (RAMOS, 2010, p.48-49).

Em pesquisa dedicada ao trabalho infantil, Teixeira (2007), relata que o trabalho infantil faz parte da realidade brasileira desde o seu período colonial e era primordial para o bom funcionamento do lar, em especial, dos domicílios rurais e economicamente mais carentes. Para essas famílias as melhores chances de sobrevivência dependiam do trabalho braçal, sendo assim, quanto maior a quantidade de filhos, mais trabalhadores e mais sustento.

Sobre o assunto, diz-se, inclusive que:

“A pobreza, a escolaridade dos pais, o tamanho e a estrutura da família, o sexo do chefe, idade em que os pais começaram a trabalhar e o local de residência são os determinantes mais analisados e dos mais importantes para explicar a alocação do tempo da criança para o trabalho. As principais consequências socioeconômicas do trabalho de crianças e de adolescentes são sobre a educação, o salário e a saúde dos indivíduos (...). Os primeiros relatos do trabalho infantil no Brasil ocorrem na época da escravidão, que perdurou por quase quatro séculos no País. Os filhos de escravos acompanhavam seus pais nas mais diversas atividades em que se empregava mão-de-obra escrava e exerciam tarefas que exigiam esforços muito superiores às suas possibilidades físicas. O início do processo de industrialização, no final do século XIX, não foi muito diferente de outros países no tocante ao trabalho infantil. Em 1890, do total de empregados em estabelecimentos industriais de São Paulo, 15% era formado por crianças e adolescentes. Nesse mesmo ano, o Departamento de Estatística e Arquivo do Estado de São Paulo registrava que um quarto da mão-de-obra empregada no setor têxtil da capital paulista era formada por crianças e adolescentes.”. (KASSOUF, 2007, p. 324).

Nesta primeira fase, a duração da infância era reduzida ao seu período mais frágil. Logo que a criança desenvolvia certa independência física como se alimentar, trocar sua vestimenta e cuidar de sua higiene, era misturada aos

adultos diferenciando-se apenas por seu tamanho e força para o trabalho. Não havia critérios biológicos de desenvolvimento para os pequenos e muito menos princípios educacionais como prioridade. De criancinha pequena ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude. (ARIÈS, 1978).

A arte medieval expressa essa rápida transição da infância para a vida adulta por meio dos quadros que eram pintados com figuras de crianças que apesar de pequenas, continham características dos adultos, as meninas eram representadas com maquiagem, joias e roupas pomposas e os meninos com roupas iguais dos homens. Também eram pintadas imagens de uma nudez de crianças com musculatura abdominal e peitoral de um adulto, ou seja, eram apenas figuras de pessoas pequenas com corpo de adultos.

O quadro pintado pelo espanhol Diego Velazques, aproximadamente em 1656 (segunda metade do século XVII), intitulado As Meninas, demonstra a forma com que as crianças daquela época eram cuidadas. Vê-se que, apesar de a pintura aduzir outros personagens, a obra tem como figura central a princesa Margarida de Áustria, que, à época com cinco anos de idade, aparece na obra vestida, penteada e maquiada igual às mulheres adultas daquela época.

Nesse contexto, merece ressalva o seguinte entendimento:

“As pinturas do século XVI ao XIX retratavam as crianças vestidas e enfeitadas como adultos em miniaturas. Os sentimentos expressos na face, a posse, assim como a musculatura, mostrava que não existia distância do mundo das crianças e dos adultos. A criança exercia dentro da organização social as atividades impostas aos mais velhos, variando essas de acordo com a condição social da família. Para as famílias nobres aos 7 anos eram levadas a ter aulas como de escrita, e música. Já para as menos abastadas, restavam as tarefas da economia familiar, e o aprendizado e ajuda nos ofícios dos pais.”. (BARBOSA; QUEDES, 2008, p. 32).

No final do século XIX, a indiferença com que eram tratados as crianças e adolescentes, principalmente por seus pais, passou a ser contestada. Tânia da Silva Pereira (1996) expõe que, influenciado pelos ideais iluministas e pela independência americana, o filósofo francês Jean Jacques Rousseau, com fundamento nos princípios universais de liberdade, igualdade e fraternidade,

passou a demonstrar preocupação com as crianças e adolescentes daquela época.

  1. Segunda fase: a criança e o adolescente como objeto de tutela do estado Na segunda fase, aproximadamente na primeira metade do século XX, a

criança e passaram a ser vistos como um “objeto” de tutela do Estado. Conforme explica Corral (2004), o motivo principal para considerá-los como “objeto” de proteção paterna ou estatal e não como sujeitos detentores de direitos subjetivos era o fato de a menoridade naquela época ser considerada um status do indivíduo (semelhante ao estado civil), prevalecendo o aspecto de “imperfeição” destes indivíduos em fase de desenvolvimento, e, atrelada a esta “imperfeição”, a necessidade de proteção e cuidado. Assim, os direitos legais da criança e do adolescente aparecem como autênticos direitos reflexos do interesse paterno ou social, não havendo, portanto, a preocupação em fazer com que estes indivíduos exercessem, ainda que de forma diminuta, a sua autonomia privada.

Com a vigência do Código Beviláqua em 1917, e ao entrar em vigor o Decreto n° 17.943-A de 12 de outubro de 1927, conhecido como Código de Menores (apesar de este ainda não proteger integralmente a criança e o adolescente, resguardando tão somente aqueles que se encontravam em situação irregular), o legislador brasileiro passou a refletir sobre a situação da criança e do adolescente no país.

Dornelles constata que:

“Os menores em situação irregular seriam aqueles que se encontrassem em condições de privação no que se refere à subsistência, saúde, instrução, etc.; vítimas de maus-tratos impostos pelos pais ou responsável; se encontrassem em ambientes que ferem os bons costumes; que apresentassem condutas desviantes, incluindo- se os autores de infrações penais. A utilização da expressão “menor em situação irregular”, pressupunha uma anormalidade que passava a identificar a criança e o adolescente com categorias de indivíduos estranhos, problemáticos ou perigosos.”. (DORNELLES, 1992, p. 127).

Com as leis de assistência e proteção a menores (Código de Menores), a criança e o adolescente passaram a receber, ainda que de forma discriminatória alguma assistência e proteção do Estado:

Art. 1º. O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente às medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo.

Art. 2º. Toda creança de menos de dous annos de idade entregue a criar, ou em ablactação ou guarda, fóra da casa dos paes ou responsaveis, mediante salario, torna-se por esse facto objecto da vigilancia da autoridade publica, com o fim de lhe proteger a vida e a saude.

Art. 21 Quem encontrar infante exposto, deve apresental-o, ou dar aviso do seu achado, á autoridade policial no Districto Federal ou, nos Estados, á autoridade publica mais proxima do local onde estiver o infante.

Art. 22. A autoridade, a quem fôr apresentado um infante exposto, deve mandar inscrevel-o no registro civil de nascimento dentro do prazo e segundo as formalidades regulamentares, declarando-se no registro o dia, mez e anno, o logar em que foi exposto, e a idade apparente; sob as penas do art. 388 do Codigo Penal, e os mais de direito. (BRASIL, 1927)1.

Nesse sentido, nota-se que o Código de Menores era voltado para uma doutrina de situação irregular. Em seu art. 26 o código refere-se aos abandonados como aqueles menores de 18 anos que se enquadrassem nas características que os incisos apresentavam. Além de caracterizar as crianças e os adolescentes como abandonados, o código também os configurava como vadios, mendigos e libertinos.

“Art. 26. Consideram-se abandonados os menores de 18 annos(...); Art. 28. São vadios os menores que(...);

Art. 29. São mendigos os menores que habitualmente pedem esmola para si ou para outrem, ainda que este seja seu pae ou sua mãe,ou pedem donativo sob pretexto de venda ou offerecimento de objectos;

Art. 30. São libertinos os menores que habitualmente(...)”. (BRASIL, 1927).

A Revista Brasileira de Políticas Públicas, para ilustrar esta fase dos direitos das crianças, faz menção às obras brasileiras da época. Destacando os romancistas José Lins do Rego e Jorge Amado, mostraram em algumas de suas obras o desinteresse tanto do Estado quanto da família com o tratamento a ser dado à infância como fase preponderante para a formação do indivíduo.

1 Escrita da citação corresponde ao texto original.

Rego (2012), em sua obra Menino de Engenho, lançada em 1932, conta a história de Carlinhos que, com quatro anos de idade perde a mãe violentamente assassinada pelo pai, que acaba sendo internado em um hospício. Órfão, Carlinhos vai morar no engenho Santa Rosa localizado na zona canavieira e às margens do rio Paraíba de propriedade de seu avô materno. No engenho, Carlinhos vive misturado aos adultos e com apenas doze anos de idade enceta precocemente a sua vida sexual. Nessa iniciação prematura, contrai doença venérea, conhecida como sífilis. Isso faz com que Carlinhos perca imaturamente a inocência da infância e se torne um adulto em corpo de criança.

Por oportuno, transcreve-se excerto da obra em comento:

“Tinha uns doze anos quando conheci uma mulher, como homem. Andava atrás dela, beirando a sua tapera de palha, numa ânsia misturada de medo e de vergonha. Zefa Cajá era a grande mundana dos cabras do eito. Mas eu tinha que pagar o meu atributo antecipado do amor. Apanhei doença do mundo. Escondi muitos dias do povo da casa-grande. Ensinaram-me remédios que eu tomava em segredo na beira do rio. Dormia no sereno a goma com açúcar para os meus males. Não melhorava, tinha medo de urinar com as dores medonhas. E por fim souberam na casa-grande. Foi um escândalo. Daquele tamanho e com gálico! (...) Os senhores de engenho tomavam deboche de mim, dando-me confiança nas suas conversas. Perguntaram pela Zefa Cajá, chamavam-na de professora (...). E riam como se fosse uma coisa inocente este libertino de 12 anos. (...) Com um mês mais, já estaria em ponto de ir para o colégio. A doença do mundo me operara uma transformação. Via-me mais alguma coisa que um menino; e mesmo já me olhavam diferente. Já não tinham para mim as condescendências que se reservavam às crianças. As negras faziam- me de homem. Não paravam as conversar quando eu chegava. (...) O sexo vestira calças compridas no Carlinhos; e o coração de um menino depravado só batia ao compasso de suas depravações. (...) Ninguém pode deixar as meninas em casa com o seu Carlinho. João Rouco deume uma carreira por causa do filho pequeno, que eu quis pegar (...)”. (REGO, 2012, p. 136-137).

Já Amado (2008) em seu romance Capitães da Areia lançado em 1937 relata a história comovente de crianças e adolescentes pobres que moravam em um armazém abandonado e viviam de furtos e golpes na cidade de Salvador:

“Esse bando que vive da rapina se compõe, pelo que se sabe, de um número superior a cem crianças das mais diversas idades, indo desde os oito aos dezesseis anos. (...) Vestidas de farrapos, sujos, semiesfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas. (...) Falavam naturalmente em mulher apesar do mais velho ter apenas dezesseis anos. Cedo conheciam os mistérios do sexo.”. (AMADO, 2008, p. 11- 29).

A obra também relata a precária saúde pública da época. Na narrativa a varíola era motivo de alto índice de mortalidade entre a população. A personagem Dora e Zé Fuinha seu irmão, ambos crianças, adentraram no grupo dos Capitães de Areia após a morte de sua mãe pela doença. Já dentro do grupo Dora é considerada pelas crianças como uma mãe por ser a única mulher do grupo, exercendo a “maternidade” conjuntamente com o líder Pedro Bala com o qual manteve relacionamento amoroso.

Em uma tentativa de fuga Dora e Pedro Bala foram capturados pela polícia sendo a menina levada para um orfanato e o menino foi torturado pela polícia e mantido preso em uma solitária por oito dias.

Diante destas obras, percebe-se a falta de tutela e proteção familiar e do Estado para com essas crianças e adolescentes em situação de abandono. Em especial, na obra Capitães de Areia, o número de mais de cem de crianças em situação de rua é espantoso, mais ainda que nada foi feito para que esses menores fossem devidamente acolhidos. Tais ilustrações não estavam longe da realidade e até hoje ainda há crianças e adolescentes que vivem, crescem e perdem sua infância para a marginalização precoce.

Com a Revolução Industrial no Brasil, em meados da década de 30, o trabalho infantil ainda era comumente utilizado pelas indústrias conforme relatado no seguinte excerto:

“Era comum as famílias levarem crianças agregadas para “completar a cota e conseguir uma casa melhor na vila. A indústria visava o trabalho das crianças e jovens, que depois de um período de aprendizado, obtinham uma ocupação definitiva. Os pais camponeses eram geralmente empregados em serviços periféricos ao processo industrial, como, por exemplo, o cultivo de roças. Quando membros da família ficavam doentes, procuravam substituí-los por filhos de parentes ou conhecidos (os agregados), para não perderem a casa, já que o seu tamanho dependia do número de pessoas trabalhando na fábrica. Recorrendo a estratégias como pagamento de baixos salários – para forçar as famílias a utilizarem o máximo de seus membros no trabalho – e a prática de induzir/consentir na falsificação da idade das crianças, burlando a legislação da época que permitia o trabalho somente a partir dos 12 anos, a fábrica facilitava a utilização do trabalho infantil. As condições de trabalho não diferiam daquelas observadas no final do século XIX: má alimentação, ambiente insalubre, autoritarismo nas relações do trabalho, longas jornadas (dois turnos de 12 horas cada) e alta incidência de doenças como a tuberculose.”. (RIZZINI, 2010, p. 377-378).

O trabalho infantil foi assunto abordado no programa Globo Repórter da Rede Globo no dia 09 de agosto de 2013. Nesse contexto, pertine transcrever excerto da reportagem em questão:

“Trabalho infantil: por que ele nunca acaba no nosso país? Lidando com fogo, queimando as mãos para beneficiar castanha de caju, manipulando pólvora para fabricar fogos de artifício, carregando caminhões de pedra no campo, lavando carros no centro das cidades, trabalhando com facas e serras e empurrando carrinhos nas feiras livres e desgastando os olhos e as pontas dos dedos na fabricação de joias. Até onde o cansaço atrapalha o rendimento escolar destes brasileirinhos? Eles conseguem aprender? O jovem que ficou paraplégico no segundo dia de emprego. Em uma cidade com alarmantes estatísticas de acidentes de trabalho com menores. Em que tipo de emprego adolescentes podem trabalhar legalmente. Ao todo, 40 mil já conseguiram autorização na Justiça” (GLOBO REPÓRTER, 2013)

Necessário se faz ressaltar o seguinte entendimento: Desde que não tenham o rendimento escolar prejudicado e não sofram nenhum dano psicológico, evitando, por conseguinte, que sejam submetidos a qualquer forma de exploração, parece ser possível afirmar que seria razoável conceder à criança e ao adolescente autorização legal para o trabalho, desde que sejam periodicamente assistidos por profissionais devidamente preparados como o Judiciário, Ministério Público, Conselhos Tutelares, psicólogos, dentre outros. (Revista Bra. de Pol. Pub. v. 7, nº 2, 2017 p.321 -322).

Nesta segunda fase, as crianças e os adolescentes ainda são vistos como adultos em corpos de crianças, uma vez que a infância não é resguardada e apenas tutelada a partir de situação de irregularidade. Não havia a tutela de proteção visando o impedimento da perda da dignidade e liberdade individual. A educação mais uma vez, não era prioridade. Tudo isto, gerava desmantelo normativo e ineficiência do Estado para com os pequenos que ficavam à mercê da sorte de nascerem em famílias com bom status econômico e moral para suprir desenvolvimento saudável e ininterrupto da infância.

O cenário de proteção das crianças e dos adolescentes vieram a ter maior destaque e evolução a partir do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Tornou-se imprescindível a formalização de determinados princípios e a garantia de sua inviolabilidade para preservação dos direitos do indivíduo. Daí a criança e o adolescente passaram gradativamente a receber, ainda que de forma incompleta, alguma proteção do Estado. Com a Declaração Universal dos

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Direitos Humanos (10 de dezembro de 1948), a dignidade passa a ser reconhecida em seu preâmbulo como elemento intrínseco a todos os membros da família humana, assegurando para todos os integrantes desta, direitos iguais e inalienáveis, além de irradiar a liberdade, a justiça e a paz no mundo.

  1. Terceira fase: a criança e o adolescente como sujeito de direitos

Na terceira e última fase que perdura até os dias atuais, com as palavras de Martins (2004), as crianças e os adolescentes deixaram de serem vistos como meros sujeitos passivos, objeto de decisões de outrem (ou seu representante legal), sem qualquer capacidade para influenciarem a condução da sua vida, e passaram a ser vistos como sujeitos de direitos, ou seja, como sujeitos dotados de uma progressiva autonomia no exercício de seus direitos em função da sua idade, maturidade e desenvolvimento das suas capacidades. Pode, por conseguinte, afirmar-se que a criança e o adolescente conquistaram já um estatuto de “cidadania social” incontornável.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos resguarda a capacidade indistinta de todos os indivíduos para fruir dos direitos e liberdades nela previstos; a igualdade de tratamento perante a lei, assim como a proteção contra qualquer forma de discriminação; a liberdade de pensamento, consciência e crença religiosa; a liberdade em poder opinar e se expressar; os cuidados necessários à infância e o tratamento igualitário aos filhos concebidos dentro ou fora do casamento; dentre outros direitos e garantias nela previstos. Vale conferir:

“Art. II. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Art. VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Art. XVIII. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Art. XIX. Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Art. XXV, 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.”. (BRASIL, 1948).

Arnaud evidencia que:

“Com efeito, os direitos humanos consagram o subjetivismo, isto é, o triunfo do sujeito enquanto indivíduo absolutamente livre e detentor de todos os direitos que ele não teria aceito limitar, através de um pacto social, em nome do bem comum de toda comunidade. (...) Triunfando o sentimento, os indivíduos que constituem a família exigem que os direitos humanos protejam mais as pessoas do que o grupo: espera-se que o legislador proteja primeiro as pessoas, todas as pessoas, e integralmente. Assim, a mulher será protegida de seu marido; e os filhos, dos pais” (ARNAUD, 1999, p. 74-87).

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 20 de novembro de 1959, da qual o Brasil é signatário, prevê que, devido à imaturidade física e mental, haja vista, serem indivíduos em desenvolvimento, a criança e o adolescente necessitam de proteção e de cuidado especial, devendo, ainda, ser amparado por uma legislação apropriada.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança traz alguns princípios que valem ressaltar por seu teor protetivo aos menores. O primeiro princípio expõe que todas as crianças farão jus, sem qualquer exceção, distinção ou discriminação, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família dos direitos nela previstos. Em seu sexto princípio ressalta a relevância da família, e na falta desta, da sociedade e do Estado em proporcionar à criança e ao adolescente um ambiente favorável ao desenvolvimento integral e harmônico de sua personalidade. Em seu nono princípio, os protege de qualquer atitude negligente, cruel e de exploração. Por fim, o seu décimo princípio assegura-lhes de qualquer forma de discriminação racial ou religiosa. Vê-se:

“Princípio 6º. Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.

Princípio 8º. A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber proteção e socorro.

Princípio 9º. A criança gozará de proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma. Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser- lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.

Princípio 10º. A criança gozará de proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes.”. (BRASIL, 1959).

Nesse sentido, o Pacto de San José da Costa Rica prevê em seu art. 19 que: “Toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado”.

Apesar de o antigo Código (Lei nº 6.697/79, que se caracteriza por ser uma revisão do Código de Menores de 1927) considerar a criança e o adolescente indivíduos incapazes de responder por suas condutas, seres marginalizados, com grande potencialidade à delinquência, provenientes de famílias carentes e, inclusive, considerados perigosos para a sociedade (definição dada ao Código em questão de “menores em situação irregular”), com a vigência da Constituição Federal de 1988, esse tratamento passa a sofrer alterações.

A história do Estatuto da Criança e do Adolescente está intrinsecamente ligada ao contexto de fim da Ditadura Militar e ao processo de redemocratização do Brasil. Diversas organizações, fundações empresariais e movimentos sociais, entre eles os de educação de origem católica, o de meninos e meninas de rua e os sindicais, se mobilizaram durante o processo da Constituinte para garantir

que os direitos das crianças e dos adolescentes estivessem presentes na Carta Magna.

As organizações, fundações e movimentos sociais se articularam no Fórum Nacional de Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (FNDCA), criado em 1988, e foram determinantes para a inclusão do art. 227 e 228 da Constituição, aprovada em 5 de outubro de 1988.

O ECA não nasceu espontaneamente. Ele surgiu do vigor, da força e do combate dos movimentos sociais, que souberam se organizar e influenciar a Constituinte, e praticamente escrever, com as próprias mãos, os textos que hoje estão na Constituição Federal. Isso gerou a possibilidade de inclusive trazer uma legislação de infância – uma ideia, que naquela época era nova, de uma democracia completamente participativa, explica Clilton Guimarães dos Santos, advogado, professor universitário e ex-procurador de justiça do Ministério Público de São Paulo.

Marco Antônio da Silva, educador, coordenador geral do Projeto Meninos e Meninas de Rua e representante do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) no Conselho Nacional de Direitos Humanos destaca o Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua e a Ciranda da Constituinte, um cerco ao Congresso Nacional por mais de 20 mil crianças e adolescentes, em 05 de outubro de 1985, dia em que foi votada a Emenda Criança (responsável pela inclusão dos art. 227 e 228 na Constituição). Segundo ele, a nova constituição foi efeito de um grande movimento que pedia por democracia e que a inclusão destes dois artigos precisava se desenvolver em regulamentação para que fosse dito o que é o direito à escola, o direito à saúde, o direito à liberdade.

O art. 227 visa a proteção integral conjuntamente com o princípio da absoluta prioridade. Sendo, portando, a criança e o adolescente sujeito de direitos que devem ser resguardados pela família, pela sociedade e pelo Estado. Enquanto o art. 228 torna inimputável o menor de 18 anos sujeitando-o a medidas protetivas e socioeducativas. Vide:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”. (BRASIL CF, 1988).

Também sobre o assunto, Mendez (1999) explica que a nova Constituição brasileira incorporou dois itens fundamentais ao longo do desenvolvimento de um novo tipo de política social para as crianças conhecida como política social pública. De acordo com o autor, o artigo 227 da Constituição em comento é uma síntese admirável da futura Convenção, que, na época, circulou em formato de rascunho entre os movimentos que lutavam pelos direitos das crianças. O outro instrumento normativo preponderante foi o artigo 204 (em especial no inciso II), que, legitimando esforços conjuntos entre governo e sociedade civil, prevê explicitamente a reformulação de políticas públicas, passando estas a não serem mais compreendidas como um mero sinônimo de política de governo, mas como o resultado da articulação entre governo e sociedade civil:

“Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

II- participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.”. (BRASIL CF, 1988).

Concretizou-se a ideia de que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e titulares de garantias fundamentais, conferindo-lhes, indistintamente, proteção prioritária, vedando qualquer forma de discriminação.

Corroborando esse entendimento:

“A evolução dos direitos de crianças e adolescentes, no Brasil, partiu do denominado “direito do menor”, expressão que reduzia a importância da criança como ser humano, para o direito da criança e do adolescente. (...) O Código de Menores, a rigor, “não passava de um Código Penal do Menor”, uma vez que suas normas tinham mais um caráter sancionatório do que protetivo ou assistencial. Trouxe consigo a “Doutrina do Menor em Situação Irregular”, quando poucas foram as modificações; era o tempo do “menor”, do “menor abandonado”, do menor delinquente, expressões que estigmatizavam

crianças e adolescentes e que ainda hoje albergam uma espécie de ranço, quando se houve dizer: “ele é de menor”. (FONSECA, 2011, p. 7-8).”.

Este âmbito jurídico, constituído a partir da Constituição de 1988, procura assegurar às crianças e adolescentes o acesso a políticas sociais básicas, como saúde e educação; à política de assistência social, em caso de risco e vulnerabilidade social; e às políticas de garantias de direitos, para as situações de ameaça ou violação de direitos.

No entanto, para que os direitos preconizados pelo ECA e demais legislações sejam materializados na prática da proteção da infância e juventude, é preciso que o conjunto de políticas sociais destinadas a inclusão das crianças e adolescentes estejam em pleno funcionamento e suas ações sejam planejadas e pensadas no sentido de garantir a vivência do acesso aos direitos.

  1. Principais mudanças

Vimos nas duas primeiras fases dos direitos da criança e do adolescente que a fruição da infância não era prioridade. Entre os séculos XVI e XIX, a taxa de mortalidade ceifava a vida de grande parte das crianças, enquanto a outra parte assim que aprendia certa autonomia de se cuidarem, mesmo que minimamente, passavam a participar da sociedade com obrigações de adultos, tendo que trabalhar, servir e se darem em casamento.

Na segunda fase, ainda tratando os menores de idade como adultos em corpos de crianças, passaram a ser objetos de tutela do Estado com a doutrina da situação irregular, que tratavam as crianças e os adolescentes como seres indesejáveis e problemáticos para a sociedade.

A terceira fase veio como luz às trevas da falta de tutela e cuidado com a infância e pureza dos pequeninos. Finalmente, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 227, garantiu a criança e ao adolescente o direito de serem crianças. Impondo a família, a sociedade e o Estado a assegurarem os direitos fundamentais para crescerem com dignidade, tendo sua infância e juventude

resguardada de qualquer perigo que poderá ferir o desenvolvimento físico, mental, moral, social e espiritual.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A atual Carta Magna do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã” por abranger dentro de seus princípios a promoção valorosa da dignidade da pessoa humana, trouxe para o Brasil, após uma extensa luta pelos direitos fundamentais durante a dolorosa Ditadura Militar, a tutela do Estado sobre os cidadãos sujeitos de direito, onde o Estado deve, conforme art. 3° da CF, primar pelo bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, também se constitui como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o dever de garantir o desenvolvimento nacional e, erradicação da pobreza e da marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

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Todos estes objetivos fundamentais nos fazem voltar o olhar para um tempo em que os brasileiros oprimidos por um governo com concentração de poder, tinham suas liberdades individuais e cidadãs feridas e violadas. O período opressivo não somente foi uma

estratégia de governo, bem como se tornou palco de regresso ao povo brasileiro assassinado, desaparecido, empobrecido, violado, assustado e desumanizado.

Violações da Infância na Ditadura Militar

Na semana que marcou o 55º ano do início da ditadura militar brasileira, o Prioridade Absoluta realizou a sexta edição do Expresso 227 para lembrar a gravidade dos atos praticados contra uma geração, que cresceu em um período de sérias violações de direitos humanos. Exibida no canal do Instituto Alana no Youtube, essa série de debates ao vivo tem o objetivo de dar visibilidade às discussões relacionadas aos direitos da criança, por meio da participação de convidados especialistas nos temas.

Mediada por Pedro Hartung, coordenador do Prioridade Absoluta, a conversa foi ao ar no dia 3 de abril e contou com a participação de Carla Borges,

do Instituto Vladimir Herzog; Tatiana Merlino, uma das autoras do livro ‘Infância Roubada’, que aborda como as crianças foram atingidas pela Ditadura Militar no Brasil; e Eduardo Reina, um dos autores do livro ‘Cativeiro sem fim’, que traz as histórias de bebês, crianças e adolescentes que foram sequestrados pela ditadura militar.

Iniciando a conversa, Pedro Hartung citou o filósofo alemão Karl Jaspers que disse que “a experiência do presente compreende-se melhor refletida no espelho da História. O que a História nos transmite vivifica-se à luz da nossa própria época. A nossa vida presente processa-se no esclarecimento recíproco do passado e do presente”. E apontou que a missão da conversa é jogar luz sobre um passado tão sombrio, que impactou de forma significativa e irreparável a vida de crianças e adolescentes.

Tatiana Merlino, pontuou que crianças nasceram em prisões, foram torturadas, assistiram à prisão e ao assassinato de seus pais, além daquelas que foram exiladas. “Muitas vezes se fala que quem foi assassinado durante a ditadura era por ser terrorista. Mas vamos olhar para as crianças. Elas eram terroristas?”, questionou.

Eduardo Reina traçou um paralelo entre a ditadura argentina e a brasileira. “Na Argentina existia um manual de procedimentos que as forças militares utilizavam. Ele determinava que quando os pais e seus filhos eram levados para os centros de detenção, crianças de zero a quatro ou seis anos eram passíveis de adoção”, disse. O jornalista explica que aqui no Brasil algumas crianças estão desaparecidas até hoje. “Que a gente realmente possa garantir direitos fundamentais e liberdades para todas as crianças e adolescentes e lutar para que a ditadura, o autoritarismo e tantas outras violações e crimes contra todos os indivíduos jamais se repitam”, finalizou Pedro Hartung.

Saúde Pública

Vale ressaltar que antes da atual Constituição Federal, a saúde pública não era prioridade para o governo militante e não era considerada um direito, durante o regime militar, não existia o SUS (Sistema Único de Saúde), apenas o

INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). O INAMPS foi criado em 1974 pelo governo federal, sendo a assistência restrita aos que contribuíam com a Previdência Social. Os demais brasileiros eram considerados indigentes e atendidos apenas em serviços filantrópicos.

A política dominante era de incentivo à privatização da saúde, como mostra o livro Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história, organizado por Carlos Fidelis Ponte e Ialê Falleiros. O livro mostra que houve um decréscimo da participação direta do Estado no atendimento à população na época da ditadura, que foi substituída pela rede privada.

A definição de que a saúde “é direito de todos e dever do Estado” surge com a Constituição Federal de 1988. Foi então que surgiu o Sistema Único de Saúde (SUS), que garante acesso universal ao atendimento, desde procedimentos mais simples até tratamentos de alta complexidade. O atendimento proporcionado pelo Inamps, no entanto, era feito em grande parte por clínicas privadas. Ou seja, o governo federal repassava recursos a essas instituições ao invés de investir na saúde pública. “Instala-se, assim, um verdadeiro processo de drenagem dos recursos públicos que passam a capitalizar as empresas de medicina privada, transformando a saúde em um negócio bastante lucrativo”, mostra Fidelis no livro.

Nesse sentido, o Brasil de Fato fez um levantamento dos dados em relação ao acesso à saúde no período da ditadura comparando com os atuais, para desconstruir uma ideia no senso comum de que havia um bom atendimento naquele período. Os dados de orçamento da União mostram ainda que o investimento em saúde girou em torno de 1% do PIB durante os anos de chumbo, mesmo durante o chamado “milagre econômico”, e era em grande parte direcionado à medicina curativa, praticamente ignorando a atenção básica. Na mesma época, ao Ministério dos Transportes e às Forças Armadas, por exemplo, eram reservados 12% e 18% do orçamento, respectivamente.

Nessa perspectiva, a Constituição Federal de 1988, no seu Art. 6º, estabelece como direitos sociais fundamentais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância.

Em seguida, no Art. 196, a Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Dentre os direitos sociais, o direito à saúde foi eleito pelo constituinte como de peculiar importância. A forma como foi tratada, em capítulo próprio, demonstra o cuidado que se teve com esse bem jurídico. Com efeito, o direito à saúde, por estar intimamente atrelado ao direito à vida, manifesta a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana.

Segundo material informativo da Saúde da Criança do SUS, as linhas de cuidado prioritárias da Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno vêm ao encontro dos compromissos do Brasil com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com o Pacto de

Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, com o Pacto pela Saúde e com o Programa Mais Saúde.

O informativo da Saúde da Criança citado, traz como primor a integralidade da saúde da criança tendo enfoque na atenção à saúde do recém- nascido, na vigilância da mortalidade infantil e fetal, na promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno; no incentivo e qualificação do acompanhamento do crescimento e desenvolvimento e, na prevenção de violências e promoção da cultura de paz. Sobre o tema, vale reproduzir:

“Incentivo e Qualificação do Acompanhamento do Crescimento e Desenvolvimento:

O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento faz parte da avaliação integral à saúde da criança, propiciando o desenvolvimento de ações de promoção da saúde, de hábitos de vida saudáveis, vacinação, prevenção de problemas e agravos à saúde e cuidados em tempo oportuno.

A Caderneta de Saúde da Criança-Passaporte da Cidadania a todas as crianças nascidas no território nacional é um importante instrumento de registro e orientações que auxilia nesse acompanhamento. Seu uso adequado é importante para estreitar e manter o vínculo da criança e da família com os serviços de saúde.”.

Convivência Familiar e Comunitária

A Constituição Federal garante às crianças e aos adolescentes a convivência familiar e comunitária em seu art. 227 que foi base para que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecesse em seu art. 19 que toda criança e adolescente tem direito a ser criado e educado por sua família e, na falta desta, por família substituta.

O direito à convivência familiar e comunitária é tão importante quanto o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade. A nossa constituição em seu art. 226 e art. 227 diz que a família é a base da sociedade e que compete a ela, ao Estado, à sociedade em geral e às comunidades assegurar à criança e ao adolescente o exercício de seus direitos fundamentais.

Deste modo, prefigura-se a sadia convivência familiar e comunitária também como um princípio formador de um bom desenvolvimento psicológico das crianças, “boas experiências afetivas iniciais têm influência positiva no desenrolar da vida do indivíduo”, aponta o Núcleo Ciência Pela Infância.

Segundo as palavras do artigo “A importância dos laços familiares na construção psicológica” da empresa Televita, plataforma de atendimento online de saúde mental, é através das primeiras experiências sociais e de construção de vínculos que a criança desenvolve seus valores e personalidade, além de serem a base onde o seu psicológico e emocional serão fundadas. Crianças que não receberam amparo, carinho, exemplos positivos e valores, podem desenvolver traumas que, se não tratados, têm grandes chances de evoluírem para transtornos psicológicos, como depressão, ansiedade, síndrome do pânico ou outros distúrbios graves.

Informa o Núcleo Ciência Pela Infância:

“Inúmeros estudos têm mostrado que investimentos em programas voltados para a primeira infância podem dar um retorno bastante positivo para as crianças e para a sociedade como um todo. Crianças que tiveram boas oportunidades na infância (escolares, afetivas e sociais) tendem a apresentar um melhor desempenho acadêmico e profissional, um maior ajuste social e uma menor propensão à criminalidade, uso de drogas, adoecimento físico ou mental.”. (JULIANA SONSIN, A Importância dos Laços Familiares na Construção Psicológica)

O art. 227, da CF trata-se de uma legislação, portanto, que reconhece o quão as relações familiares podem se tornar complicadas, principalmente quando um casal se separa e por consequência pode ocorrer a alienação parental por um dos pais, os avós ou qualquer adulto que tenha a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância passa a induzi-lo com foco em destruir o vínculo do filho com um dos genitores. Quando ocorre a alienação parental, praticada pela mãe ou pelo pai, há um enfraquecimento dessas referências para a criança porque nessa fase da vida ela não tem discernimento do que é verdade ou não, dito pela mãe ou pelo pai. É como se, nas palavras de Maria Berenice Dias "a sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência. Implantam-se, assim, falsas memórias.”, citado pelo Instituto Brasileiro de Direito de família em seu artigo “A convivência familiar: uma função social”.

Por esta razão é indispensável resguardar a criança e o adolescente, à luz do art. 227, caput, da Constituição Federal, de toda forma de negligência ou violência. Prescreve o referido artigo, in verbis:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”. (BRASIL, 1988)

PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA INTERNET

Com base no art. 227 da Constituição Federal juntamente com o art. 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente onde os mesmos citam ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurarem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Como evidenciado na introdução do tema, há um déficit na proteção das crianças e dos adolescentes no meio virtual cultural que os expõe a várias formas de violência: mental, física, sexual, moral e social com conteúdos degradantes e com a exposição de contato com pessoas de más intenções. Além de terem seu período de amadurecimento etário de formação atingidos negativamente.

Os quatro Princípios Fundamentais do Estatuto da Criança e do Adolescente quais sejam: o Princípio da Proteção Integral, o Princípio da Corresponsabilidade, o Princípio da Prioridade absoluta e o Princípio das Condições Peculiares de Desenvolvimento, formam os pilares da devida proteção integral abrangendo os direitos garantidores de um desenvolvimento saudável, que devem ser observados pela família, pela sociedade e pelo Estado com prioridade absoluta em todos os campos devido a condição peculiar de desenvolvimento etário, a criança é sujeito de direitos do presente, requerendo assim, presteza devido a formulação gradativa de juízos e valores.

Sendo assim, é de extrema importância tratar que a falta de controle e tutela sobre o acesso à internet das crianças e dos adolescentes, os deixam à mercê de perigos que podem comprometer sua integridade e desenvolvimento saudável, por meio de diversos fatores negativos que o ambiente virtual pode influir em suas formas de pensar e agir.

Problemas Psicológicos Causados Pelas Redes Sociais

Um estudo realizado em Londres (University College London) com quase

11 mil jovens, concluiu que as garotas são duas vezes mais propensas a apresentarem sintomas depressivos. Três quartos dessas meninas são

diagnosticadas com depressão e problemas com autoestima. Além disso, apresentaram insatisfação com a própria imagem e insônia, devido a relação com aplicativos.

Outro estudo realizado em Londres (Royal Society for Public Health) com

1.500 pessoas de 14 e 24 anos concluiu que taxas de ansiedade e depressão aumentaram em 70% nos últimos anos. Este estudo foi batizado de status da mente (#statusofmind); ele avaliou o Instagram como o mais nocivo ao psicológico dos adolescentes.

Sobre os problemas psicológicos causados pelas redes sociais a psicóloga Juliana Bolsson, mestre em psicologia clínica, em artigo publicado no site Psicotér em 23/04/2019, diz que:

“Podemos observar que alguns transtornos mentais podem ser desencadeados a partir das redes sociais. Elas agem como gatilho para a depressão, a ansiedade e para problemas com imagem corporal e alimentação.

A depressão pode surgir quando a pessoa fica exposta a um padrão de vida que foge da sua realidade, além de reforçar a solidão, pois quanto mais tempo nas redes sociais, menos a pessoa quer sair, fazendo com que as interações sejam cada vez mais pobres e superficiais.

A ansiedade surge desse entretenimento constante sem interrupções, gerando, portanto, um excesso de informações.

Os problemas relacionados a imagem surgem desse padrão do corpo perfeito imposto pela sociedade e seguido à risca por muitos perfis na internet. Dicas de dietas, treinos e vida saudável, compartilhados nem sempre por profissionais sérios e sem estudo individual, podem ser maléficos a saúde física e mental.

O corpo perfeito exibido com muito foco, força e fé muitas vezes vem mascarado por problemas sérios e rotinas rígidas nas quais não é exposto ao seguidor.”. (JULIANA BOLSSON, 2019, Redes sociais x vida real: a fábrica de ilusões da vida perfeita)

A revista Forbes no artigo “7 problemas das redes sociais na vida dos jovens”, publicada no site no ano de 2018, cita que segundo um estudo recente estudo da norte-americana Pew Research, 24% dos adolescentes norte- americanos (entre 13 e 17 anos) afirmam achar que as redes sociais têm um efeito majoritariamente negativo em sua geração, enquanto 31% consideram que o efeito é positivo.

Com base nos dados da pesquisa, a Statista levantou razões para o ceticismo crescente dos adolescentes em relação às redes sociais. Apesar de

os motivos serem múltiplos, o bullying e os boatos (hoax) que se disseminam rapidamente são os maiores incômodos para os jovens norte-americanos.

Além do bullying e os falsos rumores espalhados na internet que para 27% dos jovens é o problema o mais grave, é citado mais 6 questões negativas sendo brigas e discussões que prejudicam os relacionamentos e contatos pessoais, a distorção da realidade que os usuários demonstram, alterando a visão sobre a vida.

Desafios Perigosos

A integridade física das crianças e dos adolescentes também corre grandes riscos em decorrência dos desafios propostos por pessoas de má índole que levam os jovens a se colocarem em situações perigosas. Cabe lembrar aqui o caso do jogo da “Baleia Azul” que no ano de 2017 ficou muito conhecido na internet, o jogo era composto por vários desafios alarmantes a serem cumpridos pelos jogadores que terminaria com um último desafio a ser cumprido: o suicídio. Segundo o jornal da Fala Brasil da Record TV, a “brincadeira” inclui tarefas como pular do alto de um prédio e desenhar uma baleia no braço com uma faca. O jogo mortal já levou três meninas a cometerem suicídio na Rússia, sendo que a primeira vítima que se tem registro aconteceu no ano passado. Ao todo são 50 desafios, sendo que o último é tirar a própria vida. Segundo uma psicóloga, o jogo é um gatilho para jovens com problemas emocionais ou mentais.”.

O jornal O Globo Brasil na matéria “O que se sabe até agora sobre o jogo da "Baleia azul" diz que na época a delegada Fernanda Fernandes, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) do Rio, traçou o perfil dos participantes da 'Baleia Azul'. Segundo ela, os convidados a entrar no jogo são adolescentes que tinham, em média, de 12 a 14 anos, e com tendência à depressão. A maioria resiste em sair do jogo por temer ameaças dos administradores. O GLOBO teve acesso à mensagem recebida por um carioca de 22 anos convidando-o para entrar no jogo na última quinta-feira. No texto, há uma ameaça: "Caso nos bloqueie ou nos ignore, mandaremos seu número a nosso chefe. Ele pegará seus dados e descobrirá seu nome". O "curador" é quem envia ao participante do jogo os 50 desafios que ele deve cumprir diariamente até chegar ao suicídio. Se condenado, ele pode ficar preso por mais de 40 anos.

(3 anos por associação criminosa, 8 anos por lesão grave, 6 meses por ameaça e 30 anos por homicídio).

Em 2019 crianças foram público alvo de criminosos que criavam vídeos que em primeira impressão eram infantis, porém ao decorrer do vídeo era mostrado uma figura de terror conhecida como “Momo” que incitava as crianças a automutilação, a violência física contra seus pais e pessoas de sua casa, e até mesmo a matarem seus pais e a elas próprias. Outros vídeos com a mesma pretensão criminosa também foram encontrados na internet.

Sobre o caso da “Momo” o jornal BBC News Brasil na matéria “O que se sabe sobre o vídeo da Momo, que causou pânico no Brasil” relatou sobre a repercussão deste fato:

Versões da Momo estimulando o suicídio de crianças foram inseridas no meio de vídeos tradicionais infantis - especialistas acreditam que pessoas mal- intencionadas baixem esses vídeos originais (como os da canção Baby Shark e da massinha slime), editem com inserções de alguns segundos da Momo e compartilhem-nos online. Há diferentes versões, mas elas giram, basicamente, em torno de uma voz distorcida que pede a crianças que busquem objetos afiados e se cortem com eles.

O promotor Moacir Nascimento, do Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos do MP-BA, afirma que WhatsApp e YouTube foram notificados sobre o tema, com um pedido para que removam vídeos relacionados à Momo e impeçam que eles possam ser compartilhados.

"Sabemos que os vídeos postados no YouTube Kids são filtrados automaticamente, ou seja, não há filtros humanos. Nossa preocupação é impedir que novas versões desse vídeo sejam carregadas na plataforma", diz a reportagem.

Em nota, o YouTube afirmou que o uso da plataforma por menores de 13 anos deve sempre ser feito pelo YouTube Kids e com supervisão dos pais ou responsáveis. É possível que a figura chamada de “Momo” apareça em vídeos no YouTube, mas somente naqueles que ofereçam um contexto sobre o ocorrido e estejam de acordo com nossas políticas."

Consultado pela BBC News Brasil, o WhatsApp afirmou que se preocupa muito com a segurança dos nossos usuários. É fácil bloquear qualquer número

de telefone e encorajamos que os usuários nos reportem mensagens problemáticas para que possamos agir sobre elas.

Segundo o promotor Nascimento, pessoas que publiquem ou compartilhem vídeos como os da Momo "dentro de um contexto de estímulo ao suicídio, em vez de um contexto de alerta", podem incorrer em crime de instigação ao suicídio, cujas penas podem chegar a 12 anos de prisão.

Esse tipo de vídeo também viola dispositivos do ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente: "A simples tentativa de carregar um vídeo desse (em uma rede social) já seria um crime", diz ele.

Cabe aqui expor também um caso recente que se iniciou com um desafio nas redes sociais e infelizmente terminou com a morte de um menino de 10 anos. O desafio baseava-se em inspirar pelo tempo máximo o desodorante aerossol sobre o rosto. Sobre o caso o jornal G1/Minas Gerais em matéria publicada no dia 26/08/2022 com título “Criança morre em BH após entrar em guarda-roupa e respirar desodorante aerossol” diz que o menino, de 10 anos, foi encontrado inconsciente pela mãe dentro de um guarda-roupa. O incidente aconteceu na noite desta quinta-feira (25), no bairro Pirajá, Região Nordeste de Belo Horizonte.

O Instituto Pensi Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil em artigo publicado com título “Desafios (jogos) perigosos da internet: entendendo o seu apelo para jovens e crianças” escrito pelo Dr. José Luiz Setúbal, Médico Pediatra formado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, com Especialização na Universidade de São Paulo (USP) e Pós Graduação em Gestão na UNIFESP. No artigo, o doutor diz que os desafios da Internet podem ser fascinantes para os adolescentes, que podem ser impulsivos e atraídos por comportamentos que chamam a atenção – especialmente nas mídias sociais. Alguns deles, como o do balde de gelo ou do manequim, podem ser atividades divertidas e positivas. Mas outros desafios que surgem na internet são perigosos e podem levar a danos permanentes. Ainda no artigo, o doutor explica o motivo dos adolescentes serem suscetíveis aos desafios das mídias sociais dizendo que os cérebros dos adolescentes ainda estão em desenvolvimento. A parte do cérebro que lida com o pensamento racional, o córtex pré-frontal, não está totalmente desenvolvida até meados dos anos 20. Isso significa que os adolescentes são, naturalmente,

mais impulsivos e propensos a agir antes de pensar em todas as ramificações e consequências de suas ações.

Eles também estão em fase de autoafirmação perante ao grupo e, muitas vezes, têm necessidade de mostrar que são capazes de fazer algo, de serem corajosos, audaciosos ou simplesmente de serem diferentes e se destacarem.

A mídia social recompensa o comportamento ultrajante e, quanto mais ultrajante, maior o direito de se gabar. É um ambiente de movimento rápido e impulsivo, e o medo de perder é real para os adolescentes. Esse ambiente contribui para a capacidade subdesenvolvida de um adolescente de pensar em suas ações e possíveis consequências.

As crianças ou os jovens não vão necessariamente parar para considerar que o sabão em pó é um veneno que pode queimar suas gargantas e danificar suas vias aéreas. Ou que o uso indevido de medicamentos como a difenidramina (Benadryl) pode causar sérios problemas cardíacos, convulsões e coma. O que eles vão focar é que um garoto popular na sala de aula fez isso e recebeu centenas de curtidas e comentários.

O Dr. José Luiz ainda alerta os pais dizendo que estes devem tomar a iniciativa para uma conversa, perguntando aos filhos sobre os maiores desafios que eles ouviram em seu círculo de amigos. Perguntando, com calma e sem julgamentos, o que eles pensam sobre esses desafios. Falando sobre o que pode acontecer com alguém que aceita o desafio. Os pais ainda podem exercer suas opções parentais, como limitar o contato com certas crianças ou tornar atividades específicas fora dos limites.

Se o filho demonstrar interesse em participar de um desafio, use perguntas abertas para incentivá-lo a pensar em cada etapa do desafio. Pedindo que considerem o pior resultado e que pensem por que fariam isso e se vale a pena. As curtidas e comentários valem horas no pronto-socorro?

Os pais devem se certificarem de quem são os “amigos” dos seus filhos nas redes sociais. Manter contato em suas plataformas de comunicação preferidas pode ajudá-los a mantê-los informado com o que acontece no dia a dia deles. Assistindo suas histórias para obter pistas sobre o que está acontecendo na escola e com seus amigos.

Às vezes, as crianças estão mais dispostas a falar sobre seus colegas do que sobre si mesmas. Fazer perguntas sobre tendências escolares, amigos e

modas pode render mais respostas do que perguntas diretas sobre suas próprias atividades. Não importa o que aconteça, é importante manter as linhas de comunicação abertas e evitar julgamentos.

Enquanto crianças e adolescentes estão crescendo, aprendendo mais sobre a vida, amigos e o seu lugar no mundo, é importante lembrar de que seus cérebros ainda estão se desenvolvendo. Os pais podem e devem ajudar a nutrir esse crescimento e ajudar seus adolescentes a desenvolverem um pensamento racional e ponderada, habilidades essas que continuarão a ser importantes nos próximos anos.

Discurso de Ódio

Além dos desafios perigosos na internet, há também o discurso de ódio, o artigo do Senado sobre o “Discurso de Ódio da Abordagem Conceitual ao Discurso Parlamentar” traz algumas conceituações que no tocante aos modelos fornecidos pela doutrina, onde para Winfried Brugger (2007, p. 151), o discurso do ódio está vinculado à utilização de palavras “que tendem a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião” ou ainda à sua potencialidade ou “capacidade de instigar violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas”. (RIL Brasília a. 52 n. 207 jul./set. 2015 p. 143-158).

Samanta Ribeiro Meyer-Pflug (2009, p. 97) define o discurso de ódio como a manifestação de “ideias que incitem a discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias”. (RIL Brasília a. 52 n. 207 jul./set. 2015 p. 143-158).

Alvaro Paul Diaz (2011, p. 575) destaca que o discurso do ódio deve ser mais que uma manifestação de antipatia, deve indicar a hostilidade contra determinado grupo. É importante, nesse caminho, destacar a necessidade de analisar os elementos discriminação e externalidade do discurso do ódio, bem como seu caráter segregacionista (SILVA, 2011), e visualizar a posição dos que protagonizam o fenômeno, os contaminados pelo teor da fala repugnante e os atingidos. (RIL Brasília a. 52 n. 207 jul./set. 2015 p. 143-158).

No conceito de Meyer-Plufg, a concepção de incitação à discriminação é o elemento nuclear para a identificação desse discurso. Com a intenção de

reforçar tal classificação, ajustando-a a um novo olhar sobre o tema, pode-se dizer que a produção de ódio passa também por fases preparatórias, como o estímulo ao preconceito, na perspectiva de ativar no grupo dominante “percepções mentais negativas em face de indivíduos e grupos socialmente inferiorizados” (RIOS, 2008, p. 15). (RIL Brasília a. 52 n. 207 jul./set. 2015 p. 143-

158).

O ambiente digital oferece diversos benefícios, entre eles, a proximidade entre os usuários por meio da comunicação por mensagens, vídeos, fotos. As redes sociais estão no palanque de mais acessos na internet e é por meio dessas plataformas que as pessoas criam perfis para navegarem publicando, compartilhando, vendo posts e interagindo de diversas maneiras com os demais perfis. Ocorre que, como no mundo em que vivemos há o cometimento de crimes, no meio virtual não é diferente.

Crimes tipificados no nosso atual Código Penal (CP) do ano de 1940 em um ano que nem se sonhava a dimensão do avanço tecnológico da internet, hoje têm cabimento no ambiente virtual.

Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro (art. 140, CP) ou difamar alguém imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (art. 139, CP) fazem parte dos crimes contra a honra da pessoa humana e infelizmente estes crimes tornaram-se comuns e até ditos “normais” de acontecerem na internet. Os principais autores destes crimes são os chamados haters, pessoas que se dispõem a tecerem comentários de maneira perversa em publicações das vítimas e até mesmo compartilhando em suas próprias redes sociais a publicação seguida por uma legenda cruel. Além dos crimes contra a honra é comum que tais comentários venham acompanhados de ameaças, também tipificado no Código Penal (art. 147, CP).

De acordo com a declaração francesa, nos artigos 10 e 11, respectivamente, “Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, contando que a manifestação delas não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei”, bem como “A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei”.

A posição de não admissão do discurso de ódio vem marcada em diversos instrumentos internacionais de diretos humanos como Pacto dos Direitos Civis e Políticos (1966), Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), o Pacto Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Declaração (itens 86 a 91) e o Plano de Ação (itens 143 a 147) emitidos na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em Durban em 2001

Vista por muitas pessoas como “terra sem lei”, a internet acaba sendo palco para a libertinagem dos agentes. Em entrevista realizada pelo Fantástico em uma conversa com uma hater, a mesma alega não ter medo das consequências que poderiam ser imputadas a ela uma vez que acredita que nada pode ser feito, não havendo por fim, uma punição.

No entanto, em publicação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o entendimento é de que diariamente, o Judiciário vem coibindo a sensação de impunidade que reina no ambiente virtual e combatendo a criminalidade cibernética com a aplicação do Código Penal , do Código Civil e de legislações específicas como a Lei n. 9.296 que trata das interceptações de comunicação em sistemas de telefonia, informática e telemática e a Lei n. 9.609 que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programas de computador.

POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS

Em uma ação envolvendo os chamados crimes contra a honra praticados pela internet, o desembargador convocado Carlos Fernando Mathias de Souza manteve a decisão da Justiça gaúcha que condenou um homem a pagar à ex- namorada indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil por ter divulgado, pela internet, mensagens chamando-a de garota de programa. No recurso julgado, a ex-namorada alegou que, após a falsa publicação de e-mails com seus dados pessoais junto com uma fotografia de mulher em posições eróticas, ela passou pelo constrangimento de receber convites por telefone para fazer programas sexuais.

Ainda sobre o tema o STJ alega que na ausência de uma legislação específica para crimes eletrônicos, os tribunais brasileiros estão enfrentando e punindo internautas, crakers e hackers que utilizam a rede mundial de computadores como instrumento para a prática de crimes. Grande parte dos magistrados, advogados e consultores jurídicos considera que cerca de 95% dos delitos cometidos eletronicamente já estão tipificados no Código Penal brasileiro por caracterizar crimes comuns praticados por meio da internet. Os outros 5% para os quais faltaria enquadramento jurídico abrangem transgressões que só existem no mundo virtual, como a distribuição de vírus eletrônico, cavalos-de- tróia e worm (verme, em português).

A cerca do discurso de ódio o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou em perfis nas redes sociais uma campanha contra esta prática. O vídeo reúne frases com ameaças e diz que "discurso de ódio não é liberdade de opinião" e que a "liberdade de expressão não é liberdade para cometer crimes”. No vídeo são classificados como discurso de ódio: propagação de fake news, intolerância religiosa, preconceito racial, homofobia e manifestação de ódio. Já na definição de liberdade de expressão, entram: respeito à opinião alheia, manifestação da fé, defesa de posicionamentos políticos e repasse de informa

Para Nejm, que era da empresa de segurança da informação Safernet, "é bom lembrar que a internet é a maior praça pública do planeta, e há riscos para crianças que circulem sozinhas nessa praça sem a maturidade para isso. Pais devem avaliar se elas devem ter os próprios aparelhos (celular ou tablet) sem mediação e instalar apenas programas voltados a sua idade, incluindo aplicativos de jogos e filmes. As próprias plataformas restringem o uso do

WhatsApp para crianças até 13 anos e a criação de canais no YouTube para a partir de 18 anos - antes disso, só com a supervisão direta dos pais."

Segundo ele, nem sempre será possível identificar uma idade padrão para cada tipo de conteúdo, mas é necessária uma avaliação permanente dos pais sobre a capacidade de discernimento das crianças - além de navegar juntos e buscar sempre uma relação franca entre pais e filhos, para definir limites de tempo de uso de telas e de que tipo de conteúdo pode ser acessado.

"É bom sempre deixar a criança confortável para procurar os pais e professores quando se deparar com algo que a deixe preocupada ou quando alguém pedir alguma informação (online) a ela", afirma Nejm.

Cabe realçar que o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), em seu Art. 18, isenta o provedor de conexão à internet de responsabilidade civil por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Isso porque prevaleceu o entendimento de que eles são meros canais e por isso não têm a possibilidade de controlar o conteúdo criado e divulgado pelos seus usuários. Já no art. 19, trouxe previsão geral no sentido de que os provedores de aplicação de internet somente serão civilmente responsabilizados por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tornarem o material indisponível no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, dentro do prazo assinalado. Essa previsão legal fixa o momento a partir do qual o provedor de aplicações de internet pode se tornar civilmente responsável pelos danos decorrentes de conteúdo criado e divulgado pelos usuários, modificando a jurisprudência que prevalecia no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o provedor de aplicações de internet seria responsável de forma objetiva ou caso não procedesse à remoção após o recebimento de notificação extrajudicial encaminhada por quem se sentisse lesionado/incomodado com o conteúdo (NAPOLITANO, Carlo José; STROPPA, Tatiana. O Supremo Tribunal Federal e o discurso de ódio nas redes sociais: exercício de direito versus limites à liberdade de expressão. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017, p. 325)

Posição STJ sobre os crimes cometidos na esfera virtual

Segundo o especialista em segurança da informação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Horácio Boa Sorte, os riscos estão relacionados

principalmente à forma como o usuário faz uso da tecnologia. “Obter conhecimento a respeito do assunto ainda é a melhor forma de evitar ser vítima”, afirmou.

Para aumentar a segurança enquanto navega na internet, Antonio Horácio aconselha evitar redes wifi gratuitas (em restaurantes, por exemplo); utilizar, quando disponível, navegação anônima, por meio de anonymizers ou de outras opções disponibilizadas pelos navegadores; e ter cuidado no uso de cookies, pois eles podem servir para rastrear e manter as preferências de navegação do internauta.

Além de sempre manter o antivírus atualizado também nos dispositivos móveis, como o celular, é fundamental, segundo o especialista, que o usuário seja cuidadoso ao acessar sites de comércio eletrônico, sempre verificando se a página utiliza conexão segura.

Outras importantes dicas são usar apenas programas originais e nas versões mais recentes e ser cauteloso ao acessar a internet em locais públicos. O uso cada vez mais intenso e diversificado da internet vem abrindo caminhos para a prática de novas fraudes, ou para novas formas de cometimento de velhos crimes, em casos nem sempre fáceis de enquadrar no ordenamento jurídico. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido acionado para apresentar a correta interpretação das normas infraconstitucionais em relação aos ilícitos

praticados pela rede.

  1. Posição do STJ sobre a extorsão

Recentemente, o tribunal decidiu manter preso preventivamente um homem que usou a internet para obter fotos e vídeos com conteúdo erótico e depois extorquiu mulheres para não divulgar as imagens.

Por meio das mídias sociais, um rapaz de 19 anos compelia jovens (algumas menores de idade) a enviar fotos e vídeos íntimos e depois exigia que elas lhe entregassem dinheiro e outros bens para não divulgar o material na internet. Ele também estendia as ameaças às famílias das vítimas.

Para o ministro que relatou o caso no STJ, Rogerio Schietti Cruz, ficou nítido que o acusado se aproveitou da vulnerabilidade das vítimas no ambiente virtual para exigir os valores, que eram cada vez mais altos a cada ato de extorsão.

Ao negar o habeas corpus, Schietti destacou que os crimes sexuais virtuais são impulsionados pela oportunidade do anonimato e, independentemente dos aspectos que permeiam a vida pessoal e socioeconômica do criminoso, estariam “diretamente relacionados ao comportamento sexista, comumente do gênero masculino” (processo em segredo de Justiça).

  1. Posição do STJ sobre mensagens

O STJ tem adotado a tese de que é ilícita a prova obtida diretamente dos dados armazenados no celular do acusado. A jurisprudência do tribunal entende que são inválidas mensagens de texto, SMS e conversas por meio de aplicativos como o WhatsApp obtidas diretamente pela polícia no momento da prisão em flagrante, sem prévia autorização judicial.

No caso analisado (AgRg no RHC 92.801), policiais civis acessaram as mensagens que apareciam no WhatsApp do celular do acusado no momento da prisão em flagrante, sem autorização judicial. Para a Quinta Turma, a prova obtida tornou-se ilícita, e teve de ser retirada dos autos, bem como os outros elementos probatórios derivados diretamente dela.

Segundo o ministro que relatou o caso, Felix Fischer, os dados armazenados nos celulares decorrentes de envio ou recebimento de dados via mensagens SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens, ou mesmo por correio eletrônico, dizem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, sendo, portanto, invioláveis, nos termos do artigo 5°, X, da Constituição Federal.

Em outro caso (RHC 89.981), o STJ também anulou provas obtidas por policiais que acessaram as mensagens no celular de um suspeito que indicavam o repasse de informações sobre imóveis onde uma quadrilha pretendia cometer furtos.

“A análise dos dados armazenados nas conversas de WhatsApp revela manifesta violação da garantia constitucional à intimidade e à vida privada, razão pela qual se revela imprescindível autorização judicial devidamente motivada, o que nem sequer foi requerido”, concluiu o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ao determinar o desentranhamento das provas.

  1. Posição do STJ sobre o furto eletrônico

A Terceira Seção do STJ firmou entendimento no sentido de que a subtração de valores de conta-corrente mediante transferência eletrônica fraudulenta configura crime de furto, previsto no artigo 155, parágrafo 4º, inciso II, do Código Penal.

Uma discussão frequente em processos que chegam à corte diz respeito ao juízo competente para analisar os casos em que o furto acontece via rede mundial de computadores. Nesses casos, para o STJ, a competência é definida pelo local onde o bem foi subtraído da vítima.

Ao apreciar conflito de competência (CC 145.576) em processo que envolveu furto mediante transferência eletrônica fraudulenta de contas-correntes situadas em agência bancária de Barueri (SP) – mesmo tendo os valores sido enviados para Imperatriz (MA) –, o colegiado entendeu que o juízo da cidade paulista tem a competência para julgar o caso, uma vez que os valores foram subtraídos das vítimas a partir dessa localidade.

  1. Posição do STJ sobre o comércio on-line

A praticidade é um dos fatores mais atraentes para os consumidores que utilizam serviços ou compram algum produto por meio da rede mundial de computadores. É preciso ficar atento, porém, a golpes praticados por sites que vendem produtos que nunca serão entregues.

De acordo com o STJ (CC 133.534), a criação de sites na internet para vender mercadorias com a intenção de nunca entregá-las é conduta que se amolda ao crime contra a economia popular, previsto no artigo 2º, inciso IX, da Lei 1.521/51.

Segundo a corte, ao criar um site para vender produtos fictícios pela internet, os criminosos não têm por objetivo enganar vítimas determinadas, mas, sim, um número indeterminado de pessoas, vendendo para qualquer um que acesse o site.

Recentemente, um empresário denunciado por induzir a compra virtual de produtos que não eram entregues teve negado seu pedido para que fosse revogada a ordem de prisão.

Ao negar o recurso em habeas corpus (RHC 65.056), a Quinta Turma considerou não haver ilegalidade no decreto prisional, baseado, entre outros elementos, na garantia de ordem pública e no risco de reiteração delitiva.

Consta do processo que o denunciado registrava domínios de vários sites e oferecia produtos eletrônicos como notebooks e câmeras digitais por valores menores que os praticados no mercado.

  1. Posição do STJ sobre a ameaça

Nas hipóteses de ameaças feitas por redes sociais como o Facebook e aplicativos como o WhatsApp, o STJ tem decidido que o juízo competente para julgamento de pedido de medidas protetivas será aquele de onde a vítima tomou conhecimento das intimidações, por ser este o local de consumação do crime previsto no artigo 147 do Código Penal.

Com base nesse entendimento, a Terceira Seção fixou a competência da comarca de Naviraí (MS) para a análise de pedido de concessão de medidas protetivas em favor de mulher que teria recebido pelo WhatsApp e Facebook mensagens de texto com ameaças de pessoa residente em Curitiba (CC 156.284).

O relator, ministro Ribeiro Dantas, destacou que o artigo 70 do Código de Processo Penal estabelece que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração

CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho é instruir sobre a problemática da vulnerabilidade da criança e do adolescente no ambiente virtual e assim, incentivar às famílias a estarem atentas ao que os menores estão tendo acesso e também a limitarem o acesso dos mesmos a conteúdos degradantes.

Este trabalho também visa conscientizar a sociedade sobre a importância de zelar das crianças e dos adolescentes com a devida proteção e tutela também nos ambientes virtuais.

É necessário criar limitações para os criadores de conteúdo sobre os assuntos e criações que os mesmos colocam nas redes virtuais, em vista do público que os assistem e do fácil acesso que os menores têm em achar o conteúdo publicado. Além de, alertar e fomentar as autoridades sobre a urgência de criação de políticas de controle e fiscalização que realmente garantam segurança na internet para combaterem conteúdos e práticas abusivas.

É essencial que para desencorajar práticas abusivas e ilícitas de criadores de conteúdos, de pessoas mal intencionadas e de pedófilos, exista ainda uma investigação minuciosa de quem está por trás das telas para que recebam sanções à medida de seus atos.

Diante do exposto, é clara a necessidade de proteger as crianças e os adolescentes de todos os abusos pelos quais correm risco de sofrerem no meio virtual. É dever familiar, social e político a tutela e a garantia que o acesso ao lazer, à cultura, à informação, à socialização por meio da internet seja seguro. É evidente tamanha vulnerabilidade mental e física dos menores o que requer que os garantidores tenham responsabilidade de manter o bem estar destes totalmente íntegro.

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O GLOBO. O QUE SE SABE ATÉ AGORA SOBRE O JOGO DA "BALEIA AZUL”.

Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/o-que-se-sabe-ate-agora-sobre- jogo-da-baleia-azul-21236180>. Acesso em: 18/09/2022.

FORBES. 7 PROBLEMAS DAS REDES SOCIAIS NA VIDA DOS JOVENS.

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Juliana Bolsson, Psicoter. REDES SOCIAIS X VIDA REAL: A FÁBRICA DE ILUSÕES DA VIDA PERFEITA. Disponível em: <https://psicoter.com.br/redes- sociais/>. Acesso em: 18/09/2022.

Sobre os autores
Diego Santos Sanchez

Mestre em Direito na Sociedade da Informação com trabalho sobre O Contrato Pós-Moderno: um estudo de caso sobre a interferência estatal nas relações negociais. Pós-graduado em Direito Imobiliário. Pós-graduado em Gestão Educacional IBEMEC/Damásio. Graduado em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (2007). Advogado e professor de Direito Civil e Processo Civil. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, atuando principalmente nos seguintes temas: meio ambiente digital, meios de comunicação, sociedade da informação, contratos, dentre outros.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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