As Big Techs Nos Tribunais?

14/02/2023 às 15:05
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O enfrentamento das Big Techs nos tribunais, mundo à fora, parece ser o ponto mais comum na relação entre consumidores e esses novos barões do petróleo. Se os barões usavam o combustível para determinar as regras da economia, os nossos novos gigantes de tecnologia, usam o peso da informação consolidada para determinar o que podemos ver, ou comprar.

Na nova economia digital, é a informação que pode gerar algum tipo de surpresa produtiva, útil, pois é a inteligência que cria um “novo” que funcione, ou que altere um curso de ação estabelecido, logo a concentração em poucos canais de publicidade digital é um limitador ao acesso a novas funcionalidades.

Por isso a sua circulação e comercialização livre, faz sim toda diferença e nisso reside o risco da concentração nas mãos de poucos, pois cada vez mais informação (produtos e serviço) é efeito, não estoque, ela é transformação, movimento, não armazenamento.

Ao dirigir nossas buscas os sites como o Google acabam por dirigir também nossas escolhas, resultando daí seu maior risco, pois pode sim manipular opiniões pela escolha preditiva do conteúdo ou da busca por compra de produtos e serviços. Alguém que não comprava passa a comprar, um mercado que não existia passa a existir, uma transação que demorava e agora é feita mais depressa, de forma menos custosa, com mais conveniência.

O que vem fazendo a diferença no mundo das organizações é geração de resultados por meio de ação alimentada pela informação. Logo informação, para um gestor, é sinônimo de inteligência para alterar, o que acaba por interferir no circulo de venda na medida em que a concentração em apenas duas lojas pode sim colocar prioridade nos aplicativos que sejam de sua preferência ou que paguem taxas maiores.

É o domínio da informação, e o uso dessa informação por esse oligopólio, que virou parte do contexto de investigações antitruste feitas com quatro gigantes de tecnologia, além do Google, Amazon, Apple e Facebook também estão na mira das autoridades americanas. As quatro empresas foram citadas em um relatório recente da Câmara dos Deputados dos EUA como donas de monopólios e podem sofrer diversas sanções no futuro.

Nos EUA, na visão do DOJ, o Google utiliza seu navegador para manter seu negócio de publicidade digital na dianteira da indústria, um mercado global de US$ 162,3 bilhões, cujo controle está com a empresa de buscas e o Facebook, juntas essas duas empresas possuem mais de 25% de toda verba publicitária do mundo.

No caso da proposta atualmente em discussão no DOJ venha de fato à tona, pode ser o primeiro caso de desmembramento de uma companhia em décadas nos EUA, é bom lembrar os casos mais notórios, que foram da Standard Oil, no início dos século XX, e da AT&T, nos anos 1980, como consequência dessa absurda concentração.

O Google controla dois mercados, o de busca e o de publicidade atrelada a busca. E é um negócio tão amarrado num canto a outro que tudo parece fazer parte dum conjunto. Pense então, o Chrome seria o browser mais popular do mundo se não fosse promovido pelo Google? A busca seria assim tão livre de concorrentes se não estivesse integrada a todos os smartphones com Android? Os Mapas seriam dominantes caso não fossem parte do todo?

É importante dizer que o Congresso não tem poder de dividir empresas num processo antitruste, isso só o Departamento de Justiça pode fazer, argumentando perante um juiz, mas pode legislar. Os democratas querem leis como as da Grande Depressão, que proibiram bancos de investimento de oferecerem serviços de banco no varejo, ou seja, leis similares proibiram empresas de atuarem em dois mercados paralelos que podem promover benefícios monopolistas.

Além de recomendar acompanhamento próximo da atuação das quatro empresas, a Comissão de Justiça da Câmara sugeriu uma profunda reforma da legislação antitruste. “A totalidade de evidências produzidas durante esta investigação demonstra a necessidade de ação legislativa e reforma”, diz o relatório da Comissão. “Essas empresas têm muito poder, poder que deve passar por escrutínio, supervisão e regulação.” Por conta das eleições americanas agora em novembro, nenhuma mudança prática deve ocorrer no curto prazo.

No mesmo momento, as autoridades de concorrência da União Europeia estão examinando com lupa o comportamento no mercado de "big tech", resultado da ação dos consumidores em levar suas práticas aos tribunais.

O Departamento de Justiça dos EUA entrou com uma ação contra o gigante de tecnologia Google por monopólio no setor de publicidade no final de janeiro, para o qual exigiu que o Tribunal do Distrito Leste da Virgínia o forçasse a desmembrar parte de seu negócio de publicidade.

Segundo o Departamento de Justiça, “o Google abusa de seu poder de monopólio para prejudicar editores de sites e anunciantes que se atrevem a usar produtos de tecnologia de anúncios concorrentes em busca de maior qualidade ou menor custo", O caso é liderado pelo próprio Departamento de Justiça, ainda que os estados da Virgínia, Califórnia, Colorado, Connecticut, Nova Jersey, Nova York e Rhode Island tenham aderido à ação legal.

Já na Europa, as coisas não parecem estar indo melhor para as empresas de tecnologia. E é que as associações de consumidores de todo o continente têm entrado com diferentes ações coletivas contra uma operação que consideram abusiva. Essas ações são baseadas no controle que a Apple e o Google exercem sobre o ecossistema de aplicativos. As ações pedem indenização por sua suposta sobretaxa na forma de comissões por compras de aplicativos, uma vez que não oferecem aos consumidores uma alternativa efetiva" aos seus sistemas operacionais e conteúdo dentro do aplicativo, o que tem dificultado a inovação e aumentado os preços.

Lembro que já em 2018, a Comissão Europeia impôs uma multa de €4.3 bilhões de euros ao Google por, entre outras coisas, vincular seu ecossistema de aplicativos Play Store a seus serviços de pesquisa e navegadores móveis.

O que se está denunciando na Europa, perante os tribunais é que, por um lado, quando se compra um telemóvel ou tablet com sistemas iOS ou Android, os dispositivos têm as suas lojas pré-instaladas para comprar aplicações. Como se não bastasse, cobram uma comissão de 30% sobre todas as compras efetuadas nas suas lojas alusivas ao desenvolvimento destas, o que vem sendo considerado uma posição de domínio de mercado".

O gigantismo dessas plataformas é sempre um convite ao diabo adormecido do oligopólio, e só os tribunais devem nos livrar das nossas garras.

 

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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