ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
LEI Nº 6.015, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1973
Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:
I - os nascimentos; (Regulamento) (Regulamento)
II - os casamentos; (Regulamento) (Regulamento)
III - os óbitos; (Regulamento) (Regulamento)
V - as emancipações;
V - as interdições;
VI - as sentenças declaratórias de ausência;
VII - as opções de nacionalidade;
VIII - as sentenças que deferirem a legitimação adotiva.
§ 1º Serão averbados:
(...)
f) as alterações ou abreviaturas de nomes.
DECRETO Nº 8.727, DE 28 DE ABRIL DE 2016
Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Art. 1º Este Decreto dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, considera-se:
I - nome social - designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida; e
II - identidade de gênero - dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento.
Art. 2º Os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em seus atos e procedimentos, deverão adotar o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com seu requerimento e com o disposto neste Decreto.
Parágrafo único. É vedado o uso de expressões pejorativas e discriminatórias para referir-se a pessoas travestis ou transexuais.
Art. 3º Os registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter o campo “nome social” em destaque, acompanhado do nome civil, que será utilizado apenas para fins administrativos internos. (Vigência)
Art. 4º Constará nos documentos oficiais o nome social da pessoa travesti ou transexual, se requerido expressamente pelo interessado, acompanhado do nome civil.
Art. 5º O órgão ou a entidade da administração pública federal direta, autárquica e fundacional poderá empregar o nome civil da pessoa travesti ou transexual, acompanhado do nome social, apenas quando estritamente necessário ao atendimento do interesse público e à salvaguarda de direitos de terceiros.
Art. 6º A pessoa travesti ou transexual poderá requerer, a qualquer tempo, a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Resolução Nº 348 de 13/10/2020
Execução Penal e Sistema Carcerário; Gestão e Organização Judiciária; Direitos Humanos; Igualdade de Gênero;
Ementa
Estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente.
(...)
Art. 6º Pessoas autodeclaradas parte da população LGBTI submetidas à persecução penal têm o direito de ser tratadas pelo nome social, de acordo com sua identidade de gênero, mesmo que distinto do nome que conste de seu registro civil, como previsto na Resolução CNJ nº 270/2018.
Parágrafo único. Caberá ao magistrado, quando solicitado pela pessoa autodeclarada parte da população LGBTI ou pela defesa, com autorização expressa da pessoa interessada, diligenciar pela emissão de documentos, nos termos do artigo 6º da Resolução CNJ nº 306/2019, ou pela retificação da documentação civil da pessoa.
MORAL SOCIAL E DIREITO ENQUANTO JUSTIÇA
A bem da verdade, muito pouco mudou os conceitos morais no Brasil. O Direito mudou, enquanto normas jurídicas; o inconsciente coletivo do povo, não. O Direito, enquanto normas jurídicas, tenta mudar o inconsciente coletivo do povo, por aplicação do Direito Penal. O sentido de "justiça", pela prevalência da "dignidade humana", não logrou o êxito esperado. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos mostrou-se pífio diante do inconsciente coletivo do povo. Apesar de alguns brasileiros compreenderem o sentido da "dignidade humana", nos últimos anos, o levante de brasileiros com mentalidades da Idade Média. Quem vive pelos conceitos libertadores da Idade Contemporânea (1750 d.C. até hoje), dificilmente irá se comportar e pensar em racismo. Não quer dizer que a Idade Contemporânea (1750 d.C. até hoje) é um berço esplendoroso de justiça, no sentido da prevalência da dignidade humana. Foram necessárias lutas, corporais e/ou contra-argumentativas (filosóficas, antropológicas, sociológicas etc.) para se consolidar o termo "direitos humanos" como "direito internacional".
Se a Segunda Guerra Mundial é considerado o "marco zero" da "bestialidade da espécie humana", pelas ações dos nazistas, esse "marco zero", com consequências profundas para o Direito Internacional do Direitos Humanos, mostrou-se tênue diante de séculos e séculos de de ignóbeis comportamentos, pensamentos sobre "quem são os melhores seres humanos?".
Nome social de transexual como dignidade humana e repúdio ao racismo. A palavra "racismo" deve ser compreendida não somente como "exclusão" social, também abarca "integração" (guetos, enquanto identificações sociais de "bons" e "maus" seres humanos, ainda que possam os "bons" e "maus" seres humanos compartilharem os mesmos locais, sem que haja a dignidade humana) e "segregação" (guetos, enquanto identificações sociais de "bons" e "maus" seres humanos, com nítida separação de seres humanos pelas características religiosas, étnica etc.).
Ainda há pessoas que não admitem identificações da sexualidade por características diferentes dos órgãos genitais, ou seja, homem é homem por ter pênis, enquanto mulher é mulher por ter vagina. Fica mais "evidente" a separação de sexos, entre homens e mulheres, pela capacidade reprodutiva inerente ao ser humano que possui útero. O aprofundamento desta questão se acirra quando se aborda ideologia religiosa. No Brasil, a ideologia conservadora considera o Estado como meio para o conservadorismo, de forma que a população LGBT+ não seja "inclusa" socialmente, mas tão somente, dependendo do caso, "integrada" (integração) ou "segregada" (segregação).
A mudança de nome (sobrenome ou prenome) é uma realidade há muito tempo para os heterossexuais. Pense no nome Kumiu Tanaka Júnior. Nas rodas de "amigos" pode ser desdobrado para "Comi Tanaka Júnior". Para os "amigos" é "brincadeira", para Tanaka Júnior é "bullying". Da reclamação de Tanaka Júnior, os "amigos" dirão que "Comi Tanaka" está de "mimimi". O convívio social pressupõe empatia. É a empatia que permite a sociedade, com suas diversas comunidades, conviver "com urbanidade". Aliás, "urbanidade" refere-se "urbano", isto é, morador de centro urbano. E quem mora fora dos centros urbanos é troglodita? Temos na própria palavra o sentido pejorativo. Moradores "caipiras" não moram em "centros urbanos"; moradores "caipiras" não se apresentam como "inclusos" na "urbanidade", mas " "integrados" (integração) ou "segregados" (segregação). O preconceito linguístico, muito bem explanado no livro Preconceito Linguístico: o que é e como fazer, do pesquisador e escrito Marcos Bagno, ainda se encontra presente na sociedade brasileira.
É notório, por exemplo, o aumento, nos últimos anos, da "intolerância religiosa" contra religiões de matriz africana. Se existia certo "convívio pacífico" entre religioso "macumbeiros" e religiosos "de Deus" (tradição judaico-cristã) — percebe-se um certo convívio de "integrados macumbeiros" (integração) ou "segregados macumbeiros" (segregação) com os "bons religiosos" (tradição judaico-cristã) —, a situação mudou. "Chute na Santa", quando pastor chutou imagem de santa católica, foi um dos ápices da intolerância religiosa. É também notório que os próprios religiosos, das igrejas evangélicas, somente conseguiram algum status social positivo, no Brasil, a partir dos anos de 1990. Eram considerados "seguidores de seita" pelos católicos. Acredito que não todos os católicos são racistas, assim como evangélicos. Podem religiosos de matriz africana serem racistas? Não vejo nenhum movimento para promoção da integração ou segregação de religiosos da tradição judaico-cristã. Há mágoas dos religiosos de matriz africana? Acredito que sim, pois os seus adeptos, desde os primeiros escravos no Brasil, não puderam externalizar "inclusivamente" a fé nos Orixás.
Percebem, caros leitores, que o racismo no Brasil é sistêmico? Se Kumiu Tanaka Júnior quer mudar para Carlos Tanaka Júnior, o Estado concede este direito, sem, atualmente, burocracias administrativas. É o respeito da República Federativa do Brasil para a dignidade de Tanaka. Melhor dizendo, da sociedade brasileira (art. 3º, da CRFB de 1988).
Se Francisco, de sexo biológico masculino, quer ter o nome social de Ana, não há o porquê de negar. "Mas nasceu homem e não mulher!", assim dirão alguns. Uma criança nasce já determinada para ser "católico", "protestante", "umbandista", "budista", "maçon", "rosacruz"? Não! Pode ser influenciada, primeiramente, pela própria família, pela comunidade na qual vive. Isso não impede, quando adulto seja agnóstico, ateu. Se existe liberdade religiosa, deve-se aos pensadores da liberdade, como John Locke, em Carta sobre a Tolerância.
A ciência evolui, fato. Se o pensamento de seres humanos também evolui, a premissa não é verdadeira, outro fato. E "assim caminha a humanidade". Ainda que a ciência não conseguisse comprovar que LGBT+ é fator emocional, genético ou psíquico, isto não é desculpa para o utilitarismo teológico decidir quem é o quê, e como deve ser cada ser humano. Se assim for, vamos rasgar a Carta sobre a Tolerância. E qual religião deve ser a oficial do Estado? Sendo oficial, o Estado religião, através da religião oficial, tem o direito de excluir, integrar ou segregar religiões "demoníacas"? Tempos sombrios se ocorrer em pleno século XXI, ou posteriores.
A dignidade humana é. É a liberdade individual diante da comunidade, da sociedade e, principalmente, perante o Estado. As tentativas de refutar ideias em defesa da dignidade humana, como sendo "mimimi", é a obscuridade mental diante da própria existência. O opressor, nalgum momemo, pode ser o oprimido. Afirmar que a mudança do nome social, para os LGBT+ é uma fronta social assegura premissa de que a sociedade, quando utilitarista, é também afronta para o ser humano racional, não dogmatizado, não "menor" (O que é o Iluminismo? - Immanuel Kant).
Católicos, protestantes, evangélicos gostariam de ser chamados de "médiuns"? Isso soaria como Espiritismo (kardecismo). Soaria como "afronta", e processos judiciais em defesa da honra dos "maculados".
Não importa de Carlos é católico, protestante, evangélico, umbandista, ateu, agnóstico. "Carlos" não nasceu Carlos, o prenome "Carlos" é uma escolha dos pais, biológicos ou não. Assim como o ser humano Carlos (homem cisgênero) não gostará de ser chamado de "João", "Paulo", "Agostinho" etc., por não ser sua "identidade" e não ter ligação emocional com seus pais (heterossexuais ou LGBT+), "Maria", como nome social para transexual, refere-se à identidade, ao emocional.
A LEI Nº 14.532, DE 11 DE JANEIRO DE 2023 trouxe mudanças para a LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989. "Racismo" e "injúria racial", juridicamente, antes da LEI Nº 14.532, DE 11 DE JANEIRO DE 2023, eram diferenciadas, tanto que as penas eram desiguais. Com a promulgação da LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989, "injúria racial" se equipara ao crime "racismo". A "palavra" racismo deve ser entendida como "segregação" e "integração". Do "menosprezo", do "escárnio", do "preconceito", da "intolerância", da "perseguição", do "impedir de", as existências da "segregação" e da "integração", jamais da "inclusão" (dignidade humana).
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Câmara dos Deputados. Nova lei libera troca de nome direto no cartório e sem ação judicial. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/12/nova-lei-permite-troca-de-nome-direto-no-c....
_______. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Resolução Nº 348 de 13/10/2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3519#:~:text=acerca%20da%20autodeclara%C3%A7%C3%A3o.-,Art.,Par....
_______. Ministério Público de São Paulo. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE MINORIAS SEXUAIS: ENTRE A IDADE MÉDIA E A PÓS-MODERNIDADE. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_pro...
_______. Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Cartilha: Garantia do Nome Social para Pessoas Travestis e Transexual. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Folders/cartilha_nome_social.pdf
_______. Senado Federal. Nova lei libera troca de nome direto no cartório e sem ação judicial. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/12/nova-lei-permite-troca-de-nome-direto-no-c....
____________________. A não-discriminação como direito fundamental e as redes municipais de proteção a minorias sexuais – LGBT. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/47/186/ril_v47_n186_p89.pdf
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Dia da Visibilidade Trans: confira decisões do STF que garantiram direitos de travestis e transexuais. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp
____________________________. STF enquadra homofobia e transfobia como crimes de racismo ao reconhecer omissão legislativa. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010