Das medidas cautelares de natureza pessoal e o fim da bipolaridade do processo penal

10/02/2023 às 12:03

Resumo:


  • O artigo aborda a evolução legislativa brasileira sobre prisão e medidas cautelares diversas da prisão, com destaque para a reforma de 2011;

  • A reforma trouxe uma ampliação das opções do magistrado em relação à prisão preventiva, saindo de um sistema dualista para um pluralista e racional;

  • As medidas cautelares diversas da prisão representam um avanço no sistema penal brasileiro, mas devem ser fundamentadas em concreto, respeitando os requisitos constitucionais e legais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO: O presente artigo ira discorrer a cerca da evolução legislativa brasileira do tema prisão e medidas cautelares diversas da prisão, notadamente a luz da reforma ocorrida em 2011, com o advento da lei 12.403-11. Para tanto implementamos ampla pesquisa doutrinaria, legislativa e jurisprudencial visando uma abordagem sistematizada do tema.

Palavras chaves: Medida cautelar. Alternativa a prisão.

SUMÁRIO: CAPITULO PRIMEIRO - INTRODUÇÃO: BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO. CAPITULO SEGUNDO: ESPÉCIES DE MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS DIVERSAS DA PRISÃO. CAPITULO TERCEIRO: REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS DIVERSAS DA PRISÃO. CAPITULO QUARTO: CONCLUSÃO

CAPITULO PRIMEIRO - INTRODUÇÃO: BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

O presente artigo tem por proposito sistematizar o tema, do fim da bipolaridade da prisão no Brasil, com o advento da medidas cautelares pessoais diversas da prisão, trazidas pelo denominado processo penal constitucional, que agora passa a conformar todos os ramos do direito pelos princípios constitucionais. Tal conformação é fruto de novos postulados que afirmam serem ao mesmo tempo as normas e princípios interpretativos.

O movimento Neoconstitucionalista trouxe uma profunda reformulação na hermenêutica jurídica. Das discussões dos Mestres Roberty Alexy e Ronald Dowrkin, ideias como aplicação direta de princípios, sem lhes retirar a sua força hermenêutica floresceram em todos os sistemas jurídicos ocidentais. No Brasil não foi diferente, impregnados pelas tendências garantistas de Ferrajoli e Canotilho, princípios como a dignidade da pessoa humana saem de simples mandamentos programáticos para se transformarem em postulados (princípios superiores), de modo a influenciarem em todo ordenamento jurídico penal, sendo este a maior consequência do movimento constitucionalista. A revisão de todo o direito a luz do postulado da dignidade da pessoa humano, trazendo ao processo penal o chamado de processo penal justo ou processo penal constitucional. É nesse interim que a doutrina e os operadores do direito passaram a clamar por mudanças legislativas que trouxessem justamente esta nova perspectiva para a legislação. O bem jurídico penal liberdade passa a ter a atenção de nossos parlamentares.

Vigia em nosso sistema penal, uma arcaica bipolaridade. Para a aplicação da lei penal, ou seja, para o exercício da persecução penal e do jus puniendi, o estado dispunha de apenas dois modelos de tratamento ao individuo investigado ou processado. Ou decretava-se a prisão preventiva do individuo investigado ou processado que se encontra-se dentro dos requisitos dela ou caso contrario lhe dava a plena liberdade no caso da falta de algum requisito. Isso trazia graves danos ao dignidade da pessoa humana investigada ou processada.

A liberdade poderia ser retirada, sem qualquer medida intermediária anterior, configuradora desta grave violação aos direitos humanos. Nessa nova perspectiva do processo penal constitucional é que o principio da proporcionalidade passou a ser exigido como presente no nosso sistema processual no que tange a prisão.

A doutrina, juristas, Delegados de polícia, Promotores, em fim, os penalista em massa teciam graves críticas a este sistema maniqueísta sem qualquer proporcionalidade. É nesse interim, que o legislador atento a toda essa nova sistemática constitucional, edita a lei 12.403-11, que promoveu em nosso sistema processual brasileiro uma ampla reforma, onde destacaremos seu epicentro, que trouxe grande repercussão na vida pratica forense de todos os aplicadores do direito, o intitulado fim da bipolaridade da prisão processual penal, uma vez que passa a prever uma série de medidas cautelares diversas da prisão, como alternativa a prisão preventiva ou tão simplesmente a manutenção da liberdade.

No entanto, passado alguns anos após sua vigência, a doutrina diverge sobre os efeitos e se perguntam, até que ponto a reforma de 2011 foi produtiva ao sistema? O sistema evoluiu para uma aplicação justa? Vamos buscar esclarecer tal questionamento e à medida que expormos o tema buscaremos tais respostas.

A citada reforma fez foi ampliar as opções do magistrado alternativamente quanto à prisão processual, ou seja, da prisão que ocorre antes de sentença de transitado em julgado.

Uma primeira conclusão se aflora, pois que é patente que avanços foram conquistados, uma vez que saímos de um sistema dualista, formal, para um pluralista, racional. Depois do citado marco legislativo não mais ficamos adstritos a uma medida drástica, prisão ou a da liberdade provisória.

Vemos que o sistema processual penal brasileiro permaneceu durante toda a sua breve historia adstrita a essa bipolaridade, o que por não raras vezes trazia injustiças severas, eis que não se tinha institutos processuais que dessem uma alternativa média. Somado ao fato de que em um juízo prelibativo, em que não se tem a segurança de uma instrução dialética e contraditória para subsidiar decisões, também raras não eram as vezes que réus que eram sentenciados com absolutórias passavam anos presos por forças de decretos acautelatórios.

Ora, não há como negar que opções que possam surtir efeitos desejados em um processo penal (garantir o resultado do processo penal) se mostram de grande valia dentro de um procedimento ainda tido como burocrático e por logo demorado. Sigamos com o raciocínio para melhores conclusões.

CAPITULO SEGUNDO: ESPÉCIES DE MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS DIVERSAS DA PRISÃO

Antes de nos aprofundarmos ao tema temos por premissa que analisar a diferença que há entre as próprias medidas cautelares. Basicamente podemos colacionar que o nosso ordenamento jurídico processual penal admite cautelares de reais: Sequestro (art. 125 CPP); Hipoteca Legal (art. 135, §6, CPP); a Caução (135, §6, CPP); o Arresto (art. 136 CPP). Temos ainda a cautelar probatória por excelência, a busca e apreensão, pois se busca provas ou produto de crime, e está disciplinada nos artigos 240 a 250 do CPP. E por último ainda temos as cautelares pessoais, tema do nosso estudo.

Vários foram as medidas cautelares diversas da prisão albergadas pelo legislador na citada reforma de 2011, visando justamente dar opção ao magistrado utilizar meios menos invasivos. Elas estão dispostas no art. 319 do CPP de forma exemplificativa, nada impedindo que o magistrado utilizando o seu poder geral de cautela utilize-se de outras. No citado artigo foram albergadas outras como: retenção de passaporte, proibição de se ausentar da comarca, proibição de contato com pessoas, dente outras. Passemos a nos debruçar no estudo das mais relevantes inovações da citada reforma.

A despeito da maioria das medidas cautelares, serem destinada ao juiz, o delegado de policia teve ampliada a possibilidade de aplicar medida cautelar diversa da prisão, na forma do instituto da fiança nos crimes apenados com pena privativa de liberdade até 4 anos, em uma escala de 1 a 100 salários mínimos.

Sem duvidas, e prudentemente, foi ao magistrado que se concentraram o maior numero de medidas cautelares, vez que ele é o verdadeiro garantidor da liberdade do cidadão, e a ele e quem deve ser dada a capacidade de restrição.

Vamos analisar agora famigerada prisão domiciliar, onde o indigitado fica restrito ao ambiente de sua casa ou as adjacências a depender do caso concreto.

Busquemos aqui distinguir uma confusão terminologica indesejadas intrínsecas ao tema, que têm gerado vasta discussão que são: prisão domiciliar, recolhimento domiciliar e do regime de pena domiciliar.

Em uma primeira analise, podemos pensar que tratamos de algo único, quando todos são distintos entre si, dessa forma requer-se uma analise mais aprofundada sobre o tema, onde verificaremos que o termo domiciliar é o único comum de todos, no entanto cada um se refere a um instituto processual penal. A prisão domiciliar refere-se a uma espécie de cumprimento de uma prisão preventiva. O regime de cumprimento domiciliar é uma forma especial de cumprimento da prisão pena, logo após transito em julgado de sentença penal condenatória, que somente pode ocorrer com este transito, conforme julgado recente do STF. (Caso Lula)

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Por ultimo, temos a recolhimento domiciliar, este sim uma medida pessoal cautelar diversa da prisão, disposta no artigo 319 do CPP.

CAPITULO TECEIRO: REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR PROCESSUAL PENAL

Agora deixamos um pouco de lado a analise em espécie das medidas cautelares pessoais diversas da prisão, para avaliarmos o artigo 282 incisos I e II, que traz requisitos para a imposição das medida cautelar diversas da prisão.

Eles encerram dois requisitos basicos, o da proporcionalidade e da necessidade. O primeiro quer determinar ao juiz que dentre as espécies de medidas cautelares, ele aplica aquela que seja mais ou menos restritiva, a proporção que o caso concreto necessitar. E o segundo requisito, incitamente conexo ao primeiro, que á demonstração da necessidade em concreto da aplicação da medida.

Percebe-se que a disciplina legislativa aos requisitos da das medidas cautelares diversas da prisão, em muito se assemelha a disciplina do art. 312 do CPP, pois que exigem com fundamento do decreto prisional preventivo, a verificação da periculosidade do agente, manifestada na sua possibilidade de reiteração criminosa em se mantendo liberdade do individuo.

Em ambos os casos o que se exige é a comprovação da necessidade da aplicação de medida que venha restringir, ou privar o “status libertatis” do individuo, que em regra constitucional, é pleno. É o que a doutrina julgou denominar como periculum in libertais, representando na periculosidade real que um indivíduo possui, manifestada através destes requisitos.

Em grande evolução jurisprudencial, os Tribunais superiores têm rechaçado qualquer fundamentação que seja embasada em concepções abstratas, ínsitas muitas vezes na própria tipicidade penal, conforme julgado colacionado.

Para a imposição de qualquer das medidas alternativas à prisão previstas no art. 319 do CPP é necessária a devida fundamentação (concreta e individualizada). Isso porque essas medidas cautelares, ainda que mais benéficas, representam um constrangimento à liberdade individual. STJ. 5ª Turma. HC 231817–SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/4/2013 (Info 521).

CAPITULO QUARTO: CONCLUSÃO

Com o fim da bipolaridade do processo penal, um grande avanço foi instaurado no nosso sistema processual penal, agora chamado de processo penal constitucional, pois que passa a ser fiel ao postulado da dignidade da pessoa humana, ao tratar o investigado e o processado como um sujeito de direito e não mais como um objeto de direito do jus puniend estatal. As medidas cautelares pessoais diversas da prisão trouxerem ao processo penal uma terceira via para buscar a garantia do resultado útil do processo penal e ao exercício do jus puniend estatal.

Além disso foram várias as opções de medidas diversas da prisão elencadas no artigo 319 do CPP, aos diversos tipos de casos enfrentados no dia a dia.

Mas os citados postulados constitucionais vão além de prestigiar opções menos drásticas ao tão caro direito de liberdade do cidadão, como a legislação de medidas opcionais a prisão, pois que os magistrados na sua atividade judicante tem o dever da fundamentação em concreto de suas decisões, mormente quando se presente um dos bens jurídicos mais caros, a liberdade.

Dessa forma, podemos concluir que o advento das medidas cautelares diversas da prisão foi efetivamente um grande avanço ao sistema penal e processual penal brasileiro. No entanto, tais medidas diversas da prisão também trazem repercussão a liberdade ambulatorial do investigado, mesmo que de forma restritiva (um menos em relação a prisão que é supressiva). Nossos postulados constitucionais determinam que como qualquer outra medida constritiva da liberdade, as medidas alternativas a prisão devem obediência aos requisitos constitucionais e legais para a restrição da liberdade, que apesar de serem um menos a privação, atingem em cheio um dos bens mais valiosos do ser humano, a liberdade.

Dessa forma, outra conclusão não há, que mesmo as medidas diversas da prisão, devem ter fundamentação em concreto da sua necessidade de aplicação, eis que são decisões que trazem prejuízo a um direito fundamental previsto em nossa constituição, devem sempre ser fundamentadas em concreto. Não podendo ser relegadas ao abstrato, ao subjetivo ou a completa livre convicção do magistrado, mesmo que sejam consideradas um menos, uma restrição a uma faceta apenas do direito de liberdade e não uma supressão como é a prisão.

REFERÊNCIAS

RANGEL, Paulo. Direito processual penal, Rio de Janeiro; Impetus 2015.

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito processual penal, Salvador; Juspodivm 2017.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 10. ed. rev. por Fernando Fragoso. – Rio de Janeiro: Forense, 1986.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal: 11. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007.

LIMA, Marcellus Polastri. A tutela cautelar no processo penal. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. Direito processual penal: e sua conformidade constitucional; 2.v. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes constitucionais da liberdade provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. – Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

PACHECO, Denílson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis; 5.ª ed., rev. e atual. – Niterói, Impetus, 2008.

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