Governo da Bahia e a polêmica frase “Você precisa encontrar Jesus”

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"Normas sociais" e "normas morais" representam ideologias na sociedade, e a sociedade se compõem de comunidades.

A polêmica frase “Você precisa encontrar Jesus” repercutiu nas redes sociais. No entanto, as redes sociais merecem atenção dos advogados, dos defensores públicos, dos promotores de justiça (Ministério Público dos Estados), procuradores da República (Ministério Público Federal) etc. É necessário não somente aplicar "normas jurídicas". Essas normas diferem das "normas morais", "normas sociais".

"Normas sociais" e "normas morais" representam ideologias na sociedade, e a sociedade se compõem de comunidades. As comunidades possuem suas respectivas "normas sociais" e "normas morais". Por exemplo, uma comunidade formada por religiosos da tradição judaico-cristã podem considerar que a união homoafetiva é contrária à Lei de Deus. Logo, não pode ser celebrado casamento homoafetivo (homem com homem; mulher com mulher, na acepção biológica). Já a comunidade LGBT+ acredita que a união homoafetiva em nada viola à Lei de Deus. No entanto, é de se admitir na pluralidade de ideias presentes entre ambas as comunidades. Há LGBT+, com forte ligação com a religião de tradição judaico-cristã, que vive sob o manto da moralidade, isto é, retrai em si a sua natureza, LGBT+, para abraçar, fielmente, a ideia de que Deus não quer homem e mulher cisgêneros com comportamentos não heterossexuais. Há religiosos da tradição judaico-cristã a favor da união homoafetiva. Como podemos explicar tais divisões de pensamentos? Filosofia!

Quando o cristianismo surgiu, na humanidade, as bases ideológicas não estavam profundamente normatizadas. O que é certo? O que é errado? A espécie humana pode afirmar, peremptoriamente, o que Deus quer ou não quer? Para isso, faço menção de Santo Agostinho (354-430) e Tomás de Aquino (1225-1274).

Santo Agostinho (354-430) considerava impossível à espécie humana saber o que realmente Deus quer. Existiam duas Cidades, a de Deus e a dos Homens. No céu, a de Deus, na Terra, a dos Homens. "Dos Homens", a imperfeita, as infrações penais, os instintos. Quem criou tudo e todos possui uma mente e capacidade acima de todos os seres humanos. A inteligência humana é uma fração da potencialidade da inteligência de Deus. O mal é o resultado das escolhas dos seres humanos, e não de Deus. É o livre arbítrio dos seres humanos. "Aplicar justiça", como se idealiza atualmente, pelos "bons cidadãos", não é possível, ou seja, é uma falácia, pois a "Justiça de Deus", pela ideologia de Santo Agostinho, é impossível de ser compreendida pelos seres humanos. Sendo a espécie humana, os filhos de Deus, impossíveis de alcançar e compreender a Lei de Deus, os crimes humanos não devem ser condenados pelos seres humanos? Para Agostinho, ainda que as leis humanas sejam desapartadas da Lei de Deus, por uma questão social, o Direito (Humano) deve existir, para fácil compreensão, ainda que o Poder Legislativo cria leis, o Poder Judiciário as aplique, ainda que injustas — “injustas” pela ótica dos direitos humanos —, sem o Judiciário avaliar se as leis sejam justas ou injustas.

Pensemos na questão dualista, por exemplo, do revogado Código Civil de 1916 e a CRFB de 1988. Em tempos, infelizmente, de feminicídios, é necessário sempre relembrar a importância da dignidade humana na CRFB de 1988. Entende-se por “dignidade” uma característica inerente à espécie humana, e não a determinados seres humanos. A “dignidade” é o ser humano individual oponível à “maioria”, isto é, a “maioria”, por qualquer ideologia (política, religiosa etc.) não pode instrumentalizar, objetificar qualquer ser humano que não esteja “de acordo” com as normas morais e as normas sociais da “maioria” (grupo que detém os poderes estatais). Das mudanças no Código Penal de 1940, o adultério era somente por parte da mulher, não do homem. Atualmente, inexiste o crime de adultério no CÓDIGO PENAL.

Considere a possibilidade de uma Nova Constituição Federal. Nessa Constituição, o texto estabelece uma norma no corpo constitucional: “O homem e a mulher possuem direitos, contudo, é o homem, pela sua capacidade, de gerir o lar, a família e os negócios”. O poder constituinte originário não está atrelado ao que era normatizado na CRFB de 1988. Desse texto normativo, pode-se pensar na possibilidade de o crime de adultério, feminino, ser recepcionado na nova ordem jurídica. Se os homens têm capacidade, os homens sabem o que é melhor para as mulheres, a sociedade e a família. Uma vez que há a possibilidade de “repristinação” pela nova ordem jurídica.

Analisemos:

DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942

“Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue:

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

“Salvo disposição em contrário”, de quem, de quais interesses ideológicos incongruentes com o desenvolvimento dos direitos humanos no Brasil? Podemos, conjuntamente, analisar o Projeto de Lei da Câmara n° 122, de 2006. Esse projeto foi arquivado. Tramitou de 2006 até o ano de seu arquivamento, em 2017. O escopo do PL era a criminalização da homofobia. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) compreendeu que homofobia e transfobia são crimes de racismo e, por omissão legislativa — tramitação do Projeto de Lei da Câmara n° 122, de 2006 e seu arquivamento em 2017 —, os ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) entenderam, pelo princípio constitucional “dignidade humana” (art. 1º, III), dos objetivos (art. 3º) da própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB de 1988), do compromisso internacional (ART. 5º, §§ 2º e 3º, da CRFB de 1988) para aplicação, manutenção, defesa e aperfeiçoamento dos direitos humanos.

Dos expostos, comprei uma imagem de Nossa Senhora para colocar num terreiro de Umbanda. Há crime de vilipêndio? O policial é agente público, os atos devem ser, em regra, vinculados. Numa infração de trânsito terrestre (Art. 181, III, do CTB), pode o condutor de automóvel desobedecer ordem de policial por ele ser LGBT? Entre normas morais e normas jurídicas, pode-se mandar o motorista do ônibus retirar duas adolescentes se beijando na boca? Pode o ocupante de cargo eletivo entregar as chaves para Deus por se dizer “designado por Deus” e que Deus e suas leis estão acima do ordenamento jurídico pátrio? Se, pelo conhecimento dos direitos humanos na atualidade, verificarmos como foi a História do Brasil, podemos considerar a saga deste país como desumano?

Por que do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos? Por que de parceria entre Judiciário brasileiro e a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos? Basta, tão somente, "o que está escrito".

“Você precisa encontrar Jesus”: “Não é só Jesus. O princípio básico de todas as religiões é o amor, o que basta é encontrar aquela que te faz bem e que eleve a espiritualidade e o afeto entre as pessoas.”

O governo da Bahia gerou intolerância religiosa na frase acima? Contextualização! Houve e há aumento da intolerância religiosa contra a religião de matriz africana. “Não é só Jesus"; podem ser: Buda; Shiva; Exu; El Shadai (um dos nomes de Deus da tradição judaica); Tupã (Deus indígena).

"(...) encontrar aquela que te faz bem e que eleve a espiritualidade e o afeto entre as pessoas", não é criar intolerância religiosa e, muito menos, condenar, repelir, abolir qualquer religião. Séria intolerância religiosa se houve "Sua religião destrói pessoas". Outras frases:

  • “Não é só Jesus. Quem defende Jesus, na realidade, age com intolerância religiosa";

  • "A religião de Jesus causou na História humana mais mortes do que paz".

Na frase "A religião de Jesus causou na História humana mais mortes do que paz". Jesus jamais mandou perseguir, matar, expulsar LGBT+, feministas, outras etnias, outras religiões etc. Digo isso pelo motivo de que para quem for estudar Direito, especialmente Filosofia do Direito, o choque ao ouvir que Jesus não mandou, mas o seres humanos fizeram. Ou seja, descompasso entre fazer, da espécie humana, e os princípios éticos e morais nas passagem de Jesus. Alguns leitores poderão pensar "E os ateus"?

Santo Agostinho (354-430) e Tomás de Aquino (1225-1274). No primeiro, a fé como salvação, como "estar" em sintonia com Deus e sua Leis. Tomás de Aquino, a fé e os atos são basilares para a sintonia com Deus. Podemos considerar o não extermínio dos povos indígenas no Brasil. Se esses povos não possuem fé, mas agem como se fossem cristãos, a simetria com Deus dos "civilizados" — Tomás de Aquino. Agora, na visão agostiniano, se não tem fé, não é cristão. E como não cristão, a incompatibilidade de viver junto com cristãos.

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Há debates, entre judeus e católicos, sobre se Jesus é O Salvador ou não. Para o Direito, tais discussões não fazem parte do mundo jurídico, pois o Estado é laico, a liberdade de crença é direito constitucional. A única importância que o estado brasileiro deve dar para as religiões: que sejam livres e que nenhuma tente abolir outra religião.

Supremo Tribunal Federal decretou "a morte de Deus" na ADPF 811 . Para alguns, o STF "matou Deus" na Terra, "rasgou a CRFB de 1988" etc.

"Deus morreu", assim disse Nietzsche (Gaia Ciência ). Calma! O filósofo não queria destruir nenhum religioso, muito menos Jesus e Igrejas. Seu questionamento era quanto ao fato de se negar o mundo físico, pelos religiosos (católicos), por um mundo extracorpóreo. Nega-se a vida na ideia de um mundo melhor além-túmulo; nega-se as pulsões humanos por uma moral repressiva. Ou seja, para o filósofo existencialista existia a Estrutura Religiosa do Pensamento. Dessa estrutura, a oposição entre o "bem" e o "mal". O além-túmulo é superior à vida física — a não ser que se abrace a Teologia da Prosperidade (TP). Se a Terra é "má", o céu é o "bom". Essa forma de pensar aterrorizou a humanidade por séculos. É a filosofia moral da Igreja (Católica). Claro, sem Deus, pela sua "morte", os ideais políticos morrem, toda a filosofia moral de "certo" ou "errado" desaparece. Ainda com a "morte de Deus", tudo o que o homem inventara para poder viver também morreria.

A parte acima não foi dita, hoje, por nenhum ministro do STF, mas foi citado Nietzsche. De certo modo, pelas decisões dos ministros — Edson Fachin, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso —, a favor das medidas sanitárias proibindo missas e cultos Supremo Tribunal Federal (Relator vota contra liberação de cultos e missas na pandemia ), "Deus morreu".


REFERÊNCIAS

  • BRASIL. Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ). Parceria do STF com CIDH propõe desenvolvimento do Judiciário na área de direitos humanos. Disponível em: https://amaerj.org.br/noticias/parceria-do-stf-com-cidh-propoe-desenvolvimento-do-judiciario-na-area ...

  • ______. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). CADERNOS DE JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: CONCRETIZANDO DIREITOS HUMANOS. DIREITO DAS PESSOAS LGBTQIAP+. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/12/cadernos-stf-lgbtqia-3.pdf

  • ______. Supremo Tribunal Federal (STF). COLETÂNEA TEMÁTICA DE JURISPRUDÊNCIA. Atualizada até o DJE de 16 de junho de 2017 e o Informativo STF 868. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/anexo/CTJ_Direitos_Humanos.pdf

  • Labedu.org. Conhecendo os deuses da mitologia indígena brasileira. Disponível em: https://labedu.org.br/conhecendo-os-deuses-da-mitologia-indigena-brasileira/

  • MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito / Alysson Leandro Mascaro. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.

  • O livro das religiões / [editora Camila Wemer]; [tradução Bruno Alexander], - [2. ed.| - São Paulo : Globo Livros, 2016.

  • TODXS. Por um Brasi linclusivo e livre da discriminação. Disponível em: https://www.todxs.org/

  • Safernet. Xenofobia, intolerância religiosa e misoginia foram os crimes denunciados à Safernet que mais cresceram nas eleições. Disponível em: https://new.safernet.org.br/content/xenofobia-intolerancia-religiosa-e-misoginia-foram-os-crimes-den ...

  • WARBURTON, Nigel. Uma Breve História da Filosofia. Tradução de Rogério Bettoni. Ed.L&M.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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