O diabólico carro alegórico do Salgueiro no Estado laico

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A imagem acima gerou vários comentários nas redes sociais. Para o Direito, nada tem de questionar, repudiar. Pelo ordenamento jurídico pátrio, inexiste qualquer norma condenando quem adorar qualquer deus. Ainda que fosse expressa adoração do demônio, seja qual for, nenhum cidadão brasileiro poderia acionar agentes de segurança para impedir “tamanha heresia”. E se agentes impedissem o desfile do “carro do capeta”, o ato administrativo seria ilegal (ilegalidade), com efeito “ex tunc”, isto é, “retroativo”.

Corpos femininos quase como “Eva” — a primeira mulher criada por Deus, mas qual Deus de qual religião?

O rebolado, para alguns, representam o “gingado da mulata”. Era “gingado da mulata”, pois, com as transformações, da “má cultura” (negra) para a “boa cultura” (branca), o “gingado da mulata” transformou-se em “gingado da branca educada”. Essa transformação, apropriação cultural, não agradou todos os brasileiros. Não se faz distinção entre “gingado da mulata” ou “gingado da branca educada”, o corpo feminino é o corpo do pecado, da tentação aos homens, cisgênero. Esquecem esses brasileiros, que o corpo feminino também pode ser o prazer não masculino (cisgênero), no entanto, para mulheres lésbicas.

Se há péssima influência para as crianças, não podemos nos esquecer dos programas de auditórios, no Brasil, nos anos de 1990 cujas cenas, televisivas, escandalizaram os ultraortodoxos religiosos, não os religiosos liberais, pelo “liberal na economia”.

O ESTADO LAICO DE PAPEL

O ano é 1989, um ano após a proclamação da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 (CRFB de 1988). A Escola de Samba Beija-Flor, como é visível na imagem acima, foi censurada pelo Estado brasileiro, a pedido da Igreja Católica Apostólica Romana, do Rio de Janeiro. Na época, o idealizador da imagem de Jesus Cristo crucificado, com indumentária que se assemelhava aos trapos de um mendigo, não gostou da censura do Estado, por influência da Igreja Católica. Como forma de protestar contra a influência da Igreja e da decisão da Justiça, o carro alegórico foi colocado no desfile da Beija-Flor. Detalhe, Jesus Cristo Mendigo estava coberto por sacos plásticos.

O carnaval é “político”? Sim! Geralmente, para se diluir temas sensíveis na sociedade brasileira, principalmente sobre reivindicações das “minorias” — negros, indígenas, LGBT+, religiosos de crença não judaico-cristã, feministas —, qualquer fato que lembre “minoria” é considerado “jogo político”, “ideologia política”, ou qualquer outro nome que se queira dar. Política é a vida em sociedade; esta formada por diversas comunidades, cada qual com suas respectivas ideologias. O Poder Legislativo é formado por seres humanos, desde faxineiros até deputados e senadores. São os “representantes do povo” (art. 1°, parágrafo único, da CRFB de 1988) responsáveis por materializarem, em normas, as ideias, as aspirações do povo (soberano). Como “povo”, as diversas ideologias. Claro, a ideologia dominante (utilitarismo) foi, por séculos, determinante para o “bom viver”. Desse “bom viver”, as relações humanas dentro e fora dos lares brasileiros. Já sendo redundante, por explanar em muitos artigos, poucos brasileiros tinham isonomia e dignidade quando comparados com brasileiros considerados “bons cidadãos”, ou seja, na entoada de Ordem e Progresso, a bandeira brasileira está estampada em bonés, camisas. O sentimento de patriotismo se faz. Os defensores oradores, os patriotas (Ethos), entoam os conteúdos de seus discursos (Logos) para emocionar (Pathos) o público, de maneira que os defensores oradores consigam a aceitação pelos seus próprios argumentos racionais, lógicos (Logos). O grandíssimo problema do Logos é que não há lógica nenhuma. Os defensores oradores, que se dizem realmente patriotas (Ethos), apesar de conseguirem emocionar (Pathos) o público, não agem em defesa da própria Pólis (Estado Democrático de Direito). As atitudes cívicas dos bons cidadãos, na realidade, são aparentes.

Carnaval é a expressão de uma etnia, a negra. As letras dos sambas-enredo invocam isonomia (princípio da isonomia), dignidade (dignidade da etnia negra), tolerância religiosa (o Estado laico e sua proteção), interesse público (a eficiência administrativa na prestação de serviços públicos), a impessoalidade dos gestores públicos (desenvolvimento urbano isonômico — Estatuto da Cidade — e não para lobistas imobiliários). No entanto, a festa popular não se resume nas reivindicações dos negros. Vai muito além. O carnaval, através dos sambas-enredo, exigem os fins desejados pelo Estado: são os “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Oxalá ilumine e direcione os representantes do povo! Pois o machado de Xangó é a justiça: ação e reação!

REFERÊNCIAS:

BBC BRASIL. Como o Cristianismo moldou a figura de Satanás para combater outras religiões. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-45108192

________. Ponto de vista: por que é importante saber que Jesus não era branco. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-47985039

BRASIL. Senado Federal. ESTADO LAICO E DIREITOS FUNDAMENTAIS. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/vol....

____. Biblioteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional. A MARGINALIZAÇÃO DO SAMBA. Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/exposicoes/ai-ai-ai-cem-anos-o-samba-faz/a-marginalizacao-do-samba/

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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